quarta-feira, 15 de outubro de 2008

República Velha

DEU EM O GLOBO

A CADA pleito fica evidente o quanto ainda precisa evoluir a cultura política no país, apesar de mais de duas décadas de vigência da democracia, sem interrupções.

PROVA DISTO são os indícios de uso da máquina pública em prol de candidatos, fator de desequilíbrio eleitoral, e destemperos abomináveis no tom de campanhas que resvalam para o terreno privado.

FOI O que aconteceu em São Paulo, com as insinuações da propaganda de Marta Suplicy sobre o concorrente Gilberto Kassab, a ponto de causar defecções na própria base da candidata petista.

NO RIO, chamaram a atenção a rapidez com que o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, conseguiu o prontuário de um cabo eleitoral do candidato Fernando Gabeira, e a antecipação do feriado do Dia do Funcionalismo para a segunda-feira 27 - a fim de, supostamente, aumentar a abstenção no domingo numa categoria que tenderia a votar em Gabeira.

HÁ EM todas essas manobras no eixo Rio-São Paulo um cheiro de República Velha.

Ibope: Gabeira tem 42% e Paes, 39%


Fábio Vasconcellos
DEU EM O GLOBO


Pesquisa realizada após debates mostra empate técnico entre os candidatos do Rio

A disputa pela prefeitura do Rio continua acirrada. A primeira pesquisa Ibope encomendada pela TV Globo e pelo "Estado de S. Paulo" no segundo turno mostra o candidato Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) com 42% das intenções de voto, contra 39% de Eduardo Paes (PMDB-PTB-PP-PSL). Como a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, os dois estão tecnicamente empatados. Os votos em branco e nulos somam 10%; não decidiram 8%.

A pesquisa foi realizada na segunda-feira e ontem, já depois da polêmica declaração de Gabeira sobre a vereadora Lucinha (PSDB) e também após os debates no GLOBO, realizado na quinta-feira passada, e na TV Bandeirantes, no domingo. O levantamento está registrado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número 489/2008. Foram ouvidos 1.204 eleitores no Rio.

Considerando apenas os votos válidos - sem nulos, em branco e indecisos -, a pesquisa Ibope mostra que a diferença entre Gabeira e Paes chega a quatro pontos percentuais. O candidato do PV aparece com 52%, contra 48% do peemedebista.

Jovens preferem Gabeira; idosos votam em Paes
Os dados do levantamento indicam que Gabeira é o preferido entre os mais jovens (16 a 24 anos). Ele tem 54% das intenções de voto contra 33% de Paes nessa faixa. Gabeira também vence entre os eleitores de 25 a 29 anos (52% a 35%), e entre aqueles de 30 a 39 anos (41% a 39%). Eduardo Paes, por outro lado, é o preferido dos eleitores com mais idade. Ele registra 40% entre os têm de 40 a 49 anos (contra 35% de Gabeira); e 43% entre os de mais de 50 anos (faixa em que o verde tem 36%).

Por nível de escolaridade, os números do instituto revelam que Paes vence Gabeira entre os eleitores com até a 4ª do Ensino Fundamental (51% a 28%) e de 5ª a 8ª série (45% a 28%). Do ensino médio ao superior, Gabeira tem a preferência do eleitorado. Na primeira, o candidato do PV teve 42% das intenções de voto contra 36%. No ensino superior, o candidato do PV apresenta 57%, e Paes, 33%.

A análise dos dados mostra que Gabeira tem 52% da preferência dos eleitores que ganham mais de cinco salários mínimos. Nessa faixa de renda, Paes teve 31%. A diferença entre os dois candidatos cai no grupo que recebe de dois a cinco salários (Paes 45%; Gabeira 42%). O peemedebista é o preferido dos eleitores que ganham até dois salários (41% para Paes a 33% para Gabeira).

O instituto de pesquisa perguntou aos eleitores também se eles ainda podem mudar o voto diante do que têm visto até o momento na campanha do segundo turno. A maioria (73%) afirmou que a escolha é definitiva, enquanto 22% disseram que ainda podem mudar.

A maior proporção de eleitores com escolha definitiva é entre os que recebem entre dois e cinco salários mínimos: 81% declaram que não pretendem mudar. O maior percentual de eleitores que afirmam ainda poder alterar o voto (25%) ocorre entre aqueles com nível de escolaridade de 5ª a 8ª série.

No levantamento do Datafolha, o primeiro realizado após o resultado primeiro turno e que foi divulgado na quinta-feira passada, Gabeira aparecia com 43% contra 41% de Paes. O instituto apresentou o candidato do PV figurando pela primeira vez à frente do candidato do PMDB. Considerando apenas os votos válidos, o Datafolha aponta Gabeira com 51% das intenções de voto naquele dia, e Paes, com 49%. Pelo Datafolha, não tinham candidato 16% dos eleitores, 7% pretendiam anular ou votar em branco, e 9% estavam indecisos.

No primeiro turno, pelo resultado oficial do TRE, Paes teve 31,98% dos votos válidos, e Gabeira, 25,61%.

Segundo o Datafolha, os eleitores de Gabeira estão concentrados entre os mais jovens (53%), os mais escolarizados (60%) e os mais ricos (62%). Os eleitores de Paes destacam-se entre os mais pobres (46%), entre os menos escolarizados (49%) e entre os mais velhos (50%).

É golpe


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

As Constituintes no Brasil sempre foram convocadas em momentos de ruptura política. Por isso mesmo, algumas vezes, não chegaram a bom termo

Não tem cabimento o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), tirar da cartola a proposta de convocação de uma Constituinte exclusiva para incluí-la no projeto de reforma política que o governo encaminhou ao Congresso. Cheira a tentativa de mudança das regras do jogo do processo sucessório de 2010. Puro golpismo.
Carta Magna

A Constituição de 1988 acabou de completar 20 anos e foi comemorada em todo o país. Houve, nessa efeméride, mais elogios do que as críticas dos de sempre, como as do presidente José Sarney, em cujo governo de transição — foi eleito vice de Tancredo Neves no colégio eleitoral e acabou assumindo o seu lugar, em circunstâncias involuntárias e trágicas — foi elaborada a atual Carta Magna. Os constituintes eleitos em 1986 restabeleceram e ampliaram a nossa democracia. Inovações importantes são responsáveis pela renovação dos nossos costumes políticos, como a autonomia do Ministério Público e dos municípios. Nosso sistema eleitoral — com voto eletrônico, direto, secreto e obrigatório — é dos melhores do mundo.

A maior crítica à atual Constituição vem daqueles que gostariam de mais liberdade aos agentes econômicos nas relações com o Estado, mas o cenário mundial aponta em direção contrária.

Alguns governantes se queixam das transferências constitucionais destinadas à Educação e à Saúde. A diversidade de partidos políticos é apontada como origem do fisiologismo. Há controvérsias sobre o voto proporcional uninominal e sobre o financiamento de campanha. Se falava muito que a Constituição era “parlamentarista” e engessava o Executivo, mas a vida está mostrando que o governo, por meio de medidas provisórias, tem usurpado o papel legislativo. Além disso, o ativismo jurídico do Supremo Tribunal Federal (STF) também invade a seara do Legislativo. Que dizer que não se mexe na Constituição? Não, apenas é preciso respeitar as regras estabelecidas para isso, o que significa preservar suas cláusulas pétreas.

Constituintes

As Constituintes no Brasil sempre foram convocadas em momentos de ruptura política. Por isso, algumas vezes, não chegaram a bom termo. A Constituinte de 1823 foi fechada por Dom Pedro I, que outorgou a Constituição de 1824. O Ato Institucional de 1834, que deu mais autonomia às províncias, e a reforma eleitoral de 1881, já sob pressão de abolicionistas e republicanos, foram mudanças aprovadas para preservar a monarquia. Republicana, federativa e presidencialista, a Constituição de 1891 foi promulgada por um congresso constituinte tutelado por militares positivistas. Teve orientação liberal, inspirada no exemplo dos Estados Unidos, mas feneceu com a Revolução de 1930.

A Constituição de 1934, que basicamente reproduziu a anterior, deu um mandato de quatro anos a Getúlio Vargas e pôs fim ao governo provisório. Porém, teve vida brevíssima. Foi substituída pela “Polaca”, como era chamada a Constituição de 1937, de inspiração fascista. A Constituição de 1946 restabeleceu a democracia no pós-guerra, mas acabou atropelada pela “guerra fria” e pela radicalização política da década de 1960. A Constituição de 1967 foi promulgada por um Congresso Nacional amordaçado pelos militares e institucionalizou o autoritarismo. Mesmo assim, foi aviltada pelo Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968.

Basta olhar a história do Brasil para ver que convocar e levar a bom termo uma Constituinte nunca foi tarefa fácil. Portanto, a proposta de uma Constituinte exclusiva é estranha e extemporânea. Cheira ao velho golpismo latino-americano. Vejam a situação na Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela, cujas mudanças constitucionais são fatores de tensão e crises institucionais. A proposta de reforma política que o governo enviou ao Congresso já é meio “mandrake”, a tese da Constituinte exclusiva é pior ainda. Parece velhacaria “queremista”.


Azebundsman — Na coluna de 28 de setembro, intitulada Sístoles e Diástoles, a pressa me traiu. Errei as datas das Constituições de 1824 e 1946. Os leitores Antônio Menezes e Ceiça Cavalcante, aos quais agradeço a atenção, puxaram as minhas orelhas. Aproveitei essa oportunidade para as devidas correções.

Atração oficial


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As brigas entre os partidos governistas pelo apoio explícito do presidente Luiz Inácio da Silva aos respectivos candidatos deixaram de fazer sentido depois da amazônica bobagem da campanha de Marta Suplicy.

Se Lula já resistia em pôr sua popularidade em xeque de novo antes mesmo de o PT entronizar Gilberto Kassab no altar das grandes vítimas da História, desde o último domingo o presidente recebeu de presente um ótimo pretexto para cuidar da vida bem distante dos palanques no segundo turno das eleições municipais.

Com ele fora da cena, as outras legendas da coalizão federal ganharam segurança no tocante ao equilíbrio das disputas. Em conseqüência, não têm mais motivos para reclamar do PT que, segundo dirigentes de partidos aliados, tentou capitalizar sozinho a condição de representante do governo federal.

