segunda-feira, 7 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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SUCESSÃO DE SÃO PEDRO

Ascenso Ferreira



- Seu Vigário!

Está aqui esta galinha gorda

que eu trouxe pro mártir São Sebastião!


-Está falando com ele!

-Está falando com ele!



Quem é Ascenso Ferreira:


Poeta pernambucano, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu na cidade de Palmares no ano de 1895. Dizem que começou a atividade literária enganado, compondo sonetos, baladas e madrigais. Depois da "Semana de Arte Moderna" e sob a influência de Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira e de Mário de Andrade, tomou rumos novos e achou um caminho que o conduziria a uma situação de relevo nas letras pernambucanas e nacionais. Voltou-se para os temas regionais de sua terra que foram reunidos em seus livros "Catimbó" (1927), "Cana caiana" (1939), "Poemas 1922-1951" (1951), "Poemas 1922-1953" (1953), "Catimbó e outros poemas" (1963), "Poemas" (1981) e "Eu voltarei ao sol da primavera" (1985). Foram publicados postumamente, em 1986, "O Maracatu", "Presépios e Pastoris" e "O Bumba-Meu-Boi: Ensaios Folclóricos", em livro organizado por Roberto Benjamin. Distingue-se não pela quantidade, mas pela qualidade, atingindo não raro efeitos novos, originais, imprevistos, em matéria de humorismo e sátira. O poeta faleceu na cidade do Recife (PE), em 1965.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NASCE EM MINAS A ALIANÇA BRANCA
Wilson Figueiredo

Com espírito pragmático e senso de oportunidade, o presidente Lula fez crítica de raspão aos dirigentes nacionais do PT numa solenidade em Itajubá (MG) e, a contrapelo do que se passou nos bastidores, providenciou o elogio rasgado da aliança branca entre o PT e o PSDB no caso do candidato comum a prefeito municipal de Belo Horizonte. Não perdeu oportunidade de fazer política como se fosse história viva.

O presidente perfilhou, soberano, o candidato emprestado pelo PSB sob a dupla custódia do governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito Fernando Pimentel (PT), e abençoou a escolha de Márcio Lacerda (PSDB), um socialista capaz de unir as duas variantes de uma esquerda mais nostálgica do que ideológica. E ainda comunicou que vai subir no palanque do candidato antes de pingar o ponto final. Quem não gostou pode se queixar ao bispo, como já foi de praxe.

"Vou participar pouco das eleições", ressalvou Lula aos matizes social-democrata e petista envolvidos na questão mineira, para deixar clara sua presença no episódio: "até porque é importante a continuidade do projeto". É aí o endereço do mistério. A equação que reúne o petismo e o social-democratismo praticados nas montanhas continua a ter uma única incógnita que vale por duas. Que produto substituirá, finalmente, o café-com-leite que sustentou a Primeira República interrompida em 1930 pelo advento do chimarrão?

Na avaliação presidencial, a aliança PT-PSDB em Minas "é plenamente aceitável, viável e importante". A frase teve a intenção de abrandar o sectarismo que trava o exercício da democracia no dia a dia. Quer dizer que Lula não pretende mais do que patrocinar o bom uso da oportunidade? Não arriscou fazer profecia, mas quis dar o toque de tolerância que falta à normalidade política brasileira. Avaliou que "o PAC está dando certo" como programa de obras para manter a coesão num governo de coalizão, embora com mais partidos do que o necessário para servir a uma democracia refém de contradições. E ainda mostrou disposição de ir a comícios da campanha porque – no caso de Belo Horizonte – a boa relação entre o governo municipal e o estadual tem sido benéfica até para ele, e a aliança em torno de um tertius não prejudica ninguém. Ao contrário, multiplica a credibilidade dos partidos.

Por motivo da inversão de rumo que as coisas iam tomando, as palavras de Lula não ganharam fora de Minas a repercussão que mereciam. Tiveram apenas sentido reparador das tensões de natureza ética na vida brasileira, seguida de acomodação política a práticas menos nobres, sempre em nome da democracia e a pretextos menores. "As divergências políticas têm de ser encaradas com certa naturalidade, porque é assim mesmo", explica o presidente bonachão, sem enrolar a língua com teoria política ou pretensas razões científicas. Política entre nós ainda não é isto que Lula se dispõe a patrocinar junto aos dois partidos de impreciso teor de esquerda.

O marco zero do novo estilo de Lula foi a contundente repulsa ao terceiro mandato que lhe quiseram impingir, embora insuficiente para dissolver a suspeita acumulada. A declaração oral de Itajubá inaugurou o novo percurso presidencial, mas há muito chão a ser percorrido depois da eleição dos prefeitos e antes da sucessão da República. Ele já percebeu, mais à frente, o esboço de alguma dificuldade suficiente para reativar divergências e instalar o impasse. Dificuldades decorrentes da eleição deste ano e expectativa econômica sombria, no encaminhamento da sucessão, poderiam levar o presidente a advertir que não contem com ele para qualquer solução que não seja estritamente constitucional.

No momento em que superou o risco da deposição, da qual já chegam pormenores à opinião pública, Lula se reconheceu nos fatos e encantou-se com o perfil de homem de Estado em que se sentiu nos momentos difíceis. As pesquisas fizeram a balança pender para o lado dele. O presidente situou-se acima da identidade petista e das deficiências políticas brasileiras, no que respeita à democracia, e repeliu a hipótese sem fundamento legal. É só, por enquanto.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

MALES QUE VÊM PARA O BEM
Leôncio Martins Rodrigues


A discussão sobre os objetivos da luta armada e sua contribuição para o fim do autoritarismo militar voltou a freqüentar as páginas dos jornais. Para ganhar legitimidade e justificar pedidos de indenização de natureza variada, é importante que se consolide a versão de que a guerrilha era democrática e contribuiu de modo relevante para a derrota do autoritarismo militar. O historiador Marco Antonio Villa já demonstrou (*) a falácia dessa interpretação. Não teríamos nada a acrescentar ao seu texto, mas, para os fins de nosso raciocínio, necessitamos repisar certos pontos.

Não há como negar que o objetivo final de todos os grupos de luta armada era o socialismo. Não seria para defender a democracia "burguesa" e o pluralismo político que Marighella, "Toledo" e outros romperam (em 1966) com o reformista e legalista PCB, optaram pela via revolucionária e criaram a Ação Libertadora Nacional (ANL). A derrota do regime militar era apenas um meio a legitimar a ação armada que permitiria a implantação do socialismo. Embora os chefes guerrilheiros não fossem trotskistas, há nessa tática algo de parecido com a teoria da revolução permanente de Trotski: nos países subdesenvolvidos, a revolução começaria com metas democráticas e, no seu curso, terminaria socialista. Primeiro, a conquista militar do Estado; depois, a socialização da economia e o controle da vida social pelo partido único.

Mas não é preciso adentrar o campo da teoria sobre a melhor via para o socialismo para que a natureza programática e ideológica dos grupos da luta armada salte aos olhos. Basta um arrolamento onomástico: Ação Libertadora Nacional, Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Ação Popular Marxista-Leninista (AP Marxista Leninista), Comando de Libertação Nacional (Colina), Movimento de Libertação Nacional (Molipo). Nenhum deles incluía o termo "democrático" em seu nome, mesmo que fosse para iludir os ingênuos.

Contudo, os grupos que se inspiravam no exemplo cubano do "socialismo pelo alto" foram derrotados com relativa rapidez. Em começos da década dos 70, seus principais chefes estavam mortos, como Marighella (1969), "Toledo" (1970) e Lamarca (1971). Outros dirigentes estavam exilados, encarcerados ou mortos. Mas, derrotada a "subversão interna", o poder dos generais, em vez de se reforçar, esvaiu-se. O Exército, vencedor da batalha das armas, perdeu a guerra ideológica e política. Aconteceu que, esmagada a guerrilha, ganhou força a oposição da sociedade civil ao autoritarismo militar. Outros atores que não usam metralhadoras entraram na arena política (movimento sindical, Igreja, estudantes, partidos "burgueses", etc.). No final, o regime autoritário deu lugar a uma democracia representativa e pluripartidária, ou seja, "burguesa".

Esse resultado não estava nos planos dos setores mais radicais da esquerda, e até mesmo do PT. Ainda em agosto de 1988, às vésperas da promulgação da Constituição, o Diretório Nacional emitiu a seguinte nota: "O PT, como partido que almeja o socialismo, é por natureza um partido contrário à ordem burguesa, sustentáculo do capitalismo. Disso decorre que o PT rejeita a Constituição burguesa que vier a ser promulgada (...); por extensão, o PT rejeita a imensa maioria das leis que constituem a institucionalidade (sic) que emana da ordem burguesa capitalista, ordem que o partido justamente procura destruir e, no seu lugar, construir uma sociedade socialista."

Vem daí outra ironia. Contrariando toda a teoria marxista-leninista, o Brasil se desenvolveu economicamente. A democracia possibilitou a ampliação da participação eleitoral e a ascensão ao sistema de poder de políticos originários das classes médias e populares. Um grande número de ex-integrantes da luta armada e da esquerda em geral voltou à vida pública. Ao longo dos anos da consolidação democrática, ascenderam financeira e socialmente por meio da atividade política.

Estariam em melhor situação se o projeto socialista tivesse dado certo? Para Lula e os ex-sindicalistas que passaram a integrar a elite do poder, com elevada probabilidade de acerto, pode-se responder negativamente. O sindicalismo só tem força sob o capitalismo. E quanto aos outros militantes da esquerda? Se raciocinarmos tendo por base o caso de outras revoluções socialistas vitoriosas, há boas razões para os ex-integrantes da luta armada aceitarem, sem muita lamentação, o malogro do projeto socialista.

Revoluções de tipo comunista vitoriosas são muito perigosas, inclusive para os que as comandam. Elas costumam devorar, primeiro, os membros da velha elite. Depois, como sobremesa, vêm os antigos companheiros, possíveis rivais do chefe único. Não há espaço para exemplos, mas gostaríamos de lembrar um: dos 1.966 delegados que compareceram ao XVII Congresso do PCUS, em 1936, já consolidado o poder de Stalin, 1.108 foram fuzilados nos cinco anos seguintes.

Que seria, por exemplo, dos trotskistas se a guerrilha stalinista do PCdoB triunfasse? Quem seria o grande chefe: Marighella, Lamarca? Poder-se-ia imaginar que as várias tendências revolucionárias se transformariam em partidos eleitorais para disputar o governo pelo voto popular?
Mas estamos no terreno das conjecturas. O fato é que, com as imperfeições que conhecemos, no final deu democracia. A via pacífica acabou por se revelar a mais lucrativa até mesmo para os que não a desejavam. Há males que vêm para o bem, como aprendeu a raposa de La Fontaine.

