Condenação honra a Constituição e a democracia
Por O Globo
Aos réus foi assegurada defesa, houve
divergência, e prevaleceu a Justiça. É hora de virar a página do radicalismo
Não há como deixar de reconhecer o caráter histórico do julgamento que condenou Jair Bolsonaro e mais sete réus por planejar e tentar pôr em marcha a ruptura da ordem institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988. Depois de inúmeros golpes de Estado e tentativas frustradas desde a fundação da República, pela primeira vez um ex-presidente, ex-ministros e militares de alta patente foram condenados por atentar contra a democracia no Brasil. O período mais longevo de vida democrática brasileira não apenas resistiu à intentona, mas enfim o Brasil conseguiu punir traidores da vontade popular.
Os ministros da Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF)
decidiram que Bolsonaro, os ex-ministros Braga Netto, Augusto
Heleno, Anderson
Torres e Paulo Sérgio
Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o deputado
federal Alexandre
Ramagem e o ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid são
culpados. Pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático
de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa
armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, a Corte condenou
Bolsonaro a 27 anos e três meses, Braga Netto a 26 anos, Torres e Garnier a 24,
Heleno a 21, Nogueira a 19, Ramagem a 16, um mês e 15 dias, além da perda do
mandato (Cid recebeu dois anos em regime aberto, em virtude de seu acordo de
colaboração).
A todos os réus foi assegurado amplo direito
de defesa. Não faltou espaço para a argumentação de seus advogados, nem para
divergências entre os julgadores. O relator, ministro Alexandre de Moraes, e os
ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano
Zanin votaram pela condenação dos oito réus pelos cinco crimes.
Terceiro a votar, o ministro Luiz Fux apresentou
ao longo de 13 horas na última quarta-feira uma divergência profunda dos demais
colegas. Depois de argumentar que o Supremo não era o foro adequado para o
julgamento, defendeu em seu voto que os réus não incorreram nos crimes de
organização criminosa e dano ao patrimônio. Fux ainda votou pela aglutinação
dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, condenando apenas Cid e Braga Netto por este último.
Absolveu-os e a todos os demais réus — inclusive Bolsonaro — de todos os demais
crimes.
A divergência de Fux, ainda que repleta de
contradições — ele próprio condenara os réus do 8 de Janeiro por crimes
semelhantes e aceitara a denúncia contra Bolsonaro e os outros acusados antes
de considerar o STF inepto para julgá-los —, é a maior prova de que o
julgamento foi justo. Num órgão colegiado, discordâncias são naturais e esperadas.
É justamente para que não prevaleça a opinião de um único juiz que casos dessa
complexidade e relevância devem ser submetidos a vários. Fux contemplou em seu
voto todos os argumentos da defesa, garantindo aos réus o direito ao
contraditório. Mas, diante da eloquência das provas, esmiuçadas pelos demais
ministros, tais argumentos não prevaleceram. No confronto de opiniões, a
balança da Justiça pendeu então para a condenação.
As digitais de Bolsonaro na tentativa de
golpe estão por toda parte — da campanha mentirosa e premeditada para
desacreditar as urnas eletrônicas às minutas jurídicas destinadas a emprestar
um verniz de legalidade à intentona, apresentadas em mais de uma ocasião aos
chefes militares. Há declarações gravadas em reunião ministerial, encontro com
embaixadores e comícios; depoimentos dos ex-chefes das Forças Armadas;
mensagens de texto, áudios, anotações e documentos impressos — uma fartura de
evidências e detalhes cujo sentido está no quebra-cabeça montado pela
investigação da Polícia
Federal. Graças a ela, os brasileiros têm plena consciência do que
aconteceu e sabem como e por que, felizmente, a democracia prevaleceu.
Terminado o julgamento, o Brasil precisa
agora virar a página do radicalismo autoritário. O Supremo deu exemplo de
altivez, mesmo diante da inadmissível e persistente pressão externa de Donald Trump e
de outros integrantes do governo americano. É provável, diante da condenação de
Bolsonaro, que novas sanções dirigidas a integrantes da Corte estejam a
caminho. Mas o Brasil não pode ceder a barganhas mesquinhas. Seria uma
capitulação inaceitável a votação de qualquer anistia pelo Congresso. Para além
da neblina criada pela disputa política, os parlamentares precisam enxergar a
realidade com nitidez.
