quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

EDITORIAL:: COISAS DE ESTARRECER

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dilma se diz indignada com corrupção do DEM, enquanto o PT tenta reescrever a história de seu próprio mensalão

"As imagens são estarrecedoras. Muito duras, muito claras". São palavras da ministra Dilma Rousseff a respeito das gravações que flagraram o esquema de distribuição de propinas patrocinado pelo governo de José Roberto Arruda, do DEM, no Distrito Federal. A candidata petista à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse ainda favorável a leis mais duras e cobrou agilidade da Justiça quando há "inequivocamente provas de corrupção".

Até aqui, seria difícil discordar. Abundam cenas estarrecedoras na política nacional, sem que a sociedade receba da Justiça respostas compatíveis à gravidade e à extensão dos escândalos que envolvem o patrimônio público.

Dilma, porém, que chegava a uma festa com mais de mil convidados organizada para celebrar os 30 anos do PT, aproveitou a ocasião para ressalvar que não há "provas contundentes" contra petistas que respondem a processo no escândalo do mensalão.

Não é de hoje que o alto comando do PT procura se aproveitar da popularidade de Lula para tentar reescrever a história, apagando crimes a seu favor. Retorna, agora, a fábula de que o mensalão petista, um esquema nacional de compra de apoio político capitaneado pela cúpula da legenda, não passou de recolhimento de "recursos não contabilizados" de campanha.

Ninguém com memória e informação cairia nessa esparrela. Vale recordar o que havia de "estarrecedor" no mensalão petista. A começar pelo uso indevido do dinheiro público.

O Banco Popular é só um -e bom- exemplo. Criado, no Banco do Brasil, para emprestar a pessoas de baixa renda, durante um ano e sete meses, sob a gestão de Ivan Guimarães, conseguiu a proeza de gastar mais em publicidade (R$ 24 milhões) do que em empréstimos (R$ 20 milhões). A empresa que se beneficiou da publicidade, sem que se tenha feito nenhuma licitação, foi a DNA de Marcos Valério.

Seria o caso de recordar ainda outros exemplos "de estarrecer" envolvendo este governo: a procissão de deputados, petistas e aliados, que se formou na boca do caixa do Banco Rural para receber quantias várias de mensalão; o jipe que uma empresa beneficiada por contrato milionário da Petrobras deu de presente a Silvio Pereira, ex-secretário-geral do partido; o dinheiro na cueca com que foi flagrado um assessor do irmão de José Genoino, então presidente do PT; a violação do sigilo do caseiro que denunciou atividades envolvendo Antonio Palocci -a lista de escândalos graves é longa.

Merval Pereira:: No limite

DEU EM O GLOBO

O governo está usando até o limite da irresponsabilidade a permissão para gastar dada aos governos nacionais pela crise financeira que se abateu sobre o mundo a partir de setembro do ano passado, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos.

Por ser um emergente que vem há anos mantendo seu equilíbrio fiscal e a inflação sob controle, o Brasil parece ter uma “licença especial” do mercado financeiro internacional, e a deterioração das contas públicas em curso não assusta a curto e médio prazos.

O novo aporte de R$ 80 bilhões para o BNDES incentivar setores da economia, especialmente bens de capital, deve aumentar a dívida bruta mais ainda. Um número que passa a ser observado com atenção mesmo que não afete as estatísticas fiscais.

O Ministério da Fazenda está usando o que o mercado identifica como “um truque” para repassar recursos aos bancos públicos sem aumentar a dívida líquida, esse sim um número que o mercado financeiro acompanha, especialmente sua relação com o PIB.

Desde junho de 2008, o volume de crédito do BNDES, que era insignificante para as contas públicas, subiu bastante, ficando em torno de 5% do PIB. Com as novas medidas anunciadas ontem, vai a bem mais. O governo também está usando os bancos públicos como a Caixa Econômica e o Banco do Brasil para expandir o crédito.

A dívida pública bruta passou para 66,5% do PIB, e deve chegar a mais de 70% em 2010 com os novos repasses.

Países que têm investment grade como o Brasil possuem uma dívida bruta em torno de 40% do PIB, embora os Estados Unidos já tenham chegado aos 80% devido às medidas que tomou por conta da crise.

Não há uma situação dramática, mas ela exige algumas decisões e provavelmente ajustes no ano que vem, como a subida dos juros, e outras, mais aprofundadas, para 2011, no começo do mandato do novo presidente.

A relação dívida líquida/ PIB hoje é de 44%, e com o PIB um pouco maior, até mesmo por revisões periódicas que o IBGE vem fazendo, vai cair um pouco mais. Estamos com um superávit primário bem menor em relação a anos anteriores, mas este ano tudo perdeu relevância diante de um contexto anômalo.

Só que a partir do ano que vem o mundo volta ao normal, e provavelmente o governo vai utilizar os recursos do fundo soberano do pré-sal de 0,5% do PIB como forma de suavizar o resultado primário.

Com a queda dos juros, inclusive na expectativa de longo prazo, foi possível reduzir o superávit primário.

Mas há indicadores que provocam alerta.

Segundo um estudo do economista Fabio Giambiagi, publicado ontem no site do BNDES, “o salto da despesa primária do governo central impressiona: ela era de 13,7% do PIB quando as estatísticas passaram a ser apuradas na sua forma atual, em 1991; alcançou 16,5% PIB em 1994, ano do lançamento do Plano Real; cresceu até 19,5% do PIB no último ano da administração FHC, em 2002.” Segundo o estudo, estimase que esses gastos cheguem a 23,6% do PIB em 2010, último ano do governo Lula, apesar de na década atual o PIB ter se expandido depois de 2003 a um ritmo mais rápido que nos anos anteriores — mesmo considerando a crise de 2009.

Esses gastos, que correspondem especialmente a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, aumentaram nada menos que 7,5% do PIB.

A decisão do governo de dar também aumento real para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo, se por um lado evitou o pior, que era um projeto de lei do Congresso que igualava todos os aposentados, por outro introduziu mais um gasto público na conta já alta.

Nos últimos 15 anos, a variação acumulada real do salário mínimo foi de 109,20%, e os aposentados que ganham mais de um salário tiveram ganho real de 22,05% nesse mesmo período.

Com esses reajustes acima da inflação, o salário mínimo deixou de ser um instrumento de correção de injustiças sociais, pois seu valor avançou na escala de rendimentos, estimando-se que em 2007 tenha alcançado 41% do rendimento médio.

Segundo estudo de Fabio Giambiagi e Samuel Franco, o salário mínimo já representava “um valor correspondente a mais de duas vezes o rendimento médio dos 20% mais pobres e quase 20% superior ao rendimento médio dos 50% mais pobres em nível nacional e, no Nordeste, seu valor era inclusive maior do que o rendimento da média dos 90% mais pobres”.

No caso das aposentadorias, há estudos que mostram que mais de ¾ daqueles que recebem valor equivalente ao salário mínimo estão localizados entre o quarto e o oitavo décimo da distribuição de renda.

No caso das pensões, 85% estão entre o quarto e o nono décimo da distribuição. A maior parte das pessoas que recebem o salário mínimo no trabalho, em pensões ou aposentadorias, segundo esses estudos, não pode ser considerada pobre pelo padrão brasileiro.

A dinâmica da dívida ainda não é um problema, na opinião de alguns analistas, mas desde que o crescimento da economia seja forte e os juros possam continuar a cair. A previsão para o próximo ano é de um crescimento entre 5% e 6% do PIB, mas nada indica que esse ritmo possa ser mantido nos próximos anos e, mais que isso, é provável que os juros tenham que subir, mesmo que lentamente, para conter esse crescimento a médio prazo.

No primeiro ano do próximo governo, no entanto, será preciso aumentar o superávit primário para cerca de 2,50% do PIB — maior que o 1,5% deste ano e bem menor do que os anteriores, maiores que 4% do PIB.

Uma coisa que já está contratada é a redução do investimento público em 2011, pela necessidade desses pequenos ajustes fiscais. Caso contrário, ou o superávit não poderá aumentar ou terá que haver um aumento da carga tributária, já considerada excessiva

Dora Kramer:: Ensaio geral

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É artificial e desobedece à lógica mais elementar o clima de suspense sobre a escolha do candidato a presidente do PSDB. Se surpresa houver, será a desistência do governador José Serra de concorrer, que, assim, correria o sério risco de ser visto como avesso a desafios, transmitindo ao eleitorado a mensagem de que só entra em disputas antecipadamente resolvidas.

Ademais, o cenário da desistência deixaria o governador Aécio Neves na desconfortável situação de candidato escolhido para perder ou levaria o PSDB, sem opção de candidatura, a se retirar eleição presidencial. Hipótese equivalente ao suicídio político do partido, das forças que se agregam sob sua área de influência e à condenação de parte da população à orfandade eleitoral.

Um cenário, portanto, altamente improvável nesta altura dos acontecimentos em que nada ainda foi oficializado, mas as negociações de compromissos avançaram a um ponto objetivamente sem retorno.

Nem o governador Aécio Neves faz mais questão de esconder que o candidato é o governador José Serra. Abandonou a defesa da escolha por meio de prévias - e, na realidade, nunca lutou efetivamente por elas - e de dois meses para cá passou a falar constantemente na candidatura ao Senado.

Se alguém é candidato a um cargo maior, não anuncia que pode concorrer ao menor; luta pela meta pretendida e, perdendo, aí sim parte para a alternativa.

Note-se que Serra nunca falou com convicção sobre a possibilidade de disputar a reeleição. Até os argumentos que usa para justificar o anúncio da decisão só em março são referidos na candidatura presidencial: não se expor cedo demais aos ataques dos adversários, não irritar o eleitorado paulista com campanha antecipada, atuar como governador até o prazo final da desincompatibilização do cargo atual.

Os demais atores da cena também atuam dentro do roteiro em que Serra é o candidato. Sejam eles aliados ou adversários. Os partidos que estão hoje com a candidata do governo, mas admitem mudar de lado se Aécio for o candidato, não fazem um gesto efetivo que confirme a propalada intenção.

O PT mesmo só aventa essa possibilidade como tática para alimentar divisões no campo contrário.

O próprio governador de Minas não se conduz internamente como um oponente clássico. Ele e seus aliados só não admitem, com razão, ser tratados como coadjuvantes no processo. Reivindicam uma parte do latifúndio equivalente à importância do segundo maior colégio eleitoral do País e de uma liderança política do porte de Aécio Neves.

Se se estranham em particular, Serra e Aécio disfarçam bem em público assumindo devagar, mas explicitamente, papéis complementares: o paulista numa posição mais crítica, com ações para marcar diferença em relação ao governo federal e Aécio no papel de conciliador.