(*) Falácias sobre a luta armada na ditadura, Folha de S.Paulo, 19/5/2008, pág.3.
Leôncio Martins Rodrigues é cientista político.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

A RALÉ ETERNIZADA
Jessé Souza*

O erro histórico da sociedade brasileira é achar natural ter ?gente? de um lado e ?subgente? de outro

O debate sobre programas assistenciais à população mais pobre no Brasil se perde, muitas vezes, na miopia da conjuntura política e das querelas partidárias. É como se não existisse "política" fora dos partidos e de suas respectivas propagandas. Eu gostaria de mudar o foco de análise, dado que ele é falso e condenado a atacar espantalhos e nunca os problemas reais. Na verdade, é a "sociedade" e não o "Estado", ao contrário do que pensam o senso comum e as teorias "científicas" que apenas reproduzem o senso comum em linguagem erudita, o verdadeiro local da formação dos consensos, quase nunca articulados conscientemente, que monta todo o fundamento do horizonte do possível em todas as questões políticas fundamentais.
Esses consensos sociais inarticulados são construídos a partir de idéias e concepções de mundo que logram se tornar hegemônicas em dado contexto histórico. A forma como a sociedade brasileira percebe, hoje em dia, sua abissal desigualdade social é "colonizada" por uma visão "economicista" da realidade social. O economicismo é, na realidade, um subproduto do liberalismo como visão de mundo hoje dominante em todo o planeta, a qual tende a reduzir todos os problemas sociais à lógica da acumulação econômica. Entre nós, no entanto, o economicismo, de tão hegemônico, transformou-se na única linguagem social compreensível por todos, de tal modo que nossos graves problemas sociais são todos superficialmente percebidos e amesquinhados a questões de "gestão de recursos". Com isso, cria-se a falsa impressão de que conhecemos os nossos problemas sociais e o que falta é apenas uma "gerência" eficiente - a crença fundamental de toda visão tecnocrática do mundo - quando, na verdade, nem sequer se sabe o que se está combatendo.
Senão, vejamos. A crença fundamental do economicismo é a percepção da sociedade como sendo composta por um conjunto de homo economicus, ou seja, agentes racionais que calculam suas chances relativas na luta social por recursos escassos com as mesmas disposições de comportamento e as mesmas capacidades de disciplina, autocontrole e auto-responsabilidade. Nessa visão distorcida do mundo, o marginalizado social é percebido como se fosse alguém com as mesmas capacidades e disposições de comportamento do indivíduo da classe média. Por conta disso, o miserável e sua miséria são sempre percebidos como contingentes e fortuitos, um mero acaso do destino, sendo sua situação de absoluta privação facilmente reversível, bastando para isso uma ajuda passageira e tópica do Estado para que ele possa "andar com as próprias pernas". Essa é a lógica de todas as políticas assistenciais entre nós.
É esse mesmo raciocínio economicista, que abstrai sistematicamente os indivíduos de seu contexto social, que transforma a escola, pensada abstratamente e fora de seu contexto, em remédio para todos os males de nossa desigualdade. Na realidade, a escola, pensada isoladamente e em abstrato, vai apenas legitimar, com o "carimbo do Estado" e anuência de toda a sociedade, todo o processo social opaco de produção de indivíduos "nascidos para o sucesso", de um lado, e dos indivíduos "nascidos para o fracasso", de outro. Afinal, o processo de competição social não começa na escola, como pensa o economicismo, mas já está, em grande parte, pré-decidido na socialização familiar pré-escolar produzido por "culturas de classe" distintas.
Como toda visão superficial e conservadora do mundo, a hegemonia do economicismo serve ao encobrimento dos conflitos sociais mais profundos e fundamentais da sociedade brasileira: sua nunca percebida e menos ainda discutida "divisão de classes". O economicismo liberal, assim como o marxismo tradicional, percebe a realidade das classes sociais apenas "economicamente", no primeiro caso como produto da "renda" diferencial dos indivíduos e no segundo caso como "lugar na produção". Isso equivale, na verdade, a esconder e tornar invisíveis todos os fatores e pré-condições sociais, emocionais, morais e culturais que constituem a renda diferencial. Esconder os fatores não econômicos da desigualdade é, na verdade, tornar invisível tanto a gênese quanto a reprodução da desigualdade no tempo.
Para se compreender como as classes sociais são diferencialmente produzidas é necessário perceber como os "capitais impessoais" que constituem a hierarquia social e permitem a reprodução da sociedade moderna - o capital cultural e o capital econômico - são também diferencialmente apropriados. O capital cultural, sob a forma de conhecimento técnico e escolar, é fundamental para a reprodução tanto do mercado quanto do Estado modernos. É essa circunstância que torna as "classes médias", que se constituem historicamente precisamente pela apropriação diferencial do capital cultural, uma das classes dominantes desse tipo de sociedade. A classe alta se caracteriza pela apropriação, em grande parte pela herança de sangue, de capital econômico, ainda que alguma porção de capital cultural esteja sempre presente.
O processo de modernização brasileiro constitui não apenas as novas classes sociais que se apropriam diferencialmente dos capitais cultural e econômico. Ele constitui também uma classe inteira de indivíduos não só sem capital cultural nem econômico, mas desprovida, esse é o aspecto fundamental, das pré-condições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação. É essa classe social que designo em meus trabalhos de "ralé" estrutural, não para "ofender" essas pessoas já tão sofridas e humilhadas, mas para chamar a atenção, provocativamente, para nosso maior conflito social: o abandono social e político, "consentido por toda a sociedade", de toda uma classe de indivíduos "precarizados" que se reproduz há gerações enquanto tal. Essa classe social, que é sempre esquecida enquanto uma classe com uma gênese e um destino comum, só é percebida no debate público como um conjunto de "indivíduos" carentes ou perigosos, tratados fragmentariamente por temas de discussão superficiais, dado que nunca chegam sequer a nomear o problema real, tais como "violência", "segurança pública", "combate à fome", etc.
Afinal, a produção de indivíduos "racionais" e "calculadores", os tais que poderiam com a ajuda passageira do Estado depois "caminhar com as próprias pernas", não é um dado "natural", "caído do céu", como pensa o economicismo dominante, o qual, aliás, não é "privilégio" de economistas. Ele é produto de capacidades e habilidades transmitidas de pais para filhos por mecanismos de identificação afetiva por meio de exemplos cotidianos assegurando a reprodução de privilégios de classe indefinidamente no tempo. Disciplina, capacidade de concentração, pensamento prospectivo (que enseja o cálculo e a percepção da vida como um afazer "racional") são capacidades e habilidades da classe média e alta que possibilitam primeiro o sucesso escolar de seus filhos e depois o sucesso no mercado de trabalho. O que vai ser chamado de "mérito individual" mais tarde e legitimar todo tipo de privilégio não é um milagre que "cai do céu", mas é produzido por heranças afetivas de "culturas de classe" distintas, passadas de pais para filhos. A ignorância, ingênua ou dolosa, desse fato fundamental é a causa de todas as ilusões do debate público brasileiro sobre a desigualdade e suas causas e as formas de combatê-la.
Na realidade, essa classe, que soma 1/3 da população brasileira, é produzida e reproduzida como classe precarizada, pela não-incorporação dos pressupostos indispensáveis à apropriação nem de capital cultural nem de capital econômico. Ela é literalmente reduzida a "corpo" e é explorada pelas classes média e alta como "corpo" vendido a baixo preço, seja no trabalho das empregadas domésticas, seja como dispêndio de energia muscular no trabalho masculino desqualificado, seja ainda na realização literal da metáfora do "corpo" à venda, como na prostituição. Os privilégios da classe média e alta advindos da exploração do trabalho desvalorizado dessa classe são insofismáveis. Se pensarmos apenas nas empregadas domésticas, temos uma idéia de como a classe média brasileira, por comparação com suas similares européias, por exemplo, tem o singular privilégio de poder poupar o tempo das repetitivas e cansativas tarefas domésticas que podem ser investidas em trabalho produtivo e reconhecido fora de casa.
Além de se reproduzir como mero "corpo", incapaz de atender às demandas de um mercado cada vez mais competitivo baseado no uso do conhecimento útil para o mercado, essa é a classe também da escola (pública) brasileira de segunda classe e do serviço de saúde (público) de segunda classe. Essa é também a classe que é transformada em delinqüente e perigosa e julgada por outra classe (cuja truculência e insensibilidade social podem ser perfeitamente percebidas no magistral filme Juízo, de Maria Augusta Ramos). Essa é a nossa "luta de classes" intestina, cotidiana, invisível e silenciosa que só ganha as manchetes sob a forma "novelizada" da violência transformada em espetáculo e alimentada pelos interesses comerciais da imprensa.
Que o leitor não me entenda mal. É muito melhor assistencialismo do que nada, até mesmo um assistencialismo de curto prazo e míope como é inevitável com os pressupostos do economicismo. Mas isso só vai conseguir melhorar as condições de reprodução da "ralé" enquanto "ralé". Só vai "empurrar com a barriga" o grande drama histórico da sociedade brasileira desde o início de seu processo de modernização: a continuação da reprodução de uma sociedade que "naturaliza" a desigualdade e aceita produzir "gente" de um lado e "subgente" de outro. Isso não é culpa de governos. São os consensos sociais vigentes que elegem os temas dignos de debate na esfera pública assim como elegem a forma de (não) compreendê-los. No nosso caso, "escolhemos" debatê-los superficialmente e torná-los invisíveis. Nossa ojeriza histórica de nunca perceber e admitir conflitos sociais já teve várias causas e vários nomes. Hoje em dia é o economicismo hegemônico que esconde sistematicamente, mesmo para os setores potencialmente mais críticos de nossa classe média e alta, nosso conflito social mais fundamental, que é também a fonte de todos os nossos reais desafios como sociedade.

*Jessé Souza, doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora, é autor de A Construção da Subcidadania (UFMG)

DEU NO JORNAL DO BRASIL

POLÍTICA, VIRTUDE E ARTE DO BEM COMUM
Marco Maciel
Senador e membro da Academia Brasileira de Letras

"O estilo é o homem", sentenciou Louis Buffon, em 1753, no chamado século das luzes. Mas, ainda que seja difícil fixar o território do intelectual e do político, quem leu Formas de vida, de Spranger, ali encontrou essa distinção fundamental, conforme observa Josué Montelo: enquanto ao intelectual compete a interpretação da sociedade, cabe ao político sua direção.

