sábado, 30 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Regulação de fintechs precisa ser mais rigorosa

O Globo

Operação que descobriu elos com crime organizado impõe urgência a medidas da Receita e do BC

Receita Federal acertou ao passar a exigir que empresas voltadas para produtos financeiros digitais, as fintechs, informem dados para monitoramento de transações, como fazem todos os bancos tradicionais. Além do controle do Fisco, o Banco Central (BC) deveria antecipar o prazo para regular esse mercado, atualmente fixado para 2029.

A megaoperação policial deflagrada para asfixiar as finanças do Primeiro Comando da Capital (PCC) revelou como o crime organizado está infiltrado por toda a sociedade. Não se trata mais de atividade concentrada em presídios, comunidades pobres, no interior ou em regiões de fronteira, mas de conglomerados sofisticados, com presença até no coração financeiro paulistano, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, capazes de aproveitar brechas do mercado de fintechs para lavagem de dinheiro e blindagem de patrimônio. Uma das instituições investigadas é suspeita de ter, entre 2020 e 2024, movimentado R$ 46 bilhões, hoje impossíveis de rastrear.

Crise e mal-estar, por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

Falta, no Brasil atual, uma força democrática que se qualifique para apresentar um amplo programa de reformas para a sociedade

Não é nova a percepção de que a vida moderna traria consigo ondas seguidas de mal-estar. Freud se referiu a isso em O mal-estar na civilização, no qual enfatizou que os indivíduos modernos reprimiriam (ou sublimariam) seus desejos e vontades (sua liberdade) para não contestar a segurança e as normas sociais.

No início dos anos 90, o filósofo Charles Taylor revisitou o tema, para se referir ao “desconforto” que haveria nas sociedades modernas, invadidas pelo lado sombrio do individualismo e pela afirmação de um egocentrismo avesso ao interesse pelos demais. Mais tarde, Zygmunt Bauman aproveitou a tese de Freud para constatar que “o mal-estar na pós-modernidade” viria do fato de que os indivíduos se soltam de sua segurança para abraçar dimensões crescentes de liberdade, com as quais não sabem o que fazer.

Um fantasma assombra o Centrão, por Thaís Oyama

O Globo

Há o temor de que o núcleo radical do bolsonarismo se rebele contra o nome escolhido pelo grupo e produza um ‘outsider’

Ciro Nogueira abriu a picada, mas não a facão. Segundo relatou o presidente do PP a interlocutores, a conversa que teve com Jair Bolsonaro no dia seguinte à decretação da sua prisão domiciliar foi eivada de delicadezas e volteios destinados a não melindrar o ex-presidente. Com o objetivo principal de pressioná-lo a definir o seu candidato para as eleições de 2026, o colóquio começou pela entrada oposta: Ciro reiterou seus esforços para viabilizar no Congresso a votação do projeto de anistia que, quase ninguém acredita, levaria Bolsonaro de volta às urnas. Cumprida essa etapa, o dirigente do PP passou à que interessava: apontou a necessidade de Bolsonaro indicar um nome de sua confiança com chances reais de derrotar Lula para o caso de todos os esforços destinados a fazer dele próprio o candidato fracassarem. Embutido nessa hipótese estava, desde já posto e garantido por qualquer nome por ele escolhido, o compromisso com o indulto presidencial — a chave que, embrulhada no discurso fino da “necessidade de pacificar o país”, poderia abrir para o ex-presidente a tranca da cadeia.

Sinceramente, Dona Economist, por Flávia Oliveira

O Globo

Sabe lá o que é ser uma nação nascida da brutalidade colonial e, sistematicamente, golpeada?