A aparente divergência agora é uma questão de calendário. Que, se observada de perto, não é assim tão divergente: fizeram uma conta de chegar e já concordaram que janeiro é a data ideal para começar a tomar posições.

No momento em que Aécio confirmar a disposição de concorrer ao Senado, Serra nem precisará dizer que é candidato. Pode adiar o anuncio oficial mais um mês, período que usará para organizar a saída do governo, falando com prefeitos, articulando a passagem do bastão no Palácio dos Bandeirantes.

Formação da chapa e escolha do vice? Uma segunda etapa que a lei permite seja resolvida só em junho, na convenção que oficializará os candidatos.

Obra aberta

Os grupos do PT derrotados nas eleições para a direção do partido no Rio e em Minas Gerais não dão como favas contadas que esse resultado necessariamente se reflita na decisão do PT sobre as candidaturas aos governos de ambos os Estados.

No Rio ganhou o candidato apoiado pela cúpula nacional, em tese adepta da aliança com o PMDB e contrária a candidaturas próprias, e, em Minas, o resultado ainda está em suspenso.

Mas, ainda que venha a perder, o grupo do ministro Patrus Ananias, pré-candidato a governador em Minas, não se dará por vencido. Pedirá oficialmente a realização de prévias no partido para tratar da eleição estadual.

Primeiro, por considerar que os eleitores do adversário interno não são unânimes defensores da aliança com o PMDB. Podem optar pela candidatura própria e dar novo equilíbrio ao jogo.

Além disso, o PT precisa pensar no futuro e na possibilidade de derrota na eleição presidencial. E, se Dilma Rousseff ganhar, fica tudo como dantes.

Mas, se perder, como ficam os milhares de ocupantes de cargos federais ligados ao partido?

E como fica a atividade política do partido se voltar para a oposição? É preciso ter trincheiras de atuação regional significativas.

Na dúvida, o PT precisa tentar garantir a conquista de governos de Estados importantes para se manter em destaque na política e assegurar a manutenção dos correligionários.

Demétrio Magnoli:: Uma estátua equestre para Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tirando a espuma, o filme Lula, o Filho do Brasil não passa de mais uma versão da fábula do indivíduo virtuoso que, arrostando a adversidade extrema, luta, persevera e triunfa montado apenas nos seus próprios esforços. Como cada um encontra aquilo que procura, o fiel extrai dessa fábula uma lição singela sobre a intervenção misteriosa da providência, enquanto o doutrinário liberal nela encontra o argumento clássico em defesa do princípio do mérito individual. Nenhuma das interpretações se amolda ao pensamento de esquerda, que se articula ao redor das noções de circunstância histórica e sujeito social. Lula, o Filho do Brasil é uma narrativa avessa ao programa do PT.

A espuma é vital. O livro homônimo de Denise Paraná, inspiração original do filme, apresenta Lula como personificação de um ator coletivo que é a classe trabalhadora. A obra mais cara da história do cinema brasileiro rejeita a metáfora esquerdista, substituindo-a por outra, nacionalista. Lula é o Brasil do futuro, que emerge purificado do pântano do sofrimento - eis a mensagem de Lula, o Filho do Brasil. Já se escreveu abundantemente sobre as óbvias finalidades eleitorais da hagiografia produzida pela família Barreto. Mas passou-se ao largo do seu sentido político profundo: o filme condena o PT à vassalagem.

No Palácio de Versalhes, uma imagem que simboliza a França abençoa o leito real de Luís XIV. As monarquias absolutas foram modernas no seu tempo, pois produziram um imaginário nacional. O maior dos soberanos Bourbon completou a tarefa de subordinação da nobreza ao poder central, suprimindo os privilégios políticos dos senhores e convertendo-os em cortesãos. Quando se curvavam diante do rei, os nobres domesticados estavam reverenciando a França. Lula, o Filho do Brasil funciona como instrumento de domesticação do PT, impondo a seus dirigentes e militantes a obrigação de se curvar diante de Lula. Não há, porém, nada de moderno nisso.

A República é a nação sem a figura do soberano, cujo lugar passa a ser ocupado pelo povo. As tiranias republicanas, nas suas modalidades fascistas, comunistas ou caudilhistas, desviam-se patologicamente desse modelo despersonificado da nação. Elas têm um pendor irresistível a erguer estátuas de líderes vivos, que cumprem o papel de lugares de culto. Lula, o Filho do Brasil é a coisa mais parecida com uma estátua equestre de Lula que se pode produzir no Brasil do século 21. Mas, como as instituições políticas da democracia estão de pé, o culto ao líder vivo não se espraia além de um círculo restrito formado essencialmente pelo partido que dele depende.

O PT original viu-se a si mesmo como um projeto coletivo de transformação do Brasil. Lula seria apenas uma face, relevante, mas circunstancial, da caminhada redentora do povo trabalhador. O livro de Denise Paraná inscreve-se nessa visão e, não por acaso, termina com a prisão de Lula em 1980: depois dela começaria uma outra história, que é a do PT. Na ala esquerda petista, enxergou-se Lula como um inconveniente inevitável, mas passageiro, na senda da revolução socialista. No outro extremo do partido, num passado não tão distante, dirigentes como José Genoino e Antonio Palocci procuraram alternativas mais "presidenciais" à figura rombuda do sindicalista do ABC. Todos eles fracassaram, nos planos prático e simbólico. Lula, o Filho do Brasil salta diretamente da prisão de Lula para a festa da posse na Presidência, colocando entre parêntesis a história inteira do PT. O filme chegará ao público juntamente com a homologação da candidatura de Dilma Rousseff, ungida por Lula na base do dedazo, nome que os mexicanos deram à indicação presidencial dos sucessores nos tempos da hegemonia do PRI.

Na vida real, o "filho do Brasil" nutriu desprezo completo pelos partidos e correntes de esquerda, algo bem documentado em depoimentos e entrevistas. Indignado com a mistificação cinematográfica dos Barretos, César Benjamim relatou, em artigo publicado pela Folha de S.Paulo, que Lula se gabou durante a campanha presidencial de 1994 de ter tentado currar um "menino do MEP", preso político com quem dividiu uma cela no Deops. O filme é uma curra consumada: a violação da narrativa canônica do PT e sua substituição por uma história de cartolina na qual a redenção se identifica com a trajetória do líder providencial.

Lula, o Filho do Brasil tem todos os traços de cinema oficial. A obra foi financiada por empresas com vultosos contratos públicos e sua versão final acolheu sugestões provenientes do entourage presidencial. Segundo os que o viram, é um mau filme, mesmo se analisado nos seus próprios termos. Ele não provoca uma empatia firme nem desata turbilhões emocionais. Dificilmente terá impacto eleitoral significativo. Mas, antes ainda da estreia formal, cumpre a função mais sutil de domesticação simbólica dos petistas.

Na corte de Luís XIV, um sistema sofisticado de regras de precedência e de etiqueta regulava as relações entre o soberano e os nobres cortesãos. No seu conjunto, aquelas regras tinham a finalidade de atestar continuamente a fidelidade à figura real, que personificava a França.

A primeira pré-estreia de Lula, o Filho do Brasil, destinada a ministros, diretores de fundos de pensão e altos dirigentes petistas, obedeceu a um improvisado sistema similar. Programam-se sessões especiais para intelectuais, artistas, sindicalistas e militantes, já convocados a "prestigiar" o filme. Todos, cada um a seu momento, devem fazer a genuflexão diante da nova ordem da história.

Golbery do Couto e Silva, o "mago" da ditadura militar e da abertura política, profetizou certa vez que Lula cumpriria a missão histórica de destruir a esquerda no Brasil. Se vivo, ele daria um jeito de assistir escondido ao espetáculo proporcionado pelo público de uma dessas pré-estreias voltadas para a corte petista.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Cláudio Gonçalves Couto:: O carisma do presidente

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Tornou-se um lugar comum mencionar o carisma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um de seus atributos. Por alguns esse carisma é invocado como um indicativo de sua condição de líder inaudito ("nunca antes na história deste país" teria havido um político tão fantástico), por outros é tomado de forma valorativamente invertida, como uma justificativa para o apoio de que goza junto a amplos segmentos da população brasileira - sobretudo aqueles mais pobres e pouco instruídos. Para os primeiros, o carisma seria o fruto da condição historicamente singular de Lula - um autêntico "filho do Brasil", saído da pobreza extrema e migrado, ainda criança, num pau-de-arara do Nordeste para São Paulo. Para os segundos, o carisma seria fruto da manipulação demagógica e a principal causa pela qual o presidente consegue passar ao léu de todas as mazelas que atingem seu governo e, particularmente, seus acólitos - o assim chamado "efeito Teflon".

É muito difícil mensurar o carisma. Ele é uma característica de certas lideranças que se pode com muito mais facilidade perceber do que descrever. Mas é possível definir a importância que o carisma tem para a emergência e a manutenção de líderes. No caso de Lula, essa não é uma característica nova e nem mesmo construída por obra do marketing político mais sofisticado que lhe acompanhou nas últimas duas eleições. Ela é perceptível já no líder sindical atuante nas grandes greves do ocaso do regime autoritário, em fins dos anos 70. Para quem quiser checar isto vale assistir ao primoroso documentário de Leon Hirszman, "O ABC da Greve". Fica muito nítida ali a ascendência que o jovem e realista Lula tinha sobre sua base, logrando até mesmo o feito de convencer a assembléia a aceitar uma derrota, encerrando a greve, para sair dali aclamado e carregado por seus "companheiros". São poucas as lideranças políticas que possuem tal destreza.

A definição clássica da legitimidade baseada no carisma foi dada pelo sociólogo alemão Max Weber. Para ele, a dominação carismática se dá "em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente, a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem aqui a fonte da devoção pessoal. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. (...) O tipo que manda é o líder. O tipo que obedece é o ´apóstolo´. Obedece-se exclusivamente à pessoa do líder por suas qualidades excepcionais e não em virtude de sua posição estatuída ou de sua dignidade tradicional; e, portanto, também somente enquanto essas qualidades lhe são atribuídas, ou seja, enquanto seu carisma subsiste. Por outro lado, quando é ´abandonado´ pelo seu deus ou quando decaem sua força heróica ou a fé dos que crêem em suas qualidades de líder, então seu domínio também se torna caduco." ("Os três tipos puros de dominação legítima").