Ao homem público, contudo, deve ser imputado compromisso moral, posto que o exercício da política não pode ser um fim, antes o instrumento de transformações que a nação reclama. A política, antes de constituir-se uma profissão, é um dom a exigir ação missionária, que prescreve, inclusive, o ofício da paciência. Não por outra razão, o Tomismo sinteticamente a conceitua como "ciência, virtude e arte do bem comum".

O conformismo e a passividade são incompatíveis com a dinâmica de nossos dias. Assim, incumbe ao político – como aprendi com o padre Lebret – procurar andar mais depressa que os acontecimentos, ver com antecipação a realidade e agir prontamente sobre os problemas e suas causas. A ele também se impõe assumir ônus, desprezar bônus e consagrar-se à causa abraçada.

Ademais, é preciso ter presente que a divergência é prova de vitalidade da política e, por envolver idéias, provoca discussão apaixonada. Nesse contexto, a firmeza das convicções, ainda que não sejam as nossas, deve ser apreciada, pois não constitui empecilho para o entendimento e a transigência. Na ausência dessas condições, a prática da política se transforma no exercício estéril do confronto, da denúncia e do impasse.

Cabe, portanto, ao político buscar sempre, entre o que nos separa, aquilo que pode nos unir, porque, se queremos viver juntos na divergência, princípio vital da democracia, estamos condenados a nos entender. Afinal, o êxito pode residir, muitas das vezes, não no resultado final, mas no percurso.

Para o Jefferson Péres, homem público, a política era doar-se à nação. Antes de eleger-se senador da República, exerceu por dois mandatos as funções de vereador em Manaus, nos quais deixou desvelado seu amor à primeira instância da política – o município, onde a cidadania se efetiva em toda sua intensidade, por ser a primeira célula da organização política do país.

É certo que a federação foi um anseio que medrou cedo em nossa evolução histórica. Não exagero se asseverar que a busca de um Estado federal antecedeu à própria luta pela transformação do Império em República. Lembre-se, a propósito, que o Manifesto republicano começa reconhecendo: "No Brasil, antes da idéia democrática encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo".

Faço tais considerações, uma vez que o Estado unitário foi modelo adotado até a proclamação da República, para citar palavras de Jefferson Péres em prol da descentralização do ato de governar:

"Durante muitos e muitos anos, a tradição dominante na historiografia, nos estudos políticos e sociais brasileiros enfatizava a perspectiva do Estado nacional e do poder central. Era como se o município, a localidade, o bairro, a rua onde viviam e vivem os brasileiros de carne e osso não existissem – ou, então, existissem apenas como projeção da vontade e das atividades do centro onisciente, onipresente e onipotente. Raríssimos foram os autores, como o alagoano Tavares Bastos, que levantaram suas vozes para afirmar que essa maneira de encarar o Brasil estava errada e era altamente prejudicial aos interesses históricos do nosso povo. Isto porque, em livros tão importantes quanto pouco lidos, infelizmente, até hoje – tais como Os males do presente, As esperanças do futuro, Cartas do solitário e o seu grande clássico A província (1870) – ensina Tavares Bastos que as sociedades livres, criativas, bem estruturadas e, se posso usar uma metáfora biológica, saudáveis, são aquelas que crescem da base para o topo e não vice-versa".

Honrar a memória dos ilustres homens públicos, como foi o senador Jefferson Péres, constitui não somente um gesto de reconhecimento pelo exemplo de civismo que nos legou, serve, igualmente, de símbolo para as novas gerações tão carentes de atitudes inspiradas em virtudes republicanas. São lições de quem fez do ato político uma reflexão diária. A "res publica" – coisa pública – preconizada por Cícero quer enfatizar que apenas o interesse público governa.


PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
Fábio Wanderley Reis


Mestre Alessandro Pizzorno é o autor de um ensaio clássico sobre a participação política, publicado na Itália em 1966 ("Introduzione allo studio della partecipazione politica"). Nele, a perspectiva dominante nos estudos acadêmicos estadunidenses sobre o tema, especialmente sobre a participação eleitoral, é contraposta a outra empenhada em recuperar os efeitos da experiência dos partidos de massa socialistas e sua gradual inserção no jogo eleitoral da democracia. Enquanto nos Estados Unidos predominava a chamada teoria da "centralidade", que mostrava a conexão da participação eleitoral com traços variados tomados como dimensões reveladoras de maior ou menor proximidade a um suposto "centro" da sociedade (posição socioeconômica, escolaridade, experiência urbana, rede de contatos sociais), Pizzorno invocava a idéia marxista do desenvolvimento da "consciência de classe" como referência de um modelo alternativo: com a inserção na dinâmica das disputas eleitorais minando aos poucos o compromisso "instrumental" com a idéia da revolução anticapitalista, a adesão retórica ao ideário revolucionário se acomodava à convivência pragmática com o sistema vigente (às vezes sob a forma peculiar de "subculturas" associadas ao controle partidário continuado de localidades ou regiões "vermelhas") e com o empenho de mudá-lo gradualmente na direção do que resultou corresponder à socialdemocracia do pós-guerra.

Uma forma talvez mais correta de apreender a dinâmica geral, que eu mesmo andei propondo, envolve a articulação das duas perspectivas. O ponto decisivo é que o próprio desenvolvimento ou afirmação da "consciência de classe" e seu impacto sobre a participação político-eleitoral, que a socialdemocracia torna menos dramático, dependem de fatores que não são outros, na verdade, senão os que aponta a teoria da centralidade. Como as elaborações do próprio Marx destacavam, tratar-se-ia, em particular, de que condições materiais apropriadas viessem a permitir o acesso aos recursos intelectuais (em contraposição, por exemplo, à fórmula famosa sobre a "idiotia da vida rural") necessários à busca política de objetivos de transformação.

Clientelismo como mais do que mero escambo

Transposta para o campo das disputas eleitorais num caso como o brasileiro, marcado por intensa desigualdade social, essa visão integrada permitiria, entre outras coisas, dar conta de algo que o senso comum e as pesquisas mostram com nitidez: o fato de que as camadas mais inclinadas a ver a arena política como propícia à busca de interesses e mais aptas a persegui-los nessa arena, incluída a dimensão eleitoral, são as camadas socioeconômicas mais favorecidas, de melhores níveis educacionais e maior informação - enquanto as camadas menos favorecidas se orientariam com freqüência antes por imagens toscas e se revelariam, em consequência, passíveis de manipulações de um tipo ou outro. Daí que a maneira realista de esperar que se possa avançar na construção partidária e de instituições político-eleitorais efetivas, em geral, exija que se conte com identificações populares que conterão fatalmente alguns ingredientes do que se costuma designar negativamente como "populismo" - e que se possa dispor de tipos de populismo de melhor potencial institucional. Como salientei aqui há algum tempo, no caso de Lula e em alguns outros casos atuais do que se andou chamando de "populismo carismático" na América Latina, há quando nada a peculiaridade, em confronto com nosso populismo tradicional, da extração social mais autenticamente popular dos líderes.

Em entrevista realizada no ano passado (e divulgada em "Partecipazione e Conflito", 2008, 1, 0), Pizzorno é incitado a refletir de novo sobre o tema de seu velho ensaio. Não supreendentemente, temos múltiplas referências a fenômenos que adquirem pelo menos feições mais nítidas nos quarenta anos transcorridos: a importância muito menor da participação de tipo "clássico" nos partidos de massa, em que tende a predominar a atividade dos "funcionários"; o surgimento de "canais paralelos de representação", em que o desenvolvimento dos "grupos de pressão" (onde se trata de "portadores de interesses" autônomos e dispersos e não de representantes ou mandatários de outros) coexiste com movimentos sociais em que os titulares dos interesses são imaginados ou "construídos" (os pobres do mundo, o planeta Terra...) e em que "o trabalho ideológico necessário consiste justamente em definir os interesses buscados"; a intensificação do caráter profissional da atividade política, em particular com o que P. Mair e R. S. Katz têm chamado "partidos-cartel", vistos como novo episódio da evolução geral dos partidos.

Há também, contudo, na volta ao tema, a insistência em aspectos que se mostram afins a alguns dos traços importantes da participação via partidos de massa e seu apelo à solidariedade: o componente "ritual" (e interpessoal, intersubjetivo) da participação político-eleitoral, contra a ênfase, que Pizzorno considera excessiva, na busca "racional" de objetivos ou interesses; a diversificação "ética" dos partidos, atentos para temas que outros designam como "não-materiais"; e, entre outras coisas, a ênfase em que o próprio clientelismo (em contraste com a pura e simples compra de votos) seria antes um fenômeno de "pertencimento" (identificação, embora Pizzorno rejeite o termo) do que de mero escambo ou troca de interesses.

Essa visão do clientelismo será talvez de relevância para o exame apropriado das potencialidades institucionais (e mesmo político-eleitorais mais imediatas) do lulismo, com o distributivismo que alguns caracterizam de populista. Quanto aos movimentos e seus titulares "construídos" de interesses, o melhor exemplo dos riscos da "imaginação ideológica" no mundo das duras réplicas ao socialismo é provavelmente dado pela loucura das Farc. Cujos reveses, menos mal, vêm se acumulando.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

UM POUCO TARDE
Valdo Cruz


BRASÍLIA - Lula parece ter acordado para aquela que pode ser chamada de mãe de todas as reformas: a política. Decidiu que seu governo vai elaborar um projeto na área e trabalhar para aprová-lo.

Em conversa com assessores, o presidente afirmou que não deseja ser considerado "omisso" no debate sobre o funcionamento dos partidos políticos no Brasil.

Até aqui, foi, porque relutava em assumir uma proposta. Costumava dizer que era a favor de uma reforma política, mas considerava não caber ao Executivo encabeçar as discussões sobre o tema.

Mudou de idéia, segundo auxiliares, depois de alguns episódios recentes que afetam seu governo: a guerra do PSC por diretorias na Petrobras e o envolvimento de políticos em desvio de dinheiro público descoberto pela Polícia Federal na Operação João de Barro.Lula delegou aos ministros Tarso Genro (Justiça) e José Múcio (Relações Institucionais) a elaboração do projeto de reforma política do governo e pretende enviá-lo ao Congresso em agosto.

Será um projeto de lei, para facilitar sua aprovação, em vez de uma emenda constitucional. Vai propor financiamento público de campanha, fidelidade partidária e votação para deputados em lista elaborada pelos partidos.

