sábado, 13 de setembro de 2025

O enigma. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O julgamento no STF serviu para fazer com que o Brasil acredite na força de sua democracia. Mas Lula continua candidato à reeleição, e a direita ainda não encontrou um substituto

O espetáculo midiático foi bonito, cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teve seu momento de grande exposição, mas a festa acabou. Surgiu um novo tempo, o ex-presidente e seus principais auxiliares serão presos, e há a perspectiva de a eleição de 2026 se transformar numa guerra de posições parecida com o que ocorre atualmente nos Estados Unidos, onde os divergentes se resolvem na base do tiro e da pancada. Todo mundo mata todo mundo.

O mundo está passando por um de seus períodos de loucura. A Rússia bombardeou a Polônia, que chamou os colegas da Otan a enfrentar o inimigo comum, o Exército de Moscou. A Europa está convulsionada. Israel bombardeou o Qatar para matar chefes do grupo Hamas. Nenhuma atenção foi dada ao fato de que as bombas caíram em país que não está em guerra com o país dos judeus. E Telaviv também já não dissimula que não pretende abrir espaço para um futuro país palestino. O mundo piorou nos últimos tempos, por consequência da atuação de líderes despreparados para exercer suas responsabilidades. O resultado dessa situação é a guerra, ou a política exercida por outros meios, seja chantagem econômico-financeira ou ameaça de conflito bélico.

O valor e o desvalor da divergência. Por Juliana Diniz

O Povo (CE)

Não podemos jamais confundir os desacordos salutares, próprios da pluralidade com que se faz o Direito, da absoluta falta de coerência de um determinado intérprete em circunstâncias muito semelhantes de avaliação

Juristas costumam colecionar defeitos. A vaidade, a soberba, a habilidade de complicar. O mais imperdoável deles é a incoerência, porque mina aquele que é o alicerce de qualquer ordem jurídica: a confiabilidade. No julgamento mais importante das últimas décadas, um dos ministros do STF abusou da licença para divergir: como explicar as reviravoltas argumentativas do voto de Luiz Fux sem desacreditar do próprio Direito?

Esse é um ponto delicado de explicar: por que há divergência quando se trata de interpretar as leis? Por que, em um mesmo tribunal, um juiz pode decidir de modo distinto do outro? A resposta é sempre difícil, mas honesta: interpretar o Direito (assim como as ações e motivações humanas) não é um trabalho exato, é uma operação de linguagem em que várias subjetividades concorrem na tentativa de construir um resultado objetivo.

Peixe fora d’água. Por Marcus Pestana

Tempos estranhos os atuais. Não digo isso com saudosismo, sentimento que não gosto e cultivo. Cada época tem seus sonhos, dilemas, desafios. Cada tempo é envolto em suas circunstâncias.

O grande legado do século XX parecia ser a consagração absoluta da democracia como valor permanente, inegociável, amplo, universal. E aí estamos nós, com a cara do mundo contemporâneo estampada nas faces de Donald Trump, Vladimir Putin, Xi Jinping e Benjamin Netanyahu. Nem o mais radical pesadelo de um democrata pessimista poderia traçar roteiro pior.

O STF e a defesa da democracia. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Quando os “homens de bem” falam em liberdade, estão preparando a prisão e a tortura dos adversários

Em meio aos instantes finais do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da tentativa de golpe dos “democratas de passeata” é oportuno relembrar o golpe de 1964.  O famigerado golpe de Estado inspirou um ­slogan premonitório: “Basta de intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Gordon era o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Conspirava abertamente com as “forças democráticas” nativas, aquelas que permanentemente arquitetam a supressão da democracia.

Nos tempos de hoje, a conspiração assumiu contornos semelhantes, mas diferentes. Na passeata de 7 de Setembro, os “patriotas” carregaram uma enorme bandeira dos Estados Unidos. Como de hábito na Terra de Santa Cruz, a conspirata golpista envolveu os “homens de bem”, tal como os parlamentares do Centrão. Esses senhores, eleitos pelos ressentidos, patrocinam o Projeto de Lei da Anistia. Os representantes do povo envergam os propósitos golpistas para executar seus projetos pessoais à sombra da escuridão.

Anistia e Constituição. Por Pedro Serrano

CartaCapital

O Congresso não pode outorgar a si próprio a condição de guardião máximo da Carta Magna

O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pelos, dentre outros, crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Por essas razões, intensificaram-se as discussões relacionadas à concessão de anistia no Congresso. Ou seja, pretende-se atribuir ao Legislativo a determinação dos limites, bem como a extensão e o alcance, da nossa Constituição, substituindo o STF em seu papel de intérprete final e guardião.