Fica claro nessa definição que o carisma não é uma característica objetivamente observável no líder, como se fosse um traço de seu código genético verificável em laboratório. O carisma é fruto da percepção que muitos têm acerca do líder. Evidentemente, tal percepção não ocorre sem motivos: há atributos que, sendo valorizados ou impressionando as pessoas (ou ambas as coisas juntas), levam-nas a identificar no líder alguém dotado de capacidades extraordinárias. No caso de Lula, certamente sua história - que de fato nada tem de ordinária num país desigual e hierárquico como o Brasil - contribui para a construção do mito e, consequentemente, outorga-lhe carisma. Também sua capacidade oratória contribui para isto - desde o tempo das assembléias de Vila Euclides. Para outros, o trunfo advém de charme, beleza ou estilo.

Todavia, a força do presidente e seu potencial eleitoral não decorrem apenas dessa avaliação pessoal que a população faz do líder. Há uma avaliação positiva de seu governo que, ao mesmo tempo que reforça o carisma presidencial, é reforçada por ele. A última pesquisa Ibope dá alguns dados interessantes a este respeito: 72% dos eleitores consideram o governo bom ou ótimo e 83% aprovam a maneira como o presidente governa; aqui o carisma leva certa vantagem sobre o governo propriamente dito. E o interessante é que esses dados, embora variem de acordo com a região do país, renda e escolaridade, sempre dão vantagem a Lula e seu governo.

Para se ter uma idéia, entre os brasileiros de nível superior, aqueles junto aos quais Lula enfrenta maior resistência, a avaliação positiva do governo é da ordem de 64% e a do presidente de 75%. Nesse segmento, apenas 7% do eleitorado avalia o governo como ruim ou péssimo, embora um número bem maior, 23%, desaprovem a forma como Lula governa. Temos aí uma indicação de que, para estes, o carisma de ex-operário e a retórica popular contam bem menos que o resultado objetivo das políticas. Mas há também o estranhamento (ou preconceito) de extração social. Já entre os menos instruídos, que são também os mais pobres e numerosos, a desaprovação do governo é igualmente baixa: apenas 5%. Mas também é diminuta a desaprovação do presidente: apenas 9%. Aqui o carisma (assim como a identificação de extração social) pesa mais, embora não suplante a avaliação objetiva que se faz dos resultados.

Indo ao que importa: embora o carisma seja um trunfo inegável, o peso que Lula jogará na eleição de 2010 terá menos a ver com ele pessoalmente do que com a apreciação que o grosso do eleitorado faz de seu governo e, consequentemente, do que significaria a sua continuidade. E, neste campo, a vantagem de saída da candidata situacionista é imensa. Seu grande obstáculo nas pesquisas atuais é - muito mais do que o pouco carisma - o desconhecimento. Como mostra o Ibope, nada menos que 66% do eleitorado diz não conhecer ou conhecer precariamente a candidata situacionista. Para Serra, o desconhecimento é de apenas 30%. E se o "dar a conhecer" de Dilma ocorrer por meio de sua vinculação com o governo Lula, a oposição terá uma dura disputa pela frente em 2010 - sobretudo porque Serra tem pouco de novo a oferecer, de modo que seu crescimento tende a ser, em princípio, mais limitado. Ou seja, já ser muito conhecido é ao mesmo tempo um trunfo e uma limitação. Talvez novidades possam ocorrer na eventualidade de uma candidatura Aécio Neves. Em primeiro lugar porque ele ainda é desconhecido para 69% do eleitorado; em segundo lugar porque parece dispor de muito mais carisma do que Serra e Dilma. Portanto, não se tomem os números atuais da intenção de voto por seu valor de face.

Eles estão claramente subestimados perante o que poderá acontecer depois que a campanha realmente começar, com o horário eleitoral gratuito.

Cláudio Gonçalves Couto é centista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, Maria Inês Nassif, está em férias

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Após ''mensalão do DEM'', Lula propõe pena maior para corrupção

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Projeto a ser enviado transforma prática, assim como peculato e concussão, em crimes hediondos e inafiançáveis

Tânia Monteiro e Lisandra Paraguassú, BRASÍLIA

Quatro anos depois de estourar o escândalo do mensalão petista, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o "mensalão do DEM", que envolve o governador José Roberto Arruda (DF), para anunciar que vai enviar ao Congresso uma proposta de lei para transformar em hediondos os crimes de corrupção passiva e ativa, peculato e concussão, tornando-os inafiançáveis, se forem praticados por autoridades. O anúncio foi feito em solenidade pelo Dia Internacional Contra a Corrupção, mas o ambiente foi de exploração política do escândalo do Democratas, como já havia acontecido na noite anterior, durante a festa dos 30 anos do PT.

O próprio presidente admitiu que, "obviamente", não será uma nova lei que acabará com a corrupção no País. "Tem país que tem pena de morte e assim mesmo as pessoas continuam praticando corrupção", afirmou. Como se estivesse discursando num palanque, sempre usando palavras duras e comparações populares, Lula disse que a proposta é "mais um degrau no combate à safadeza com o dinheiro público".

O presidente admitiu que vai promover o governo levando a proposta, lançada ontem, para a reunião de cúpula do G-20, em março de 2010, como exemplo do que o País vem fazendo para combater a corrupção entre os dirigentes públicos.

Lula fez referência às duas semanas de noticiário sobre o "mensalão do DEM", na capital federal - com vídeos mostrando deputados da base de Arruda carregando dinheiro nos bolsos e em bolsas, em meias e até na cueca. Ele disse que "como Presidente da República (prefere) que saiam manchetes para a gente poder investigar, do que não sair nada e a gente continuar sendo roubado, e não saber o que está acontecendo neste País." No caso do mensalão petista, o presidente sempre se queixou de uma suposta precipitação da mídia em noticiar os casos de corrupção, dizendo que os jornais estavam ajudando a condenar pessoas que podiam ser inocentes.

Na terça-feira, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT para disputar a sucessão de Lula, falou do "esquema" do DEM, dizendo que as imagens dos vídeos com a distribuição da propina pelos secretários e deputados distritais que apoiam o governo Arruda são "estarrecedoras". Fez os comentários na festa em que foram homenageados líderes e ex-presidentes do PT, inclusive mensaleiros como José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha.

O ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), organizador da solenidade, aproveitou para promover o Planalto. Tratando a CGU como um órgão de governo, e não de Estado, Hage fez discurso de quase uma hora, entremeado com 14 vídeos e três dezenas de depoimentos elogiosos às ações da Controladoria.

Desde 2003, na posse do governo Lula, até 2005, quando estourou o escândalo do mensalão petista, a CGU não produziu uma só investigação sobre as verbas públicas do governo que renderam as propinas que abasteciam a base aliada do Planalto.

Ontem, Lula comparou corrupção às drogas por causa do jeito silencioso como se espalham, mas também para justificar a corrupção que o governo nem sempre conseguiria detectar e combater.

"Às vezes, a corrupção é como uma droga. Tem um pai que vê na televisão um adolescente sendo pego por droga, ele acha que é só o filho dos outros que tem droga. Ele não sabe que o filho dele está queimando um "baseadinho" no quarto. A corrupção é assim. Às vezes, ela está dentro da tua casa, ela está na tua porta e você não sabe", justificou o presidente.

"CARA DE ANJO"

Lula acrescentou que a corrupção "é uma coisa difícil de descobrir". E explicou: "Às vezes, o corrupto é o que tem a cara mais de anjo."

O projeto com a nova lei de combate à corrupção prevê aumento da pena mínima para casos de corrupção ativa e passiva, peculato e concussão (quando o servidor pede vantagens para cumprir sua função) de dois para quatro anos para funcionários públicos de todas as esferas de poder, federal, estadual e municipal. No caso de autoridades com poder decisório e ocupantes de cargos elegíveis, o projeto eleva a pena mínima para oito anos, o crime se torna hediondo, portanto inafiançável, e abre possibilidade para prisão temporária de até 60 dias. Se encaixam nesses casos governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidentes e diretores de estatais, entre outros cargos de comando.

"(Para) quem mata um tatu, uma paca, o crime é inafiançável. Para o cidadão que rouba o equivalente para comprar um milhão de pacas, o crime não é hediondo?", questionou Lula, para mostrar que a lei é um caso de justiça.

Estrela petista entre mensaleiros

DEU EM O GLOBO

Atração de festa do PT, Dilma confraterniza com Dirceu

Evandro Éboli

BRASÍLIA. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi a estrela da primeira festa de comemoração de 30 anos do PT, anteontem à noite, numa casa de eventos em Brasília, onde foram homenageados ex-presidentes da legenda, entre eles José Dirceu e Luiz Gushiken, réus no caso do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Paparicada como a candidata do partido à Presidência da República, Dilma circulou à vontade pelo salão, posou para dezenas de fotos e distribuiu sorrisos e abraços.

Anunciada pelo orador como mineira de nascimento e gaúcha por adoção, Dilma elogiou a gestão Lula, disse que o povo é o protagonista deste governo e, numa referência ao escândalo do mensalão, que atingiu o partido em 2005, afirmou que o PT soube curar suas feridas e seguir de cabeça erguida. Ao chegar, ela dissera que são “estarrecedoras” as imagens do mensalão do DEM no Distrito Federal.

Ao falar da homenagem aos ex-presidentes da legenda, o locutor anunciou que eles não subiriam ao palanque, mas os militantes gritaram “sobe, sobe”. Todos subiram. O PT parecia desejar evitar aparições de Dilma ao lado de Dirceu e Gushiken.

Dirceu foi anunciado como o dirigente “imprescindível para nos levar à Presidência da República”. E Gushiken como nosso “guerreiro e samurai”. No pequeno palanque, Dirceu estava de costas para os fotógrafos quando abraçou Dilma. Também assediado, o ex-ministro da Casa Civil tirou fotos com petistas.

Entre os presentes, estavam outros envolvidos no mensalão, como Professor Luizinho, ex-deputado pelo PT paulista. Sem barba e procurando ficar nos cantos, Luizinho afirmou que não pretende tentar nova vaga para Câmara em 2010. E se queixou da imprensa: — Chega de maldade. Vocês fizeram muita maldade. Venderam a ideia de que o governo pagou para aprovar projetos no Congresso.

Dilma fez um discurso pouco empolgante, minutos após ser ovacionada pelos petistas, afirmando que é preciso manter as conquistas obtidas no governo Lula.

Desfilando na festa do PT e fazendo planos para o futuro, estavam ex-ministros, deputados e ex-deputados réus no processo do mensalão no STF. Se já estivesse valendo a lei que Lula propôs ontem, classificando como hediondo o crime de corrupção, e se todos forem condenados pelos crimes dos quais são sendo acusados, teriam que cumprir pena maior.