A revista britânica The Economist escreveu sobre o exemplo de maturidade democrática que o Brasil de Lula dá aos Estados Unidos de Trump. Só pensei em Vinícius de Moraes. Não se trata de “poesia a esta altura”, mas das situações em que brasileiros nadamos de braçada. No livro “Para viver um grande amor” (1962), Vinícius dedicou poema “a um americano simpático, extrovertido e podre de rico” que encontrara em Los Angeles (Califórnia) dias antes de retornar ao Brasil, depois de meia década nos Estados Unidos. Mister Buster não compreendia por que o poeta preferia voltar à Latin America, com prejuízo financeiro, mesmo podendo ficar um ano mais na América. Na resposta em poesia lambuzada de ironia, o brasileiro enfileira bens e serviços, propriedades e angústias que cercam a vida boa do gringo. E finaliza exaltando experiências que só o Brasil proporciona:

Problemas de gente branca, por Eduardo Affonso

O Globo

Moro num condomínio da Barra da Tijuca. É mais ou menos como viver num cruzeiro do Wesley Safadão em terra firme

Experimente comentar que foi ao oncologista (eu fui) por causa de uma mancha esquisita, e não são desprezíveis as probabilidades de alguém lembrá-lo de que esse é um típico problema de gente branca. Não porque a incidência de câncer de pele seja menor em pessoas pretas — até é, já que mais melanina oferece maior proteção —, mas porque, comparado a um tumor no pâncreas ou a um AVC, seu mal é, literal e metaforicamente, epidérmico.

O grande teste, por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O Brasil, por força das circunstâncias, precisou se levantar de seu berço esplêndido para manter o nível de crescimento econômico. O grande teste vai ocorrer a partir da próxima semana, com o julgamento de Bolsonaro

A eleição para o governo do país é o momento de crise do regime presidencialista. O sistema coloca nas mãos de uma única pessoa todo o poder do país, ressalvados os pesos e contrapesos que protegem o cidadão e as instituições. É muita pressão sobre uma só pessoa, que é obrigada a viajar de Norte a Sul, Leste a Oeste, no país de dimensões continentais, fazendo promessas e ouvindo queixas. O candidato fala sobre todos os assuntos, debate todas as questões e se envolve em questões pessoais, paroquiais e transcendentais. É um massacre que, no final, revela um vencedor. Aquele que resistir por mais tempo a cerveja quente, café frio e maionese vencida. 

Perorações pré-eleitorais, por Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Ainda não está no horizonte uma candidatura de centro, honesta, atilada e com efetiva vocação de liderança

Para o texto de hoje, já entrando no ano eleitoral, rememoro alguns fatos e exponho algumas opiniões a esmo, espero que o leitor neles encontre alguma utilidade.

Meu ponto de partida é uma avaliação pessoal: os despautérios perpetrados pelo inquilino da Casa Branca deram a Lula uma chance de ouro de encenar seu papel predileto, o de estadista, e estancaram a queda livre que as pesquisas lhe vinham indicando. De qualquer forma, tenho para mim que a conquista do novo mandato presidencial a que ele almeja manterá a economia brasileira patinando por mais uns 20 anos, ou mais. Deixo aos leitores o encargo de ponderar se tal cenário é concebível.

Imagine as crianças, por Carlos Andreazza


O Estado de S. Paulo

A Economist já fez o foguete do Brasil decolar. A estátua do Cristo ganhava os céus como expressão de destino glorioso e inevitável. Numa época em que foguete não dava ré. Deu.

O País – agora com o mito chifrudo – está novamente na capa da revista. Daria lição de maturidade democrática. O País – do orçamento secreto – daria lição de maturidade democrática. O do juiz empresário, do juiz líder de bancada, do juiz justiceiro – daria lição de maturidade democrática. Etc.

Esse seria exercício infinito; e desnecessário. Bastará ler a reportagem para compreender que a Economist ignora o Brasil. O País – esmagado entre lulismo e bolsonarismo, e com liberdade defendida pelos métodos xandônicos – é retratado como “um exemplo para a recuperação de países afetados pela febre populista”. A febre populista brasileira dura mais de 20 anos e já contaminou as eleições de 2026.

Megaoperação revela que Faria Lima fechou os olhos para os fundos, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Só há duas opções: baixo controle das empresas que fizeram negócios com os investigados ou vista grossa

megaoperação para desarticular a infiltração em negócios regulares da economia formal revelou que há um ponto cego na governança dos fundos de investimentos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na lista dos principais alvos financeiros, a maioria é de fundos de investimentos fiscalizados pela autarquia.