Medidas que podem fortalecer os partidos políticos, hoje agrupamentos de interesses individuais e regionais, que levam o governo de plantão a negociar no varejo para aprovar projetos de sua autoria.

Resultado: o Palácio do Planalto tornou-se um balcão de negócios, com cargos e verbas na prateleira à espera de parlamentares dispostos a trocar esses mimos por votos no Congresso Nacional.

Por isso mesmo, os bons conselheiros sempre recomendaram que a primeira iniciativa de um presidente no Brasil deveria ser aprovar uma reforma política. Tudo ficaria mais fácil.Lula, como outros, não seguiu o conselho. Deu no que deu. Um escândalo político atrás do outro.

domingo, 6 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1018&portal=
EVOLUÇÃO 3X0 REVOLUÇÃO
Alberto Dines


Foi resgate, é certo. Mas surgem suspeitas de que a operação de salvamento de Ingrid Betancout e mais 14 seqüestrados teria sido paga em espécie. A operação militar seria uma operação logística para transportar os reféns com segurança. De qualquer forma, uma insofismável e devastadora derrota do narco-terrorismo colombiano.

Um dia antes, terça, 1º de julho, as comemorações dos 150 anos das teorias evolucionistas apresentadas por Charles Darwin e Alfred Wallace. Na quarta-feira, dia 2 de julho, a constatação de que o continente das revoluções está farto da política temperada com fúria e sangue.

Projetos revolucionários, “criacionistas”, têm vida curta, frutos de ilusões e ilusões não se sustentam, têm prazo de validade limitado. A revolução bolchevique na Europa durou apenas 62 anos com o custo em vidas humanas talvez superior à maior catástrofe bélica já registrada, a Segunda Guerra Mundial. Em compensação, a revolução americana completou nesta sexta, 4 de julho, 232 anos existência. No lapso de quatro dias, uma goleada de 3 x 0 da opção progressiva e progressista, contra os delírios maximalistas.

A revolução americana foi capaz de levar à Casa Branca uma figura tacanha como George W. Bush e também revelou o seu antídoto, o sofisticado Barack Obama. Depois da libertação de Ingrid, o presidente Lula afinal reconheceu que a ação armada não faz mais sentido na América Latina. Bem-vindo ao clube da democracia e da não-violência, mas nosso presidente está atrasado seis anos.

As mudanças através da evolução podem demorar, mas são definitivas. As espécies que sobrevivem não são as mais fortes, são as mais aptas a acompanhar as transformações, mais adaptáveis ao processo evolutivo de aperfeiçoamento.

Movimentos fratricidas – armados com Kalashnikovs ou facões, dá no mesmo – são anti-naturais, bruscos e brutais, não podem dar certo. Os métodos empregados pelas Farc são terroristas. E quem o constata é Fidel Castro ao dizer claramente que civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário justifica isto”.

A mudança através da evolução é demorada, em compensação é mais sólida. O aperfeiçoamento gradual tanto das espécies como de regimes, civilizações e projetos é irreversível, as características adquiridas ao longo do processo de adaptação incorporam-se ao DNA.

O próprio futuro das Farc é obrigatoriamente darwinista – ou evoluem ou desaparecem. Ainda não foram aniquiladas, ainda contam com uma base territorial, dispõem de um farto arsenal de armamento leve, razoáveis recursos humanos e ilimitados recursos financeiros oriundos do narcotráfico. Mas a sua sobrevivência depende exclusivamente da sua capacidade de adaptar-se às realidades criadas pelo resgate.

A opção terrorista e pseudo-revolucionária deixou as Farc isoladas, com um limitado repertório de opções exclusivamente armadas. Se pretendem sobreviver não lhes resta outro caminho senão uma corajosa reversão política em direção da paz.

Foram certeiras e concatenadas as sucessivas declarações de Ingrid Betancourt depois de libertada. A cabeça política da ousada ex-refém e ex-candidata à presidência se reajustou com extraordinária velocidade às novas circunstâncias. A prisioneira que só pensava em suicidar-se, depois das emoções do reencontro com os filhos e com a liberdade ofereceu propostas muito claras: drástica condenação da barbárie terrorista, união nacional em torno do presidente Uribe, conclamação aos vizinhos (Rafael Corrêa e Hugo Chávez) para juntarem-se ao esforço contra a violência (ou pelo menos que não o sabotem) e prioridade absoluta ao processo de paz.

Ingrid parece a encarnação da evolução. Os enigmas relativos ao seu resgate tornam-se secundários. Ela sai da selva diretamente para o pódio mundial como uma nova Marianne, a celebrada alegoria da República Francesa, hoje símbolo mundial.

Sem o barrete frígio, a franco-colombiana preferiu a jaqueta da guerra na selva para camuflar a sua tremenda carga de energia, amor à vida e determinação. A América Latina tem nova efígie.

» Alberto Dines é jornalista.

NACIONALIZANDO A CAMPANHA
Merval Pereira

O prenúncio de que a ministra chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, participará das campanhas petistas "nas horas vagas" mostra que o governo Lula está deixando de lado a tese de que eleições municipais nada têm a ver com as nacionais, para testar a viabilidade de sua candidata preferencial à sucessão presidencial. E foi o PT quem nacionalizou o debate, disposto a checar nas urnas a recuperação de imagem que as pesquisas de opinião apontam. Por elas, o PT voltou a ser o partido político mais reconhecido dos eleitores. Na capital mineira, o PT vetou o acordo formal com o governador do PSDB, Aécio Neves, apenas para não fortalecer sua posição na corrida sucessória.

A eleição paulista, por exemplo, é sintomática dessa nacionalização da campanha eleitoral. Lá estarão em confronto não apenas os candidatos a prefeito, mas dois possíveis candidatos a presidente em 2010: o governador José Serra e a ex-prefeita Marta Suplicy. Confirmando nas urnas os atuais prognósticos, Marta Suplicy surgirá imediatamente como forte candidata a candidata dentro do PT, ofuscando a ainda incipiente candidatura de Dilma Rousseff.

O fato é que a campanha municipal deste ano já está sendo fortemente impactada por questões nacionais, desde a busca do PT pela hegemonia nas grandes cidades até a disposição da oposição de levar para os palanques a inflação, que volta a dar o ar de sua desgraça. Ao lado de repetir a tática de todo governante, que é acusar a oposição de impatriótica quando levanta a questão da inflação como bandeira de campanha eleitoral - o mesmo que o PT fazia quando era oposição, relembre-se -, o governo faz muito pouca coisa para tentar controlar esse problema.

O programa agrícola para ajudar a reduzir o preço dos alimentos é de longo prazo, e as medidas para reduzir os financiamentos que estimulam o consumo são tímidas, tudo porque o governo, na definição crua do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, quer combater a inflação "sem esculhambar a economia".

O presidente Lula tem se queixado a interlocutores de que seu esforço para o governo fazer um superávit primário cada vez maior não é reconhecido. Na verdade, mesmo aumentando o superávit para 4,3%, os gastos do governo continuarão crescendo mais do que o PIB, o que neutraliza qualquer efeito e pressiona a inflação. Segundo o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, quando o PIB crescia pouco era compreensível que a relação gasto/PIB aumentasse, porque há custos que crescem demograficamente.

Quando a economia está crescendo forte, como em 2007 e neste ano, seria a oportunidade para determinadas rubricas crescerem menos. "Estamos perdendo a chance de reduzir a relação gasto/PIB, e apesar disso o investimento público tem sido inferior ao que era nos anos 80", ressalta Giambiagi.

O que está acontecendo este ano é que as quatro principais rubricas de gasto do governo (transferências para estados e municípios, gasto com pessoal, INSS e outras despesas de custeio e capital) estão se comportando de maneira atípica, o que dá a falsa impressão de que o superávit primário, de 6,5% nos primeiros cinco meses, é um número para ser levado em conta.

A rubrica Pessoal e Encargos Sociais, por exemplo, está crescendo apenas 2% até agora, mas todos os acordos que o governo fez vão impactar fortemente o segundo semestre, e a taxa de crescimento do ano será superior. A receita total das transferências para estados e municípios está crescendo em torno de 11% mas sem CPMF, o que significa, realça Giambiagi, que outros impostos estão crescendo muito. O IPI e o Imposto de Renda, que são a base de arrecadação das transferências para estados e municípios, estão crescendo em torno de 20%.

O gasto com aposentadorias está controlado este ano por conta da maior fiscalização na concessão do auxílio-doença, que nos anos 2005 e 2006 cresceu muito por culpa de fraudes que estão sendo combatidas. O economista Fábio Giambiagi adverte, no entanto, que no ano que vem este fator vai acabar e o aumento do salário mínimo e dos aposentados, com base no INPC, será maior devido à inflação este ano.

Segundo os estudos de Giambiagi, os gastos públicos que mais aumentaram no período 1991/2008 - passaram de menos de 14% do PIB para uma estimativa de mais de 22% este ano - foram aqueles considerados como "gastos sociais". O país vive uma situação paradoxal. Embora seja defensor ferrenho de novas reformas, especialmente a da Previdência, Giambiagi admite que a idéia de que, na ausência de reformas estruturais o país poderá enfrentar um colapso das contas públicas no horizonte dos próximos anos, "poderá se revelar equivocada, se a economia tiver um crescimento anual da ordem de 4% a 5%".

Mas com a crise internacional que se agrava e a inflação aumentando internamente, muito influenciada pelos problemas internacionais, caso a economia tenha um crescimento modesto, abaixo de 4% do PIB, sérios problemas poderão surgir, adverte Giambiagi. Para ele, o risco de não fazer novas reformas está exatamente em "não abrir espaço fiscal para a realização das obras de infra-estrutura de que o país tanto precisa, e que devem em parte implicar uma participação importante do governo". E que são fundamentais para garantir um crescimento sustentado maior, mais próximo de 5% ao ano.

Saio de férias por 15 dias e volto a publicar a coluna na terça-feira, 22, diretamente de Nova York, de onde acompanharei a campanha eleitoral americana no segundo semestre. Estarei na Universidade de Columbia, no Centro de Estudos Latino-Americanos, como visiting scholar.