Para corrupção, passiva e ativa, peculato, formação de quadrilha e outros investigados no caso do mensalão, a legislação atual prevê pena de dois a 16 anos de prisão. Pela proposta de Lula, a pena mínima passa para oito anos. A máxima continua em 16 anos

Para presidente, fraudador às vezes tem 'cara de anjo'

DEU EM O GLOBO

Lula disse que é difícil descobrir esquemas de corrupção e, desta vez, elogiou os órgãos de controle e a imprensa

Chico de Góis

BRASÍLIA. Durante solenidade em comemoração ao Dia Internacional contra a Corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que há na população um sentimento de que só os pobres vão para a cadeia, enquanto os que roubam milhões ficam impunes.

Lula afirmou que, caso não haja punição para essas pessoas, as cadeias continuarão lotadas de pobres: — Corrupção é uma coisa difícil de descobrir. Às vezes o corrupto é o que tem a cara de anjo. É aquele cara que mais fala contra a corrupção, que mais denuncia, porque acha que não vai ser pego. Esse é o problema da bandidagem: ela sempre acha que vai dar no outro. Mas de vez em quando a arapuca pega — afirmou.

Lula defendeu os órgãos de controle, apesar de viver brigando com o Tribunal de Contas da União (TCU), e elogiou a imprensa por publicar reportagens sobre corrupção, embora sempre acuse os jornais de exagerar nas manchetes sobre denúncias.

— Prefiro que saia manchete para a gente poder investigar do que não sair nada, e a gente continuar sendo roubado e continuar não sabendo o que está acontecendo — afirmou.

Lula disse que a crise econômica obrigou governos a gastarem bilhões de dólares no sistema financeiro para que os bancos não quebrassem: — Quantos bilhões de dólares os países ricos tiveram que colocar no sistema financeiro, que quebrou por especulação? E o dinheiro que faltou para ajudar os países pobres e apareceu para salvar os banqueiros? Se não aumentarmos a punição para essa gente, vamos continuar enchendo as cadeias de pobres e vendo a corrupção correr solta no mundo.

Presidente pede que população compre mais panetone no Natal O presidente comparou ainda a investigação para prevenir atos de corrupção a um check-up médico: — Por isso é importante a investigação.

Eu faço check-up todo ano. Este ano não fiz porque o José Alencar está com problema de saúde, a Dilma teve o problema dela. Eu falei: “Se eu fizer e der alguma coisa também, aí a República está desgraçada”. Aí falei para o meu médico: “Vamos esperar”.

Mais tarde, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Lula sugeriu que a população compre panetones. Por ironia, a frase lembrou a desculpa do governador do DF, José Roberto Arruda (DEM), ao ser flagrado recebendo R$ 50 mil em espécie.

— Comprem todos os panetones que quiserem comprar, passem o Natal mais tranquilo possível com as suas famílias — afirmou

CHARGE- Dia internacional contra a corrupção

Proposta de Lula não é novidade no Congresso

DEU EM O GLOBO

Projetos para transformar corrupção em crime hediondo já tramitam na CasaA proposta apresentada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é novidade no Congresso Nacional, onde já tramitam há anos pelo menos quatro projetos de lei que pretendem transformar os crimes de corrupção em hediondos, com anulação da possibilidade de fiança e da prescrição de prazo para punição. Eles fazem parte de um conjunto de 70 sugestões de mudanças na lei para aprimorar o combate à corrupção que estão engavetados na Câmara dos Deputados, de acordo com levantamento feito pelo site “Contas Abertas”.

Quando era senador, Hélio Costa (PMDB-MG) apresentou em 2005 um projeto de lei e uma proposta de emenda constitucional que determinam que os crimes de corrupção contra a administração pública se tornem inafiançáveis e imprescritíveis. O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou proposta semelhante e argumentou que os corruptos “se escondem por trás de uma legislação benéfica e um Judiciário moroso”. Antes deles, em 2004, o deputado Babá, à época do PT-BA, sugeriu a tipificação de hediondo para esse tipo de crime.

Segundo o “Contas Abertas”, apenas um projeto anticorrupção foi aprovado em 2009 no Congresso: o que obriga os governos federal, estaduais e municipais a divulgar informações detalhadas sobre suas execuções orçamentárias. Outros 13 projetos estão prontos para votação em plenário, mas falta prioridade política.

Entre as propostas emperradas, algumas sugerem medidas como a criação de um “Tribunal Superior da Probidade Administrativa”, uma PEC sugerida pelo exdeputado Paulo Renato (PSDB-SP), criando uma corte para julgar autoridades com direito a foro especial. Outra ideia, da deputada Maria Lúcia Cardoso (PMDB-MG), obrigaria os candidatos a abrir mão do sigilo bancário ao registrar a candidatura. Em 2007, o deputado Luiz Couto (PT-PB) sugeriu a proibição do sigilo processual nos casos de crime contra a administração pública.

Outro, de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), pretende transformar em crime o uso de liberação de emendas do orçamento pelo Executivo para “influenciar” nas votações no Congresso.

O Relatório Global de Corrupção 2009, elaborado pela organização “Transparência Internacional” traz citações aos entraves enfrentados pelo Brasil no setor.

“Empresas na Índia, China e Brasil são avaliadas pelos seus pares como as mais corruptas na realização de negócios no exterior”, diz o texto

Jarbas de Holanda::A duvidosa transferência da popularidade de Lula e os tempos, bem distintos, de Serra e Aécio

As pesquisas recém-divulgadas do Ibope (para a CNI) sobre a avaliação do presidente e do governo e a corrida para o comando do Palácio do Planalto de um lado mostram que Lula, com 83% de aprovação, praticamente recuperou o máximo de popularidade obtido antes da crise econômica internacional, 84%, de par com aumento de 3%, para 72%, dos índices de ótimo e bom atribuídos ao Executivo; e, de outro lado, mantêm a incerteza a respeito de uma variável relevante da disputa eleitoral maior de 2010: em que grau ele conseguirá transferir a popularidade para Dilma Rousseff. A qual, no levantamento específico, embora tenha crescido de 15% para 17%, viu crescer também, de 20% para 21%, a vantagem sobre ela do oposicionista José Serra, que aparece com 38% de intenções de voto.

As apostas de Serra em que esse grau poderá ser bem reduzido – numa campanha em que se empenhará em contrapor seu perfil ao da candidata governista e não à sedutora imagem do presidente – e em que preservará nos próximos meses a liderança até aqui mantida em todas as pesquisas constituem os argumentos básicos da sua persistente postura em defesa do retardamento para março da escolha do candidato do PSDB. Retardamento que lhe daria tempo para convencer o mineiro Aécio Neves a acertar a vice em sua chapa, ou para o plano B de uma reeleição considerada tranqüila para o governo de São Paulo.

Já o tempo político de Aécio, para tal escolha, apóiase em cálculos e objetivos bem diferentes. Seu argumento mais forte é que empurrar a definição para março favorece a montagem da ampla composição partidária pró-Dilma trabalhada pelo estado-maior do Planalto. Montagem que, avalia o governador de Minas, combinada com a alta popularidade de Lula e o bom horizonte da economia, encaminhará a disputa para um cenário muito desfavorável à oposição, mas que ele como candidato, com a reconhecida capacidade de agregação que tem, conseguiria frustrar, atraindo parte das legendas da base governista e criando grande dificuldade à formalização da aliança PT-PMDB. É na perspectiva de que poderá cumprir com sucesso um papel desse tipo, que o tornaria um concorrente bem competitivo ou o projetaria depois, no caso de derrota, como principal líder oposicionista, com largo futuro à vista por ser ainda bastante jovem, que Aécio afirmou enfaticamente esta semana em Belo Horizonte que no início de janeiro trocará o projeto presidencial pelo de senador por seu estado. Assim, e reiterando a exclusão da hipótese de candidatura a vice, ele busca forçar Serra a assumir logo a pró-prio candidatura (sacrificando o plano B de reeleição) ou a admitir o apoio a seu nome.

No encontro que ambos terão sexta-feira em Teresina, José Serra certamente rejeitará tais alternativas e tentará um entendimento que estenda pelo menos até fevereiro a definição da candidatura. Seu nome segue sendo o preferido da direção dos tucanos e também das dos partidos aliados – DEM e PPS -, o que é reforçado pelo novo levantamento do Ibope. Mas Aécio parece determinado a não acertar esse entendimento. Num contexto em que uma
evidência clara de caminhos divergentes dos dois terá inevitáveis desdobramentos negativos para o PSDB e o conjunto da oposição, já afetado neste final de ano pelo megaescândalo do governo do DEM no Distrito Federal (cujos efeitos iniciais não foram mensurados nas pesquisas do ibope, realizadas entre 26 e 30 de novembro).

Jarbas de Holanda é jornailista

CHARGE - Copenhague

Jornal do Commercio (PE)

Míriam Leitão:: Conflitos da COP

DEU EM O GLOBO

Hoje os negociadores vão escrever o documento oficial. O Brasil participa diretamente. Ontem foi mais um dia de briga: emergentes e pobres se desentenderam; países ricos recuaram de promessas feitas, uma pequena ilha virou o centro do mundo. De Brasília, a ministra Dilma Rousseff tenta entender a confusão trocando e-mails com a mulher mais poderosa da conferência, Connie Hedegaard.

O Brasil é o vice-presidente do grupo que vai redigir o documento que será o oficial da reunião. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado estará diretamente envolvido, junto com o presidente, representante de Malta, na preparação desse texto.

O documento é a chance de enterrar a guerra de papéis que dominou esse começo da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP15), aqui em Copenhague.

A ministra Dilma chega no domingo mas do Brasil tem trocado figurinhas com a presidente da conferência.

Para Dilma, Copenhague é um teste e um palanque. Para Connie, também. Ambas têm ambições.

Ontem foi mais um dia de conflito em Copenhague. Tuvalu, o quarto menor país do mundo, ilha da Polinésia, fez cair as máscaras na reunião plenária. Sugeriu que se criasse um grupo para examinar sua proposta de um acordo com força legal, que o país apresentou seis meses atrás. Produziu a maior confusão. As ilhas náufragas, os países mais pobres da África, como Serra Leoa e Senegal, e os países do Caribe apoiaram. China, Índia, Arábia Saudita, Venezuela e todos os outros petrolíferos ficaram contra. O Brasil não abriu a boca. Os Estados Unidos, também. E a reunião da manhã foi suspensa por causa do impasse. O temor dos países que ficaram contra é que, se fosse aceita a proposta de Tuvalu, poderiam ser reabilitados, automaticamente, textos dos Estados Unidos e Austrália, ruins e superados.
Um pouco antes de os diplomatas se dividirem nessa briga, houve um momento emocionante na reunião plenária.

Uma menina falou em nome da juventude para todos os países: “Não é mais hora de dizer: sim nós podemos.

Temos de dizer, sim, nós devemos e nós vamos fazer um acordo.” Parece que o mundo nem pode nem quer superar divisões. Nesse momento da conferência, prefere aprofundá-las para depois negociar. Enquanto isso, em outra reunião, a do Protocolo de Kioto (MOP5), que corre em paralelo, Japão e Rússia disseram que as propostas que haviam feito de aumento de metas não valem mais no atual protocolo, apenas num próximo acordo.

Aqui se discute o futuro, mas a ideia de fazer um novo acordo produz calafrios no trio ChinaIacute;ndia-Brasil. Eles terão mais a perder se a arquitetura de Kioto cair, porque pelo protocolo eles não têm que cumprir metas.

Podem se dar ao luxo de oferecer apenas o que querem, apesar de serem grandes poluidores. São emergentes, mas gostam de passar a impressão de que são parte dos pobres e seus portavozes. Só que os mais pobres começam a falar, cada vez mais, com suas próprias vozes e às vezes entram em conflito com o trio emergente.

Aliás, ontem, China e Índia ficaram com os petrolíferos, os mais pobres ficaram sozinhos, enquanto o Brasil ficava mudo.

Tanta tensão logo no começo da reunião faz parte do jogo diplomático. Todos radicalizaram suas posições para ficar em melhor situação de negociação.

A Europa se reúne hoje e amanhã em Bruxelas e essa reunião é decisiva. Há duas expectativas em relação a ela. Uma boa e uma péssima.

A boa, que circula entre as grandes ONGs presentes aqui, é que a Europa pode elevar o sarrafo. Em vez de 20% a 30% de corte na emissão, ela estaria disposta a oferecer 30% a 40%.

Como região que tem liderado a redução das emissões, os europeus avançariam mais um pouco, desde que resolvido o problema da Polônia, que quer ser financiada para isso. A expectativa pessimista de Brasília é que a Europa esteja à beira de recuar, na verdade, e ficar nos 20%.

Recuaria para permitir a inclusão dos Estados Unidos num novo acordo.

Aqui, cada um tem sua verdade. Os europeus, o Japão e a Rússia querem os Estados Unidos dentro de um compromisso obrigatório.

Os EUA não ratificaram Kioto. Europeus e americanos querem que os grandes emergentes também tenham metas obrigatórias e por isso defendem um novo acordo.

Os emergentes, os petrolíferos, os países médios não querem mexer em Kioto, querem negociar compromissos para além de 2012 dentro daquele marco legal.

As pequenas ilhas náufragas querem que o mundo tenha noção da urgência e, portanto, defendem um novo acordo que tenha efeito imediato e força de lei. Os países mais pobres querem mais dinheiro porque eles serão os primeiros afetados. E tudo terá que ser registrado em um só documento.

Ontem, o presidente do G-77, Lumumba Stanislas Dia Ping, em nome dos africanos, disse que dois graus de aumento de temperatura no mundo viram quatro graus na África e que os países ricos estavam condenando o continente ao não fazerem o acordo. O represente europeu respondeu que há muitos acordos entre Europa e África e que Dia Ping não sabe disso porque vive em Nova York.

Conflitos, alfinetadas, bodes na sala consumiram o terceiro dia de negociação.

Hoje, começa o trabalho no texto comum

Mujica aproxima-se de Chávez

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente eleito do Uruguai diz que pretende "relançar" relações entre os dois governos

Efe, AFP e Reuters, MONTEVIDÉU

O presidente eleito do Uruguai, José "Pepe" Mujica, disse ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que pretende "relançar" as relações entre os dois países. Durante a disputa eleitoral, a direita uruguaia acusou o ex-guerrilheiro de ser "chavista", embora durante sua campanha Mujica tenha preferido se distanciar de Chávez e enfatizar suas afinidades com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre segunda e terça-feira, Mujica reuniu-se privadamente com todos os presidentes que participaram da cúpula do Mercosul, incluindo Lula, a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o líder paraguaio, Fernando Lugo. Mas Chávez acompanhou Mujica em ato público em uma fábrica de vidros que teve o financiamento de Caracas.

Mujica, que toma posse em março, agradeceu o apoio de Chávez e do povo venezuelano. "Sempre reconheceremos aqueles que nos estendem a mão", afirmou. Chávez prometeu ampliar os vínculos com o novo governo uruguaio e aumentar a cooperação com os setores produtivos.

Chávez disse ainda que gostaria de ter combatido sob as ordens do ex-guerrilheiro uruguaio. "Teria ficado honrado de ser soldado nos batalhões que "Pepe" comandou naquela época, nas lutas no Uruguai e na nossa América", afirmou o venezuelano em referência ao período em que Mujica militou no grupo guerrilheiro Tupamaro.

A vitória de Mujica representou a continuidade de um governo de esquerda que já havia estreitado os laços de Montevidéu com Caracas. Durante o encontro, Chávez ressaltou o acordo fechado com o atual presidente uruguaio, Tabaré Vásquez, de garantir "todo o fornecimento de petróleo e gás que o país precisar nos próximos cinco anos".

MOVIMENTO BOLIVARIANO

A Colômbia exigiu ontem à Venezuela que esclareça sua posição sobre um recém criado movimento político que manifestou seu apoio à guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que Bogotá considera terrorista. O Movimento Continental Bolivariano, criado na terça-feira em Caracas durante um congresso de partidos e organizações de esquerda de 26 países, expressou seu apoio a grupos insurgentes como as Farc e prometeu defender causas como "a luta contra o imperialismo.

Raul Jungmann:: Dez erros sobre a crise de Honduras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Estive em Honduras no final de setembro, chefiando uma missão parlamentar da Câmara dos Deputados, e estive com toda a cúpula política do país. Em novembro voltei à capital hondurenha como observador internacional das eleições. Acho que aprendi algo sobre o que se passa lá e me chama a atenção a repetição, como um mantra, de erros grosseiros, factuais ou de interpretação sobre a crise em que foi mergulhado o país. Resolvi, então, selecionar os dez mais comuns e dar-lhes a minha visão, no propósito de desfazer equívocos e informar corretamente.

1) Em Honduras ocorreu um golpe - Se por um golpe tomamos algo que se dá contra a Constituição de um país, certamente não. A deposição do presidente Zelaya se deu de acordo com a Carta hondurenha. Todas as instâncias legais foram observadas e todas as instituições se manifestaram como manda a Constituição e em todas elas o sr. Zelaya foi condenado jurídica e politicamente.

2) Micheletti é um presidente de facto e golpista - O sr. Micheletti é o presidente constitucional de Honduras, e não de facto ou interino. Ele chegou à presidência por comando claro da Constituição, dado que era o sucessor legal, pois o vice se afastara para concorrer às eleições. Ele deverá passar o cargo ao seu sucessor no prazo previsto. Golpista algum se torna presidente e deixa de sê-lo de acordo com o que manda a Constituição.

3) O presidente Zelaya não teve direito a defesa - Sigamos a cronologia dos fatos. Em fevereiro o sr. Zelaya torna pública a sua intenção de realizar um plebiscito. Em abril, a Procuradoria da República manda-lhe uma primeira carta alertando-o sobre a flagrante inconstitucionalidade de tal ato. Ainda em abril, uma segunda carta pública lhe é enviada pela Procuradoria com o mesmo resultado. Então, a Procuradoria oficia, em maio, para que se pronuncie o advogado-geral do Estado e este o faz reforçando a tese da inconstitucionalidade. Nesse momento, a Procuradoria requer à Justiça que instaure processo, do qual resulta a condenação final do presidente, percorridas todas as instâncias. Entra em cena o Congresso Nacional, que julga a conduta do presidente e, por 123 votos a 5, incluso a maioria do seu partido, decide afastá-lo. Onde, portanto, a ausência ou restrição ao amplo direito de defesa?

4) Zelaya é um homem de esquerda e popular - Nada na biografia e na trajetória do presidente deposto autoriza essa constatação. Eleito pelo Partido Liberal, de direita, privatista e antiestatista, o sr. Zelaya se elegeu com um programa pró-mercado e de reformas. No poder, cai nas graças de Hugo Chávez, ingressa na Alba e, por essa "conversão", torna-se um ídolo para uma certa esquerda.

5) Zelaya não voltou ao poder por conta da ditadura golpista - Nada mais falso. Em primeiro lugar, todas as instituições hondurenhas estão abertas e funcionando normalmente. Em segundo, contando com o esmagador apoio de toda a comunidade internacional, da OEA e da ONU, e dizendo-se popular e com o apoio dos hondurenhos, por que "Mel" não retorna ao poder? Por dois motivos: a totalidade das instituições de Honduras está definitivamente contra ele e a maioria do seu povo também.

6) As eleições não são válidas - As atuais eleições foram convocadas e datadas antes da atual crise. Todos os partidos puderam apresentar candidatos e debater seus programas nas praças, nas rádios e nas TVs; 4,5 milhões de hondurenhos estão aptos e puderam votar livremente; o Tribunal Superior Eleitoral, órgão independente, supervisionou e fiscalizou o pleito.

Apenas 0,5% dos mais de 15 mil candidatos inscritos atenderam ao apelo do sr. Zelaya para boicotar as eleições e o principal partido de esquerda e da "resistência", a UD, disputou o pleito.

7) O resultado das eleições não será reconhecido no exterior - A princípio será por uns e por outros, a maioria, não. Porém, com o passar do tempo, tendo sido as eleições limpas, o primeiro grupo irá paulatinamente crescer e o segundo, minguar.

8) O golpe em Honduras ameaça a democracia na América do Sul - O que ameaça a cláusula democrática no subcontinente é o meio compromisso com a democracia. Se o sr. Zelaya foi apeado do poder segundo as regras constitucionais do seu país, chamar isso de golpe de Estado é ir contra os fatos. E isso vale, em especial, para o governo Lula.

Foi a Constituição que colocou a o sr. Roberto Micheletti na presidência, e não um golpe. E é o sr. Manoel Zelaya o golpista de fato, ao atentar contra a Carta Constitucional e as instituições hondurenhas. Portanto, é ele que ameaça a democracia na América do Sul, e não o contrário.

9) Lula errou ao receber Zelaya na embaixada brasileira - Não, ele agiu certo. É tradição humanitária do Brasil receber em nossas embaixadas quem nos procura em situação de risco. O erro foi dar status de "abrigado" ao sr. Zelaya, quando o correto, jurídica e diplomaticamente, seria conceder-lhe asilo. Ao lhe dar abrigo, e não asilo, o ex-presidente pode legalmente usar a embaixada brasileira como palanque político, interferindo na política hondurenha.