Pesquisas de opinião mostram que o apoio à democracia é sólido no Brasil. É preciso empenho de deputados e senadores para que, findo o julgamento, o Parlamento ponha em marcha uma agenda voltada a acelerar o crescimento econômico e a melhoria de vida dos brasileiros. Anistiar os condenados equivaleria a semear novos golpes de Estado. Basta lembrar que o general Olympio Mourão Filho, o primeiro a pôr tanques nas ruas para dar o golpe em 1964, nada havia sofrido depois de ter comandado a fraude que permitiu a Getúlio Vargas dar o golpe do Estado Novo em 1937. Ou que o general e ditador Arthur da Costa e Silva antes havia sido um tenente que participou de uma tentativa de golpe em 1922, foi preso, anistiado e depois participou dos golpes de 1930 e 1964. Que o Brasil tenha a sabedoria de aprender com a própria História e consiga, como fizeram os ministros do Supremo no julgamento, continuar honrando as palavras de Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Carta de 1988: “A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.
Bolsa Família precisa aprimorar cadastro e
regras
Por Folha de S. Paulo
É preocupante ação da Defensoria Pública
contra norma de controle da expansão de beneficiários irregulares
Programa saltou de R$ 32,5 bilhões em 2019
para R$ 168,2 bilhões em 2024; auxílio deve ser direcionado a quem de fato
necessita
Talvez não seja claro para todos que o Bolsa Família de
hoje não é mais o mesmo programa de transferência de renda lançado no primeiro
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
A diferença mais notável, embora não a única,
é de escala. Até as vésperas da pandemia, tratava-se de uma iniciativa que
consumia relativamente poucos recursos orçamentários diante das dimensões do
público beneficiado. Foram R$ 32,5 bilhões em 2019, ou 0,4% do Produto Interno
Bruto, para algo em torno de 14 milhões de famílias.
Já no ano passado, os desembolsos somaram
outrora impensáveis R$ 168,2 bilhões, equivalentes a 1,4% do PIB. A clientela
também aumentou no período, embora a taxas menores, e chegou a 19,2 milhões de
famílias.
Entre uma data de outra, a crise sanitária,
primeiro, e a ofensiva de Jair
Bolsonaro (PL) pela reeleição
transformaram o programa. Para enfrentar o impacto da Covid-19 na renda dos
brasileiros, o Congresso
Nacional criou em 2020 um auxílio emergencial de R$ 600
mensais. Em 2022, Bolsonaro tornou esse valor um piso no Bolsa Família, então
rebatizado de Auxílio Brasil.
Por linhas tortas, o ex-mandatário tomou uma
medida meritória —a ampliação do principal meio de combate à miséria no
Orçamento. Os indicadores sociais têm melhorado nos últimos anos, graças também
a mais empregos.
Promovida de modo um tanto apressado, porém,
a mudança trouxe distorções relevantes. A principal delas foi que a introdução
do valor mínimo bem acima dos padrões prévios incentivou casais a se
apresentarem como famílias distintas —antes, levava-se em conta basicamente o
número de pessoas por lar.
Assim, o número de famílias unipessoais atendidas saltou de 2,2 milhões, em
2021, para um recorde de 5,9 milhões no início de 2023. Hoje, são 3,8 milhões.
É preocupante, portanto, que esteja
ameaçado na Justiça o principal mecanismo adotado pelo governo
Lula para a necessária regularização dos cadastros do Bolsa Família: a fixação
do teto de 16% do total de beneficiados para os unipessoais.
Aqui não se trata apenas de gasto público,
mas da eficiência do programa. É imperativo que os de fato mais necessitados
tenham prioridade na clientela, de modo a combater a miséria com maior
efetividade. Sem isso, a despesa social crescerá sem proporcionar resultados
condizentes.
Venha ou não a ser derrotado na ação movida
pela Defensoria Pública, o governo terá de buscar
variados meios de aperfeiçoar seu cadastro, valendo-se de novas
tecnologias, por exemplo.
Se é politicamente difícil mudar o piso, isso
não exime gestores de examinar outras formas de concessão de benefícios, que
podem ser adotadas gradualmente.