Vista assim do alto, a discussão do primeiro turno por causa da presença do presidente - ou pela neutralidade da ausência - parecia relacionada à expectativa de transferência de popularidade e, claro, de votos.

Examinada no detalhe e mediante explicações de personagens envolvidos, a disputa pelo apoio de Lula revela outro motivo mais consistente: a perspectiva de tratamento privilegiado da parte da União para com o município que tiver como prefeito o candidato visto como o predileto do presidente.

Se esse dado conta nas capitais, nos pequenos municípios conta muito mais. Daí a razão da elevadíssima temperatura entre partidos da base aliada, notadamente no Nordeste, onde o peso do Estado é crucial na relação entre representantes e representados.

Isso quer dizer que o desequilíbrio nas disputas municipais é ditado pela simbologia da caneta presidencial e pela força do Diário Oficial. De acordo com dirigentes aliados, o PT foi alvo de reclamações porque tentava passar ao eleitor a mensagem de que só ele representava essa garantia.

Mas, contabilizados os votos do primeiro turno, se alguém conseguiu transmitir com competência esse recado foi o PMDB, um dos mais queixosos e também o partido que mais se beneficiou da adesão total ao governo Lula no segundo mandato.

Diante disso, é de se imaginar, então, que o PMDB continue na aliança governista e em 2010 apóie a candidatura sustentada pelo Palácio do Planalto.

Não necessariamente. Daqui a dois anos a regra válida agora para os municípios não valerá para as eleições dos governos dos Estados porque o Diário Oficial, a caneta e a cadeira presidenciais não terão um dono (ou dona) certo. Com o poder central em disputa, a menos de uma situação de absoluto favoritismo do grupo governista, a tendência é a dispersão até a definição sobre o rumo mais seguro da perspectiva segura de relações privilegiadas com o Estado.

Mal comparado

O pior nos defensores da tática de difamação da campanha de Marta Suplicy - a própria incluída - não é nem o cinismo de soltar o veneno fazendo cara de inocente e pouco caso dos neurônios alheios.

Erro grosseiro de cálculo mesmo foi acreditar piamente que a candidata poderia ficar imune aos maus efeitos do uso da malícia de caráter sexual contra o adversário, da mesma forma como Lula conseguiu ficar distante dos escândalos ocorridos no PT e no governo.

Há diferenças abissais entre os personagens e as situações que não foram consideradas: além do poder que intimida, Lula tem o perfil do oprimido e contou o tempo inteiro com a ausência do contraditório.

Este último fator, subestimado, talvez tenha sido determinante na conta do fracasso ou sucesso das estratégias e explique muito a respeito da frustração de outros candidatos favoritos que confiaram no peso do exemplo de cima, mas foram atropelados por adversários supostamente mais fracos.

Menosprezaram o fato de que Lula não é regra, é exceção. É aí onde reside a falácia do automatismo da transferência de votos.

Moral da história

Do alto da lista dos derrotados do primeiro turno, o governador de Minas, Aécio Neves, teve pelo menos um ganho: levou adiante a idéia da candidatura de Fernando Gabeira no Rio, apresentada sem maiores pretensões pelo deputado mineiro Rodrigo de Castro, secretário-geral do PSDB.

O lance até agora foi mais bem-sucedido do que o inicialmente pretendido. Aécio imaginava que se Gabeira conseguisse obter 25% dos votos, a aliança já teria valido a pena para o combalido PSDB fluminense. Na primeira pesquisa do segundo turno, o candidato apareceu com 43% das preferências.

Um sucesso tão surpreendente quanto o fracasso da primeira tentativa do governador de projetar a imagem do articulador de um “modo novo” de fazer política e até hipotético candidato a presidente pelo PMDB, com o apoio de Lula.

Noves fora, Aécio errou quando ciscou para fora e acertou quando ciscou para dentro.

Tensões eleitorais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS


É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis
As eleições municipais deste ano estão transcorrendo em um ritmo peculiar. Não que seja inteiramente diferente do que tivemos em outras. Mas que há coisas inesperadas nestas, isso não se pode negar.

Eleições locais costumam ser marcadas por um nível de volatilidade maior do que é característico das estaduais e, particularmente, das nacionais. Nas escolhas de prefeito, os eleitores tendem a se comportar de maneira menos previsível, mais sujeita a oscilações repentinas. Nelas, não valem regras que se aplicam bem às outras.

Se pensarmos nas eleições de presidentes e governadores que fizemos depois da redemocratização, são raras aquelas em que houve fenômenos de “última hora”, com a arremetida de um candidato na reta final. Supondo que as pesquisas de intenção de voto estavam corretas, elas contam-se nos dedos.

Ao contrário, nas municipais isso acontece com freqüência. É como se os eleitores ficassem na espreita, aguardando a véspera da eleição para se decidir. Nessa hora, processos eleitorais que pareciam correr em trilhos conhecidos dão um tombo nos analistas e nos pesquisadores.

Este ano, algo assim aconteceu nos três maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Mesmo o que ocorreu no quarto maior, Salvador, tem aspectos semelhantes.

Em todas essas cidades, tivemos o crescimento de candidaturas, nos dias finais, que nem os próprios candidatos e seus assessores imaginavam. Ninguém de bom senso, na campanha de Gilberto Kassab, por exemplo, diria que ele ficaria à frente de Marta Suplicy no primeiro turno. Muito menos que, nas pesquisas feitas esta semana, ele abriria a vantagem que agora tem sobre ela.

No Rio, já se podia esperar o crescimento de Gabeira, mas poucos antecipavam que ele se igualaria a Eduardo Paes tão cedo, como mostraram pesquisas feitas três ou quatro dias depois da eleição. Para quem tinha sido saudado como grande novidade lá atrás, quando se lançou candidato, e ficou sumido em modestíssimos 5% durante quase três meses, Gabeira é uma surpresa de crescimento na hora certa.

Belo Horizonte tem um fenômeno semelhante, na candidatura de Leonardo Quintão. Impulsionado por um estilo de campanha que não deu certo em nenhum outro lugar, emocionalizada e sentimental, ele teve mais votos até que os previstos pelas pesquisas de boca-de-urna. Como Kassab, teve um desempenho que nem ele esperava, a não ser em sonhos.

Surpresas como essas criaram o quadro para um reinício de campanha em um tom vários decibéis acima do que tivemos, nessas cidades, no primeiro turno. Depois de uma modorrenta discussão de propostas, quase sempre indiferenciadas, e da apresentação enfadonha de currículos, agora a briga esquentou.

É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis.

Comparações críticas, cobranças agudas, denúncias e questionamentos do passado e do presente de adversários não são imorais nas disputas democráticas, até porque quem as faz se expõe ao julgamento dos eleitores. Em países de larga tradição democrática, são mais comuns que imaginamos.

Talvez venha da fragmentada e conturbada experiência que temos com a normalidade da democracia essa aversão que nossa cultura política atual tem aos conflitos nas eleições. Espera-se dos candidatos uma espécie de falsa cordialidade, o tal debate em “alto nível”.

Que discutam, que até briguem, se quiserem. As leis estão aí e quem as descumprir pagará o preço. Quem decide são os eleitores, que são perfeitamente capazes de fazer suas avaliações, em campanhas geladas, mornas ou pegando fogo.

Passagem discreta pelas municipais


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Do ponto de vista do que lhe é necessário, no momento, a dois anos da sucessão presidencial, a ministra Dilma Rousseff, por enquanto ainda a candidata in pectore do presidente Lula a assumir, pelo PT, o seu legado, usou bem as condições que lhe foram apresentadas nas campanhas municipais. Dilma não tinha condições de apoiar os candidatos petistas, transferir votos que não possui, explorar com o eleitorado, voltado para as dificuldades do dia a dia nas cidades, as ações do governo federal pelas quais é responsável.

A estratégia aplicada por Dilma foi a de usar as campanhas e a exposição que elas lhe possibilitavam para fazer a sedução da militância, mostrar-se, melhorar suas relações políticas no PT e entre os partidos historicamente a ele aliados. Com este foco, as perdas objetivas da ministra, que vêm sendo registradas, carecem de maiores significados. Em Porto Alegre, por exemplo, seu domicílio eleitoral, ela começou perdendo na escolha do candidato de seu partido. Trabalhava por Miguel Rossetto, um dos pré-candidatos do PT, enquanto a maioria partidária preferiu Maria do Rosário. Engajou-se, então, na campanha da candidata do PT, que passou ao segundo turno com uma votação muito abaixo do candidato concorrente, também da base presidencial, depois de viver uma fase de disputa voto a voto com outra candidata da aliança governista, Manuela D"Ávila, do PCdoB.

Maria do Rosário ainda não fez a virada, também não é em Porto Alegre que se joga a cartada decisiva da eleição presidencial. Outro envolvimento da ministra, a campanha de Gleisi Hoffmann, em Curitiba, não levou a candidata petista, mulher do ministro Paulo Bernardo, sequer ao segundo turno. Seu adversário venceu por 77,27% dos votos na primeira rodada. Dilma foi a São Paulo, mais de uma vez, mas a candidata Marta Suplicy não viu traduzidos em intenção de voto o seu apoio público.

Porém, não era este o objetivo de seu périplo pelas campanhas. Um especialista nas estratégias de médio e longo prazos, do PT, resume as vantagens das eleições municipais para a candidatura Dilma, no que considera determinante neste partido dado a regras de precedência: "Ela se legitimou".

Isto significa que aproveitou as campanhas para estabelecer uma anteriormente inexistente relação política com o PT, com as bases política e social do partido. Até em São Paulo havia militantes que jamais tinham ouvido a voz de Dilma Rousseff. Ela se mostrou: dialogou com a Central Única dos Trabalhadores, com a Força Sindical, os Movimentos de Juventude, os sindicatos, os movimentos de moradia, os diretórios do partido, a força social que gravita em torno do PT. Hoje, segundo esta avaliação, Dilma é seguramente mais conhecida do PT do que há dois meses.

Isto é um fato e deve ajudá-la a ser aceita como candidata à sucessão de Lula se, nos próximos dois anos, a crise econômica continuar preservando as condições hoje favoráveis ao governo para levar adiante seu projeto político. Esta, aliás, pode ter sido a razão da extrema discrição com que a ministra chefe da Casa Civil vem tratando das questões da crise. Sempre centralizadora das questões de gestão do governo, os agudos problemas da economia ficaram nas mãos dos ministros da área, não têm passado por ela, pelo menos até onde a vista alcança.