Entrevista | Lenio Streck: Basta

Por Rodrigo Martins / CartaCapital

A condenação de Bolsonaro rompe com a secular tradição de impunidade aos golpistas no País, avalia Lenio Streck

Com um histórico de 15 golpes de Estado, tentados ou consumados, desde a Proclamação da República, em 1889, o Brasil parece finalmente prestar contas com seu passado. “Após a condenação de Bolsonaro e seus comparsas, a chance de sofrer mais uma investida diminui bastante”, avalia o advogado ­Lenio Streck, procurador de Justiça aposentado, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Em entrevista a CartaCapital, ele afirma que o Supremo Tribunal Federal agiu dentro dos limites constitucionais e rebate as teses levantadas pela defesa dos acusados, e endossadas no voto divergente do ministro Luiz Fux. “Nenhuma democracia madura comete haraquiri, perdoando quem tenta derrubá-la.”

Longa batalha. Por Marjorie Marona

CartaCapital

Condenação é marco, não ponto final da crise democrática. A sobrevivência da extrema-direita, articulando estratégias de impunidade e reedição política, exige vigilância redobrada

O julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal ganhou novos contornos com o voto do ministro Luiz Fux, que acolheu preliminares da defesa e se manifestou pela anulação do processo. Embora isolada diante da tendência de responsabilização do ex-presidente e seus aliados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e ataque às instituições republicanas, a posição de Fux revela a densidade política e jurídica do caso. Ela demonstra que, mesmo em julgamentos de alta voltagem, persiste espaço para leituras divergentes capazes de oferecer fôlego narrativo aos réus e combustível às suas bases de apoio.

Primeiro passo. Por Jamil Chade

CartaCapital

Trata-se de uma reparação simbólica às vítimas dos heróis de Bolsonaro

Na porta de seu gabinete, o então deputado Jair Bolsonaro mantinha um cartaz que dizia que “quem busca osso é cachorro”, numa ironia aos esforços para encontrar os restos mortais das vítimas no Araguaia. Em sua sala, exibia com orgulho as fotos dos generais que, durante 21 anos, mantiveram com repressão, censura e morte a ditadura.

Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro prestou uma homenagem a um dos torturadores da ex-presidente, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na Presidência, o líder do complô golpista reuniu-se com a viúva do coronel no Palácio do Planalto. O presidente chamou o agente repressor de “herói nacional”, enquanto recebia Maria ­Joseíta Silva Brilhante Ustra em 8 de agosto de 2019. Um ano depois, recebeu Sebastião Curió, o Major Curió, à época com 81 anos. Tratava-se do oficial do Exército que comandou a repressão à Guerrilha do Araguaia e que foi denunciado pelo Ministério Público Federal por homicídio e ocultação de cadáveres durante a ditadura. Em 2009, ao jornal O Estado de S. ­Paulo, Curió afirmou que o Exército executou 41 guerrilheiros no Araguaia.

Um julgamento histórico e o labirinto das circunstâncias. Por Roberto Amaral *

É de relevância insofismável o julgamento que se desenrola no STF; relevância intrínseca ao fato, mas certamente ainda maior em face da carga simbólica representada pelo banco dos réus, onde se sentam, pela primeira vez em nossa história (e isto não é pouco), um ex-presidente da República e uma choldra de generais golpistas a ele associados na tentativa de, mais uma vez em nossa história, violentar o processo eleitoral decidido pela soberania popular. E, como de regra, para fazer regredir o processo social e impor o Estado de exceção, que sempre transita do autoritarismo larvar para a ditadura.
 
Mas isto ainda não é tudo. O julgamento é também relevante pelo que encerra como defesa do sistema democrático-representativo, reacendendo brios esquecidos. Pode mesmo indicar o ponto de partida da recuperação do poder civil, tão aviltado pela preeminência da vontade da caserna, expressa nos tantos putsches, golpes de Estado e ditaduras que promoveu.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Condenação honra a Constituição e a democracia

Por O Globo

Aos réus foi assegurada defesa, houve divergência, e prevaleceu a Justiça. É hora de virar a página do radicalismo

Não há como deixar de reconhecer o caráter histórico do julgamento que condenou Jair Bolsonaro e mais sete réus por planejar e tentar pôr em marcha a ruptura da ordem institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988. Depois de inúmeros golpes de Estado e tentativas frustradas desde a fundação da República, pela primeira vez um ex-presidente, ex-ministros e militares de alta patente foram condenados por atentar contra a democracia no Brasil. O período mais longevo de vida democrática brasileira não apenas resistiu à intentona, mas enfim o Brasil conseguiu punir traidores da vontade popular.

Poesia | Sociedade, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Adriana Calcanhotto - Traduzir-se (Ferreira Gullar)