Imaginem Collor deposto e convocando uma insurreição de uma embaixada em Brasília...

10) A posição do Brasil foi correta diante da crise - Antes de mais nada, a América Central e Honduras, em particular, jamais foram importantes ou área de influência do Brasil, donde resulta em erro o calibre e o engajamento da resposta.

Ao ver golpe onde havia um grave desrespeito aos direitos humanos e, em seguida, ao defender o retorno do sr. Zelaya ao poder, erramos feio.

As eleições em Honduras foram limpas e o comparecimento às urnas foi razoável. Caso o Brasil teime em não reconhecê-las, erraremos de novo, e em definitivo.

Raul Jungmann é deputado federal (PPS-PE)

Zelaya negocia deixar embaixada do Brasil

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Na noite de ontem, governo interino hondurenho autorizou saída de presidente deposto, que poderia partir rumo ao México

Teor jurídico de autorização era desconhecido, e deposto não confirmou sua viagem; já eleito defendeu anistia aos envolvidos na crise

DA REDAÇÃO


Após mais de dois meses abrigado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, negociava sua saída do local na noite de ontem, provavelmente rumo ao México, segundo fontes ligadas ao político e declarações do encarregado de negócios da embaixada, Francisco Catunda, à GloboNews.

Segundo as agências de notícias, a saída de Zelaya foi autorizada pelo governo interino, mas o deposto, por sua vez, se negava a confirmar sua viagem e disse que "não pedira asilo político a nenhum país" -ao contrário do que fora informado extraoficialmente e sob anonimato por fontes mexicanas. O teor jurídico da autorização dos golpistas era desconhecido até o fechamento desta edição.

O Itamaraty disse ontem à Folha Online que foi informado por Zelaya de suas negociações para obter um salvo-conduto e deixar Honduras, mas reiterou que essas negociações envolvem o México, Honduras e "eventuais terceiros países", mas não o Brasil.Segundo fontes do governo mexicano que não quiseram se identificar, um avião enviado pela Cidade do México partira rumo a Tegucigalpa (que está quatro horas atrás do horário de Brasília) para buscar o deposto e sua família, e as forças de segurança de Honduras aumentaram a segurança em frente à embaixada do Brasil.

Anistia

Zelaya teria passado o dia conversando com líderes latino-americanos e caribenhos para tentar uma saída para a crise hondurenha, enquanto o presidente eleito de Honduras, Porfirio Lobo, defendeu em visita à Costa Rica anistiar todos os envolvidos na crise política desatada pelo golpe de 28 de junho, a fim de obter apoio ao seu governo e reverter o isolamento internacional do país.

A eventual anistia teria como principal beneficiário o próprio Zelaya, acusado na Justiça por 18 crimes políticos envolvendo sua tentativa de promover uma Assembleia Constituinte considerada ilegal pelo Congresso e a Suprema Corte -e estopim do golpe em que foi deposto.

A medida, no entanto, poderia absolver preventivamente de eventuais acusações ligadas ao golpe o presidente interino, Roberto Micheletti, e os outros atores que estiveram na linha de frente da deposição de Zelaya, sobretudo juízes da Suprema Corte e o chefe das Forças Armadas, Romeo Vásquez.

Zelaya foi deposto sob ordem da Suprema Corte, por militares liderados por Vásquez e enviado para a Costa Rica de pijamas. Ele voltaria a Honduras clandestinamente só no dia 21 de setembro, tendo se abrigado na embaixada do Brasil.

Para vingar, porém, a anistia defendida pelo presidente eleito precisaria ainda do aval do Congresso. Na próxima legislatura, o PN (Partido Nacional), de Lobo, terá maioria na Casa.

Com agências internacionais

Fantasmas da Era Pinochet mobilizam eleição no Chile

DEU EM O GLOBO

Confirmação de que pai de candidato foi envenenado durante a ditadura militar pode afetar favoritismo de concorrente direitista

Cristina Azevedo Enviada especial • SANTIAGO

Numa capela privada no bairro de Santo Domingo, em Santiago, a família do general Augusto Pinochet se reúne hoje de manhã numa missa pelos três anos da morte do ex-ditador. Os fatos ocorridos durante sua ditadura, no entanto, continuam vivos e afetam a primeira campanha presidencial realizada desde seu sepultamento. Até então morna, a campanha esquentou com a reabertura do processo sobre a morte, em 1982, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, pai do atual candidato da coalizão de governo à Presidência. O fato se tornou combustível da campanha na qual a Concertação tenta assegurar um bom resultado no próximo domingo e melhorar suas chances no segundo turno.

Desgastada por 20 anos no poder e por uma escolha de candidato que desagradou aos integrantes mais à esquerda da coalizão, a Concertação utilizou a homenagem a Frei Montalva para dar uma demonstração de unidade.

Entre as centenas de pessoas presentes, estavam ministros de governo e os líderes dos quatro partidos da coalizão — o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido pela Democracia (PPD), o Partido Radical Social-Democrata (PRSD) e o Partido Socialista — reunidos em torno do senador e candidato Eduardo Frei, também ele um ex-presidente. Carmen Frei disse que as pessoas que assassinaram seu pai “estão andando pelas ruas”.

— Os fatos trouxeram à memória o assassinato de Frei Montalva. Seus efeitos não serão imediatos, mas se farão sentir no segundo turno quando (o direitista Sebastián) Piñera irá buscar apoio para alcançar mais da metade dos votos e vencer. Onde vai buscar esse apoio? Nos eleitores mais à direita do PDC, mas estes são freístas e não vão querer votar agora numa pessoa que trabalhou com o regime militar — observou Leonardo Aradena, advogado de direitos humanos que trabalha com a Anistia Internacional.

Segundo a pesquisa divulgada ontem pelo Centro de Estudos da Realidade Contemporânea (Cerc), Piñera abriu vantagem em relação a Frei, e este em relação ao terceiro colocado, o independente Marco Enríquez-Ominani. Piñerateria 44,1%; Frei, 31%; e Ominami, 17,7%. No segundo turno, a diferença seria maior: Piñera com 49%, Frei com 32%.

Mas as pesquisas são anteriores à revelação de que o pai do senador do PDC foi envenenado, o que pode mudar o cenário. Frei deixou clara sua posição: — Represento as forças políticas que lutaram para que a democracia voltasse, pelos direitos humanos.

A presidente Michelle Bachelet elogiou ontem a investigação do juiz, dizendo que a “justiça tarda mas não falha”. Já Ominami, filho de um guerrilheiro também assassinado pela ditadura Pinochet, lembrou que viveu drama semelhante.

— Sei o que é perder um pai. Conheço essa dor e o que vivi por 35 anos — declarou ele.

Piñera promete investigar caso

Piñera primeiro acusou o governo de usar os direitos humanos com propósitos eleitorais, mas ontem mudou o discurso. O candidato — um bilionário que foi derrotado por Bachelet nas urnas — afirmou que, se for eleito, fará com que o caso seja investigado “até as últimas consequências”: Para Carlos Huneus, diretor do Cerc, o tema direitos humanos entrou definitivamente na campanha. Frei já vinha abordando o tema, prometendo lutar contra a Lei de Anistia, que abrange crimes cometidos entre 1973 e 1978. A Corte Suprema tem levado os processos adiante, dizendo que o direito internacional tem prevalência.

No entanto, os processos são lentos.

— Embora Bachelet também tenha perdido o pai, esse não foi um tema forte na eleição passada. O tema dos direitos humanos entrou agora na campanha, pois o caso Frei Montalva foi muito dramático — disse Huneus.

Bom dia! - Turuna (Ernesto Nazareth)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Reflexão do dia – Rosângela Bittar

“Defender uma reforma política para instituir o financiamento público de campanha como forma de combater a falta de caráter do político brasileiro já não é um argumento que comova o eleitorado. Ao contrário, causa mais irritação pois sabe-se que, uma vez instituído o financiamento público, o candidato vai continuar tomando dinheiro de financiadores privados, em grande quantidade sem registrá-lo. Quem oferece mais leis eleitorais para acabar com a corrupção política e administrativa sabe que a lorota não vai pegar. É um antídoto apenas verbal a que se recorre cada eclosão de escândalo. Como o Brasil sai deste círculo, mais do que vicioso?”


(Rosângela Bittar, em “Uma nova cultura, uma nova atitude”, artigo de hoje no Valor Econômico)

Merval Pereira:: Reforçando o mito

DEU EM O GLOBO

“Lula, o filho do Brasil” seria apenas um bom filme de entretenimento, na linha de “Dois filhos de Francisco”, se não tivesse um claro viés propagandístico.

Nesse aspecto, parece-se muito com o filme “Che”, de Steven Soderbergh, que, como já escrevi aqui, assemelhase a uma t-shirt com a famosa foto de Korda estampada, não passa de propaganda do mito. Da mesma forma, o filme de Fábio Barreto poderia ser definido, não como uma camiseta com a estrela vermelha do PT, mas uma explicação da gênese do “lulismo”, com o líder acima dos partidos e dos políticos

O filme tem uma preocupação de evitar temas polêmicos da vida de Lula, e até mesmo deturpa alguns fatos na procura da melhor imagem para seu personagem central.

Não é um filme politizado como o de Soderbergh, e até mesmo na busca desse enfoque mais popular se caracteriza como uma peça de propaganda.

Algumas passagens do filme contradizem a própria narrativa de Lula, como, por exemplo, quando mostra o Luiz Inácio adolescente todo orgulhoso, manchando seu primeiro macacão com óleo da fábrica onde conseguiu se empregar como estagiário de torneiro mecânico.

No documentário “Entreatos”, de João Moreira Salles, porém, o próprio Lula se define: há um depoimento de viva voz em que ele diz que sempre usou macacão e nunca se acostumou.

Mas bastaram três dias de terno e gravata para uma perfeita adaptação.

O Che Guevara de Soderbergh tem apenas a asma como sinal de um ser humano comum e mesmo assim para engrandecer sua capacidade de superação dos obstáculos que enfrenta na selva boliviana.

O Lula de Barreto está sempre do lado certo, até mesmo quando na vida real esteve do outro lado. O roteiro do filme foi escrito por Denise Paraná, autora do livro do mesmo nome. Mesmo que se saiba que os filmes não podem seguir literalmente os livros em que se baseiam, contar uma história completamente diferente do que aconteceu não tem explicação.