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO
Luiz Carlos Azedo

Lula é um mito para a maioria da população, mas seu carisma está sendo arranhado entre os jovens, na classe média e nas capitais

O inusitado e às vezes caótico cinema de Glauber Rocha era arrastado, com uma câmera nervosa e música frenética, no qual a inércia da realidade brasileira era apresentada como uma alegoria quase universal — daí seu sucesso no exterior. Foi assim com Terra em Transe, que retrata a crise do governo Jango e o golpe militar de 1964, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, que denunciava o coronelismo e o gosto popular por um salvador da pátria, o nosso velho “sebastianismo”. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro fecha a trilogia, com um embate de vida ou morte. De um lado Antônio das Mortes, caçador de cangaceiros, que havia matado Corisco. De outro, Coraína, um jagunço que se apresenta como a reencarnação de Lampião. O duelo é um confronto entre dois mitos, num enredo no qual os demais personagens são gente desorientada: um professor desiludido, um coronel com manias de grandeza, um delegado com ambições políticas e uma mulher tragicamente solitária. Os contraditórios conceitos de moral e justiça se embaralham no roteiro, uma situação muito recorrente na política, onde os governantes gostam de ignorar que nem sempre os fins justificam os meios. É mais ou menos o que estamos assistindo agora, na batalha do governo Lula contra a inflação.

A Maldade

Foi com uma ponta de ironia que o ex-presidente José Sarney usou a clássica comparação da inflação com um dragão, o único signo imaginário do horóscopo chinês, um mito também presente na cultura ocidental. O dragão-de-komodo, um lagarto da ilha na Indonésia que lhe empresta o nome, e os pterossauros da pré-história são os animais mais parecidos com aqueles que povoam o imaginário popular. “Houve um tempo em que me enchi de esperança e, com a espada do Cruzado, investi contra sua couraça e, quando eu cantava vitória, ele voltou e quase me engole”, lembra Sarney, que perdeu o controle da inflação logo depois das eleições de 1986, quando o PMDB obteve uma espetacular vitória. À época, esse resultado foi considerado um “estelionato eleitoral”.

O Plano Cruzado revelava um certo sebastianismo de Sarney : Dom Sebastião I, rei de Portugal, desapareceu nas Cruzadas durante a batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 4 de agosto de 1578, mas virou um santo redendor. Sarney também lembrou que o ex-presidente Collor de Mello (que se elegeu espancando seu governo) tentou acabar com inflação com um só tiro. Fracassou de maneira ainda mais espetacular, pois acabou renunciando ao cargo para evitar o impeachment. Fernando Henrique, que lançou o Plano Real durante o governo Itamar, passou seus dois mandatos com um olho na inflação e outro nas crises cambiais. Agora, o dragão está de volta, atormentando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Santo

O fenômeno é mundial. A inflação marca uma mudança na situação internacional, que até recentemente foi muito favorável à economia brasileira. Lula navegou em mar de brigadeiro, mas agora terá que provar sua capacidade de liderar o país num ambiente econômico proceloso. Os bancos centrais dos países desenvolvidos elevarão os juros para conter a inflação, mas terão que usar a dose correta para evitar uma recessão mundial. A maioria dos países será obrigada a seguir essa receita, adicionando um arrocho nos gastos do governo. O Brasil foge à regra.

Com a inflação domada, o governo Lula aproveitou a bonança mundial para contratar funcionários, dar reajustes e crédito aos servidores e aposentados, elevar o salário mínimo e os benefícios do Bolsa Família.Também decidiu ampliar os investimentos públicos em infra-estrutura e nas regiões metropolitanas, mesmo com o sinal fechado da economia global. Agora, já não tem como reduzir os gastos públicos sem grandes desgastes políticos e eleitorais, seja nas eleições municipais, seja na sucessão em 2010, para a qual iniciou a contagem regressiva ao lançar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A inércia da inflação é uma corrida contra o relógio. Lula sabe do risco de acompanhar a progressiva erosão do poder de compra da população, principalmente dos mais pobres, até a economia se desacelerar. E tenta evitar que isso ocorra com paliativos, pois sabe que o dragão da inflação pode matar o santo guerreiro que encarnou ao assumir o poder. Lula é um mito para a maioria da população, mas a última pesquisa CNI/Ibope mostra que seu carisma está sendo arranhado entre os jovens, na classe média e nas capitais. Nas regiões Norte e no Centro-Oeste, a inflação já faz estragos. Lula optou por empurrar o problema com a barriga e deixar para o sucessor resolvê-lo. Avalia que tem musculatura para resistir até lá. Será? Pode ser.

AS LEIS ELEITORAIS QUE TEMOS
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana. Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle
Começou a campanha eleitoral de 2008 e um debate muito interessante já está em curso. É o primeiro de muitos que, provavelmente, teremos até o desfecho do processo e é relevante não apenas em si mesmo: por meio dele, podemos discutir aspectos mais constitutivos de nosso sistema político.
O que pode e o que é proibido a um candidato fazer na internet? Como ocorrerá a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas? Quais as punições para quem as descumprir? São perguntas típicas sobre o uso da internet nas campanhas, assunto que preocupa a todos, cidadãos e políticos.
A matéria vem aumentando de importância a cada eleição, acompanhando a evolução da internet no Brasil. Hoje, como sabemos, somos um dos 10 países do mundo com maior número de domicílios conectados, sendo que nossas taxas de utilização e de intensidade de uso superam as de muitas outras sociedades.
Em outubro deste ano, deveremos ter mais que o dobro de usuários ativos (aqueles, com mais de 16 anos de idade, que, no mês da pesquisa, se conectaram efetivamente à rede), comparados aos que tínhamos quando da última eleição. Em 2006, na eleição presidencial, a estimativa era de pouco mais de 10,5 milhões de usuários desse tipo. Para este ano, será surpresa se não chegarem a 25 milhões.
Ou seja, quase um, em cada cinco eleitores, muito provavelmente se conectará à internet no mês da eleição municipal. Se vai ou não acessar conteúdos políticos é difícil estimar, mas o certo é que eleitores com esse perfil formam já um contingente de tal tamanho que não pode ser subestimado ou, muito menos, ignorado. Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana.
Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle. Na Resolução do TSE que regula a próxima eleição, por exemplo, a internet é posta em uma camisa-de-força, amarrada em sites “permitidos” e muitas proibições.
Em nome de algo que faz pouquíssimo sentido, o risco de que ela venha a ser instrumento de desigualdade ilegítima entre os candidatos, impede-se que a internet possa realizar seu verdadeiro papel, ser um meio de reduzir essas desigualdades.
O caso da eleição americana deste ano explica em que isso pode consistir. Barack Obama, segundo toda a melhor análise disponível, é uma espécie de John Kennedy da era da internet. Kennedy foi o primeiro político americano a compreender plenamente a importância da televisão e foi quem estabeleceu o padrão da política de seu tempo, feita por intermédio dela. Obama é seu sucessor, na era que está começando. Ao que tudo indica, será o primeiro presidente dos EUA eleito por ter sabido fazer da internet um instrumento de comunicação e de mobilização.
Há poucos meses, ninguém acreditava que tinha fôlego para superar seus rivais dentro do Partido Democrata ou para enfrentar a eleição contra os republicanos. Era pouco conhecido, não tinha dinheiro para se tornar visível (lembrando que não existe propaganda eleitoral gratuita nos EUA) e não passava de um azarão. Não foi na internet “antiga” que ele começou a ganhar a guerra. Sites pessoais, páginas “oficiais”, coisas parecidas, foram quase irrelevantes.
Foi na “nova internet”, da interatividade, que ele fez diferença, por meio de blogs, sites de relacionamento (como o Facebook e o MySpace), recursos como o YouTube e sua BarackTV.
Assim, ao contrário do que acreditam nossos “legisladores de fato” em matéria eleitoral, é com mais internet e não com menos que um candidato como Obama pode vencer.
Ficar policiando a rede, achando que se está criando uma “disputa mais equilibrada” é, apenas, um equívoco. Aliás, são atitudes como essa, que traduzem um sentimento de que cabe a alguém a tarefa de tutelar a democracia, que mais contribuem para que a nossa seja muito menos ativa e participativa do que seria bom.
VARGAS, LULA E SUAS DIFERENÇAS
Suely Caldas


"Se vivo fosse Getúlio Vargas, hoje defenderia as privatizações", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso numa entrevista publicada no Estado em 2004, em edição comemorativa aos 50 anos da morte do ex-ditador. Vargas era um governante essencialmente pragmático: entre progresso econômico e ideologia política, ele não hesitava em colocar-se a favor do progresso. Foi assim com a Companhia Vale do Rio Doce, por ele criada em 1942, a partir de um acordo com o governo norte-americano em parceria com a Itabira Iron Ore Company, em tempos de nacionalismo ideológico arraigado. E assim seria hoje com as empresas estatais.

O presidente Lula é igualmente pragmático, tanto que desprezou pregações ideológicas históricas do PT e seguiu a política econômica do rival FHC. Mas difere de Vargas em um ponto central: tanto faz progresso econômico ou afirmação ideológica, Lula fica sempre com o que lhe oferecer maior popularidade política e munição contra o adversário. Foi assim na última campanha eleitoral, quando se aproveitou da desinformação popular e demonizou as privatizações só para acuar politicamente o vacilante adversário Geraldo Alckmin.

Ao longo de sua gestão, não por convicção ideológica, mas para centralizar poder, multiplicar cargos públicos e distribuí-los entre partidos aliados, Lula ampliou o tamanho do Estado, tornando-o mais caro para a população que o sustenta, e demoliu avanços democráticos ao interferir nas instituições, a elas impondo submissão aos desejos e interesses políticos momentâneos de seu governo. Ele deu o tom já na partida, em 2003: criou dez novos Ministérios para acomodar companheiros petistas e aliados. E seguiu em frente.

Agora mesmo, diante da necessidade de definir um modelo para explorar os megacampos de petróleo situados abaixo da camada pré-sal, Lula não pensou duas vezes, tomou isso como desculpa para criar mais uma estatal. E para que? A única explicação crível é o desejo de centralizar poder de decisão e dispor de um poderoso meio de distribuir cargos entre apadrinhados do PT e partidos aliados. Estatal é sempre assim: começa com uma pequena estrutura que vai inchando, inchando, abrigando desabrigados políticos, absorvendo favores partidários, engordando a cada governante que chega, até virar um inútil fato consumado difícil de ser desmanchado.

O Ministério de Minas e Energia alega que o papel da nova estatal seria associar-se a empresas privadas e captar rendimentos da comercialização desse óleo, já que os custos das atividades de pesquisa, extração e exploração seriam de responsabilidade da empresa operadora.

E precisa criar uma nova estatal para isso? Se existe a Agência Nacional do Petróleo (ANP) justamente para regular o mercado e definir taxas e impostos que irão remunerar a União pela propriedade das jazidas, para que criar uma estatal com duplicidade de funções? Está escrito na lei do petróleo que a atribuição de elevar taxas e impostos é da ANP, não de uma estatal. E, se no caso do pré-sal, o risco da operadora de não encontrar óleo é quase nulo, o lógico é cumprir a lei e a ANP dobrar para 80% a participação da União no lucro líquido da comercialização (excluídos os custos de produção), como têm sugerido especialistas. Para que uma nova estrutura manipulada por políticos?

No setor de energia elétrica, o governo anterior vendeu a maioria das distribuidoras estaduais.
Mas restaram as da Amazônia e duas do Nordeste, que, em 2007, somaram quase R$ 1,2 bilhão de prejuízos pagos pelos brasileiros. Não há dificuldade em vender as do Nordeste, mas as cinco da Amazônia carregam problemas estruturais, cuja solução depende de intervenção do governo. Por motivos diversos - seja pela baixa densidade demográfica ou pelo alto custo de transmissão por causa da enorme distância entre os consumidores - essas empresas não sobrevivem sem subsídio do governo. Para elas, o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, tem uma proposta: o governo contrataria uma empresa pelo sistema de Parceria Público-Privada, definiria uma tarifa de subsídio e abriria um leilão: quem oferecesse a tarifa mais baixa levaria a empresa em troca da cobertura de subsídio fixada.

Há arranjos diversos para dar solução a estatais deficitárias, em decorrência da péssima gestão dos políticos. Se vivo estivesse, Getúlio Vargas estaria empenhado em aliviar o contribuinte, eliminando esses déficits estruturais. Mas o empenho de Lula é outro.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio.

DEU EM O GLOBO

LULA TENTARÁ REABRIR O DIÁLOGO COM PSDB
Adriana Vasconcelos

Presidente aproveitará eleição para buscar apoio à aprovação de uma reforma política antes de concluir o mandato

BRASÍLIA. A despeito da resistência de petistas e tucanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a fazer sondagens com o objetivo de reabrir um canal de diálogo institucional com o PSDB. Após o encontro com o ex-presidente Fernando Henrique, no velório de Ruth Cardoso, Lula manifestou a intenção de convidá-lo para uma conversa - um recado já chegou aos ouvidos do ex-presidente, que estaria disposto a abandonar o tom ácido dos últimos tempos em relação ao governo. Mas, independentemente desses gestos, PT e PSDB caminham para mais uma acirrada campanha eleitoral, já de olho em 2010.

O gesto de Lula confronta a direção nacional do PT, que vetou aliança do partido com os tucanos em Belo Horizonte alegando que alimentaria a possível candidatura do governador de Minas, o tucano Aécio Neves, à Presidência. Para a cúpula tucana, Lula e Fernando Henrique podem se entender, mas é difícil a aproximação entre os dois partidos na base.

- O veto da cúpula petista à aliança com o PSDB em Belo Horizonte prejudica ainda mais nossa relação geral com o PT. Um partido que age assim não pode falar em relação construtiva e republicana. Esse ato, que não teve apoio do presidente Lula, reforça no PT a imagem de partido sectário - diz o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Ao falar de sua intenção de conversar com Fernando Henrique, Lula disse o quanto o incomoda o sistema político, que impõe, segundo ele, uma relação de barganha do Congresso com o Executivo, e disse que não gostaria de concluir o mandato sem ver aprovada uma ampla reforma política no Congresso. Ele quer discutir o assunto com seu antecessor.

Aécio e Pimentel marcham juntos

Lula conta, publicamente, com dois aliados na estratégia: Aécio Neves e o prefeito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel. Os dois pretendem mostrar dia 10 que o veto do PT à aliança na capital mineira não funcionou: eles planejam participar do primeiro grande ato da campanha do candidato do PSB à prefeitura, Márcio Lacerda, convocando militantes de seus partidos para marcharem juntos.

- No campo nacional, PT e PSDB são adversários, mas não precisamos ser inimigos para sempre. Precisamos ter, no mínimo, capacidade para dialogar e Minas está ajudando a dar esse exemplo - diz Aécio.

Embora tenha recebido apoio explícito do presidente Lula à aliança que construiu com Aécio em Belo Horizonte, Fernando Pimentel não estaria em situação confortável no PT. Nos bastidores se especula sobre a possibilidade de o prefeito se filiar ao PSB. Ele nega:

- Isso não existe. Minha contribuição é mais importante dentro do PT do que fora, assim como é a do governador Aécio no PSDB. Não vamos desistir dessa aproximação, até porque tenho aliados fortes como o presidente Lula e uma enorme aprovação popular.

Mas o fato é que que, desde a eleição de 1994, PT e PSDB se consolidaram como alternativas de poder e essa polarização deve ser mantida em 2010. Isso significa que a vitória de um representa a derrota do outro. Por isso mesmo, o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), não vê chances de aproximação:

- Convivência civilizada eu sempre defendi, até porque PT e PSDB têm quadros importantes.
Mas não vejo muita coisa em comum entre nós.

DEU EM O GLOBO

OPOSIÇÃO TEM 50 CANDIDATOS A PREFEITO NAS CAPITAIS
Luiza Damé

PT concorrerá com 19, e base governista está rachada em muitas das principais cidades

BRASÍLIA. A partir de hoje, 169 candidatos a prefeito vão disputar o voto do eleitorado das 26 capitais brasileiras, mas este número ainda pode mudar por causa de ações na Justiça Eleitoral.
Desse total, 50 são filiados aos principais partidos de oposição ao Palácio do Planalto - PSDB, DEM, PPS e PSOL. Na sua primeira eleição municipal, o PSOL é o partido com maior número de candidatos a prefeito nos grandes centros: encabeça chapa em 21 capitais. O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem logo em seguida, com 19 candidatos próprios. Mas a base governista está rachada em muitas das principais capitais brasileiras, inviabilizando a presença de Lula nesses palanques.

Em Porto Alegre, os primeiros lugares são disputados por três governistas: o prefeito José Fogaça (PMDB), a petista Maria do Rosário e Manuela D"Ávila (PCdoB). Pelo menos no primeiro turno, nenhum deles deverá ter Lula como cabo eleitoral. O presidente já disse que não fará campanha em cidades onde os governistas são adversários.

Seis prefeitos de capitais não disputarão a reeleição. Cesar Maia (Rio), Fernando Pimentel (Belo Horizonte), João Henrique Pimentel (Macapá), Tadeu Palácio (São Luís), João Paulo (Recife) e Carlos Eduardo Alves (Natal) foram reeleitos em 2004 e estão fora deste pleito.

Rio e São Paulo têm 11 candidatos cada

O mapa da disputa nas capitais mostra dados curiosos. O petista João Coser, prefeito de Vitória, reuniu 19 partidos em torno da sua reeleição - é a maior coligação. Vitória, Rio Branco e Boa Vista têm o menor número de candidatos a prefeito - são três em cada uma delas. Já Rio e São Paulo têm onze candidatos cada uma.

O PSOL, partido que não tem nenhum prefeito de capital, só não terá candidato próprio em Macapá, Rio Branco, Teresina, Campo Grande e Palmas. A estratégia do partido é lançar candidatos a prefeito em todas as cidades onde houver "estrutura organizada, militância animada e quadros qualificados", com preferência para alianças com o PSTU e o PCB - uma forma de puxar votos para vereadores. Estão vetadas coligações com PT e PMDB e com o PSDB e DEM, além dos partidos envolvidos nos escândalos do mensalão e das ambulâncias.

- Esta é a primeira eleição municipal do PSOL e servirá para enraizar o partido - afirmou o deputado federal Chico Alencar, líder do PSOL na Câmara e candidato a prefeito do Rio.

Com 12 candidatos próprios nas capitais, o DEM tem apostas para conquistar prefeituras importantes, como o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Em Florianópolis, com a chapa formada pelo deputado estadual César Júnior (DEM) e o vereador tucano Doutor Juca, o DEM quer desbancar o favoritismo do ex-governador Esperidião Amin (PP) e superar o atual prefeito, Dario Berger (PMDB).

A chapa reúne a juventude de César Júnior, um advogado que dava conselhos sobre direitos do consumidor num popular programa de televisão, e a história do vereador tucano, um negro criado em abrigo, ex-jogador de futebol e médico comunitário.

DEU EM O GLOBO

FICHAS SUJAS EM 37% DAS CÂMARAS FLUMINENSES
Fábio Vasconcellos


Vereadores são investigados por crimes como estupro, tentativa de homicídio e formação de quadrilha no estado

Responsáveis pelo julgamento dos registros de candidaturas, os 92 juízes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio têm até o dia 16 de agosto para decidir o futuro dos pretendentes a prefeito e vereador. E a tarefa não será fácil.

Levantamento feito a partir do cadastro do Instituto Félix Pacheco (IFP) mostra que pelo menos 37% das 92 câmaras de vereadores do Estado do Rio têm um ou mais membros com passagens pela polícia.

São diversos tipos de crimes, como tentativa de estupro, tentativa de homicídio, apropriação indébita, estelionato, formação de quadrilha e desrespeito à lei eleitoral. Há ainda casos como o dos 15 vereadores do Rio investigados pelo Ministério Público estadual por suspeita de enriquecimento ilícito. Depois da Câmara do Rio, a de Campos tem o maior número de vereadores com passagem pela polícia (cinco).

Eleito em 2004 com 488 votos para uma vaga na Câmara de Vassouras, o vereador Elias Gonzaga dos Santos Filho foi condenado a cinco meses de detenção por tentativa de estupro. Em Tanguá, o vereador Valter Tostes Padilha tem passagem por receptação, furto e tentativa de homicídio, este último ocorrido ano passado. No Sul do estado, o vereador Antônio Porto Filho foi eleito em 2004 para uma vaga na Câmara Municipal de Paraty. Ele foi investigado por formação de quadrilha e homicídio.

Em Valença, vereador é investigado até por furto

Em Valença, no Vale do Paraíba, o vereador Celso Gomes Graciosa tem passagem por violação de domicílio e furto. Pelas regras, candidatos a prefeito e vereador são obrigados a apresentar ao TRE suas fichas da Justiça estadual e federal. De posse dos documentos, os juízes vão analisar se as candidaturas atendem aos preceitos do TRE, que este ano decidiu ser mais rigoroso com registros de pessoas com passagens pela polícia.

- Faremos valer a Constituição, mas com a preocupação muito grande de não comentar injustiças. Mas também não queremos punir a população com apresentação de candidatos que ostentem uma ficha penal absolutamente incompatível com o exercício do mandato eletivo - afirma o juiz coordenador do registro de candidaturas, Sérgio Ricardo de Arruda.