A força-tarefa apontou cerca de 40 fundos suspeitos de serem utilizados pelo PCC e suas gestoras. A Reag Investimentos, listada na B3 (Bolsa de Valores brasileira) e uma das principais empresas envolvidas na operação, é gestora de fundos.

A César o que não é de César, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Disputa entre Lula e Tarcísio por protagonismo em ações anti-PCC ilustra um dos problemas da democracia

São importantes as operações policiais deflagradas contra o PCC. A infiltração da economia formal e do próprio poder público pelo crime organizado é um fenômeno que precisa ser combatido com urgência, já que, quanto mais avança, mais difícil se torna seu enfrentamento.

É pena que a boa notícia institucional tenha sido maculada pelo que parece ser uma disputa eleitoreira entre Lula e Tarcísio de Freitas, que provavelmente se enfrentarão no pleito presidencial de 2026, pela paternidade das ações.

Nome do centrão, Tarcísio enfrenta o presidenciável Eduardo, por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Filiação do governador de São Paulo ao PL ameaça implodir maior partido de direita do país

Parece que agora não tem volta: Tarcísio de Freitas é candidatíssimo ao Planalto. O movimento se dá em função da desgraça de sua principal inspiração política, Bolsonaro, que está preso em casa, com monitoramento da polícia para evitar qualquer ensaio de fuga, às vésperas do julgamento no STF por arquitetar um golpe de Estado.

Hoje o ex-presidente é considerado, no campo da direita e até em covis da extrema direita, carta fora do baralho no jogo contra Lula. Este, usando boné nacionalista e a máquina estatal, está em plena campanha, com gás renovado após as pesquisas que lhe são favoráveis.

Viva o intelectual orgânico Raduan Nassar, por Roberto Amaral*

“Considero-me de esquerda sim e fico com a bela definição de Pepe Mujica: ‘é uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo’”.
— Raduan Nassar

O intelectual orgânico dos trabalhadores, necessariamente de esquerda, denuncia a luta de classes; o intelectual orgânico da classe dominante, necessariamente conservador ou de direita, também procura intervir na realidade, mas para impedir o parto do futuro. Muitas vezes não lhe basta a conservação do statu quo: intervém para reaver o passado. 

Presentemente assistimos ao assalto ideológico da direita.

Embora não possa escolher o seu tempo, aquele no qual terá de realizar sua existência, é imperativo para o escritor, intelectual orgânico, representante sempre de uma visão ideológica do mundo, definir-se diante da luta de classes e, assim, definir o caráter de seu papel como agente histórico.

O escritor reproduz sua visão de mundo toda vez que escreve ou deixa de escrever. Baudelaire definiu-se diante das revoluções de 1848. Combateu-as e, pelo resto da vida, fez-se adversário das noções de progresso e liberdade, construindo visível contradição entre vida e obra, entre o intelectual e o poeta. Balzac permaneceu indiferente diante da Comuna de Paris. Sartre — ele mesmo intelectual permanentemente engajado — lembra o silêncio de Flaubert e de Goncourt diante da repressão à Comuna, para mostrar como ambos se definiram optando pela omissão, que, numa tábua de valores, tem tanto significado quanto a intervenção de Zola, o qual, sem temer a força das circunstâncias, optou pela defesa da liberdade do capitão Alfred Dreyfus, como antes se havia definido Voltaire — talvez um dos  primeiros dos intelectuais engajados — no caso Calas.

O Sobrenatural de Almeida na política brasileira, por Marcus Pestana

A história coloca limites para a ação humana. A liberdade de criação depende das condições econômicas, sociais e históricas objetivas. Mas os líderes têm o poder efetivo de potencializar as possibilidades abertas pela realidade. A política não pode ser apenas “a arte do possível”.  Mas além da ação subjetiva dos grandes líderes, há outro elemento importante nos caminhos e descaminhos da história: o acaso.