Dilma começou, nesta campanha municipal, a criar as condições para ser o poste, pois nem isto conquistou ainda. Não tem tempo, teses, posições que possibilitem o conflito e lhe atribuam os instrumentos para ser candidata de si mesma. Dilma é contra o quê e a favor do quê? Quais são seus princípios? Que idéias preliminares constam de seu projeto de país?

Sua associação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a marca de propaganda que fixa o marketing governamental do segundo mandato de Lula - a esta altura um pouco obscurecida pela proeminência do pré-sal-, é um instrumento para permitir, a uma gestora sem contado com o eleitorado, apresentar-se Brasil afora a governadores, prefeitos, parlamentares, que traduzem, em palanques, a troca dos benefícios por votos. O programa é a soma dos investimentos em obras, em andamento, reunidos na marca PAC, assim como o Fome Zero é marca fantasia para um concreto programa Bolsa Família, que tem cartão de saque mas, este, não está ainda vinculado à ministra. O Plano Real era uma marca, o eleitorado votou, porém, no preço do pão, na popularização do consumo do frango, na estabilização que lhe deu capacidade de viver com o salário.

A marca é vistosa mas, para funcionar, precisa estar acompanhada do benefício na veia. Se a candidata não for capaz de transformar o PAC propaganda em PAC efeitos dos investimentos sobre a vida do eleitorado, nem com ele a ministra poderá contar. E, até o momento, não se vê onde o governo está perto de assombrar o eleitorado com o programa.

Portanto, sua meta, e a estratégia em curso, evidencia que pretende se tornar conhecida, principalmente no partido, continuar circulando em eventos que a mostrem ao eleitorado, ser identificada com Lula, antes de poder se apropriar de algo que é real, a popularidade do presidente. Até para ser o poste é preciso muito esforço. Dilma é candidata a protagonista e, para isto, as eleições municipais lhe permitiram avançar na sua campanha.

Aposta alta

Só resultados de pesquisa, mesmo assim as que forem feitas depois dos acontecimentos, poderão dar certeza sobre o acerto ou o erro das "denúncias" "contra" o adversário contidas na nova estratégia eleitoral da candidata do PT a prefeita de São Paulo. No momento ela parece ter conseguido, de forma arriscada, pois em momento de desespero, atingir o objetivo de colocar o assunto, até aqui inexistente, na roda da campanha. Para todos os efeitos, quem está falando disto é a mídia, enquanto a candidata "defende" seu contendor com a alegação de horror histórico ao preconceito.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Surpresa? Não. Asco? Sim


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - Não dá para dizer que me surpreende a campanha que Marta Suplicy lançou contra Gilberto Kassab.

Afinal, quando ela recomendou às vítimas do apagão aéreo no ano passado que relaxassem e gozassem, escrevi aqui mesmo que sua frase era parente muito próxima do "estupra, mas não mata", de Paulo Maluf. Uma e outra revelam uma cultura de profundo desprezo pelas vítimas, quaisquer que sejam os eventos que as causam.

Quem mostra dessa maneira asquerosa a sua pior face reincide fatalmente. Marta reincidiu agora. Ajuda-memória: quando Eduardo Suplicy suspendeu uma de suas campanhas para procurar o eixo, Paulo Maluf insinuou para quem quisesse ouvir que a culpa era do comportamento conjugal de Marta, então casada com Suplicy.

A candidata do PT repete agora o mesmo tipo de insinuação.

Surpreende, sim, que não haja a mesma veemência no repúdio, principalmente no próprio PT e na intelectualidade que se acha progressista e é ligada ao partido.

O presidente da República, por exemplo, preferiu dizer que não vira os ataques e que, portanto, não poderia comentá-los, durante entrevista coletiva em Toledo, Espanha. Duvido que não tivesse sido informado, mas sou forçado a lhe dar o benefício da dúvida.

Aqui, mais um ajuda-memória: na campanha presidencial de 1989, Fernando Collor usou o mesmo asqueroso método de Marta ao puxar o tema de Lurian, filha de seu adversário Lula. Derrubou animicamente Lula para o debate seguinte entre eles, e há gente muito próxima do hoje presidente que atribui a derrota a esse golpe vil.

Em qualquer circunstância, pessoas honestas têm a obrigação de repudiar vilezas. Lula, vítima de uma delas, não tem o direito de escudar-se na lealdade partidária para calar. Lealdade, nesse caso, é só com a ética.

Na luta política golpes baixos valem mais?


José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Diziam os antigos que a política é a arte de engolir sapos. Não deve ser fácil fazê-lo, mas na certa mais habilidade se exigirá de quem cospe para cima e não quer ser atingido pela própria cusparada. O deputado Eduardo Paes, ex-favorito à prefeitura da segunda maior cidade do País, a antigamente tida como maravilhosa São Sebastião do Rio de Janeiro, é a mais recente vítima desta lei inexorável da Física, dita da gravidade, que Isaac Newton descreveu, segundo a lenda, após a queda de uma maçã sobre sua cabeça. Ele era secretário-geral do PSDB, principal partido da oposição, quando os meios de comunicação se ocupavam quase exclusivamente do escândalo do “mensalão”. E, inflamado pelo calor dos holofotes, apressou-se a convocar o amado filho de Sua Majestade, o nunca antes tão popular presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a depor.

Mas, como deviam também saber os mais jovens, pois os provectos o afirmam faz tempo, o mundo dá muitas voltas e a noite que prenuncia o dia - e vice-versa - também aconselha a prudência como única atitude para a qual há a garantia de que represálias não virão. À época da turbulência provocada pela denúncia do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o tucanato, em cujo ninho se aninhava o rapaz, se alvoroçou com a possibilidade de sangrar o peru às vésperas da eleição, sem imaginar que para isso teria de desinfetar as próprias vísceras. Tido como derrotado antes da hora, o fenômeno de popularidade Lula da Silva deu a volta por cima e enterrou os sonhos tucanos de voltar a galgar as rampas palacianas, como nos velhos tempos. Treinado nas manhas e mumunhas da politicagem nacional e conhecedor da inabilidade tucana para ler os desígnios do destino, Paes pulou de galho e se abrigou à sombra da frondosa árvore peemedebista, sob as bênçãos do governador fluminense, Sérgio Cabral, que fora ungido pela graça de El Rey todo-poderoso. Dali partiu para disputar a prefeitura da ex-Cidade Maravilhosa e, para gozar os benefícios da fama do Supremo, mandou-lhe uma carta, extensiva à digna consorte, pedindo perdão pelo que antes dissera de seu pimpolho.

Nada houve, desde as denúncias açodadas de Sua Excelência, que o levasse a voltar atrás, da forma humilhada como o fez, nas acusações a Sua Alteza. O que o fez abjurar o que antes afirmara com tanta convicção não foi a presunção da inocência do príncipe nem o reconhecimento da própria precipitação, mas o peso a que submeteu sua coluna o projeto de se alçar a tão alto cargo, carga, pelo visto, superior à da própria palavra - e de sua biografia. Na disputa apertada que se prenuncia pelo voto carioca neste turno decisivo, importa é conseguir a bênção do Sumo Pontífice. A coerência, como dizia o velho Chatô, patrono da malandragem nacional, é a virtude dos imbecis. É de duvidar que, mesmo que ele arregaçasse as mangas da camisa e partisse para o corpo-a-corpo da campanha, o que não fará, a popularidade do Maior Magistrado, sozinha, vencesse Fernando Gabeira (PV). Mas, por mais humilhante que seja, a retratação pesa menos sobre as vértebras do candidato oficial que o risco de deixar escaparem alguns votos dos receptadores da Bolsa-Família. Seria a política um tipo de vale-tudo em que golpes baixos valem mais pontos?

Apostando nessa lei não escrita da práxis eleitoral, os marqueteiros de Marta Suplicy (PT) decidiram investir no preconceito como arma à mão para tomar do adversário na campanha paulistana, o prefeito Gilberto Kassab (DEM), a surpreendente dianteira de 17 pontos detectada pelas pesquisas na partida para o segundo turno. Os marqueteiros de Marta e a própria candidata comportam-se no caso como se os eleitores paulistanos fossem portadores da mesma miopia que os faz atuar achando estarem na posse do monopólio da virtude, certos de que a incapacidade de enxergar o próprio rabo de palha provocará cegueira generalizada na população. Na televisão, como sexóloga, e na Câmara, como deputada, ela vislumbrou na guerra ao preconceito um nicho para levá-la às alturas. E lá chegou: foi prefeita de São Paulo, como antes havia sido Luiza Erundina, e ministra do Turismo, estando seu PT no poder na República.

Cego às evidências de que não pode ser vítima de preconceito uma mulher que teve a honra de ser escolhida para administrar o mais populoso e rico município do País, seu ex-chefe e agora paraninfo das ambições dela na disputa municipal, Luiz Inácio Lula da Silva, tentou jogar a culpa da derrota da preferida no primeiro turno nas costas da cidadania: ela teria tido menos votos que o conservador, ex-malufista e ex-secretário de Pitta não pelos próprios deméritos nem pelos méritos do adversário, mas pelos preconceitos do eleitor. E, como palavra de rei não volta atrás nem pode ser banalizada, a candidata e seus marqueteiros resolveram adotar como estratégia de campanha a exploração daquele que, conforme Lula, teria sido o motivo capital da inesperada derrota em 5 de outubro: o conservadorismo preconceituoso do paulistano. Foi por acreditar nisso que a ex-prefeita resolveu lembrar ao eleitor, de maneira bem pouco sutil, que o adversário não é casado nem tem filhos. Os autores dessa proeza de torpeza sabem que estado civil e capacidade de reprodução não são exigidos de ninguém para disputar nem assumir a Prefeitura. Eles imaginam que essa insinuação pode levar o eleitor a rejeitar o adversário pelo mesmo motivo que pensam que a rejeita: seu comportamento atípico. E as tentativas posteriores de consertar o erro em nada o modificam.