O magistrado explica que os registros serão analisados individualmente levando em consideração o tipo de crime, sua repercussão na sociedade e o número de indícios contra os candidatos.

- Os candidatos serão chamados a se explicar, caso o juiz encontre algum indício - diz Fernandes.

DEU EM O GLOBO

NO RIO, ELEITORES TROCAM POLÍTICA POR FAVORES
Chico Otavio

Na Câmara Municipal, galerias ficam vazias durante debates; enquanto isso, centros sociais de vereadores lotam

GALERIAS DA Câmara do Rio completamente vazias e plenário com poucos vereadores: desinteresse dos eleitores pelo trabalho da Casa, mesmo quando são votadas questões importantes para a cidade, é crescente

Na última sessão antes do recesso, semana passada, a pauta da Câmara Municipal do Rio prometia barulho. Dois projetos que cancelariam a licitação para a concessão de linhas de ônibus iriam a votação. Certamente, a matéria mais polêmica do ano. Os vereadores, agitados, se devotam a intensas negociações. Mas o burburinho não ultrapassa as rodas de conchavo. As galerias estão vazias. Não aparece um único passageiro de ônibus para saber o que acontece ali. No plenário, ninguém nota o silêncio.

Nenhum balanço destes três anos e meio de legislatura ilustra melhor a rotina da Câmara do que a cena da semana passada. Enquanto as galerias ficam despovoadas, fruto do crescente desinteresse popular pela agenda da Casa, as salas de espera e os centros sociais dos vereadores estão apinhados de eleitores, cada qual com um pedido no bolso, um problema particular para resolver. A população trocou as grandes questões pelas pequenas causas.

Orçamento anual da Casa é de quase R$270 milhões

Em tese, não faltam elementos para situar a Câmara no centro do debate político. A Casa tem 50 vereadores (o número pode crescer para 51), mais de mil funcionários e enorme capacidade financeira, com um orçamento anual de quase R$270 milhões (5% das receitas municipais). Além disso, tem poderes constitucionais para iniciar projetos de caráter urbano (segmento mais poderoso nas grandes cidades) e de posturas municipais (de interesse da rotina da população).

Mas os próprios vereadores preferem as pequenas causas, muito próximas de seu eleitorado. O médico clínico Aloísio Freitas (DEM), de 62 anos, ao assumir a presidência da Câmara ano passado, entendeu que investir pesado nas comissões permanentes, como a que combate o consumo de drogas e a de defesa do consumidor, ajudaria a melhorar a combalida imagem da Casa.

Semana passada, quando a aprovação dos projetos que cancelaram a licitação dos ônibus lançava a Câmara num clima de fim de festa, pois o recesso coincide com o início da campanha eleitoral, Aloísio procurava apresentar números que sustentassem um balanço positivo da atual legislatura. Segundo ele, a Câmara votou 110 matérias por mês - "uma produtividade enorme, considerando que alguns destes projetos são polêmicos" - e registrou média de 20 presentes por sessão - metade mais um.

- Mesmo ausente, o vereador trabalha. Quando não está na Câmara, está em sua base - defendeu o presidente.

Até a semana passada, apenas um dos vereadores cariocas anunciou que não disputaria a reeleição. Se a taxa de renovação continuar baixa, o próximo mandato consagrará o fim dos chamados vereadores de opinião, ou temáticos, substituídos pelos prestadores de serviços. Experiente político carioca garante que é rara a lei que tramita com debate sobre o conteúdo.
- O sistema que se generalizou foi o de serviços sociais. Para mantê-los, se faz uma vinculação entre a tramitação de leis e o funcionamento dos serviços- comenta.

Levantamento indica que pelo menos metade dos atuais vereadores conta com centros sociais. Um deles pertence ao decano da Casa, Sami Jorge (PDT), de 84 anos, que completará o seu oitavo mandato. Ele garante que o seu serviço, no Alto da Boa Vista, é um dos mais antigos e sem objetivos eleitoreiros.

- Acredito na força divina e tenho uma missão: vencer para dividir. Obter para utilizar em benefício dos outros.

Partido do prefeito tem maioria: são 14 vereadores

Seja como for, a definição clássica do papel do vereador está longe desse modelo de atendimento. De acordo com o professor François Bremaeker, consultor do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), dois pontos são essenciais na responsabilidade do vereador: legislar sobre assuntos de interesse do município e fiscalizar o Executivo - verificar, por exemplo, se orçamento está de acordo com a lei de diretrizes e o plano plurianual.

- O vereador não precisa ter conhecimento de todos os assuntos. Para isso, tem assessoria, própria ou do congresso parlamentar - diz.

O DEM, partido do prefeito Cesar Maia, tem 14 vereadores e uma maioria oscilante na Casa - já foi mais confortável.

A legislatura caminha para o último ciclo, deixando pelo menos dois vereadores eleitos em 2004 no meio do caminho. Um assassinado: o bispo Dr. Monteiro de Castro, em 7 de julho daquele ano.
Outro está preso e não deve disputar a reeleição: Jerônimo Guimarães, o Jerominho, acusado de formação de quadrilha armada e de chefiar a milícia "Liga da Justiça", que atuaria na Zona Oeste. Há pelo menos mais um vereador suspeito de envolvimento com milícias: Nadinho de Rio das Pedras, investigado por encomendar a morte de um policial.

Indagado se os casos ajudariam a ferir ainda mais a imagem da Câmara, o presidente Aloísio Freitas resguarda-se:

- Se o vereador é eleito, foi com o voto da população. Ela define quem merece e quem não merece.

DEU EM O GLOBO

AS PEDRAS NO CAMINHO DOS CANDIDATOS
Chico Otavio

Hoje é dia de sorrisos e gestos confiantes. Diante do olhar dos eleitores, os candidatos à sucessão do prefeito Cesar Maia farão o melhor possível para iniciar a disputa com alegria e otimismo. Uma pedra, contudo, os aguarda no caminho. Todos terão a sua. O professor Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), analisou o calcanhar de Aquiles de sete candidatos e suas estratégias para neutralizá-lo e evitar tropeções.

Marcus prevê confronto ideológico na campanha, opondo Marcelo Crivella (PRB) aos candidatos de esquerda. Outro dado relevante será, provavelmente, o que chama de fim do maiismo ou da era Cesar Maia. Para ele, não será tarefa fácil para Crivella desvincular-se da Igreja Universal e superar o teto eleitoral no Rio:

- Na República, há uma clara separação de Estado e Igreja. Crivella pode se inspirar na ideologia da igreja, mas não transformar o Estado em veículo de pregação religiosa.

O calcanhar de Aquiles de Fernando Gabeira (PV) e o de Jandira Feghali (PCdoB) são parecidos: superar preconceitos:

- Jandira tem direito de defender causas como o aborto, mas bateu de frente com os católicos em 2006. Sua melhor atitude será dizer que, como prefeita, pretende cumprir o que a lei prevê. Quanto a Gabeira, o fato de ser alguém que já usou maconha não destruiu sua reputação. A tentativa de colar essa pecha depende da reação do candidato. Ele é experimentado e não vai cair na armadilha de ser arrastado para o embate preconceituoso.

Alessandro Molon (PT) e Eduardo Paes (PMDB) enfrentarão obstáculos dentro de seus próprios partidos.

"Molon, sem a aliança com o PMDB, ficou sozinho"

Ele acha que Paes terá de correr contra o tempo e ainda não falou o que tem para oferecer à cidade.

- Já Molon, com o fracasso da aliança com o PMDB, ficou sozinho, como o PT fazia 20 anos atrás. Sendo o partido do presidente, com projeto político para a cidade, teria de ter feito tudo por alianças.

Para Marcus Figueiredo, Solange Amaral (DEM) enfrentará o vínculo com Cesar Maia:

- É a candidata do final da era Cesar Maia e vai pagar o ônus desta fase. É impossível se livrar disso. Pode enfrentar os mesmos problemas de José Serra com FH em 2002.

Já Chico Alencar (PSOL), ao formar com Heloísa Helena o PSOL, um partido micro, reúne uma capacidade de mobilização muito pequena, ainda mais para um partido cujo tempo de TV é quase nada:

- O PSOL ainda é um projeto em andamento.

MARCELO CRIVELLA

A ligação com a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), da qual ele foi bispo, é o calcanhar de Aquiles do candidato. Crivella procura desvincular-se disso, na tentativa de superar o teto eleitoral, atribuído, entre outras razões, à sua relação com a igreja, que causaria restrições aos católicos e aos que não concordam com a exploração política da religião.

JANDIRA FEGHALI

O apoio de Jandira ao direito ao aborto legal é o seu calcanhar de Aquiles. O confronto com a Igreja Católica em 2006, por causa disso, foi erro mencionado como uma das razões de sua derrota para Francisco Dornelles na vaga no Senado. Seus adversários podem tentar provocá-la mais uma vez, para deixá-la mal com setores religiosos do eleitorado.

SOLANGE AMARAL

A vinculação com Cesar Maia é o que pesa. Seus adversários certamente insistirão nisso, confrontando-a com os problemas da administração municipal. Como a influência do prefeito na cena política está em declínio, ela terá, assim, de fazer malabarismo para não aparecer como a candidata da situação e, ao mesmo tempo, não ferir o seu padrinho.

EDUARDO PAES

O candidato terá duas batalhas pela frente, uma delas no tribunal. Ele é acusado de se desincompatibilizar do cargo de secretário de Esportes fora do prazo, o que será argüido pelos adversários. Outro calcanhar de Aquiles será dentro do PMDB, pois sua candidatura foi lançada após o rompimento com o PT e teve resistências internas.

FERNANDO GABEIRA

Aliado de grupos que defendem a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do consumo da maconha, Gabeira terá de ter jogo de cintura para manter tais posições, em sintonia com o seu eleitorado mais fiel, sem assustar aqueles que precisam ser conquistados para alavancar a sua candidatura, incluindo os mais conservadores.

CHICO ALENCAR

O PSOL é um partido pequeno, sem estrutura. E esse é o maior calcanhar de Aquiles do candidato. Ele tentará, para superar o problema, usar as estratégias que o PT adotou no Rio há 20 anos, com festas, criatividade, empolgação da militância. Mas a realidade hoje é outra, e a campanha de rua influencia cada vez menos o voto.

ALESSANDRO MOLON

Precisará afirmar a legitimidade de sua candidatura e seduzir os petistas, depois de um desgastante episódio com o PMDB, que o abandonou recentemente. Caciques petistas de São Paulo e Brasília não esconderam que queriam a cabeça de Molon em sacrifício, em nome de uma aliança com o PCdoB que ajudasse o PT no restante do país.