O país não pode se dar ao luxo de expandir
tanto o Bolsa Família sem erradicar a miséria, que depende também de equilíbrio
orçamentário e crescimento econômico sustentado.
Tragédia à direita e à esquerda
Por Folha de S. Paulo
Assassinato de influenciador nos EUA é
expressão da violência política que vem escalando no país
Charlie Kirk tinha o direito de divulgar suas
ideias, mesmo as extremistas; num cenário polarizado, Trump inflama ainda mais
os ânimos
Um dos princípios fundamentais das
democracias modernas é a liberdade de expressão. Por meio do debate público,
busca-se a convivência civilizada de opiniões divergentes e conciliações em
prol da solução de problemas.
Nesse sentido, a escalada da violência
política no berço mundial da democracia é aterradora. Desde 2017, figuras dos
partidos Democrata e Republicano —como o presidente dos EUA, Donald Trump—
foram alvos de agressões ou atentados, sem contar a invasão ao Capitólio em
2021, incitada pelo próprio Trump.
Na quarta (10), o influenciador de extrema
direita Charlie Kirk foi
assassinado com um tiro no pescoço durante um debate na na
universidade de Utah. O crime calou uma voz do debate público, acirrando ainda
mais a polarização ideológica que divide o país.
Kirk, um conservador de 31 anos, defendia
causas caras ao trumpismo, como o acesso a armas, a extinção do direito ao
aborto e a crítica ao que a direita chama de "ideologia de gênero".
Muitos de seus opositores apontavam que seus discursos eram racistas,
machistas, homofóbicos e autoritários
Em 2012, foi cofundador da Turning Point USA,
uma organização sem fins lucrativos que busca divulgar o pensamento conservador
no ensino superior. Como método, Kirk valia-se da retórica e da exposição
franca de suas ideias em discussões abertas travadas em universidades —situação
na qual acabou morto.
Mesmo que haja discordâncias em relação a
suas opiniões, muitas delas de fato radicais e reacionárias, a Primeira Emenda
da Constituição garantia tanto a sua liberdade para expressá-las como a de seus
oponentes para criticá-las. Nada justifica o ato brutal que lhe ceifou a vida.
Na quinta (11), Tyler Robinson, suspeito de
cometer o crime, foi preso. Segundo autoridades, foram encontradas munições
com inscrições
relacionadas ao movimento anti-fascista. A investigação ainda está
em andamento.
As consequências do assassinato de Kirk são
temerárias num cenário político radicalizado à direita e à esquerda e com um
presidente que estimula extremismos e despreza instituições.
Na quinta (11), Trump disse que há "um
grupo de lunáticos da esquerda radical soltos por aí" e
que iria "resolver esse problema". Moto contínuo, seus apoiadores
falam em "vingança" e "guerra civil".
Este deveria ser um momento de ponderação sobre os riscos à democracia americana causados pela intransigência e a violência política, mas o presidente prefere inflamar ainda mais os ânimos.
Bolsonaro, um cadáver insepulto
Por O Estado de S. Paulo
Que ninguém se engane: sob inspiração do
golpista condenado, os liberticidas continuarão a atazanar a vida dos
brasileiros, investindo em crises institucionais para desmoralizar a democracia
A condenação de Jair Bolsonaro e de seus
associados por tentativa de golpe de Estado não significa que esses dejetos da
democracia tenham sido eliminados da vida nacional. Pelo contrário: sob
inspiração do ex-presidente, um cadáver político insepulto convertido agora
numa espécie de El Cid da direita reacionária nacional, a tropa liberticida
pretende continuar a atazanar os brasileiros, criando sucessivas crises
institucionais e prejudicando o Brasil com o objetivo último de desmoralizar a
democracia – raison d’être de
Bolsonaro.
Consta que a vanguarda bolsonarista no
Congresso está animada para fazer andar o tal projeto de anistia a Bolsonaro.
Perdoar os mais perigosos inimigos da democracia na história recente do País
seria um erro terrível, capaz de deflagrar o caos e paralisar a discussão de
uma agenda realmente relevante para a sociedade brasileira. Na prática, a
eventual liberdade de Bolsonaro significaria a prisão do Brasil.
Se no âmbito jurídico há pouca controvérsia
quanto à inconstitucionalidade da anistia aos algozes do Estado de Direito, é
no campo político que os efeitos dessa irresponsabilidade se revelam ainda mais
deletérios. Caso o Congresso aprove a anistia, é certo que o presidente Lula da
Silva vetaria. O corolário seria uma rusga entre Executivo e Legislativo em um
momento crucial para a votação de matérias de interesse público. A provável
derrubada do veto capturaria o País por semanas, talvez meses, de tensões
políticas. Ato contínuo, a Procuradoria-Geral da República ou partidos da base recorreriam
ao Supremo Tribunal Federal (STF). E não há dúvidas de que a Corte declararia a
anistia inconstitucional.
Estaria aberta, então, uma segunda camada de
confronto, agora entre o Legislativo e o Judiciário. No Congresso, ganhariam
novo fôlego projetos de retaliação ao Supremo, como a infame PEC da Blindagem,
além de propostas para reduzir o tempo de permanência dos ministros na Corte ou
para submeter suas decisões ao crivo parlamentar. No limite, pedidos de
impeachment de ministros do STF poderiam prosperar no Senado. O resultado seria
a paralisia institucional do País – precisamente o que desejam os liberticidas.
O golpismo de Bolsonaro foi derrotado nas
urnas em 2022 e, agora, foi derrotado na Justiça. Sua condenação não representa
apenas a responsabilização de um indivíduo, mas a reafirmação do pacto social
democrático firmado em 1988. Permitir que um golpista condenado seja
reabilitado politicamente equivaleria a vilipendiar a maior conquista
civilizatória da sociedade brasileira nos últimos 40 anos.
Portanto, cabe aos partidos que se
autoproclamam conservadores e liberais-democratas compreender a oportunidade
que têm diante de si. O afastamento definitivo de um estorvo como Bolsonaro
abre precioso espaço para a construção de uma oposição ao governo Lula da Silva
que seja responsável, republicana, comprometida com os valores democráticos e
com a estabilidade institucional. As legendas que se mantiverem atreladas a
Bolsonaro, negligenciando o apreço da maioria do eleitorado pela democracia,
tendem a perder. Ademais, Bolsonaro jamais foi um aliado confiável dos
partidos. Sua trajetória demonstra o desprezo pela vida partidária. Bolsonaro
sempre foi um deputado medíocre que nunca escondeu que seu interesse maior era
fazer da política um meio para enriquecer a si e a família, jamais para servir
à sociedade. Não há razão moral ou factual para que as forças políticas
verdadeiramente comprometidas com os valores democráticos se sacrifiquem em
defesa de alguém que tanto fez para acabar com a mesma democracia que é o húmus
da atividade partidária.
Por tudo isso, a anistia aos golpistas seria
nefasta para os próprios partidos à direita. O País não pode se dar ao luxo de
alimentar um conflito entre Poderes em nome da sobrevivência de um
desqualificado condenado pelas urnas, pela Justiça e, seguramente, pela
História. O infortúnio penal de Bolsonaro deve ser visto como uma linha
divisória: longe dele, os genuínos democratas; a seu lado, os oportunistas
associados a um sujeito que há décadas se dedica a estorvar a vida nacional e
que, mesmo atrás das grades, ainda é capaz de causar muita confusão.
A escalada dos crimes de trânsito
Por O Estado de S. Paulo
Dados do TJ-SP revelam alta de 19% no número
de processos desse tipo de crime no Estado. Afrouxamento da lei e da
fiscalização resulta no óbvio: mais infrações e mais violência
Um levantamento do Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJ-SP) revelou um crescimento acentuado dos processos de crimes de
trânsito em todo o Estado. De acordo com os dados da corte, foram registradas
21.699 ações desse tipo entre janeiro e julho deste ano, ante 18.236 no mesmo
período do ano passado, uma alta de 19% que reflete a escalada da violência nas
ruas, avenidas e rodovias paulistas.
Ao mesmo tempo em que cresce o número de
processos de crimes de trânsito, aumenta também o de mortes ano a ano no
Estado. Segundo o Infosiga, ferramenta de monitoramento do Detran-SP, esse
indicador está em ascensão: foram 6.128 mortes no ano passado, contra 4.854 em
2021, uma alta de 26%.
Não que não existam leis para inibir a
barbárie. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) tipifica como crime as
violações graves, como embriaguez ao volante, omissão de socorro e fuga do
local do acidente, entre outras – todas infrações com previsão de pena de
prisão. Mas parece que o arcabouço criado para punir e prevenir crimes tem sido
insuficiente para intimidar os maus motoristas.
E isso não se deve apenas à
irresponsabilidade dos motoristas mais inconsequentes nem ao acaso, à falta de
sorte ao volante ou a algum fenômeno da natureza, mas a um processo contínuo e
progressivo de destruição dos instrumentos necessários para civilizar o
trânsito e proteger condutores, passageiros e pedestres. Trata-se de uma obra muito
bem executada de afrouxamento de regras e normas de conduta no trânsito.
Um dos fatores que explicam o crescimento da
violência nas vias é o aumento da margem de pontos na Carteira Nacional de
Habilitação (CNH) para a perda da licença para dirigir. Antes, um motorista era
proibido de guiar quando alcançava 20 pontos ao longo de um ano. Com a mudança
no CTB em 2021, patrocinada pelo governo Jair Bolsonaro em sua sanha populista,
o limite perdeu a rigidez: 40 pontos sem infração gravíssima; 30 pontos com uma
infração gravíssima; e 20 pontos com duas ou mais infrações gravíssimas.
Como disse ao Estadão o psicólogo
especializado em trânsito Rodrigo Vargas, “quando uma regra como essa é
afrouxada, o poder público passa a mensagem de que essas atitudes (ilícitas)
não são tão graves”, o que implica uma “banalização” do desrespeito à lei de
trânsito. Essa leniência com as infrações resultam, por óbvio, em mais
violência nas vias País afora, e não seria diferente no Estado de São Paulo.
É comum que colisões na capital paulista com
carros de luxo, em alta velocidade, que não raro acabam na morte de algum
inocente, tomem o noticiário. Mas se casos envolvendo Porsches e Lamborghinis
chamam atenção, inúmeros outros crimes de trânsito ocorrem, no dia a dia, sem
ganhar a mesma repercussão, como atestam os números do TJ-SP.
Isso porque, além do abrandamento da regra da
pontuação da CNH, é a falta de fiscalização que impulsiona a destruição dos
mecanismos desenhados para garantir um trânsito mais seguro. E, em que pesem os
gestores públicos dizerem que fiscalizam, há consenso entre os especialistas de
que as iniciativas não têm se mostrado suficientes.
A crítica de autoridades públicas a uma
suposta “indústria da multa”, o desligamento de radares pelos prefeitos, a
quantidade insuficiente de agentes de trânsito nas ruas para organizar o
tráfego e punir os infratores e a elevação da velocidade nas vias, entre outras
ações e omissões, são elementos que levam à sensação de impunidade. É bom
lembrar que se trata de crimes tão graves quanto muitos outros previstos no
Código Penal.
A paz no trânsito somente será uma realidade
quando o poder público, nas três esferas, assumir o compromisso de promover e
preservar a segurança de todos. Enquanto prevalecer a demagogia, com discursos
fáceis contra os instrumentos de proteção da vida, mais crimes serão cometidos,
com danos físicos, materiais, lesões dos mais variados tipos e, pior, mais
mortes.
Uma ideia muito ruim
Por O Estado de S. Paulo
Ao sustar escolas cívico-militares, TCE-SP
explica didaticamente todos os óbvios problemas do programa
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
(TCE-SP) suspendeu o processo seletivo para a contratação de policiais
militares como monitores do Programa Escola Cívico-Militar do governo Tarcísio
de Freitas, num sinal de que, se o Palácio dos Bandeirantes quiser atender a essa
demanda de sua base ideológica, terá de respeitar os procedimentos
orçamentários e, sobretudo, os princípios da administração pública. Num revés
para a atual gestão, o Tribunal de Contas determinou ainda que a Secretaria da
Educação não publique mais editais de seleção nem inicie as atividades do
programa, que estavam previstas para começar em cem escolas da rede estadual
paulista nesta semana.
O conselheiro Renato Martins Costa foi o
relator de uma representação feita por parlamentares da oposição. Costa acolheu
os argumentos apresentados, dentre eles o uso de verbas da educação para o
pagamento de policiais militares, a ausência de estudos prévios de impacto
orçamentário e financeiro e a falta de planejamento detalhado, metas e
indicadores de desempenho.
Como bem listado nas alegações acatadas pelo
TCE, o poder público deve respeitar as atribuições de cada órgão da
administração pública, de tal modo que à educação cabe educar as crianças e os
adolescentes, e à polícia, proteger os cidadãos. Ademais, é obrigação das
autoridades públicas respeitar o orçamento, que não é uma mera peça de ficção,
mas um instrumento democrático com regras, diretrizes e valores destinados a
atender ao interesse público. Além disso, os gestores públicos precisam também
ter o firme compromisso com a implementação de políticas públicas regidas por
um plano de execução, sempre baseadas em dados, evidências e resultados.
Costa foi bastante enfático ao afirmar que ao
TCE não compete examinar questionamentos de constitucionalidade ou legalidade,
haja vista que isso cabe ao Poder Judiciário, nem discutir o mérito de uma
política pública, como é o caso desse programa. Mas, segundo o conselheiro, a
Corte de Contas tem de cumprir seu papel constitucional fiscalizatório,
realizando inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial. E, por ora, o Programa Escola
Cívico-Militar não parece respeitar, com o rigor que a coisa pública demanda,
todos esses critérios.
O voto do conselheiro relator foi seguido pelos integrantes do TCE de forma unânime, numa demonstração da força dos órgãos paulistas de controle e de coesão da corte na cobrança de respostas da gestão Tarcísio de Freitas sobre esse tema. O governo estadual tem agora de encaminhar a sua manifestação, mas o melhor seria, após tantos questionamentos, tantas incongruências e tantas críticas recebidas, sobretudo de especialistas em educação, reconhecer a inconveniência dessa política pública que, como se sabe, não tem compromisso com a aprendizagem nem com o avanço nos indicadores de educação. E, não menos importante, como este jornal já afirmou, num Estado Democrático de Direito, a educação deve ser civil e laica.
Condenação de Bolsonaro não exclui a
conciliação
Por Correio Braziliense
A lição desse processo é a de que a
democracia se fortalece quando há responsabilização, mas também quando se busca
a pacificação
O julgamento histórico da trama golpista
representa um divisor de águas. Pela primeira vez, um ex-presidente foi
condenado por tentar subverter a vontade das urnas. O Supremo Tribunal Federal
(STF) cumpriu seu papel com base em provas robustas, demonstrou que não há
espaço para a impunidade quando se trata de ataques à democracia. Este é um
momento de afirmação institucional, mas também de desafio político: o país
precisa transformar a justiça feita em oportunidade de amadurecimento
democrático.
Não se trata de prolongar a polarização que
envenena o debate público. Ao contrário, a lição desse processo é a de que a
democracia se fortalece quando há responsabilização, mas também quando se busca
a pacificação. Isso exige que as forças políticas abandonem os atalhos da
violência e do ódio. O recente atentado contra um líder conservador nos Estados
Unidos serve de alerta: radicalismos não criam soluções, apenas alimentam o
ciclo da intolerância. O Brasil não pode repetir esse erro.
Nesse aspecto, ganha relevo o artigo
publicado pelos cientistas políticos Steven Levitsky e Filipe Campante no The
New York Times. Segundo ele, o Brasil teve êxito onde os Estados Unidos
falharam: responsabilizou um ex-presidente golpista, enquanto Donald Trump,
após escapar de punições, retornou à Casa Branca. Essa comparação ressalta não
apenas a gravidade dos fatos, mas a coragem do sistema judicial brasileiro em
enfrentar a tentativa de ruptura institucional.
Também desnuda o contraste evidente da
postura paradoxal da Casa Branca, que sanciona autoridades brasileiras, como o
ministro Alexandre de Moraes, a pretexto de defender as liberdades, ao mesmo
tempo em que promove o retrocesso democrático no próprio território. Os EUA,
dizem os autores, já convivem com um presidente que flerta abertamente com o
"autoritarismo competitivo", que usa o aparato de Estado para punir
críticos e desequilibrar o jogo democrático.
