sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Golpe - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

A lógica por trás de todos os golpes é enfraquecer instituições para concentrar poder

A Constituição brasileira não possui uma definição precisa de golpe. Pensamos, de forma geral, que golpe é a tomada de poder de forma inconstitucional. A tomada clássica, digamos, seria o impedimento de eleições. Mas há muitas formas de ampliar o poder de forma inconstitucional.

Ao que parece, Bolsonaro se reuniu com militares, pressionou instituições e fez discursos que incentivavam atos golpistas. Em um famigerado desfile de 7 de Setembro na Avenida Paulista, Bolsonaro disse que só sairia do poder preso, morto ou com vitória. O ex-presidente deve ser julgado ainda neste ano por tentativa de golpe. Bolsonaro parecia envolvido em um clássico “coup d’état” latino-americano que, felizmente, falhou.

Mas nem todo golpe acontece de maneira explícita. Há também tentativas mais sutis de captura do Estado por dentro. A lógica subjacente é a mesma: enfraquecer instituições para concentrar poder. No governo Bolsonaro, interferências na Polícia Federal e mudanças em entes federais foram feitas sob o mantra da eficiência, mas funcionaram para colocar aliados e não técnicos.

Discurso semelhante aparece nos EUA. Na sua última coluna para o Financial Times, Martin Wolf alertou para o desmantelamento do serviço público americano pelo Department of Government Efficiency, de Elon Musk. A justificativa é de que um Estado menor significa maior eficiência. Mas, como bem apontou Wolf, a ausência de pessoal qualificado pode levar ao colapso administrativo e abrir caminho para decisões centralizadas e personalistas.

De acordo com o Washington Post, candidatos a altos cargos de segurança nacional estão sendo questionados sobre suas crenças nas alegações infundadas de Trump. Perguntas como “a eleição foi roubada?” e “o ataque ao Capitólio foi uma ação interna?” mostram como um processo de filtragem ideológica pode minar a neutralidade do Estado.

Quando até ataques explícitos à democracia, como os atos do 6 de Janeiro nos EUA e do 8 de Janeiro no Brasil, são minimizados, ações mais discretas de corrosão institucional passam quase despercebidas. O desgaste da máquina pública deixa de ser visto como ameaça real disfarçado de eficiência.

Golpes clássicos, tentativas de captura do Estado por dentro ou o desmonte estratégico da administração pública seguem a mesma lógica: enfraquecer a capacidade do Estado para subordiná-lo a um projeto autoritário. Será que estamos assistindo, em diferentes formatos e intensidades, a um processo de corrosão da democracia moderna?

 

Nenhum comentário: