terça-feira, 9 de setembro de 2025

Direita fica refém da escolinha de tio Silas. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Tarcísio fica a reboque do bolsonarismo sem garantia de apoio

O pastor Silas Malafaia masca chiclete enquanto reza o Pai Nosso e se coloca como o porta-voz do único mote que restou ao bolsonarismo depois daquela bandeira americana estendida em frente ao Masp no dia da pátria, a religião. No seu discurso, o presidente disse que, sem soberania, o Brasil volta a ser colônia. É uma obviedade que, ante a bandeira da Paulista, virou ativo. Se ainda se apostava na polarização com o governador Tarcísio de Freitas, o domingo na avenida mostrou que não há alternativa a Bolsonaro. Sua voz é Silas Malafaia, o pastor boca suja que representa mais o ex-presidente do que a unidade evangélica.

Malafaia parece ter gostado do vazamento dos áudios em que se dirige ao ex-presidente com palavrões e xinga seu filho. No domingo usou a expressão “Escolinha do tio Silas”, para se referir, com ironia, à sua ascendência sobre a tríade Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o jornalista foragido Paulo Figueiredo. Faltou matricular o governador paulista. Ante um Tarcísio silente e balançando a cabeça em aprovação, disse que apenas a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e os três filhos podem falar em nome do ex-presidente. Tarcísio se enroscou. Ficou difícil explicar para seu eleitor centrista por que não confia na Justiça e adjetiva o ministro Alexandre de Moraes (“tirano”) ainda mais que Bolsonaro (“canalha”). Por outro lado, também são explícitas as dificuldades em se fazer confiável para o bolsonarismo que reza pela cartilha de tio Silas.

Depois de Malafaia ter dito que costumava mandar seus vídeos para quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (“eles estão prevaricando?”), o ministro Gilmar Mendes fez publicação nas redes sociais rejeitando a “ditadura da toga” e a “tirania” e relembrando o conjunto da obra, das vacinas negligenciadas à tentativa de golpe. Malafaia terminou o libelo acusatório vitimizando-se pela apreensão de cadernos com “anotações bíblicas”. Tascou que a perseguição não era apenas política, mas religiosa.

O destemido pastor da Assembleia de Deus terminou seu discurso às lágrimas. E mascando chiclete. Foi a deixa para Michelle, que o seguiu no apelo religioso de costume, emendar no choro até colocar, sob o microfone, o som do marido relinchando, que disse ter sido tirado da internet. “Esse é Bolsonaro”, disse, rindo. A ex-primeira-dama é aluna antiga na escolinha. Disse que tem sua liberdade religiosa cerceada porque precisa sair para frequentar cultos religiosos que costumava promover em casa - transformada na prisão domiciliar de Bolsonaro.

Michelle não foi a única a se valer de gravações de Bolsonaro. Aquilo que a mensagem de Gilmar Mendes resumiu como o conjunto da obra do bolsonarismo, o palanque do ato no Rio exibiu como chamariz. Os discursos foram entremeados com gravações de algumas das falas mais polêmicas de Bolsonaro, inclusive aquela de outro 7 de setembro de 2021: “Não vai poder trabalhar? Se morrer alguém, f...-se”; “Mataram 60 mil? Queria que matasse 200 mil vagabundos”; “Lógico que atirou com intenção de matar, p..., tá com fuzil na mão, é pra fazer carinho?”.

O 7 de Setembro bolsonarista teve público considerável. Tanto em São Paulo quanto no Rio reuniu cerca de 42 mil pessoas, quase cinco vezes mais do que aquele do “Grito dos Excluídos” paulista, tradicional manifestação da esquerda da data que acontece em várias capitais. A marca, maior do que a do ano passado na mesma data, sugere que o apelo pela anistia surtiu efeito. Apesar das abundantes alusões a Moraes, como cartazes reproduzindo um cartão de crédito da bandeira “Magnitsky” com seu rosto, a banca do “espetinho Bolsonaro, sabor Magnitsky”, e as faixas pela anistia (“enquanto houver um patriota preso eu não serei livre”), não havia dúvida de que o bolsonarismo já virou a página do julgamento e pulou direto para a eleição de 2026. “Todo mundo já sabe o que vai acontecer esta semana no STF”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em Copacabana, ante uma multidão que denominou de “tropa de elite”, numa saudação à plateia à paisana.

Ficou tão evidente que a eleição invadiu o dia da pátria que os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e do Rio, Cláudio Castro, não compareceram aos respectivos desfiles militares. O primeiro ausentou-se da cerimônia em que o presidente da República reuniu o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que compareceu com a esposa e os filhos, além de 17 ministros, inclusive aqueles do PP (André Fufuca) e do União (Celso Sabino) que foram intimados a deixar o governo. Já o segundo deixou aquele conduzido pelo Comando Militar do Leste no centro do Rio para subir ao palanque de Copacabana.

Se, em Brasília, o governismo encheu a plateia de bonés “Brasil soberano”, o público do Rio valeu-se daqueles patrocinados por bets. A transmissão da “Gazeta do Povo” mostrou moças com o adereço em verde e amarelo patrocinado pela “hiperbet”. No Rio, o locutor perguntava a todo momento: “Quem aqui tem medo do Xandão”?

Esfuziante, Eduardo Bolsonaro publicou a foto da bandeira em agradecimento a Trump. As bandeiras americanas espalhadas mostraram que a destemida multidão o ecoou. Num cartaz, se lia: “Free Bolsonaro, thank you Trump”. À jornalista Mônica Bergamo, Malafaia disse ter discordado da bandeira. No ato, porém, não deu um pio. Ganhar eleitor com um apelo e seu contrário não é coisa que se aprenda na escola.

 

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