O Brasil, ao contrário, demonstrou
resiliência institucional. Isso não significa, porém, que o caminho esteja
livre de tentações regressivas. No Congresso Nacional, setores ligados ao
ex-presidente condenado falam em anistia. Esse movimento seria um equívoco
grave: transformaria a punição em mero gesto simbólico e abriria brechas para
novas aventuras autoritárias. Não cabe ao Legislativo "revisar" a
decisão da Justiça sob o pretexto de "pacificação".
Verdadeira pacificação se dará com o respeito
às regras do jogo, a disposição para o diálogo e a construção de consensos
mínimos sobre o funcionamento da República. Anistiar os responsáveis por um
ataque à democracia seria negar esse aprendizado e, pior, sinalizar que futuras
tentativas poderão ser igualmente perdoadas.
É hora de virar a página sombria do golpismo. Isso só será possível se o país souber combinar firmeza na defesa das instituições com grandeza para promover o reencontro democrático. O julgamento de Bolsonaro não exclui a conciliação, cuja legitimidade nascerá do respeito à lei, e não da sua violação. Ao Congresso cabe a responsabilidade maior: rechaçar de forma categórica qualquer iniciativa de anistia e garantir que o Brasil avance para uma era de democracia mais madura, estável e inclusiva.
Cariri precisa de voo diário
Por O Povo (CE)
A frequência de quatro voos por semana é
melhor do que a ausência completa do transporte. No entanto, é insuficiente
para as necessidades de uma região como o Cariri
Em artigo publicado na edição de ontem, o
coordenador de Jornalismo da rádio O POVO CBN Cariri, Luciano Cesário, informou
que a Latam deixará de oferecer voos diários de Juazeiro do Norte para
Fortaleza, reduzindo a frequência para quatro voos semanais.
O jornalista reconhece que já havia essa
previsão, mas anotou que se mantinha a expectativa de que a empresa poderia
rever a decisão, devido à aparente alta ocupação dos voos. Cesário
lembra que a própria Latam celebrou a venda de 95% dos bilhetes para o voo
inaugural, em 23 de junho deste ano.
A Latam assumiu o trecho no início deste ano,
quando a Azul Linhas Aéreas deixou de operar o voo ligando Juazeiro do Norte e
Fortaleza, suspendendo também as operações em outras 11 outras
cidades brasileiras.
Em comunicado emitido na época, a empresa
justificou a descontinuidade devido a "uma série de fatores que vão desde
o aumento nos custos operacionais da aviação, impactados pela crise global na
cadeia de suprimentos e a alta do dólar, somadas às questões de
disponibilidade de frota e de ajustes de oferta e demanda". Em resumo, a
empresa quis dizer que cortou o serviço em trechos deficitários.
Como noticiou O POVO na época, a rota aérea
entre Juazeiro e Fortaleza funcionava desde 1950, ficando descoberta
"pela primeira vez na história", pois a Azul era a única empresa a
fazer a ligação com a região do Cariri.
A situação mobilizou agentes econômicos e
políticos de Juazeiro, prevendo a repercussão negativa nos negócios.
Sendo a região do Cariri um polo de turismo religioso e cultural, é óbvio que a
falta de conexão direta com Fortaleza provocaria a redução do fluxo de
visitantes. Além disso, quem precisasse viajar a serviço, por motivos médicos
ou para visitar a família, também teria mais dificuldade para se movimentar.
O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT)
iniciou negociações buscando solucionar o impasse, procurando empresas que
pudessem substituir a Azul. Assim, chegou a um acordo com a Latam para a
retomada dos voos.
Pelo que ficou acertado, a companhia faria
voos diários durante a alta temporada, de junho a agosto. Depois desse prazo, a
frequência passaria a quatro viagens semanais. Em contrapartida, a
Latam receberia uma subvenção mensal de R$ 380 mil por mês.
Reconheça-se que a frequência de quatro voos
por semana é melhor do que a ausência completa do transporte. No
entanto, é insuficiente para as necessidades de uma região como o Cariri.
Além disso, é preciso considerar que a
operação envolve dinheiro público, portanto, torna-se necessário pedir
mais esclarecimentos a respeito dessa situação.
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