sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Violência contra ativista político é inadmissível

Por O Globo

Assassinato de conservador nos Estados Unidos é alerta sobre riscos da polarização — também no Brasil

O tiro covarde que matou na quarta-feira o americano Charlie Kirk, ativista de 31 anos que fundou a organização conservadora voltada ao público jovem Turning Point USA, é o episódio mais recente de uma onda de violência política que tem crescido na esteira da polarização ideológica. Kirk viajava os Estados Unidos visitando universidades para promover debates abertos com estudantes do campo oposto. Partidário de Donald Trump desde a primeira hora, era conhecido como provocador e não economizava palavras para atacar seus adversários. Mas, por mais que suas ideias pudessem ser criticáveis, toda a sua ação política se limitava às palavras e ao debate. Era o que fazia na Utah Valley University quando foi alvejado. Seu assassinato deve servir de alerta — e não apenas aos Estados Unidos.

A democracia ainda corre perigo em 2026. Por Fernando Abrucio

Valor Econômico

O problema maior está no silêncio ou aquiescência de boa parte da sociedade frente ao golpismo continuado e travestido de anistia

Pela primeira vez na história, o Brasil vai punir golpistas. Esse é o grande saldo positivo do processo envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus comparsas. É preciso comemorar porque a democracia sempre perdeu para os autoritários de plantão. Porém, como alguns dos ministros do STF avisaram em seus votos, o dia seguinte não será fácil, pois o golpismo ainda está forte na sociedade brasileira, com a novidade de agora ter apoio internacional. Se os democratas do país não continuarem na batalha contra os antidemocratas, inclusive os que vestem pele de cordeiro, a vitória de hoje poderá se reverter num pesadelo futuro.

É inegável que a democracia brasileira venceu o seu maior teste desde a redemocratização ao evitar o golpe bolsonarista e punir exemplarmente os golpistas. As dúvidas giram em torno de quem foram os responsáveis por essa vitória. As instituições tiveram um papel central, porque tem características que dificultam a concentração autocrática do poder. O sucesso do presidencialismo à brasileira, no entanto, dependeu de atores que souberam ativar as armas institucionais por meio de pressões sociais e escolhas em prol da democracia.

Mesmo condenado, Bolsonaro permanece como ameaça institucional. Por César Felício

Valor Econômico

Donald Trump e projeto de anistia mantêm aceso risco de ruptura

ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo condenado, continua representando uma ameaça institucional. Sempre representou, desde que se lançou candidato à Presidência pela primeira vez, na esteira do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Todas as raízes da trama golpista julgada no Supremo Tribunal Federal vêm de muito longe. A acusação avaliada e aceita pela maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma linha temporal com início em julho de 2021 e término em janeiro de 2023, mas essa piscina é de borda infinita, se confunde com o horizonte.

A ameaça que Bolsonaro continua a representar está consubstanciada na afirmação da porta-voz do presidente americano Donald Trump, de que os Estados Unidos não teriam receio de usar o seu poderio militar contra o Brasil em defesa do ex-presidente. A agressão ganhou ar oficial minutos depois de estabelecida a condenação, com a postagem do secretário de Estado, Marco Rubio, de que a decisão do Judiciário brasileiro é injusta e de que os Estados Unidos irão “responder”, como se parte fossem.

Brasil presta contas à História. Por Vera Magalhães

O Globo

Ao condenar Bolsonaro, país STF faz aquilo que se evitou depois da ditadura militar de 1964, em nome de um amplo acordo para a redemocratização

Após a condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes contra a democracia, o longo voto de Luiz Fux era notícia velha e superada. O peso histórico do julgamento rapidamente relegou o burburinho da véspera, todos os memes e hipóteses para as mudanças do ministro em relação a seus próprios votos anteriores a uma voz isolada diante de outras quatro pelo reconhecimento de que Bolsonaro chefiou uma organização criminosa com o objetivo de, nos dizeres do relator, Alexandre de Moraes, “se perpetuar no poder”.

O 11 de setembro de Jair Bolsonaro. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Tribunal resistiu a ataques e protegeu Constituição em julgamento inédito, que pune ex-presidente e generais por tentativa de golpe

Em 1999, um repórter quis saber o que Jair Bolsonaro faria se chegasse à Presidência. “Daria golpe no mesmo dia. Não funciona”, respondeu o capitão.