É o que se passa no relato de uma greve numa pequena tecelagem em 1962. O filme mostra os operários invadindo a fábrica, depredando tudo, e subindo as escadarias para o sobrado, onde trabalhavam, segundo relato de Lula no livro, “umas oito ou nove pessoas no máximo”.

Diante da invasão, o dono da tecelagem atirou e feriu um dos operários. Segundo Lula, “o pessoal ficou invocado e jogou pela janela o dono da fábrica; ele caiu do segundo andar. O cidadão caiu no chão e lá embaixo o pessoal chutou, agrediu. Foi a cena mais violenta que eu já vi”.

O relato de Lula continua: “Outros grevistas apartaram.

Ele foi para o hospital, mas acho que ele morreu, a impressão que eu tenho é que ele não sobreviveu”.

A lição tirada por Lula foi de que “o estrago tinha sido feito, tanto para o nosso lado quanto para o lado do empresário.

Eu fiquei assustado, achava que era muita violência por causa de uma greve, mas ao mesmo tempo a gente tinha sido vítima de um tiro.

Então, eu achava que o pessoal estava fazendo justiça”.

No filme, somente a crítica de Lula à violência aparece, nenhum sinal desses sentimentos mistos, dessa incerteza, desse senso primário de justiça que aparece no relato do livro.

É mais grave a deturpação dos fatos do que a sua omissão, como no caso tristemente famoso do relacionamento de Lula com a enfermeira Miriam Cordeiro, com quem teve a filha Lurian.

O filme não aborda o tema, que entrou na história política brasileira devido à campanha de 1989, em que o então adversário Fernando Collor colocou no programa de propaganda eleitoral um depoimento dela acusando Lula de ter querido que ela abortasse.

As explicações para a omissão são várias e desencontradas, uns dizendo que a passagem chegou a ser filmada mas retirada da versão final com receio de que Miriam Cordeiro vetasse o filme, outros dizendo que a história estava no roteiro mas não chegou a ser filmada pelos mesmos motivos.

O fato é que, no livro de Denise Paraná, há até mesmo um depoimento de Maria Ferreira Moreno, um das irmãs de Lula, que desmente a versão de Miriam Cordeiro, afirmando que Lula ficou muito contente quando soube que ela estava grávida e que, embora tenha brigado com a namorada, visitava sempre a filha.

Ao que tudo indica, a relação de Lula com a filha Lurian é muito boa. Ela hoje é secretária de um município dirigido pelo PT de Santa Catarina, e seu marido, Marcelo Sato, está até mesmo sendo acusado pela Polícia Federal de tráfico de influência.

Esse assunto, aliás, parece ter sido superado pelo próprio Lula, que tem o hoje senador Fernando Collor como um de seus principais aliados políticos no Senado. Não havia razão, portanto, para que o filme não abordasse o tema, o que daria oportunidade para se traçar um perfil mais cheio de nuances de um dos principais líderes políticos do mundo, sem exageros.

A decisão de fazer um filme anódino, onde só se realçam as virtudes de Lula desde criança, acabou prejudicando o filme como concepção artística, embora seja um competente produto do ramo do entretenimento e, sobretudo, do marketing político.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, já chamou um dia Lula de “Nosso Guia”.

A ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata oficial à sucessão de Lula pelo PT, aparece na propaganda política da televisão dizendo que “Lula já nos indicou o caminho”.

O sentido é o mesmo, o do homem providencial que mostra o caminho a seus seguidores, primeiro no sindicato e depois à frente do país.

Com a popularidade nas alturas, é provável que a exibição de “Lula, o filho do Brasil” bata recordes de bilheteria, e sirva para consolidar ainda mais o mito do líder popular, do salvador da pátria.

Mas somente dessa maneira indireta terá influência na sucessão presidencial.

Dora Kramer:: Manual do sobrevivente

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador José Roberto Arruda parece que ainda não se deu conta da realidade. Pela maneira como age, acredita que esteja em situação semelhante à de outros companheiros de escândalos que conseguiram vencer a fase da adversidade aparentemente intransponível quando seus casos estavam no auge.

Arruda dá sinais de se espelhar no governo Luiz Inácio da Silva, no PT, no senador Renan Calheiros e no presidente do Senado, José Sarney.

Todos se envolveram em episódios vergonhosos e, à primeira vista, sem saída. Bem ou mal - mais mal do que bem - todos se safaram lançando mão do mesmo tipo de munição: paciência, persistência, insistência, cinismo, impertinência, manobras de maioria parlamentar, remanejamento de tropas, pressão sobre aliados e principalmente disposição para ignorar a opinião do público.

Seguir em frente foi o lema de todos os salvados dos incêndios, a despeito da gravidade das denúncias e - à exceção de Lula - da perda de prestígio e força política.

O governador segue à risca o manual do sobrevivente: ameaça correligionários de espalhar lama sobre eles, insinua que, se cair, leva muita gente junto, tenta controlar uma possível CPI na Câmara Distrital, manda secretários de volta ao Legislativo para engrossar sua tropa da defesa contra pedidos de impeachment, recorre a chicanas jurídicas e se diz vítima de uma armadilha.

Só deixa de fora o fato de que caiu na própria arapuca ao aderir a uma quadrilha para se eleger governador de Brasília "por dentro", como gostava de dizer. "Por dentro", entenda-se, do esquema montado pelo antecessor Joaquim Roriz.

Ocorre que nos outros casos, por mais escabrosos que fossem, com indícios claríssimos, não houve ao mesmo tempo a debandada de aliados, ocupação das dependências do Congresso, proximidade de eleições nem a quantidade de provas que se vê agora.

Como "controlar" CPI, "retomar" o comando do Legislativo ou "reorganizar" a base aliada se até o PMDB já pulou fora do barco, a sede da Câmara passou dias ocupada por estudantes e as imagens exibidas não deixam dúvidas a respeito do que falam?

Objetivamente não haveria hipótese de os métodos tradicionais alcançarem o sucesso de sempre.

Mas, apesar de tudo isso, o governador e o vice Paulo Octávio, que a despeito das versões em contrário continuam mantendo ótimas relações, por ora estão convictos de que conseguem sair dessa com a ajuda do tempo, a benevolência dos companheiros e a invocação dos outros exemplos.

Missão impossível? O mais espantoso é que não.

Notícias da pesquisa

Pesquisa do Ibope traz boas, razoáveis e más notícias para todos os personagens citados.

Lula pode comemorar a popularidade em alta, mas já deve se preocupar com sua capacidade de transferir votos.

A ministra Dilma Rousseff conquistou o segundo lugar, cujo porcentual de 17% ainda se mostra insignificante em face do índice de 83% de aprovação ao governo que representa.

Significativo é o grau de rejeição à candidatura da ministra, que alcança 41% e fica em primeiro lugar no quesito.

O governador José Serra pode celebrar a rejeição mais baixa (28%) e a dianteira confortável de 38%, mas não pode esquecer que o jogo não começou e o adversário ainda não o atacou.

O deputado Ciro Gomes fica em terceiro lugar (13%) no cenário da disputa com José Serra, assume o primeiro quando o candidato do PSDB é o governador Aécio Neves - que fica em terceiro, atrás de Dilma - mas, na avaliação do Ibope, Ciro seria herdeiro de uma pequena parcela (5%) dos eleitores de Serra.

Marina Silva, que não cresceu (ficou em 6%) depois do impacto da sua saída do PT, filiação ao PV e anúncio da candidatura presidencial, é vice-campeã em rejeição (40%), mas também não disse ainda ao que veio nem confirmou se entra mesmo na disputa.

Noves fora, só Lula está com a vida ganha. Vai se aproximando no fim do segundo mandato com índices recordes de aprovação e comprovada capacidade de se distanciar de episódios negativos, mesmo quando diretamente ligado a eles.

As notícias mais lembradas do mês de novembro foram o apagão e a visita do presidente do Irã. Ambas desfavoráveis, nenhuma delas resvalou no presidente.

Se perder a eleição, problema do PT e aliados. Lula já ganhou.

Notório saber

Pergunte-se a qualquer político do Democrata - dos mais próximos aos mais distantes de José Roberto Arruda - e todos confirmarão que a direção do partido sabia há muito tempo que Arruda estava sendo alvo de chantagem por parte do secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa.

Pois, então, se os dirigentes sabiam do ato, conheciam também o motivo da chantagem. Ou seja, a corrupção era do conhecimento do partido que, diante disso, calou.

Tornando-se, portanto, conivente.

José Nêumanne :: Do novo panetone à pizza de sempre?

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A citação, en passant, do publicitário mineiro Marcos Valério no escândalo protagonizado pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), revela mais um elo deste caso com dois outros similares, ocorridos no passado: o "mensalão" federal petista e a origem de tudo, em Minas Gerais, sob patrocínio tucano. O elo chama atenção porque o pântano distrital dividiu o destaque no noticiário com a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da abertura de inquérito contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB), acusado de se beneficiar do esquema mineiro. Desde que Roberto Jefferson, então governista e presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), acusou o ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, de comandar a compra de apoio (tudo pela "governabilidade") do Congresso com verbas públicas, empréstimos bancários fajutos e dinheiro de empresas que têm negócios com o governo, esta é a terceira vez que a maracutaia vem a lume.

O esquema está descrito em detalhes e com graça em Nervos de Aço, de autoria do ex-deputado, uma das poucas vítimas da própria delação. Mas o livro sumiu das prateleiras, tendo restado na memória variável do público, informado praticamente a cada mês de um novo escândalo, apenas um engano: sua denominação. Com seu notório e oportunista apreço pelos formalismos inócuos, os beneficiários desses esquemas de corrupção se apegaram ao fato de as retiradas de dinheiro não terem sido sempre mensais para desmoralizar o termo "mensalão". Assim, tentam apagar as próprias digitais na cena do crime. De fato, pouco importa se o pagamento for diário, semanal, mensal, semestral ou anual. Importa é que dinheiro direta ou indiretamente retirado do bolso do contribuinte seja usado para pagar gorjetas milionárias a legisladores para que aprovem projetos de interesse do Executivo. Ou, numa extensão disso, para engordar o patrimônio pessoal de governantes e cupinchas. Foi disso que tratou a denúncia de Roberto Jefferson, que resultou na punição temporária de alguns gatos-pingados com mais culpa no cartório e num processo sem previsão de conclusão com eventuais penas a serem cumpridas por prováveis culpados, em trâmite no STF.