DEU EM O GLOBO

MARATONA DE R$45 MILHÕES
Maiá Menezes

Candidatos buscam formas alternativas de arrecadação, como as doações pela internet

Para disputar os votos dos 4,5 milhões de eleitores do Rio, na campanha que oficialmente começa hoje, os 11 candidatos a prefeito movimentarão até R$45 milhões. É dinheiro para ser gasto na propaganda na TV e no rádio, com material de campanha, agências de publicidade e nas peregrinações pelas ruas da capital. Mais importantes que o montante, porém, serão a forma de captação e a prestação de contas das doações, num esforço por transparência provocado pela crescente cobrança da sociedade por eleições limpas.

Marcado por levantar no Congresso a bandeira contra o caixa dois, o deputado federal Fernando Gabeira, candidato pela coligação PV/PPS/PSDB, planeja inaugurar a arrecadação pela internet, numa adaptação do modelo do candidato democrata às eleições americanas, Barack Obama. O recibo, exigência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), será entregue ao doador pelo correio. O tesoureiro da campanha, cujo teto de gastos foi fixado em R$7 milhões, será o ex-deputado tucano Márcio Fortes.

- O uso da internet é um avanço, porque é nesse processo de arrecadação que nasce a corrupção - defende a empresária Neila Tavares, coordenadora da campanha e mulher de Gabeira, que promete dar aos internautas acesso diário ao detalhamento das doações.

A primeira prestação de contas das doações terá que ser entregue ao TRE no dia 6 de agosto, e a segunda, um mês depois.

Molon defende doação com cartão

Candidato do PT, o deputado estadual Alessandro Molon lamenta o rigor do TRE, que limita a participação dos pequenos doadores. Ele lembra que, nos Estados Unidos, é possível fazer doações em valores pequenos com cartão de crédito. Molon, que escolheu o deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT) como supervisor de finanças da campanha e planeja gastar até R$8 milhões, diz:

- Sob hipótese alguma aceitarei doação de empresa de ônibus.

Candidata do prefeito Cesar Maia, a deputada federal Solange Amaral (DEM) diz que a captação será feita de forma "explícita e transparente", mas não descarta receber recursos de prestadoras de serviço do município. Para ela, que prevê gastar R$6,5 milhões, a análise será caso a caso.

O ex-secretário Eduardo Paes (PMDB), com o maior tempo de TV - cerca de seis minutos -, apresentou também a maior previsão de despesas: R$12 milhões.

- Não quer dizer que a gente vá gastar tudo. O importante é que a população poderá acompanhar a prestação de contas - diz o tesoureiro da campanha de Paes, Antonio Pedro Viegas Figueira de Mello.

O candidato do PRB, Marcelo Crivella, estimou o custo da campanha em R$6,8 milhões. O tesoureiro da campanha do senador foi escolhido ontem: será Mauro Barata.

O setor naval deverá ajudar a financiar a campanha da ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB), diz o coordenador financeiro da campanha, Caíque Tibiriçá. Ele lembra que o setor é uma das áreas de atuação de Jandira. O teto da campanha é de R$5 milhões.

- Sendo lícito, vamos fazer. Para entrar com chances de ganhar, é preciso, infelizmente, fixar valores altos - disse Caíque.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL), que apresentou a menor previsão de gastos (R$400 mil), defendeu um pacto por campanhas baratas:

- Financiamento de campanha se tornou a matriz da corrupção política no país. Portanto, a exigência é transparência e austeridade.


Marcelo Crivella
Vice: Jimmy Pereira (PRTB)
Coligação: PRB/PR/PSDC/PRTB

Quem é

O então bispo da Igreja Universal estreou na política em 2002, quando se elegeu senador. A vinculação com a fé, que garantiu a eleição, se tornou obstáculo para o crescimento entre o eleitorado não-evangélico. Foi derrotado, nas últimas eleições, no primeiro turno, pelo prefeito Cesar Maia. Nesta campanha, procura respaldo em setores díspares, como o mundo do samba e a Igreja Católica. Já usou o nome da TV Record, ligada à Universal, para promover sua pré-campanha. Aos 50 anos, Crivella tem três filhos e um neto.

Tempo na TV

Cerca de um minuto e meio
Que eleições já disputou

Em 2002, pelo extinto PL, foi eleito senador; em 2004, concorreu à prefeitura do Rio, também pelo PL, e foi derrotado.


Jandira Feghali
Vice: Ricardo Maranhão (PSB)
Coligação: PCdoB/PTN/PHS/PSB

Quem é

Médica e baterista profissional, é filiada ao PCdoB desde 1981. Aos 50 anos, mãe de um casal de filhos, foi deputada federal por quatro mandatos sucessivos. Em 1986, foi deputada estadual. Em 2004, disputou a prefeitura do Rio pela 1ª vez. Em 2006, concorreu a uma vaga no Senado e amargou uma inesperada derrota para o então deputado federal Francisco Dornelles (PP). Foi relatora na Câmara de um projeto para descriminalizar o aborto, tema usado contra ela na campanha para o Senado.

Tempo de TV

Cerca de três minutos
Que eleições já disputou
Em 1986, elegeu-se deputada estadual; foi eleita deputada federal em 1990, 1994, 1998 e 2002. Em 2004, concorreu à prefeitura do Rio. Em 2006 tentou o Senado e perdeu.

Eduardo Paes
Vice: Carlos Alberto Muniz (PMDB)
Coligação: PMDB/PTB/PP/PSL

Quem é

O ex-deputado federal ganhou projeção com a CPI dos Correios, em 2005. Parlamentar por dois mandatos, surgiu na política pelas mãos de Cesar Maia, de quem hoje é desafeto. No começo dos anos 90, foi subprefeito da Barra e de Jacarepaguá. É bacharel em Direito, tem 38 anos e dois filhos. Ex-secretário-geral do PSDB, foi para o PMDB apadrinhado pelo governador Sérgio Cabral e irritou o partido ao sair pré-candidato. Cabral desistiu e apoiou Alessandro Molon, para depois relançar Paes.

Tempo de TV

Cerca de seis minutos

Eleições que disputou

Em 1996, foi eleito vereador no Rio. Em 1998, elegeu-se deputado federal, reeleito em 2002. Em 2006, disputou o governo do estado pelo PSDB.

Solange Amaral
Vice: Pedro Fernandes (DEM)
Coligação: DEM/PTC/PMN

Quem é
Psicóloga, 55 anos, foi secretária de Habitação do prefeito Cesar Maia e subprefeita. Vinculou sua imagem à do projeto Favela-Bairro, mas hoje tenta se descolar da atual gestão e se apresenta como uma candidata pós-Cesar Maia, que vai aproveitar o que deu certo na administração do aliado e aprimorar o que não deu. Com perfil técnico, a deputada federal tenta imprimir à sua imagem um tom mais leve. Mudou os cabelos e aparecerá mais acessível no horário eleitoral do DEM na televisão.

Tempo de TV

Entre quatro e cinco minutos

Eleições que disputou

Em 1994, elegeu-se deputada estadual; em 2000, foi reeleita. Em 2002, disputou o governo do estado e perdeu. Em 2006, elegeu-se deputada federal.

Alessandro Molon
Vice: Léa Tiriba (PT)
Coligação: PT

Quem é

Mais jovem dos principais candidatos, tem 36 anos e nenhuma experiência administrativa. É advogado e professor de História. Entrou para o PT quando estudava na PUC. É católico carismático e iniciou a atuação parlamentar como opositor ao governo Garotinho e depois ao governo Rosinha. Seu partido corre sozinho na disputa. Chegou a ser lançado pelo governador Sérgio Cabral e pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani, mas estes desistiram da aliança para apoiar Eduardo Paes.

Tempo de TV

Cerca de quatro minutos

Eleições que disputou

Em 2000, Molon foi candidato a vereador no Rio e perdeu; em 2002, foi eleito deputado estadual, sendo reeleito em 2006.

Fernando Gabeira
Vice: Luiz Paulo C. da Rocha (PSDB)
Coligação: PV/PSDB/PPS

Quem é

Deputado no quarto mandato, destacou-se em 2005 ao pedir a renúncia do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que defendera pena branda para o crime de caixa dois. Deixou o PT antes dos escândalos ligados à legenda. Mineiro, 67 anos, duas filhas, diz que se considera carioca. Em 1969, participou do seqüestro do embaixador dos EUA no Brasil, Charles Elbrick. Defensor da união civil entre pessoas do mesmo sexo e da discussão sobre aborto, tem votação concentrada na Zona Sul.

Tempo de TV

Quatro minutos e 40 segundos

Eleições que disputou

Em 1986, concorreu ao governo do Rio; em 1989, candidatou-se à Presidência da República; em 1994, elegeu-se deputado federal e foi reeleito em 1998 e 2002.

Chico Alencar
Vice: Vera Nepomuceno (PSTU)
Coligação: PSOL/PSTU

Quem é

Decepcionado com o PT depois do escândalo do mensalão, em 2005, foi um dos fundadores do PSOL. É historiador, professor e autor de 26 livros, alguns sobre fé. É católico. Em sua atuação parlamentar como vereador e deputado estadual, defendeu prioridade dos governos para a educação. Aos 58 anos, é pai de quatro filhos, um menino e três meninas. Nunca exerceu cargo majoritário, apesar da longa experiência no Legislativo.

Tempo de TV

Um minuto e 20 segundos

Eleições que disputou

Foi eleito vereador em 1988 e reeleito em 1992. Em 1996, disputou a prefeitura do Rio. Elegeu-se deputado estadual em 1998 e federal em 2002, reeleito em 2006.

OUTROS NOMES: Ainda figuram na lista de candidatos nas eleições quatro concorrentes à sucessão do prefeito Cesar Maia. O deputado estadual Paulo Ramos concorre pelo PDT, em uma chapa puro-sangue, que traz o capitão do tricampeonato da Seleção Brasileira, em 70, Carlos Alberto Torres, como vice. Partidos menores, como o PSC, o PTdoB e o PCB também decidiram pela candidatura própria: no PSC, o deputado federal Felipe Pereira sai candidato. O advogado Vinícius Cordeiro será o nome do PTdoB. E, em convenção no último dia 30, o PCB decidiu lançar o nome do secretário político do partido, Eduardo Serra. Os quatro candidatos terão, cada um, entre um minuto e meio e cinqüenta segundos no horário eleitoral gratuito.