Naquela época, ninguém imaginava que o deputado extremista fosse capaz de vencer uma eleição majoritária. O Brasil mudou, mas ele permaneceu o mesmo. Ao vestir a faixa, passou a conspirar contra a democracia que o alçou ao poder.

Bolsonaro tentou destruir o sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição de 1988. Seu objetivo era instaurar um novo Estado autoritário, nos moldes da ditadura que sempre exaltou.

A tentação da guerra civil. Por Pablo Ortellado

O Globo

Episódios de violência política têm em comum a incapacidade dos agressores de aceitar a existência de adversários

Quem entrou nas mídias sociais entre anteontem e hoje certamente deparou com o chocante vídeo do assassinato de Charlie Kirk. O ativista conservador americano participava de um debate num campus universitário em Utah quando foi atingido por um tiro no pescoço. Morreu poucas horas depois, no hospital. No momento em que escrevo esta coluna, não sabemos ainda a identidade do assassino, mas, segundo o Wall Street Journal, o FBI encontrou um rifle e munições marcadas com slogans antifascistas, reforçando a suspeita de motivação política.

A geopolítica do quintalismo e nós. Por José de Souza Martins

Valor Econômico

Alguém nos EUA fez referência, que repercutiu na mídia, de que a América Latina é o quintal dos americanos. Continua sendo

A cada dia e cada vez mais, e com crescente dificuldade, percebemos que a realidade social e política muda e se transfigura. Tão depressa que até mesmo nossa alfabetização foi relativizada, o vocabulário inundado por uma enxurrada de palavras diferentes, muitas que dizem algo que já supúnhamos dizer com as velhas e costumeiras palavras ensinadas por nossos avós e pais.

Um sentimento desconfortável de ignorância se apossa dos que, como eu, foram educados na certeza de que o saber é progressivo e acumulativo. O de fato aprendido, supostamente aprendido está. Mesmo o nosso mundo cotidiano, tradicionalmente tão repetitivo, já não se repete. O mundo de cada manhã é uma surpresa. Além do mais, o nosso pequeno mundo de seres do dia a dia é regulado por um grande mundo que não conhecíamos.

Voto de ministra mostra que direito pode ser entendido. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Cármen Lúcia compartilhou com a audiência as razões pelas quais acontecia ali um julgamento histórico

Foi a ministra Cármen Lúcia que sacramentou a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas a solenidade que revestiu seu voto não a impediu de compartilhar com a audiência as razões pelas quais acontecia ali um julgamento histórico. Sem empolação, populismo ou hermenêutica poética que se finda em si mesma.

A ministra mostrou que o golpismo não é regado apenas pelo ódio mas também pela ignorância. Valeu-se de um humor que não a afastou da Constituição. A reprodução do seu diálogo com uma senhora na farmácia é lapidar. “Ele se queixa de que seria neutralizado, mas a neutralização não é ruim”, teria dito a senhora. “Meu marido fez e ficou bem”. Ao explicar à sua interlocutora que ela confundira harmonização facial com um assassinato, a ministra respondeu-lhe: “Harmonização é para não ter problema de envelhecimento. Com a neutralização você não tem problema de envelhecimento porque morre antes”.

A visão dos brasileiros sobre EUA e China. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Para analista, um dos principais fatores do derretimento do governo nas pesquisas é o erro na estratégia de comunicação

Sem surpresas, a conclusão do julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão, acentuou a tensão entre Brasil e Estados Unidos. O presidente Donald Trump disse que a sentença é uma “coisa terrível” e que está “muito insatisfeito”, e o secretário de Estado, Marco Rubio avisou que os EUA responderão a essa “caça às bruxas”. A reação veio do Itamaraty, que em rede social, afirmou que ameaças como a de Rubio “não intimidarão nossa democracia”, e que a soberania brasileira resistirá a “agressões e tentativas de interferência, venham de onde vierem”.

Condenação de Bolsonaro é marco da história republicana. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Centrão volta a articular anistia. Para o Executivo, a prioridade é evitar um "perdão legislativo" que desautorize o Supremo e comprometa a governabilidade

A condenação de Jair Bolsonaro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já projeta seus efeitos jurídicos, políticos e diplomáticos. Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente e quatro oficiais da mais alta patente — três generais e um almirante — são condenados por tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro recebeu a pena de 27 anos e três meses no julgamento da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

As razões históricas são conhecidas. Desde a Proclamação da República, fruto de um golpe militar, o Brasil viveu dois longos períodos ditatoriais, após a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, ambos precedidos por várias tentativas de golpe de Estado. Sucessivas anistias permitiram que os conspiradores obtivessem êxito nos dois casos.

Na maré autoritária, o Brasil nada contra a corrente. Por Flávia Pellegrino

Correio Braziliense

O recado que damos ao planeta e ao nosso próprio país não poderia ser mais claro e vital: a democracia é inegociável, assim como a punição daqueles que contra ela ousam atentar

O dia de ontem não é um fim em si mesmo. É mais um capítulo de um processo inédito de responsabilização e um marco democrático na história do Brasil. Pela primeira vez, aqueles que orquestraram uma ruptura do Estado Democrático de Direito foram devidamente julgados e condenados. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do núcleo crucial da trama golpista que, entre 2021 e 2023, tentou subverter a Constituição e instaurar um regime autoritário no país. Ao condenar militares de alta patente e lideranças políticas do núcleo central da conspiração, a Corte reafirmou que a lei e a democracia estão acima de qualquer governo, projeto de poder ou liderança política. Foi um gesto inequívoco de resiliência institucional, conduzido dentro das garantias do devido processo legal e da ampla defesa, e que ainda resistiu a pressões vindas do exterior.

A crise entre Brasil e EUA. Por Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Com todos os progressos que possam ser feitos no caminho do multilateralismo, ainda assim é importante reatar o diálogo com os EUA

Empresários brasileiros que foram aos EUA discutir a questão das tarifas foram informados que o principal problema entre os dois países é político. Mais ainda: nesse campo, os canais estão totalmente bloqueados. Talvez seja essa a maior crise na história das relações diplomáticas. Já houve outras. Na verdade, no século 19, os dois países se aproximaram por causa de uma crise entre o Brasil e o Reino Unido. Foi um momento difícil: havia uma tensão por causa do tráfico de escravos, condenado pelos ingleses. Mas o estopim mesmo foi a prisão de alguns oficiais daquele país que se embebedaram e causaram confusão no Rio. O embaixador William Christie exigiu indenização e a Marinha britânica apreendeu navios mercantes brasileiros na Baía de Guanabara. O caso foi resolvido com arbitragem internacional, mas o Brasil rompeu com o Reino Unido. Foi por aí que entrou a América do Norte.

As duas Américas. Por Simon Schwartzman

O Estado de S. Paulo

É na maneira pela qual as sociedades se constituem e funcionam internamente que devem ser buscadas as explicações de seus sucessos e fracassos

No Brasil, é comum olhar para os Estados Unidos como um exemplo que deveríamos seguir, ainda que sabendo muito bem de seus problemas. Além de desenvolvido, é – ou era, até Donald Trump – um lugar onde imperavam as leis, as instituições eram respeitadas, a economia era dinâmica, a ciência e a educação eram estimuladas, existiam políticas para lidar com os problemas de desigualdade e de pobreza, e, na política internacional, procurava combinar o interesse próprio com políticas de cooperação e apoio a valores como a democracia e os direitos humanos. Destes valores, o único que parece ainda valer para Trump é o do dinheiro, cada vez mais concentrado. Em seu livro recente sobre a história das relações entre os Estados Unidos e a América Latina ( America, América – A New History of the New World, Penguin, 2025), o historiador Greg Grandin procura mostrar que, longe de ser uma anomalia, as políticas de Trump dão continuidade a uma longa história de violência interna e imperialismo. A única exceção teria sido o período que vai do início do New Deal de Franklin Roosevelt, em 1933, até o fim da Segunda Guerra, quando os Estados Unidos, graças à influência da América Latina, desenvolveram políticas internas em favor da população mais necessitada e apoiam a criação de uma nova ordem internacional com as Nações Unidas.

Vitória da democracia, 40 anos depois. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Quarenta anos depois do fim da ditadura de 1965-1985, oficiais-generais golpistas são punidos

11 de setembro de 2025 foi uma "vitória da democracia", como antigamente se lia em títulos gritantes dos jornais, até porque a democracia precisava de vitórias gritadas para nos dar um pouco mais de segurança de que sobreviveria. "Antigamente": nos anos 1990.

Além do mais, como diz o clichê, "a luta continua". Antes de pensar nas próximas ameaças, porém, é preciso ressaltar aspecto menos considerado do julgamento dos golpistas. Foram condenados quatro oficiais-generais de quatro estrelas, topo da carreira. Outros militares irão para a cadeia.

Transfigurações magistrais. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Guinada garantista de Luiz Fux contribui para percepção de que STF é uma corte mais política do que técnica

Tivesse Luiz Fux chegado anteontem de Marte como representante-mor do garantismo intergaláctico, poderíamos nos limitar a dizer que seu caudaloso voto levanta questões jurídicas interessantes. Mas não é esse o caso.

Fux não veio de Marte, mas do Rio. E não é um recém-chegado. Está no STF desde 2011, onde se notabilizou como um magistrado penalmente severo, para não utilizar a palavra "punitivista". O rigor de Fux pode ser demonstrado numericamente, com seu histórico de votações e decisões monocráticas.

Vale o deliberado. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Voto de Fux abre brecha jurídica, mas, no aqui e agora da política, prevalece o escrito no tribunal

O voto divergente do ministro Luiz Fux pela absolvição de Jair Bolsonaro (PL) animou a turma da anistia, entusiasmada com a possibilidade de futura revisão criminal e a chance de utilização imediata dos argumentos jurídicos na disputa ideológica.

Quanto aos advogados, o regozijo se justifica, dado o vaivém da Justiça. Na política, a coisa se complica.

É difícil a sustentação da tese de que o ajudante de ordens Mauro Cid e Braga Netto, o vice na chapa do presidente que esperava anular as eleições para ficar no poder, ambos condenados por Fux, tenham urdido um golpe em causa própria. Sem cabeça.

Condenação consolida Bolsonaro como ativo tóxico para a direita. Por Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Julgamento inédito cria mártir político para radicais, mas de utilidade discutível no médio prazo

Para surpresa de ninguém, Cármen Lúcia selou o destino de Jair Bolsonaro (PL) no julgamento da trama golpista, tornando o capitão reformado do Exército o primeiro ex-presidente condenado por uma tentativa de manter-se no poder.

Como isso era dado como certo e a despeito das esperanças ventiladas pelo bolsonarismo com o voto do ministro Luiz Fux absolvendo o líder na véspera, os olhos se voltam para a eleição presidencial de 2026.

Bolsonaro estaria fora do pleito de qualquer forma por estar inelegível, mas livre iria influenciar os rumos da oposição na disputa presumida com o presidente Lula (PT).

Após passada a fase de recursos, tudo indica que Bolsonaro deverá ficar fora de circulação por muito tempo. Se é verdade que no Brasil o crime é comandado de dentro da cadeia, a coisa é um pouco diversa na política.

Em meio à deriva da democracia. Por Alberto Aggio*

FAP -Política Democrática, nº 59

Uma severa deriva democrática assola o mundo, o que coloca sérios questionamentos sobre a sustentação e permanência dos regimes democráticos, mesmo os mais consolidados. Se há décadas a questão democrática era fator essencial de legitimação do nexo entre liberdade, expansão dos direitos e desenvolvimento econômico, nos dias que correm tal legitimação parece não ser capaz de se sustentar como antes.

É um momento de claro sofrimento para a cultura política democrática. Simultaneamente avoluma-se a sensação de que o que dava sustentação à própria ideia de Ocidente – entendido como um valor universal produzido pela hegemonia democrática em contexto de avanço econômico – começa perigosamente a perder sua energia histórica. O que passou a acontecer depois do retorno ao poder de Donald Trump nos EUA espanta o mundo por se afastar intencionalmente dos valores que sustentavam a legitimação histórica da mais longeva democracia do Ocidente. 

Poesia | Saudade, de Pablo Neruda

 

Música | Quilapayun - Que dira el Santo Padre, Te recuerdo Amanda