Apesar de se comportar como se já houvera sido, a ex-prefeita ainda não teve derrotada sua pretensão de voltar ao posto. Mas sua desastrada entrada na reta final do pleito acrescentou um obstáculo a mais a ser superado: ela só o vencerá se o paulistano não perceber que mais insultado que Kassab foi o eleitor, tido por ela na conta de preconceituoso e intrometido.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Surpresa de outubro


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Só se fala nisto nos últimos dias. Com a situação econômica dominando o debate político e fazendo com que a vantagem do candidato democrata, Barack Obama, aumente a cada dia - ontem, pela primeira vez, ele chegou a ter mais de 300 votos eleitorais pelas pesquisas, 30 a mais do que o necessário para ser eleito em 4 de novembro -, o que poderia fazer o republicano McCain virar o jogo a 20 dias da eleição? Hoje, na Universidade Hofstra, em Hempstead, no Estado de Nova York, nada indica que o último debate entre os candidatos marque essa virada, embora seja previsível que McCain surja mais agressivo do que o habitual, e leve para o debate as acusações que vem fazendo em suas propagandas pela televisão, especialmente a suposta ligação com o ex-terrorista Bill Ayers.

Mas o que a campanha de Obama teme é a "surpresa de outubro", um fenômeno bem americano que tem marcado as eleições, especialmente as presidenciais. Trata-se de um acontecimento, geralmente ligado à política externa ou à segurança nacional, com capacidade de influir no resultado da eleição que, no caso da escolha do presidente, acontece sempre na primeira terça-feira de novembro. Os fatos políticos acontecidos no mês de outubro são sempre importantes, portanto, na decisão do eleitorado.

A mais característica delas aconteceu em 1980, quando o então presidente Jimmy Carter tentava a reeleição. Os jornais começaram a especular que uma nova operação de resgate estaria sendo preparada para tentar libertar reféns americanos que estavam desde novembro do ano anterior prisioneiros de estudantes radicais na embaixada americana em Teerã. Uma ação militar bem-sucedida às vésperas da eleição presidencial certamente colocaria em boa situação o presidente Carter, cujo governo havia levado a efeito, no início daquele ano, uma operação militar com o mesmo objetivo, que acabou frustrada.

Os reféns foram libertados somente em janeiro de 1981, no exato dia em que Ronald Reagan tomava posse, o que gerou uma outra "teoria da conspiração". Segundo ela, temendo que desse certo uma última cartada de Jimmy Carter, o candidato republicano Ronald Reagan teria feito um acordo com o novo governo iraniano dos aiatolás, especialmente através dos contatos de seu candidato a vice, George Bush pai, que foi diretor da CIA, para que os reféns só fossem libertados depois das eleições. Essa hipótese chegou a ser investigada por comissões no Congresso, mas nada ficou provado.

Existem outros exemplos de "surpresas de outubro" nas eleições presidenciais americanas, desde o anúncio, no dia 31 de outubro de 1968, pelo então presidente Lyndon Johnson, de que os bombardeios no Vietnã seriam suspensos devido a progressos nas negociações de paz. A guerra não terminou e o candidato republicano Richard Nixon venceu as eleições.

Mais recentemente, na reeleição de George Bush, a rede de TV Al Jazeera divulgou, em 29 de outubro, um vídeo em que Bin Laden acusava o governo Bush e a posição americana no conflito árabe-israelense pelos atentados de 11 de setembro de 2001. O vídeo ajudou a campanha de Bush, que se baseava principalmente na guerra contra o terrorismo, pelos atentados, e foi um episódio considerado decisivo na derrota do democrata John Kerry.

Precavido, este ano o candidato Barack Obama quer fazer a sua própria "surpresa" e comprou meia hora de horário nacional em duas cadeias de televisão para fazer um programa, no dia 29 de outubro, que marca o início da Grande Depressão em 1929. Vai certamente explorar as datas e as crises econômicas, e terá que se colocar mais como Franklin Roosevelt, que assumiu em 1932 e fez o New Deal, do que como Hoover, que presidia o país naquela "quinta-feira negra".

O que se pergunta é qual seria uma "surpresa" capaz de mudar o quadro eleitoral atual, que parece consolidado a esta altura da campanha em favor do democrata Barack Obama, especialmente depois que a crise econômica dominou o debate político. Bem que o republicano McCain tentou ficar longe da discussão econômica, e levou sua campanha para uma operação de desconstruir Obama com ataques ao seu passado, que seria tão desconhecido quanto perigoso.

As relações com políticos radicais como o ex-terrorista Bill Ayers ou o pastor Jeremiah Wright foram exploradas ao máximo, especialmente pela candidata a vice Sarah Palin, e os ânimos chegaram a ficar exaltados em alguns comícios, com partidários republicanos xingando Obama, classificando-o de "árabe" e "terrorista". A tal ponto que o próprio McCain pareceu ter-se assustado com o clima e pediu a seus correligionários que respeitassem o adversário.

O fato é que McCain teve que entrar no assunto que realmente está interessando aos eleitores americanos, e ontem apresentou um plano econômico que, como o de Obama no dia anterior, promete proteção completa aos investimentos da classe média. Mas o único ponto em que o republicano continua vencendo Obama nas pesquisas é o da segurança nacional, em que ele mantém uma dianteira de dez pontos.

No geral, é Obama quem está à frente, com dez pontos de vantagem na maioria das pesquisas, e vencendo em estados onde os republicanos geralmente venceram nas últimas eleições, como Colorado, Ohio, Flórida, Nevada. Missouri e Virgínia. Qual seria a "surpresa de outubro" que poderia reverter esse quadro?

Um ataque dos Estados Unidos ao Irã, ou um ataque ao Irã por parte de Israel, com o apoio americano, ainda é uma das melhores apostas. Mas ontem surgiu no cenário o boato de que o governo Bush está fazendo ações militares para tentar prender ou até mesmo matar Bin Laden antes das eleições, o que poderia reacender o espírito patriótico dos americanos.

"Nós lamentamos"


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

NOVA YORK - O momento mais simbólico e patético da atual crise até agora foi a aparição pública ontem, logo cedo, do presidente dos EUA, George W. Bush, e de seu secretário do Tesouro (ministro da Fazenda), Henry Paulson.

Constrangidos, envergonhados e em posição explícita de genuflexão ideológica, os dois admitiram a necessidade de usar dinheiro público para comprar ações de bancos privados. O governo norte-americano torrará US$ 250 bilhões, só para começar, na compra de participação acionária em grandes instituições financeiras do país.

Mas as falas de Bush e Paulson foram além da capitulação. Ambos fizeram questão de reafirmar a crença no capitalismo. Por mais paradoxal que possa soar, essas declarações de fidelidade ao modelo liberal têm grande relevância: impedem a conclusão epidérmica, já presente aqui e ali, sobre uma possível falência inexorável ou reforma completa do sistema monetário e financeiro internacional. Não há indicações de uma coisa nem de outra num horizonte próximo.

Duas frases são úteis para guardar na parede da memória. Bush afirmou não haver a "intenção de tomar o lugar do livre mercado, mas de preservar o livre mercado". Paulson veio depois, compungido e explícito sobre seus atos: "Nós lamentamos por tomar essas medidas. As medidas de hoje não são as que nós gostaríamos de tomar, mas as medidas de hoje são as que nós devemos adotar para restaurar a confiança no nosso sistema financeiro".

Em resumo, os governos dão agora, mas cobrarão de volta mais tarde. Os banqueiros ficarão mais ricos? Possivelmente. Haverá regras novas? Algumas, sempre preservando a liberdade para o sistema bancário descobrir brechas e aumentar seus lucros. E daqui a alguns anos enfrentaremos todos outra crise parecida. Ou pior.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Jorge Roberto Silveira e Miro ficam com Gabeira

Apesar de o PDT ter formalizado apoio a Paes, o deputado federal pedetista Miro Teixeira afirmou que votará em Gabeira. Outro pedetista contrário ao apoio a Paes, Jorge Roberto Silveira, acabou cancelando o almoço que teria nesta segunda com o político do PV, mas, em nota, disse respeitar a decisão do diretório municipal do partido e encerrou afirmando torcer pela candidatura de Gabeira.

O prefeito eleito não explica o motivo de ter desmarcado o encontro desta segunda. A jornalistas, Gabeira afirmou que o político de Niterói estaria doente. No lugar do prefeito eleito, o candidato recebeu a visita do seu braço direito, Hamilton Pitanga, que já foi anunciado como futuro secretário de Governo de Niterói.

Pela manhã, Lupi deu a entender que houve um enquadramento do pedetista de Niterói. Perguntado sobre a posição do companheiro de legenda, Lupi foi direto:

- Pergunta a ele de novo? Desafio você a conseguir ter essa posição do Jorge Roberto Silveira (de apoio a Gabeira). Ele seguirá a orientação do partido - disse o ministro, acrescentando que se o partido discutiu e decidiu, "todo mundo acata".

Na nota, Jorge Roberto afirma que louva a postura democrática de Lupi. Mas destaca que não é eleitor do Rio e que, "mesmo não havendo um apoio formal da minha parte ao candidato Fernando Gabeira, nada me impede que, como pessoa física e eleitor em outro município, manifeste minha inteira simpatia à sua candidatura pelo que ela representa de avanço na política fluminense". O prefeito eleito encerra dizendo que o PV foi fundamental para sua eleição.

Mas os esforços de Lupi também não foram suficientes para unir o diretório municipal. Segundo Miro Teixeira, a decisão de não votar em Eduardo Paes tem a ver com a sua "pregação política" de que vai tirar o Rio do isolamento. Para Miro, é absurdo um candidato dizer que vai governar melhor ou pior por causa da ligação com o presidente da República ou com o governador.

O deputado classifica o discurso de Paes como a "negação dos princípios republicanos":

- Nós pagamos impostos; a cidade tem que ser respeitada qualquer que seja o seu prefeito. Porque a cidade não é o prefeito, e sim os cidadãos. Essa pregação de alinhamento que favorece ou desfavorece a relação com o governo federal é despolitizada porque é contra o povo.

Miro nega ter conversado com Gabeira sobre o seu voto ou sobre a possibilidade de um apoio formal.

- Não imagino que o meu apoio representasse o deslocamento de quem quer se seja. Participo como cidadão, sem críticas à posição do partido, coerente com o alinhamento que tem com o governo federal - explicou.

Gabeira sela a paz com Lucinha em Bangu


Alessandra Duarte e Chico Otavio
DEU EM O GLOBO


Vereadora aceita pedido de desculpas por declarações feitas pelo candidato do PV

O candidato do PV à prefeitura, Fernando Gabeira, foi ontem a Bangu para tentar pôr fim à polêmica com a vereadora Lucinha (PSDB). No comitê do vereador reeleito Renato Moura (PTC), ele se reconciliou com a vereadora, também reeleita e com a maior votação para a Câmara. Com beijos, abraços e discursos, Gabeira e Lucinha selaram a paz, após o episódio em que o candidato criticou a vereadora, em telefonema flagrado por jornalistas. O encontro reuniu cerca de 300 pessoas, entre políticos, líderes comunitários e até uma militante com a bandeira do PT:


- Com esse impulso, acredito que vamos resolver a situação da eleição. Não vejo a Zona Oeste como um problema, e sim como uma solução - disse Gabeira.

Lucinha, que exigira uma retratação pública de Gabeira, disse que considera o episódio encerrado:

- A imprensa muitas vezes não ajuda, apimenta, mas Gabeira teve a lucidez de buscar, pela mídia, uma forma de demonstrar o carinho que tem pela Lucinha, pela Zona Oeste e pelo subúrbio - disse Lucinha, afirmando não ter visto problema no fato de o pedido de desculpas ter sido na terceira pessoa. - Gabeira entendeu a posição da Zona Oeste contra o lixão.

Gabeira prometeu, se eleito, levar a administração para a Zona Oeste:

- Nossa prefeitura terá dias de funcionamento aqui, para a população saber que estou ao alcance da mão e das críticas.

Gabeira tenta tirar Lula do programa de Paes


A campanha de Gabeira entrou com quatro representações na Justiça Eleitoral, três delas contra o adversário, Eduardo Paes (PMDB), e a quarta contra a campanha apócrifa que espalha panfletos, camisetas e outras peças de propaganda sobre as declarações de Gabeira sobre Lucinha. Um dos objetivos é tirar a imagem do presidente Lula do horário eleitoral do PMDB.


- O uso da imagem de Lula é inadmissível e lamentável - reagiu o advogado de Gabeira, Eurico Toledo. Mas o juiz Cezar Augusto Rodrigues Costa, da Representação Eleitoral, negou ontem liminar para suspender a veiculação da imagem de Lula no programa de Paes. Para o juiz, segundo turno é outra eleição e, como o PT não concorre no Rio, Lula pode oficializar apoio a qualquer candidato. O juiz pretende ouvir as partes e o MP antes de julgar o mérito da representação.


Gabeira contou ter tentado contato com o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para informá-lo sobre o que considera ser uma ilegalidade. Para Gabeira, Lula não teria sido informado que "estaria transgredindo a lei".


- Se eu não protestar, vão dizer que estou conivente com o descumprimento da lei, que não é correto.

A assessoria jurídica de Gabeira ainda pediu a retirada de Jandira Feghali (PCdoB) do horário do PMDB, também negada pelo juiz.

Secretaria de Segurança municiou Paes

Elenilce Bottari, Waleska Borges e Ludmilla de Lima
DEU EM O GLOBO

Gabeira e seu advogado acusam o adversário e o governo do estado de uso da máquina
O secretário de Segurança Pública do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, informou ontem, em nota, que repassou informações sobre o militante do PV Francisco Miranda - agredido no sábado passado, em Madureira, por cabos eleitorais do PMDB - atendendo a um pedido formal do advogado da coordenação de campanha do candidato Eduardo Paes (PMDB), que teria solicitado "vistas ao procedimento instaurado sobre o caso". Não esclareceu, porém, por que a delegacia levantou antecedentes penais da vítima.

Gabeira havia criticado a divulgação, pela Secretaria de Segurança, de dados penais de acesso restrito sobre Miranda, afirmando que houve uso da máquina pública em benefício do candidato do governador Sérgio Cabral. Na nota, a secretaria informa que "pedidos formais da mesma natureza, nas mesmas circunstâncias, solicitados por advogados da coordenação de campanha do candidato Fernando Gabeira serão atendidos prontamente".

Minutos depois da divulgação da nota da Secretaria de Segurança, a coordenação da campanha de Paes também divulgou nota, em que afirma:

"As informações sobre a ficha criminal do sr. Francisco Miranda, presidente do diretório do PV de Madureira, foram obtidas de forma legal e solicitadas formalmente à Secretaria de Segurança pelo advogado Eduardo Damian, da coordenação de campanha do candidato Eduardo Paes (PMDB/PP/PTB/PSL)".

Ainda segundo a nota, tais informações não são de caráter sigiloso. "O que é grave é o fato de o mesmo personagem, sr. Francisco Miranda, ter tido diversas passagens pela polícia como: estelionato (Artigo 171 do Código Penal), lesão corporal (Artigo 129 do Código Penal) e, inclusive, por provocação e baderna eleitoral (Artigo 296 do Código Eleitoral). A obtenção dessas informações faz parte do direito de defesa da candidatura" de Paes, diz a nota.

Segundo o advogado Eurico Toledo, que representa a coligação de Gabeira, Francisco Miranda tem dois registros por lesão corporal de 1975 e 1977 e outro de 1976 por estelionato (ele teria passado um cheque sem fundo). O advogado também informou que há um outro registro, em 1996, por desordem eleitoral. Sobre o acesso à ficha criminal de Miranda pelo candidato Eduardo Paes, Toledo disse acreditar que houve uso da máquina.

- Eles tiveram acesso a informação privilegiada. Uma pessoa comum só conseguira esses dados tirando uma certidão - disse o advogado.

Gabeira voltou a criticar Paes pela divulgação da folha criminal do militante do PV agredido por cabos eleitorais do PMDB. Para Gabeira, a violência tem que ser condenada "independente de quem receba":

- Achamos que houve uso da máquina. Todos os processos mencionados já foram julgados, e ele foi absolvido. Mas achamos que o mais importante é o erro do argumento. Em vez de condenar o espancamento, você vem com a folha criminal dela. Isso me lembra o passado, quando se violentavam as mulheres e as culpavam porque diziam que elas eram sedutoras. É um mecanismo de se culpar a vítima.

Paes negou uso da máquina:

- Fui informado antes do debate, por um e-mail da coordenação da campanha, e a coordenação solicitou ao secretário de Segurança que levantasse as informações sobre esse rapaz (Miranda). Qualquer cidadão pode solicitar isso (a ficha criminal do sujeito) - disse Paes, acrescentando que condena a agressão ao militante.

TRE cobra explicações de Paes

Elenilce Bottari e Sergio Duran
DEU EM O GLOBO


Tribunal quer esclarecer envolvimento da campanha do PMDB em protesto contra Gabeira

Ojuiz da Fiscalização Eleitoral do Rio de Janeiro, Fábio Uchôa, decidiu notificar o candidato a prefeito Eduardo Paes (PMDB) para que esclareça o suposto envolvimento de sua campanha na manifestação ocorrida sábado passado, em Campo Grande, na Zona Oeste, contra o candidato Fernando Gabeira (PV). Ontem, Uchôa recebeu o relatório da equipe de fiscalização do TRE que flagrou a manifestação.

- Estou encaminhando o procedimento para apreciação do Ministério Público, mas, de qualquer maneira, vou notificar o candidato - disse o juiz.

De acordo com o relatório, quando os fiscais do TRE chegaram ao local, na Estrada Urucânia, a manifestação já estava se dispersando. Mesmo assim, conversaram com três mulheres que vestiam camisetas pretas com os dizeres "Gabeira e lixão não" e "Suburbano com orgulho". Ainda segundo a fiscalização, elas não tinham documento algum, mas contaram que haviam recebido R$50 de um homem da Associação de Moradores Nova Urucânia e que ganhariam mais R$50, no dia do segundo turno da eleição, para fazer campanha para Paes. No local, os fiscais apreenderam panfletos assinados pelas associações de moradores Jardim Nova Urucânia e Bairro Costa Nunes.

Na manifestação, os participantes atacaram Gabeira por suas declarações sobre a vereadora Lucinha (PSDB), que foi a candidata à Câmara Municipal mais votada no primeiro turno e tem base eleitoral na Zona Oeste. O motivo da polêmica entre Gabeira e Lucinha era a posição da vereadora contrária à instalação do aterro de Paciência, para receber o lixo produzido na cidade, hoje levado para o de Gramacho, em Duque de Caxias. Paes negou qualquer participação de sua campanha na manifestação, que, em sua opinião, foi um ato espontâneo, que pode ter contado eventualmente com partidários de sua candidatura.

A campanha de Paes vem usando declarações de Gabeira sobre Lucinha para atacar o candidato do PV. Na véspera da manifestação em Campo Grande, durante reunião com aliados no Centro do Rio, Paes criticara o adversário, que foi ameaçado por outros participantes do encontro. O vereador Argemiro Pimentel (PMDB), que não se reelegeu, chegou a dizer que jogaria ovos em Gabeira se ele fosse à Zona Oeste.

TRE: "Conseguir pegar é sorte"

O chefe de fiscalização do TRE, Luiz Fernando Santa Brígida, admitiu a falta de estrutura para fiscalizar. Ele disse que seria necessária uma estrutura parecida com a da Polícia Militar para coibir irregularidades. A equipe começou a adotar a tática de colocar nas ruas agentes à paisana para tentar prender em flagrante os casos de crime eleitoral.

- É um jogo sujo. Eles sabem o que estão fazendo e fazem rápido. Param numa rua para panfletar por 10, 15 minutos em um carro, e logo saem do local. Conseguir pegar na rua é sorte. Temos que trabalhar com informação. Quanto mais informações chegando ao Disque-Denúncia, melhor para o trabalho - diz Santa Brígida.

O Disque-Denúncia informou já ter recebido 606 denúncias na cidade sobre irregularidades nas eleições. O TRE dispõe de dez equipes com 40 homens trabalhando durante todo o dia em vários pontos da cidade. Segundo o coordenador de fiscalização, dependendo do teor do material distribuído, as pessoas podem dar voz de prisão a quem distribui panfletos apócrifos, por se tratar de crime eleitoral.

- Alguns elementos caracterizam crime, caso o material impute aos candidatos alguma conduta criminosa, injúrias e difamações. No caso de simples propaganda negativa, quem distribui pode ser identificado para um posterior processo que investigue possível abuso de poder econômico pelas candidaturas - explicou.

Adeus às estribeiras


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A situação do PT em São Paulo era difícil. Praticamente impossível para Marta Suplicy virar o jogo sobre Gilberto Kassab, segundo avaliação do próprio Palácio do Planalto, expressa na formal participação do presidente Luiz Inácio da Silva.

De todo modo, o partido e a candidata tinham duas semanas para administrar a desvantagem da melhor maneira possível e tentar sair da disputa, senão com uma vitória quantitativa, ao menos com seu capital político razoavelmente preservado no maior colégio eleitoral do País para enfrentar a dura luta pela sucessão de Lula.

Os primeiros acordes da campanha dessa última fase deram a impressão de que os petistas faziam uma aposta arriscada no discurso ideológico, quando meio ministério desembarcou em São Paulo atacando o adversário na linha esquerda contra direita. Uma coisa meio antiga, incongruente frente às parcerias do PT no exercício do poder federal, mas uma tentativa até compreensível, pois fora adotada e bem-sucedida na reeleição de Lula em 2006.

Mas o segundo movimento da orquestra petista mostrou muito mais que isso: relevou um partido disposto a contratar uma derrota moral. Diante da dificuldade de ganhar, escolheu pôr tudo a perder, gastando até a última o patrimônio de dignidade construído na oposição e paulatinamente solapado em seis anos de poder.

Marta Suplicy e aliados se defendem da repercussão negativa às peças de propaganda que insinuam a existência de fatos obscuros na conduta do prefeito Gilberto Kassab, lembrando que ela e o partido já foram vítimas das mesmas armas em eleições passadas.

Que o PT perdeu de vez a tramontana na presente disputa, isso ficou claro no domingo quando entrou no ar a propaganda com perguntas - “é casado?” “tem filhos?” - cheias de múltiplos sentidos.

O surpreendente, e ainda carente de explicação sob o ponto de vista do marketing político, é o partido não enxergar o potencial de autodesmoralização contido nesse tipo de estratagema.

Ainda que fosse só um revide a agressões sofridas no passado já seria injustificável. Não sendo, pior ainda. Se o PT refere-se ao uso de depoimento da mãe da filha do então candidato Lula na campanha de 1989 pelo adversário Fernando Collor e ao repúdio de parte do eleitorado ao novo casamento de Marta com Luis Favre, em 2003, equivoca-se na comparação dos episódios.

Há duas décadas, Miriam Cordeiro foi usada e deixou-se usar de forma abjeta, mas clara. Recebeu um dinheiro para expor a si, filha e ao ex-companheiro diante do País revelando com todas as letras particularidades da relação. Na época, não se perdeu tempo questionando se verdadeiro ou falso o conteúdo da fala. Chocou para registro em história, o uso da arma, um retrato da vilania do autor.

Quanto à separação de Marta do senador Eduardo Suplicy, não resta dúvida: marcou para todo o sempre suas relações com o eleitorado. Mas foi uma escolha da então prefeita, que obviamente exerceu seu inalienável direito de casar e descasar com quem quiser, quantas vezes bem entender. Só não pode subtrair das pessoas o direito de gostar ou não.

Aqui, no caso de Gilberto Kassab não se trata de uma ação exposta por ele ao juízo público. Aliás, nem se trata de uma questão, como no episódio arquitetado por Fernando Collor. A campanha petista agora recorreu à pior das torpezas que é a insinuação.

Alega que o eleitor precisa conhecer o candidato. É verdade. Então, se o sentido era o esclarecer, caberia à campanha petista falar claro, como fez Collor em sua sordidez e Marta ao não submeter sua felicidade às estruturas morais do alheio.

A propaganda não informa qual o dado da vida do prefeito está sendo subtraído do eleitor. Pergunta se tem filhos ou se é casado apenas para levantar a suspeita de que um homem solteiro aos quarenta e tantos anos talvez seja homossexual.

É disso que se trata. Marta finge que não sabe a respeito do que fala sua campanha porque a posição preconceituosa e enrustida não cabe bem em quem fez a vida militando do lado oposto.

Este, em tese, seria seu álibi para negar a mensagem subjacente. Na prática, porém, a intenção está lá exposta em toda a sua dimensão. Mais não fosse, porque Kassab já era solteiro quando não tinha mais que um dígito nas pesquisas, mas isso só passou a ser uma insinuação de possível “defeito” quando a ultrapassagem fez o PT perder, junto com as esperanças, as estribeiras.

Dura realidade

O tom agressivo das campanhas do segundo turno não é uma prerrogativa do PT paulista. Toma conta do cenário no Rio e dá sinais de vida também em Salvador.

Com isso, os marqueteiros revogam a própria lei-maior, segundo a qual os ataques, quanto mais baixos, mais malefícios rendem ao autor. Agora, quando bate o desespero, está se vendo como tudo na vida é relativo, até a paz e o amor.

É a economia


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Mesmo tendo apresentado novos pontos de um plano econômico que pode ser considerado populista, que tem mais o claro objetivo de reforçar sua situação eleitoral na classe média do que resolver a crise, o candidato democrata Barack Obama saiu na frente de seu adversário republicano, John McCain. Na verdade, os candidatos à Presidência dos Estados Unidos continuam sem conseguir passar para os eleitores uma segurança sobre como vão encarar a crise econômica que herdarão da gestão Bush mas, pelo menos, Obama já apresentou algumas propostas concretas. A única de McCain, anunciada no último debate, foi de que o governo compre as hipotecas de alto risco e as coloque no mercado a preços acessíveis, um programa de US$300 bilhões. Dentro do próprio Partido Republicano, a proposta provocou controvérsias, com o candidato recebendo críticas por essa interferência governamental na economia.

As propostas de Obama, anunciadas ontem, complementam outras medidas anteriores, como o corte de impostos para 95% das famílias, promessa que ele mantém, mas o plano não parece realista, pois o cálculo de sua assessoria é de que gaste cerca de US$175 bilhões, sendo US$60 bilhões com as novas medidas.

O projeto do candidato democrata prevê um desconto de US$3 mil nos impostos das empresas para cada emprego criado no país nos próximos dois anos.

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e atualmente sócio de um fundo de investimentos em Nova York, vê "uma certa lógica" nas propostas de Obama, embora ressalve que "a experiência com subsídios para emprego não é muito boa, a dificuldade não é só dar emprego, mas retê-lo".

O candidato democrata propôs ainda uma moratória de 90 dias nas execuções hipotecárias para os proprietários que moram em casas hipotecadas, e a permissão para que as famílias retirem US$10 mil das suas contas de aposentadoria, sem pagar taxas.

Paulo Vieira da Cunha acha que "certos estímulos", que podem ser considerados populistas, seriam uma medida correta "porque, afinal de contas, você está gastando trilhões para fazer um resgate financeiro que está protegendo uma camada bastante abastada da população, além da previdência privada, que é muito importante nos Estados Unidos".

Mas considera o pacote "muito pequeno, são medidas tímidas, US$60 bilhões é pouco para o problema das hipotecas, para colocar um piso no valor do preço dos imóveis". Vieira da Cunha lembra que existem cerca de 1,5 milhão de casas não vendidas, gerando pressão deflacionária no mercado habitacional.

Os empréstimos para estados e municípios, também previstos no pacote de Obama, fazem sentido para Vieira da Cunha "porque existe estrangulamento de crédito e, daqui a pouco, não vão poder pagar polícia, lixeiro". Ele acha que "tem uma certa racionalidade o Tesouro entrar nesse tipo de conta, por que ele está dando um empréstimo baseado em receitas tributárias futuras".

A dificuldade, ressalta, lembrando experiências no Brasil, é controlar esse mecanismo para não deixar que essa renegociação se espalhe pelo sistema financeiro.

Paulo Vieira da Cunha acha que se os dois candidatos fossem mais explícitos em suas plataformas econômicas, ajudariam a crise de confiança que atinge o sistema financeiro. Para ele, as medidas anunciadas pelos governos europeus, que deram um ânimo renovado ao mercado financeiro, "têm fundamentos corretos".

Ao garantir todos os pagamentos interbancários numa medida extrema, analisa Vieira da Cunha, "obviamente mesmo os bancos que estão falidos estão sendo mantidos vivos, num processo onde não precisa nenhuma discriminação ao empréstimo entre bancos. Isso põe um chão, você sabe que é verdade que nenhum banco na Europa vai falir".

Essa, porém, é uma "situação insustentável ao longo de vários meses", diz ele, pois gera "toda uma série de incentivos perversos", mas, no curto prazo, dá a tranquilidade necessária. Além do mais, Paulo Vieira da Cunha lembra que, na Europa, "eles têm essa tradição de estatizar bancos. Nos EUA é muito mais difícil o setor público administrando os bancos, é uma decisão muito mais violenta".

"Na Inglaterra, há a garantia de que os bancos serão privatizados depois e, no resto da Europa, era normal bancos estatizados até 30 anos atrás". Nos Estados Unidos, Vieira da Cunha diz que não há nem mesmo instrumentos para que funcionários do Fed (o Banco Central americano) ou do Tesouro administrem bancos, como pode ser feito na Inglaterra.

"Você tem que recapitalizar os bancos com as estruturas de propriedade e gerencial que existem, uma situação horrorosa, pois você tem que chamar a própria gerência que quebrou o banco e dizer que vai colocar mais dinheiro para eles continuarem a administrar o banco".

Ele não acredita que o pior já tenha passado, mas admite que "existe, neste momento de incerteza enorme, a questão de sentimento. Se todo mundo achar que a situação está melhor, pode acontecer".

Mas a primeira hipótese com que Paulo Vieira da Cunha trabalha é que "essa melhora se deve também a muita gente que está querendo sair. Muitos fundos que estão precisando vender ativos porque as pessoas querem sair. Isso é o que vai acontecer. Ao longo desta semana, as pessoas vão começar a vender, vão trazer os mercados para baixo novamente e vão começar a testar".

Ele considera que a situação, sobretudo nos EUA, continua "muito delicada". No caso do Brasil, diz que estão sendo tomadas medidas bastante fortes "para tentar colocar um chão", lembrando que o Brasil sofreu mais do que qualquer outro lugar, com uma queda de quase 60% na Bolsa. "E obviamente chega um ponto em que isso pára, você começa a ter comprador a um preço irrisório. Mas ainda é melhor ser cauteloso".

Jogos de poder republicanos


Raymundo Costa
DEU NO VLOR ECONÔMICO

Há um enredo em aberto, à espera do capítulo final, no Palácio do Planalto. É o desfecho oficial da Operação Satiagraha, no âmbito do Executivo, com a definição do destino de personagens como o delegado Paulo Lacerda, afastado temporariamente da direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Lacerda e assessores, pelo que deixa entrever o autor que tomou as rédeas da trama, será afastado definitivamente. Mas é forte o lobby por sua recondução ao cargo.

Uma das dezenas de ações espetaculares desencadeadas pela Polícia Federal (PF), nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Operação Satiagraha prendeu o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, sob a acusação de práticas de crimes financeiros.

A novela prosseguiria nos tribunais com os recursos e chicanas típicos dos advogados, se não fosse descoberto que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, tivera pelo menos um telefonema grampeado. A reação contundente de Mendes, com o apoio dos colegas do Supremo, levou o presidente a descobrir que as coisas nem sempre se desenrolavam como lhe diziam no Planalto e arredores.

Pilhada numa operação de campo, a Abin, por meio de seu então diretor Paulo Lacerda informou Lula e o grande público que não participara institucionalmente da ação. Depois, o delegado admitiu que, se havia alguém da Abin no caso, seriam freelancers, dois ou três agentes em caráter particular. Por fim a agência da inteligência foi forçada a admitir que 52 agentes colaboravam com a Polícia Federal na Operação Satiagraha.

Afirma-se hoje que, na realidade, mais de 80 pessoas ligadas à Abin trabalharam na operação. Uma boa parte delas, talvez a maioria, acreditando piamente que se achava a serviço de uma missão do presidente da República. Lula sabia da investigação sobre Daniel Dantas, mas, até onde tem sido possível apurar, não botou a PF nos calcanhares do banqueiro.

Lacerda ganhou projeção, no primeiro mandato, ao colocar a PF no combate à corrupção. No segundo mandato o delegado foi chamado para dirigir a Abin. Ao aceitar o cargo, disse a Lula que gostaria de continuar tocando a Operação Satiagraha, para a qual havia designado um homem de sua confiança, o delegado Protógenes Queiróz.

Lula teria se limitado a dizer "tudo bem", muito embora fosse uma das autoridades com interesse na investigação: o presidente era uma das seis pessoas de uma lista que relacionava autoridades com supostas contas secretas no exterior. Além dele, José Dirceu, Antonio Palocci, Mário Thomaz Bastos, o senador Romeu Tuma (DEM-SP) e o próprio Paulo Lacerda. Lista que teria sido vazada ou confeccionada a mando de Daniel Dantas

A PF deveria investigar como teriam sido montados os documentos que comprovariam a existência das contas, de vez que, à época mais que hoje, dizia-se que nenhuma das seis contas relacionadas existia de fato. Dantas enviou carta às autoridades mencionadas negando qualquer tipo de envolvimento no episódio. Lacerda processou os responsáveis pela divulgação da lista.

Com Lacerda na Abin, na Polícia Federal o delegado Protógenas avançava no inquérito de maneira autônoma, pelo que vieram a descobrir mais tarde pessoas próximas a Lula.

O delegado não dizia onde ia, o que fazia, requisitava pessoas e não dava satisfações. O sinal amarelo piscou na PF quando cinco ou seis funcionários da Abin foram avistados no andar onde funciona a inteligência da polícia. Um deles, operando o Guardião, o equipamento da PF que permite monitorar milhares de telefones, segundo apurou o Valor.

Os agentes da Abin se justificaram dizendo que estavam no local a serviço de Protógenes. A direção da PF questionou Protógenes, que não quis falar sob a alegação do sigilo da investigação. Sem controle sobre o delegado, a PF aos poucos esvaziou materialmente a operação.

Nesse ponto, de acordo com as informações que chegaram ao Planalto, a Operação Satiagraha não só passou a se amparar na Abin, como também teve partes terceirizadas com a contratação de detetives e consultores particulares.

Como toda boa história de arapongagem, há desconfianças e pistas em todas as direções. A versão em alta é que a ação contra Dantas, apesar de todos os atropelos legais, era institucional, mas que outros trabalhos ocorriam no paralelo. Além da gravação de uma conversa republicana entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), várias outras teriam sido ouvidas à época, a maioria envolvendo gente com gabinete no Planalto.

No PT, há quem não tenha dúvidas de que um grupo operava para ter o partido e o governo nas mãos. Atribui-se também um papel decisivo ao ministro Gilmar Mendes para a reação rápida do governo. Quando soube que uma conversa sua com Demóstenes seria publicada, o presidente do STF ligou para o ministro da Defesa, Nelson Jobim - e não para Lula - antes que a revista "Veja" chegasse às bancas com a transcrição do diálogo.

Gilmar Mendes foi à casa de Jobim, em Brasília, e contou que outros ministros do Supremo e do governo haviam sido grampeados. Inclusive o próprio Jobim. Os melhores momentos dos grampos teriam sido editados por um araponga da Abin. Depois de ouvir a narração de Mendes, o ministro da Defesa, também ele um ex-presidente do Supremo, ligou para o presidente da República.

Isso tudo ocorreu num fim de semana. Na segunda-feira, Gilmar Mendes e outros dois ministros do Supremo amanheceram no Palácio do Planalto. Quando viu Tarso Genro (Justiça), chefe da Polícia Federal, na sala de espera, o presidente do Supremo pediu que também o ministro Jobim fosse chamado.

Uma reunião dramática, na qual Mendes relatou, sem meias palavras, o que sabia e disse que ele e os ministros foram ao Palácio pedir para Lula tomar providências. Mas providências mesmo, não a abertura de sindicância nem a nomeação de uma comissão - enfim, uma providência que mostrasse que o Executivo não tolerava nem tinha participação nos fatos. Resta esperar que Lula ponha o ponto final e oficial no capítulo em aberto.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

O que é isso, companheira?


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O que a psicóloga e sexóloga Marta Suplicy pensa da propaganda eleitoral da candidata Marta Suplicy? Esta é a pergunta que não quer calar, depois que a sua campanha na TV recomeçou no domingo com uma provocação venenosa, carregada de insinuações e de preconceito: Gilberto Kassab, do DEM, é casado? Tem filhos?

Marta é uma mulher de vanguarda, tem uma história conectada às boas causas: à defesa das mulheres, dos homossexuais, das minorias.

Pode, muito bem, sofrer uma derrota e continuar em frente, de cabeça erguida, na vida e na política. O que não pode é, em razão do desespero eleitoral, jogar fora sua imagem e seu passado para permitir e avalizar uma agressão absurda, inacreditável, muito mais própria de Maluf do que de Marta.

Em tese, campanhas se fazem com propostas, contrapontos, convencimento. Na prática, são duras, às vezes agressivas. Mas não devem chegar a extremos que remetem a um outro de péssima lembrança: Collor usando Lurian contra Lula em 1989. Nem os próprios aliados podem aceitar esse tipo de coisa.

Lembrar a participação de Kassab no governo Maluf? Correto. Bater na tecla de que ele continuou com Pitta? Perfeito. Mas descambar para a baixaria de questionar subliminarmente a sexualidade do adversário? Faça-me o favor! E logo Marta Suplicy?! O risco é sair da campanha menor do que entrou.

Há derrotas e derrotas. Os 17 pontos de diferença de Kassab para Marta indicam que ela vai perder nas urnas. Mas perde mais com a propaganda do "é casado, tem filhos?". Muito mais, inclusive, do que com o "relaxa e goza", que foi um escorregão, um desses excessos a que qualquer um está sujeito.

O "é casado, tem filhos?" não foi escorregão, é estratégia. Preconceituosa e burra. Não ganha eleitores à direita e perde apoios, votos e simpatia à esquerda. Além de desagregar a militância e transformar o adversário em vítima.

A ética e as moscas


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - Agora que governos dos países ricos adotaram pacotaços para evitar o derretimento dos mercados financeiros, inclusive estatizando parcialmente alguns bancos, vale voltar a uma entrevista que a Folha publicou faz pouco com o economista Eduardo Giannetti da Fonseca (mais filósofo que economista, aliás).

Dizia Giannetti: "Quando os banqueiros estavam ganhando bilhões de dólares, tudo era privado e particular. No momento em que esses banqueiros e esses grandes aplicadores perdem bilhões, vem o governo e socializa, jogando a conta para as gerações futuras. Tem alguma coisa profundamente errada do ponto de vista ético nesse sistema".

Sei que falar de ética "nesse sistema" soa hoje em dia fora de moda, coisa de quem não entende o glamour do mundo do dinheiro. Mas não há uma só palavra de Giannetti que não corresponda à verdade, ao sentido comum.

Aliás, li ontem, em um dos "trocentos" sites dedicados às finanças inventados nos últimos anos, que os financistas "se tornaram leprosos sociais". Mas duvido de que os executivos das financeiras estejam muito preocupados. Tornaram-se, na verdade, uma "casta", conforme a definição contida em uma bela reportagem publicada domingo pelo jornal espanhol "El País".

Cito apenas um dado: o CEO (chief-executive officer ou executivo-chefe) da Lehman Brothers, Richard Fuld, "cuja atuação levou à desaparição o banco de investimento mais veterano dos EUA (fundado em 1850), ganhava US$ 17 mil por hora". Repito: por hora. Com uma hora de seu salário, seria possível pagar um mês de salário mínimo a 38 trabalhadores brasileiros.

Agora que se fala muito em reformar a gerência econômico-financeira do planeta, ou se introduz ao menos um pouquinho de ética "nesse sistema", ou o único que vai mudar são as moscas.

Uma crise (inter) nacional


Sérgio Guerra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. E o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou

VIVEMOS UM momento de angústia com o impacto da crise financeira internacional sobre o Brasil. Na crise, a queda da Bolsa brasileira em dólares só encontra paralelo na russa. A desvalorização do real equivaleu a mais de seis vezes a média das economias emergentes.O governo brasileiro reagiu tarde e mal à crise. O Banco Central levou dias contemplando o mercado em pânico. Depois, começou a torrar dólares de reservas para tentar segurar o câmbio e assumir riscos da desvalorização cambial. Procura até uma justificativa para a nova escalada dos juros, os maiores do planeta, quando o razoável seria reduzi-los, como os bancos centrais pelo mundo afora estão fazendo.

Uma medida provisória, o Proer do presidente Lula, deu ao Banco Central capacidade inédita de adquirir bancos em dificuldades. É claro que algo de errado aconteceu na supervisão bancária até agora. Mas a medida provisória não delineia um programa ordenado de reestruturação bancária.

Aprender com a experiência bem-sucedida do governo Fernando Henrique ajudaria a minimizar o risco de má gestão dos recursos públicos em programas desse tipo.

Era óbvio que a crise se espalharia a partir do colapso do sistema de financiamento residencial americano.

Mas, justamente nos últimos meses, o governo detonou dois sustentáculos da estabilidade, começando pela política deliberada do Banco Central de continuar valorizando o real, acelerando vertiginosamente as importações, freando as exportações e ajudando a disparar as remessas de lucros. Por isso, houve crescimento rápido do déficit em transações correntes, apesar das relações de troca altamente favoráveis ao Brasil.

Agora, depois da farra cambial, o que ocorrerá diante do declínio dos preços de nossas commodities?

Segundo, o quadro fiscal tende a se deteriorar no curto prazo, justamente quando os efeitos da crise passarão para o lado real da economia.

Seria preciso manter o crescimento das receitas reais da União num impossível 9% ao ano para absorver a expansão irresponsável dos gastos de custeio e pessoal da máquina federal e manter o superávit primário.

Porque o governo Lula não quis ou não soube, quando teve chance, conter a escalada dos juros e a apreciação insustentável do real, temos agora de arcar com as conseqüências de uma maxidesvalorização cambial e de uma ameaça de crise financeira.

Ao mesmo tempo, de forma curiosa, procura tripudiar sobre os exportadores que sofreram perdas devido à interrupção das linhas de financiamento externo.

Mas foi o próprio Banco Central, com sua política monetária, que induziu os exportadores a especular no câmbio futuro, para que ficassem quietos e compensassem no ganho financeiro o prejuízo causado pelo câmbio supervalorizado.

O esquema era simples: o exportador antecipava a receita de suas vendas tomando empréstimos em dólares, convertendo-os em reais e desfrutando das maiores taxas de juro do mundo; ganhavam também na liquidação dos empréstimos em dólares, pois compravam os dólares com reais mais valorizados. Essa foi a Bolsa-Cassino "made in" PT.

E a farra fiscal dos últimos anos? O governo foi sócio preferencial dos bancos na temporada de lucros gordos. Mais de um terço do aumento da arrecadação da União neste ano veio do setor financeiro.

A crise, diminuindo a lucratividade e o movimento do setor, comprometerá o desempenho da Receita Federal, antes mesmo de espalhar prejuízos na economia real.

Outra parcela importante do aumento da arrecadação veio do setor automobilístico, cujas vendas a crédito cresceram muito alavancadas pela extensão dos prazos de pagamento e agora sente o repuxo de uma espécie de "subprime" caboclo.

Enfrentar a retração da receita exige rever decisões que impõem aumentos da despesa nos próximos anos, extrapolando o atual mandato presidencial, além de reduzir o gasto na proposta orçamentária para 2009, contingenciar preventivamente dotações do Orçamento em curso e revogar restos a pagar ainda em aberto de exercícios anteriores.

O governo perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. Num aspecto, estamos piores do que a própria Argentina, que não tem déficit na conta corrente do balanço de pagamentos nem déficit fiscal.

"A crise é do Bush, não é minha".


"Aqui, se a crise chegar, vai ser uma marolinha". O talento do presidente Lula para se esquivar de responsabilidades é conhecido. Mas o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou: firmeza e competência para tomar decisões difíceis e capacidade de negociação transparente e baseada no interesse nacional.

SÉRGIO GUERRA , economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.

Lembranças do New Deal


Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"O restabelecimento da confiança do público nos bancos privados do país é um dos mais animadores resultados de nossos esforços como nação. Todos sabem que o sistema bancário privado só existe em virtude da permissão e da regulamentação do povo, exercidas através de seu governo. A sabedoria política, no entanto, exige que os bancos não apenas sejam seguros, mas que seus recursos sejam plenamente utilizados na vida econômica do país. Com essa finalidade, vinte anos atrás, o governo assumiu a responsabilidade de prover os meios necessários para que o crédito fosse controlado, não por poucos bancos privados, mas por um corpo com prestígio e autoridade pública. A resposta a essa exigência é o Federal Reserve System." - Franklin Delano Roosevelt, 1935


A eleição presidencial americana de 1932 foi disputada no momento em que a depressão econômica atingia seu nadir. Entre 1929 e 1932, a renda nacional havia caído 38%, regredindo para o nível de 1922. O desemprego avançou celeremente e jogou na rua 12 (possivelmente 15) milhões de pessoas. O declínio da renda e a retração aguda do consumo fizeram eco à dramática contração dos gastos de investimento das empresas e à desastrada política fiscal e monetária da administração republicana. Foi generalizada a bancarrota na indústria e na agricultura, e o colapso dos preços tornou insuportável para o setor produtivo a carga financeira do endividamento contraído nos anos de euforia. O sistema bancário veio abaixo com grande estrondo, cujos decibéis podem ser avaliados pela falência de 5 mil instituições.

Disputavam o voto popular o então presidente Hoover, republicano, e o democrata Franklin Delano Roosevelt. A campanha republicana insistia nas causas externas da depressão e seu candidato prometia como remédio o fortalecimento do dólar nos marcos do padrão ouro ("The dollar should ring true on every counter in the world"). Roosevelt assinalava as causas internas do desastre econômico e prometia um novo pacto social para a América, capaz de incluir, especialmente, "os que estavam esquecidos no fundo da pirâmide econômica".

Roosevelt assumiu a presidência em março de 1933 e proclamou em seu discurso inaugural que "a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo". Não se pode dizer - nem mesmo os que avaliam idilicamente a experiência social e econômica do New Deal - que aqueles tempos foram de coerência e firmeza. Também não se pode negar que foram tempos de coragem e grandeza.

O presidente Roosevelt, eleito segundo as regras de clientela do sistema político americano, foi, no entanto, capaz de articular o movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista. Caminhou, nem sempre em linha reta, mas com persistência, na busca da recuperação econômica através da reconstituição dos níveis de rentabilidade das empresas e dos rendimentos da massa assalariada.

Nos famosos "Cem Dias" de 1933, foram rapidamente inaugurados programas de emergência para os desempregados, mediante assistência direta e garantia de renda mínima. Estes programas evoluíram nos anos posteriores, com a criação da Work Projects Administration, em 1935, concebida para um amplo esforço de reabsorção do desemprego apoiado em obras públicas. Harry Hopkins, idealizador e responsável pela execução do programa da WPA, tinha como princípio básico o seguinte lema: "A fome não se discute".

A débâcle financeira foi enfrentada com o Emergency Bank Bill de 9 de março de 1933 e pelo Glass-Steagall Act de junho do mesmo ano. Esses dois instrumentos legais permitiram um maior controle do Federal Reserve sobre o sistema bancário, facilitando o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da imensa massa de dívidas dos agricultores, e promovendo uma profunda reestruturação do sistema bancário. Isto significou uma forte centralização da intervenção do Estado sobre os bancos privados e garantias mínimas para os depositantes, medidas indispensáveis para a execução de uma política de liquidez e de direcionamento do crédito, em benefício da recuperação econômica.

Tomadas estas medidas de emergência relativas ao desemprego e à desordem financeira, o governo constitui a National Recovery Administration - órgão encarregado do planejamento industrial - e a Agricultural Adjustment Administration, incumbido de executar a política de preços, estoques e comercialização dos produtos agrícolas.

Muitos anos depois, os debates sobre a experiência do New Deal concentram-se sobre o êxito limitado do programa. Os críticos sublinham a debilidade da recuperação (que só ganha sustentação com a mobilização bélica) e o constante ziguezague da política econômica. Poucos consideram as conseqüências políticas e sociais da verdadeira "revolução democrática" que contrastava fortemente com a tragédia vivida pela Europa continental, com a ascensão do nazi-fascismo.

Karl Polanyi, em sua obra a "Grande Transformação", escreveu sobre esse momento da história. Ele mostrou como a revolta contra o despotismo do "econômico" poderia se revelar tão brutal quanto os males que a economia destravada impunham à sociedade. O avanço do coletivismo, Polanyi conclui, não era uma patologia ou uma conspiração irracional de classes ou grupos, mas sim o resultado da degeneração dos nexos mercantis. O desamparo entregou os indivíduos livres à desesperada busca do führer opressor.

Com o colapso dos mecanismos econômicos, a superpolitização das relações sociais tornou-se inevitável. O despotismo da mão invisível teria de ser substituído pela tirania visível do chefe. A vida política foi surrupiada pelas polícias da vida que invadiram todas as esferas da convivência, como se fossem suspeitas quaisquer formas de espontaneidade.

O New Deal demonstrou que era possível governar o ciclo econômico num ambiente de liberdade e de conquistas sociais. Só ação coletiva empreendida através do Estado democrático impediu o mergulho da sociedade americana no desconhecido. Seria difícil imaginar o destino das economias capitalistas, sem que a mão visível do Estado as tivesse protegido do autoflagelo da mão invisível do mercado. Somente a substituição dos mecanismos "automáticos" do mercado pela ação consciente do Estado foi capaz de evitar a desordem social e o avanço do totalitarismo à esquerda e à direita. O Estado regulou as relações econômicas fundamentais e o New Deal preparou o imaginário das sociedades para a defesa da democracia no embate com o nazi-facismo e para a reorganização econômica social e política que orientou o estrondoso sucesso do capitalismo do pós-guerra.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1117&portal=

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

POEMA: ANOITECER




Graziela Melo

Triste
A vida vai
Ficando

Quando
Chega
O anoitecer

Meu
Coração
Vai sentindo

Desejos
De um
Amanhecer....

Rio de Janeiro, 09/10/08