O grande dramaturgo e cronista carioca Nelson Rodrigues criou, entre tantos personagens geniais, o Sobrenatural de Almeida, que em suas aparições fantasmagóricas levava maus agouros ao Fluminense de seu coração. Depois começou a assombrar também outros times, produzindo viradas espetaculares, gols sensacionais, resultados improváveis, desmentindo os “idiotas da objetividade”. Apesar de habitar o mundo do futebol brasileiro, tudo indica que o Sobrenatural de Almeida teve intensa atividade na política brasileira, dados os múltiplos exemplos de eventos inesperados e surpreendentes que foram determinantes para os rumos do país.

Os economistas e a sociedade, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta

CartaCapital

Especialistas no ofício antes delegado aos profetas, não raro eles propõem formulações econômicas suicidas

Stanislaw Ponte Preta registrou nas páginas de seu Festival de Besteiras Que Assola o País (Febeapá) um diálogo entre dois invisíveis auxiliares de produção de um programa de televisão que foi ao ar, provavelmente, nos idos de fevereiro de 1967, com o propósito de propagandear o Cruzeiro Novo, parte da reforma monetária do já nomeado presidente Costa e Silva.

Stanislaw verifica o desencontro entre o objeto das análises econômicas e os seres comuns e invisíveis submetidos aos conselhos da Velha Ciência:

“Depois que o senhor Ministro do Planejamento terminou sua palestra pela televisão… falando em aritmética frívola, conjuntura econômica, retração monetária e outros bichos”, sai de cena o Ministro acompanhado de seus cupinchas, entram os invisíveis.

Notou e anotou Stanislaw:

Homens de bens, por Wilson Tosta

CartaCapital

Deputados ricos e milionários vão decidir sobre a isenção de IR para quem ganha até 5 mil reais por mês

Uma das principais apostas do presidente Lula, o projeto de isenção de Imposto de Renda para os contribuintes que ganham até 5 mil reais mensais e o aumento, como compensação, da taxação para quem recebe mais de 50 mil reais caminha para virar um problema para o Palácio do Planalto. A contradição entre uma Câmara de Deputados com patrimônio médio dezenas de vezes superior ao dos eleitores, apontada em estudo do INCT/ReDem (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Representação e Legitimidade Democrática), reforçou o alerta para uma possível nova derrota legislativa do Executivo. A hipótese de aprovar a isenção sem elevar os tributos do topo da pirâmide animou as recentes conversas da oposição. Se a isenção for aprovada sem uma contrapartida, Lula não terá recursos para sustentar a bandeira da “justiça tributária”.

Assalto ao BB, por André Barrocal*

CartaCapital

O
 plano bolsonarista para desestabilizar o Banco do Brasil tem várias frentes

Em 1986, Jair Bolsonaro estava no Exército e publicou um artigo em uma revista a reclamar do salário. Pegou 15 dias de cadeia por transgressão da disciplina militar. Seu terceiro filho, Eduardo, tinha 2 anos. O presidente do Brasil era José Sarney, a quem coube assinar na época uma legislação de combate aos crimes contra o sistema financeiro, a 7.492, a popular Lei do Colarinho Branco. Em autoexílio nos Estados Unidos desde fevereiro, o hoje deputado Eduardo afrontou a lei escancaradamente, na impatriótica cruzada montada com mesada do pai em solo norte-americano para tentar salvar o capitão de ir em cana de novo, agora como condenado por tentativa de golpe. Ele disse no YouTube que o Banco do Brasil será cortado das finanças internacionais pelos EUA, sofrerá fuga de capitais e irá à falência. “Tenho certeza que já tem gente nesse momento preocupado, querendo descobrir para onde levar o dinheiro.” Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira é crime. ­Custa de 2 a 6 anos de prisão. Está lá no artigo 3º da Lei do Colarinho Branco. A Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal foram instados a tomar providências.

Poesia | O operário da poesia, de Geir Campos

 

Música | Nana Caymmi - Só louco