José Dirceu, o principal acusado, e seu acusador, Roberto Jefferson, perderam seus poderosos postos - num caso, a chefia da Casa Civil e no outro, a presidência de um partido do bloco do amém. Mas até hoje não foram chamados a pagar pelos delitos, pois estes ainda não foram devidamente apurados pela Justiça, cuja lerdeza é diretamente proporcional ao poder dos réus. O delator foi isolado no ostracismo e o delatado perdeu a pompa, mas não lhe retiraram as circunstâncias. Credor da carreira de muitos honrados brasileiros na cúpula e na burocracia dos três Poderes da República, este não esconde a força que detém na máquina pública e no partido em que milita o presidente Lula. E continuam a ser-lhe atribuídas missões relevantes, que vão da costura do vestido de posse da candidata oficial à sucessão de Lula, Dilma Rousseff, até as complicadas relações com o encrenqueiro venezuelano Hugo Chávez. Fora da Casa Civil, o cacife de José Dirceu é suficiente para impedir, por exemplo, que a Polícia Federal (PF), tão eficiente para prender banqueiros e devassar empreiteiros, consiga produzir um inquérito que seja capaz de instruir um processo contra seu antigo assessor para relações com o Congresso na época do poder total, Waldomiro Diniz. Réu confesso, filmado e gravado achacando um "bingueiro", o ex-pau-mandado de José Dirceu usufrui ostensiva e ofensiva liberdade.

O previsto como inevitável efeito maligno do noticiário do tal do "mensalão" na reeleição de Lula levou os insignes tucanos Geraldo Alckmin e José Serra a se engalfinharem num duelo fratricida na disputa pela indicação do PSDB no pleito presidencial de 2006. Alckmin venceu a convenção, mas perdeu a eleição. Se já era de duvidar que apenas uma denúncia de corrupção fosse capaz de derrotar um governo liderado por um presidente com popularidade bombando, qualquer possibilidade de que isso ocorresse ruiu com a reação do principal partido de oposição à revelação de que o método da compra de apoio havia sido testado por seu autor em território mineiro sob mando tucano. Ao negar-se a sacrificar seu então presidente nacional para ganhar a autoridade de enfrentar o PT no terreno que lhe parecia, à época, movediço, o PSDB entregou ao adversário a faca e o queijo para que Lula vencesse a disputa. Eleito por se dizer diferente dos adversários, ele se reelegeu porque estes se comportaram exatamente com a leniência (e, portanto, cumplicidade) que o acusavam de ter. Agiram, então, como "farinha do mesmo saco".

José Roberto Arruda é um repetente inveterado. Após haver saído à sorrelfa do Senado para não se tornar inelegível, ganhou o governo do Distrito Federal e protagonizou as cenas de entrega de propina do "mensalão". Marcos Valério é um detalhe insignificante. O que irrita é a repetição sistemática da violação dos cânones da lisura na gestão pública: o achaque, como o de Waldomiro Diniz; as cédulas (de reais, não mais de dólares) na cueca, como no caso do irmão de José Genoino (PT-SP), aliás, com mandato novo; e, sobretudo, a imperturbável certeza da impunidade. Só que do novo panetone à pizza de sempre há, agora, obstáculos. Os "mensaleiros" do PSDB de Minas e do DEM do Distrito Federal não têm os padrinhos fortes que garantem a livre circulação de seus coleguinhas federais do PT e dos "aloprados" do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Basta ver como a PF é eficiente contra Arruda e o STF, exigente com Azeredo.

Mas se a oposição se iguala ao governo petista nos métodos de rapina do erário, como vai querer que o eleitor a escolha para o lugar deste?

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Fernando Rodrigues: Cenários incertos em 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - As pesquisas eleitorais sobre 2010 começam a sair do forno com algumas dicas ainda inconclusivas sobre quem será o sucessor do presidente Lula.

No quadro mais provável, segundo o Ibope, José Serra (PSDB) tem 38%, Dilma Rousseff (PT) fica em segundo lugar com 17%, Ciro Gomes (PSB) pontua 13% e Marina Silva (PV) aparece com 6%.

Até aí, nada de novo. O dado relevante a ser considerado é a taxa de conhecimento dos postulantes ao Planalto. Nesse caso, aumenta a nebulosidade. O nome "José Serra" é bem conhecido ou mais ou menos conhecido por 69% dos eleitores. Já o percentual para "Dilma Rousseff" é de 32%. Essa informação enseja duas perguntas: 1) Dilma Rousseff tem ainda um baixo percentual de intenção de votos por ser pouco conhecida? e 2) por que a ministra é tão pouco conhecida apesar de toda a exposição que teve nos últimos meses ao lado de Lula e em propagandas partidárias regionais do PT?

As respostas só poderão ser dadas ao longo da campanha do ano que vem. O QG dilmista acredita na propaganda estruturada durante o processo eleitoral para viabilizar a candidatura de Dilma Rousseff ao Planalto. Os opositores tucanos apostam na incapacidade de transferência da popularidade de Lula para a sua escolhida.

Há também Ciro Gomes, cujo nome é "bem" ou "mais ou menos" conhecido por 45%. Ou seja, sua popularidade está acima da de Dilma, mas ele tem menos intenção de voto na comparação com a pré-candidata petista. Ciro quer ser candidato a presidente e só ficará em situação confortável se melhorar o seu desempenho nas pesquisas.

Nessa equação toda para 2010, a única peça imutável tem sido a popularidade de Lula. No Ibope, ele chega a 83% de aprovação. O desafio será inocular esse patrimônio na campanha de Dilma. Por enquanto, é apenas um plano.

Rosângela Bittar:: Uma nova cultura, uma nova atitude

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Defender uma reforma política para instituir o financiamento público de campanha como forma de combater a falta de caráter do político brasileiro já não é um argumento que comova o eleitorado. Ao contrário, causa mais irritação pois sabe-se que, uma vez instituído o financiamento público, o candidato vai continuar tomando dinheiro de financiadores privados, em grande quantidade sem registrá-lo. Quem oferece mais leis eleitorais para acabar com a corrupção política e administrativa sabe que a lorota não vai pegar. É um antídoto apenas verbal a que se recorre cada eclosão de escândalo. Como o Brasil sai deste círculo, mais do que vicioso?

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo, Ayres Britto, vem de uma experiência - está concluindo seu mandato de presidente - importante para diagnosticar e combater o mal. Uma função em que viu de perto as mazelas do sistema eleitoral brasileiro, que passam por gerações e gerações sem solução à vista.

O financiamento público de campanhas resolve o problema? Britto acredita que não: "O financiamento já é público e privado. É privado porque as empresas podem doar até 2% do seu faturamento bruto do ano fiscal anterior, e os particulares podem doar até 10% de sua renda bruta do ano fiscal anterior. O componente público existe, e não é pouco. Tem o fundo partidário, que deve estar em R$ 200 milhões de reais por ano. Este é o financiamento direto, mas tem o indireto, que é público também: é o horário gratuito de rádio e televisão que deve dar uns R$ 400 milhões por ano. Já temos um sistema expressivo de irrigação de verbas para os partidos."

Se o problema é de caráter, como superá-lo?

"Com uma nova mentalidade, uma nova cultura. Uma cultura ética, que passa pelo caráter. Uma cultura ética e uma cultura democrática. Isto é o que nos faz falta."

Como desenvolvê-las? "É um processo educacional, escolar e também familiar. Nós temos eleição a cada dois anos e a chance de educar politicamente o povo, em concreto. O momento é esse, de divulgação de programas partidários, de programas governamentais, de debate de ideias, de ideologias partidárias."

"Isto é educação. E permeando tudo temos a democracia. A democracia é um processo de superávits crescentes no plano ético. É de se supor que a vivência democrática melhore os costumes eleitorais. E conscientize o povo dessa desgraça que é o caixa dois que, mais do que um modelo espúrio de financiamento de campanha, é um modelo maldito, porque desgraça a vida partidária do Brasil no plano ético e no plano democrático."

O ministro identifica: "Caixa dois é o início de quase toda corrupção administrativa em nosso país."

E explica: "Caixa dois é dinheiro a rodo, por debaixo dos panos, dinheiro não contabilizado. E quem contribui por debaixo dos panos vai cobrar o retorno do capital por debaixo dos panos."

Sob a forma do quê? "De obras e serviços, de dispensa indevida de licitação, de manipulação de verbas orçamentárias, de nomeação para cargos estratégicos. É a ciranda da corrupção administrativa."

Ayres Britto diz ter percebido o que representa o caixa dois no financiamento de eleições, com mais nitidez, em sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral, onde também se destacaram, para ele, outras distorções da prática eleitoral: "Temos a captação ilícita de sufrágio (compra de voto), o abuso do poder econômico, o abuso do poder político, o manuseio da máquina administrativa para fins eleitorais, o abuso dos meios de comunicação."

Mas o caixa dois é o carro-chefe: "Pude perceber a nocividade do caixa dois para os nossos costumes éticos e democráticos, é uma verdadeira caixa preta de um avião supersônico."

Diante da constatação de que, a esperar solução da educação e da prática democrática, a superação da corrupção política surgirá, se surgir, de um processo lentíssimo, para muitas gerações à frente, o ministro Ayres Britto discorda. "Não digo que é lentíssimo, digo que é um processo múltiplo. Passa pela educação formal, pela família, pela realização de cada eleição em particular a cada dois anos, e passa pelo processo democrático em si, na medida em que o processo democrático é um trazer a lume tudo o que está por debaixo dos tapetes do poder."

Para o ministro, a democracia tem dois pilares que considera mais vistosos. Um, a informação em plenitude, outro, a transparência. "O ponto de arremate seria o próprio poder judiciário, que está convocado para não fazer interpretações lenientes da legislação, para não dizer interpretações cúmplices."

As transgressões, a seu ver, deslegitimam a investidura nos cargos políticos.

Sobre o didatismo, de resultados teoricamente mais rápidos, da prisão para os criminosos, o ministro comenta que, quando há crime, o Ministério Público atua na esfera penal e pode haver reclusão. E também não parece especialmente animado em aumentar a regulação do processo eleitoral, criar novas e mais duras regras. "Não padecemos de maior déficit de legislação.

Padecemos de maior déficit de capacidade de interpretar a legislação numa linha mais rigorosamente constitucional, que é a linha da depuração de nossos de nossos costumes partidários e eleitorais. É um novo olhar jurídico sobre a realidade, uma nova atitude. É preciso vestir a camisa da Constituição, impedir que ela seja um elefante branco.

O desafio do Poder Judiciário é se tornar uma esfera de poder verdadeiramente militante da Constituição."

Quanto à classe política, o ministro realça exceções, os políticos à altura da política que, a seu ver, existem: "A política é a mais bonita das atividades humanas, a mais realizadora e essencial, pela política serve-se à sociedade inteira, o tempo todo. Queremos contribuir para que a classe política seja cada vez mais digna da política."

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras