(Fernando Henrique Cardoso, ex- presidente, no artigo “Sem medo do passado”, domingo, em vários jornais do Brasil)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso
(Fernando Henrique Cardoso, ex- presidente, no artigo “Sem medo do passado”, domingo, em vários jornais do Brasil)
Cartas na mesa::Merval Pereira

O presidente Lula já conseguiu uma primeira vitória na campanha presidencial, estabelecendo o enfrentamento direto entre o seu governo e o do ex-presidente Fernando Henrique. Ficou inescapável o plebiscito, a não ser que a campanha da senadora Marina Silva, ou uma eventual participação de Ciro Gomes, quebrem essa lógica que está colocada nas pesquisas de opinião
Não dá mais para separar os dois principais candidatos dos governos a que pertenceram.
Resta ao PSDB a tarefa de desconstruir certas afirmações de Lula, mostrando que são ou mentirosas ou fantasiosas. Há um vasto campo a explorar contra o autoritarismo do governo Lula, a esquerdização de certos setores do governo, que tende a aumentar num eventual mandato de Dilma Rousseff o aparelhamento do Estado, trazendo-lhe ineficiência.
E também convencer o eleitorado de que o seu candidato é mais bem preparado do que a candidata oficial para levar adiante um projeto de país que vem dando certo até agora.
Nesse ponto, entrará a parte boa da campanha, na opinião dos tucanos, isto é, a comparação não entre Lula e FH, mas entre Serra e Dilma.
O currículo do governador de São Paulo é forte o suficiente para levar vantagem contra o da candidata oficial.
E as comparações entre os dois períodos de governo não são tão favoráveis a Lula que impeçam uma disputa.
Alguns exemplos: no governo Lula, a redução da pobreza foi de 43% de 2003 a 2008, enquanto, no governo Fernando Henrique, ela foi de 18% com o Plano Real. E o aumento real do salário mínimo foi praticamente igual nos dois governos.
A média de crescimento do PIB dos oito anos do governo Fernando Henrique foi de 2,5%, enquanto a do governo Lula, em seu sétimo ano, está em torno de 3,5%, dependendo do número de 2009, que deve ser zero ou negativo.
E deve ficar nesse patamar, sempre abaixo da média do crescimento mundial, com o agravante de que os primeiros anos do governo Lula, antes da crise internacional, foram os mais prósperos do mundo nos últimos tempos.
Não é difícil uma boa campanha de propaganda mostrar a importância dos números na era FH, quando o mundo passou por diversas crises internacionais enquanto o Brasil tentava sair da hiperinflação e organizar sua economia.
O único político da oposição que tem coragem de enfrentar Lula é o ex-presidente Fernando Henrique, talvez porque já derrotou Lula duas vezes no primeiro turno, ou porque não tenha que disputar votos agora.
E certamente porque é o alvo preferencial de Lula nesses seus sete anos e pouco de governo. Toda vez que fala, Fernando Henrique provoca uma reação intensa do governo, e esse debate é bom para a democracia.
O PSDB tem que assumir esse debate sem vergonha de defender um governo que foi um marco importante no desenvolvimento do país.
Se, ao final das contas, o eleitorado achar que a ministra Dilma Rousseff é a melhor candidata para dar continuidade a esse processo de desenvolvimento que o país vem experimentando há 15, 20 anos, então ela será eleita.
O que o PSDB tem que lutar é para convencer o eleitorado de que os avanços de Lula, ao contrário do que ele bravateia, fazem parte de um processo que ele não interrompeu, ao contrário, aprofundou e aperfeiçoou em alguns aspectos.
O que o PSDB não pode é repetir 2002 e 2006, quando os candidatos, tanto Serra quanto Geraldo Alckmin, tentaram se distanciar do governo de Fernando Henrique Cardoso. Desse jeito não há como ganhar a eleição.
De um lado teremos uma candidata que tem orgulho do governo ao qual pertence, e de outro poderemos ter um candidato que tem medo de defender o governo a que pertenceu, e que foi um governo importantíssimo para o país.
Tem razão a ministra Dilma Rousseff quando diz que comparar os dois governos é importante para mostrar qual o caminho que cada candidato pretende seguir no futuro.
Mesmo que não pretendesse, o PSDB vai ter que entrar na campanha disposto a defender o governo Fernando Henrique, mesmo porque o ex-presidente já demonstrou que estará a postos para defender seu legado, mesmo que essa atitude seja considerada desaconselhável como estratégia política.
O ex-presidente Fernando Henrique está disposto a defender sua biografia, mesmo que o partido possa ser prejudicado eleitoralmente.
O que ele pode fazer para não prejudicar ele faz, como, por exemplo, aceitar que o documentário sobre sua cruzada a favor da descriminalização do uso de drogas leves, como a maconha, seja adiado para o próximo ano, para evitar eventuais utilizações eleitorais pelos adversários.
O polêmico assunto, que Fernando Henrique abraçou convencido de que o mundo está no caminho errado ao tentar combater o tráfico de drogas com a repressão policial, como na Lei Seca contra as bebidas alcoólicas nos anos 1930 nos Estados Unidos, já lhe valeu o reconhecimento como um dos cem mais influentes pensadores do mundo atual pela revista Foreign Policy.
Transformar Dilma na marionete de Lula, como fez ontem Fernando Henrique, pode ser um bom começo para mostrar que ela não tem condições de substituir o presidente mais popular do país nos últimos tempos.
Apesar do empenho de Lula, haverá sempre, no decorrer da campanha, espaço para que os candidatos meçam seus conhecimentos e demonstrem sua capacidade de liderança, seja nos debates televisivos, seja em aparecimentos isolados.
A candidata oficial será colocada em exposição pública e ficará claro para o eleitorado se ela é ou não uma simples boneca do ventríloquo Lula.
Se assim for identificada, como parece pretender o PSDB, dificilmente passará a confiança necessária para ser a presidente.
A não ser, é claro, que o que o eleitorado queira seja justamente isso, um terceiro mandato para Lula através de Dilma.
FH volta a comparar: 'Dilma não é líder, é reflexo de um líder'

Ex-presidente insiste na comparação entre seu governo e o de Lula; petistas dizem estar prontos para a briga
Flávio Freire, Luiza Damé e Chico de Gois
SÃO PAULO e BRASÍLIA - O ex-presidente Fernando Henrique voltou ontem a fazer o que querem os estrategistas da campanha da candidata do PT e do presidente Lula, ministra Dilma Rousseff, e subiu o tom ao comparar seu governo e seu candidato com os do PT. Sem meias palavras, disse que Dilma Rousseff ainda não inspira confiança. Enquanto falava sobre o perfil ideal para a disputa presidencial, afirmou que a ministra não passa de “um reflexo de líder” e argumentou, sem citar nomes, que o país precisa de gente “que não roube”.
— O governo atual tem um líder. O meu (governo) teve um líder. O (José) Serra é um líder de São Paulo. Infelizmente, pela história da ministra Dilma, ela não teve essa oportunidade.
Mas não estou aqui condenando. Simplesmente dizendo que, para mim, Serra é competente, é um líder e inspira confiança. A outra (Dilma), para mim, ainda não — disse o ex-presidente, na inauguração de biblioteca pública em São Paulo. Ele chegou antes de Serra, que se atrasou por uma hora, levando Fernando Henrique a ir embora antes de o governador chegar.
Quando indagado se Serra inspiraria mais confiança que Dilma, Fernando Henrique não titubeou: — Para mim, sim. Ele (Serra) já fez, é líder, é primeiro (nas pesquisas). Ela pode vir a ser, mas por enquanto ela não é líder. Ela é reflexo de um líder.
Perguntado sobre uma chapa purosangue do PSDB para disputar a Presidência, respondeu: — Depende das circunstâncias, no caso de ter um bom candidato a vice.
Acho que o Brasil não está preocupado com as siglas. Tem que ver se a pessoa inspira confiança. Precisamos de gente competente e que não roube.
E que inspire confiança.
Em artigo publicado domingo no GLOBO e no “Estado de S.Paulo”, Fernando Henrique disse que o presidente Lula “inventa inimigos” e “enuncia inverdades”. No texto, afirma que as “eleições não se ganham com o retrovisor” e desafia o “lulismo” a fazer comparações “sem mentir”.
Indagado se temia a comparação com seu governo em algum tema específico, respondeu: — A mim não me preocupa nada.
Porque, se não se fez alguma coisa, é porque não se conseguiu eventualmente.
Acho que isso é picuinha, e eu não gosto de picuinha — disse, chamando de “mesquinharia” esse tipo de comparação.
E ainda afirmou que o presidente Lula não fez muitas mudanças em relação à sua gestão: —Se quiserem comparar, a gente compara, desde que seja no contexto.
Não há o que temer. Mas o que temos que ver no Brasil é como é que vamos levar para adiante mais ainda. Quem é mais competente para avançar mais. O Lula disse que ia mudar tudo e não mudou nada, seguiu adiante tudo o que eu tinha lançado.
Achei bom, ele fez bem.
Porém, ao ser perguntado se considera Lula um líder, respondeu: — Sem dúvida, você acha que eu sou um bobo? Em Brasília, coube ao ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, defender o governo Lula e Dilma dos novos ataques do ex-presidente.
Para destacar o papel de líder da ministra no governo, Padilha disse que ela comandou a elaboração do atual modelo energético. E afirmou que não se pode confundir fidelidade com falta de liderança.
— A ministra Dilma demonstrou sua capacidade de liderança ao construir o novo modelo energético, que resolveu o problema do apagão.
Que não se confunda fidelidade com ausência de protagonismo — afirmou Padilha.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse achar positivo para o governo a iniciativa do ex-presidente de comparar as duas gestões: — É bom para nós que ele ( FH) compare as duas administrações. Esse debate nos interessa.
Presidente do PT até o dia 18, o deputado Ricardo Berzoini (SP) disse ter dúvida se o governador José Serra, que tem evitado debate público sobre a campanha, vai na mesma linha: — Se for, teremos um embate de projetos, permitindo ao povo saber o que se propõe para o Brasil — disse Berzoini, no Twitter. — Gostei muito do artigo do Fernando Henrique.
Quando ele assume que não tem medo de comparar, abre o espaço para um debate verdadeiro
'Há um vácuo na campanha tucana'
Wagner Gomes e Carolina Benevides
SÃO PAULO e RIO. Ao criticar a capacidade de liderança da ministra Dilma Rousseff, o expresidente Fernando Henrique assume um vazio na articulação do governador José Serra (PSDB) para a campanha presidencial deste ano, analisaram especialistas ouvidos pelo GLOBO.
Roberto Romano, professor de ética e política da Unicamp, diz que FH parte para o ataque para cobrir uma falha de estratégia do PSDB nesta campanha. Segundo ele, Fernando Henrique tenta proteger o partido e seus dois governos ao perceber a falta de coordenação dos tucanos.
— Há um vácuo na campanha tucana que acaba sendo assumido por Fernando Henrique, até porque ele precisa defender o seu governo, sempre muito criticado por Lula.
FH não é político de fulanizar, ele prefere o discurso teórico e intelectual. O problema é que falta alguém no PSDB pronto a polemizar com o presidente Lula — diz Romano.
O professor da Unicamp diz que é de se esperar “novos ataques de fúria” de Fernando Henrique, até que José Serra se decida oficialmente pela candidatura e passe a fazer críticas duras ao atual governo. Para Romano, caso Serra continue silencioso diante das críticas de Lula, pode parecer que o candidato do PSDB à sucessão não tem tanta força para assumir uma campanha como esta.
— É preocupante o padrinho de Serra ter que vir constantemente a público defender o seu governo. O tempo pode passar, e o PSDB pode não conseguir revidar os ataques do atual governo. O pescador precisa saber o momento exato para lançar a rede e fisgar o peixe mdash; diz Romano.
Para Marco Antonio Vila, historiador da Universidade Federal de São Carlos, desde que deixou o governo, Fernando Henrique não encontrou uma pessoa que pudesse defendêlo dos ataques do PT: — O presidente Lula, desde o início do seu governo, diz que recebeu uma herança maldita de Fernando Henrique. Ele falou o que quis sem nunca ter uma resposta à altura da oposição.
Lula encontrou uma oposição que não sabe se defender e voou em céu de brigadeiro durante todos esses anos.
Para o professor de sociologia da Unicamp Ricardo Antunes, o PSDB se mostrou com pouca capacidade de se defender das críticas do atual governo, o que levou Fernando Henrique a tomar uma postura mais agressiva em relação a Lula.
— Fernando Henrique sabe que a ausência de um candidato oficial do PSDB só fortalece a ministra Dilma. A prova disse é que a candidata de Lula cada vez mais sobe nas pesquisas eleitorais — afirma Antunes.
Outros vêem um fato positivo para a campanha de Serra: — FH ajuda a construir a imagem de Serra e permite que o governador de SP continue esperando o melhor momento para aparecer. Ele vem sendo poupado porque todos sabem que a artilharia vai ser pesada na hora em que assumir que é candidato — diz Ricardo Ismael, professor de Ciência Política da PUC-RJ.
Para Ricardo, Serra corre o risco de já ter perdido o momento certo de assumir que concorrerá à sucessão: — A imagem da Dilma como estadista está sendo construída. A estratégia de poupá-lo é boa, já que Serra lidera as pesquisas, mas o partido não pode esquecer que a campanha começou
Marcos Nobre: Dilma virou candidata

Até a crise hipertensiva de Lula, Dilma articulava, mas era o presidente quem falava como candidato. Isso mudou.
Não apenas pela crise de saúde de Lula e pelas pesquisas favoráveis.Também pela oportunidade de Dilma se expor publicamente sem poder ser confrontada por Serra, atolado nas enchentes de São Paulo.
É uma jogada muito inteligente.
Mas vai ter o efeito de obrigar Serra a assumir a sua candidatura assim que as águas baixarem. E será agora Serra contra Dilma, e não mais contra Lula.
Porque é um movimento sem volta. Não há como Lula retomar o posto de candidato sem grande prejuízo para a candidatura de Dilma. Agora só pode mesmo se colocar na posição de fiador e de avalista.
E já está mesmo na hora. Lula fez o que podia e o que não podia. Não só colocou a candidatura de Dilma de pé. Realizou ainda outros movimentos decisivos para a sucessão, como o de asfixiar a candidatura de Ciro Gomes. Dilma agradece por ver eliminada a possibilidade de não ir ao segundo turno. E Serra agradece tanto pela possibilidade de ganhar em primeiro turno como de não ter de enfrentar a metralhadora verbal de Ciro. O único fracasso sério de Lula até aqui foi o de tentar evitar que Michel Temer fique com o posto de vice.
Só que, apesar de tudo isso, há ainda uma tarefa essencial que não se sabe quem teria condições de realizar: arrumar a casa no PT. Porque o efeito mais imediato do protagonismo próprio de Dilma foi o de dispersar o controle das articulações da sucessão dentro do PT.
O sintoma mais evidente é José Dirceu articulando acordos regionais e alianças nacionais sem aval nem mandato de ninguém. Um caso menor -mas não menos sintomático- é o de Ricardo Berzoini, que, tendo perdido a presidência do partido, resolveu assumir o papel de bate-estaca da candidatura Dilma, atacando os tucanos em toda e qualquer circunstância.Dilma e o comando de sua campanha nada têm que ver com essas movimentações. Aliás, esse é o problema: Dilma e o comando de sua campanha não têm nenhum enraizamento significativo no PT. Como também não o tem o novo presidente eleito do partido, José Eduardo Dutra.
O PT se submeteu a Lula. Mas dá mostras claras de que não vai se submeter a Dilma. Afinal, é convicção generalizada que serão decididos nessa eleição 8, senão 16, anos de governo. A conjunção de Copa do Mundo, Olimpíada, pré-sal e condições excepcionais de crescimento econômico alimenta sonhos de domínio político de médio prazo. É isso o que está em jogo nessa eleição. E na convenção do PT, no próximo dia 18.
Dilma não é líder, ataca FHC

Como contraponto, ex-presidente destaca que Serra tem competência, liderança e 'inspira confiança'
Julia Duailibi
Um dia após a publicação de artigo no Estado, no qual disse que Lula tem "impulsos toscos" e "enuncia inverdades", o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou as rédeas das críticas à candidata governista, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e voltou ao ataque ao dizer que ela ainda "não inspira confiança". Para o tucano, Dilma é o "reflexo de um líder".
"O governo atual tem um líder, o meu governo teve um líder, o governador José Serra é um líder. Infelizmente, pela história da ministra Dilma, ela ainda não teve essa oportunidade. Não estou condenando. Para mim, está provado que Serra tem competência, é um líder e inspira confiança. A outra, para mim, ainda não", disse FHC.
O ex-presidente fez as declarações ontem durante inauguração da Biblioteca de São Paulo, fundada no Parque da Juventude, onde funcionou a Casa de Detenção do Carandiru. A cerimônia foi uma demonstração de união dos tucanos, num momento em que a temperatura do debate eleitoral tem aumentado. Secretários de Serra e ex-ministros de FHC foram ao evento, dando coro à estratégia de usar a gestão paulista como vitrine na eleição deste ano. A biblioteca é considerada uma das principais iniciativas na área cultural do governo Serra.
FHC tem ocupado de forma mais incisiva o papel de porta-voz das críticas a Lula e de defensor de sua gestão. Serra, por sua vez, evita falar publicamente de política e critica o governo só em determinados temas, como política monetária. "Dilma pode ser que venha a ser (líder) mas, por enquanto não é. Por enquanto é reflexo de um líder. Serra, não. Tem liderança. Mostrou que faz", atacou FHC, que foi embora do evento antes do governador, que estava atrasado, chegar. Questionado se Lula era um líder, afirmou: "Sem dúvida, acha que sou bobo?"
O ex-presidente disse que o País precisa de "gente competente, que não roube e que inspire confiança". Defendeu a tese de que eleição deve "discutir o futuro" e, embora tenha dito que não há o que "temer", chamou de "picuinha" comparações entre sua gestão e a de Lula. "Estamos construindo um País. Não tem de estar na coisa mesquinha."
O ex-presidente disse que é "fofoca" a informação de que ele não estaria satisfeito com a apatia dos tucanos em defender seu governo. "Não estou muito preocupado em defender meu governo, para ser sincero. Fiz o que pude. E acho que a história acabará por reconhecer que mudamos o Brasil. Quando digo nós, e não eu, incluo Lula nisso. Não sou mesquinho."
FHC afirmou ainda que há avanços na atual gestão. "Está melhor obviamente. Como estava muito melhor no meu tempo e no do Itamar (Franco) que no passado. Estamos avançando."
Questionado sobre a chapa puro-sangue com Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, FHC, um dos maiores defensores da tese, desconversou. "Acho prematuro, até deselegante, dizer que o Aécio tem de ser isso ou aquilo. Ele vai decidir de acordo com o interesse de Minas, do Brasil e dele." Já sobre o candidato tucano em São Paulo, foi categórico: "Pelo que vejo, se desenha uma candidatura a favor de Alckmin."
José Aníbal (PSDB-SP): Deputado federal: ''Eles vão nos deixar uma herança maldita''
Como o senhor avalia a repercussão obtida por esse artigo?
Causa frisson no PT. Mas, com um novo período de governo encabeçado por eles, o Brasil não vai ter mais o que colher. São incapazes de plantar. Só colheram. Fernando Henrique plantou um rumo para o Brasil. Colheu também, mas principalmente plantou. Teve Lei de Responsabilidade Fiscal, reestruturação do sistema bancário. E a Lei do Petróleo. Fez da Petrobrás a maior empresa não-financeira das Américas.
Eles dizem que FHC derrubou o nível da campanha".
O que derruba o nível são as declarações da candidata deles e de seu patrocinador.
A resposta, então, não deveria vir do candidato de vocês?
Do debate entre os candidatos ninguém poderá fugir. O PT quer fugir do debate. Agora, há uma tentativa deles de nos demonizar. Imagine se o PT tivesse vencido em 1994? Até Lula reconhece, ainda bem que só ganhou em 2002.
Nós demos um rumo. Acabamos com a inflação, o que foi um passo inovador, ao qual somamos a Lei de Responsabilidade Fiscal, etc. Eles ampliaram benefícios sociais. Nós criamos Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale-Gás, redução do trabalho infantil. E o País entrou em um círculo virtuoso. Seria impensável retroagir. Não tinha como fazer diferente. Agora, o que me preocupa neles é que o governo não investiu. Eles vão nos deixar uma herança maldita. Porque a capacidade de investimento no País está zerada. O que há é um propagandismo. Ele é bom de propaganda, isso não se pode negar.
Embaixador critica 'proposta exótica'
Diplomatas e acadêmicos discordam de criação de órgão sugerida pelo PT
Bernardo Mello Franco
BRASÍLIA. A proposta de criação de um Conselho Nacional de Política Externa, defendida em documento oficial do PT, foi contestada por diplomatas, acadêmicos e até pelo petista Eduardo Suplicy (SP), que presidiu a Comissão de Relações Exteriores do Senado no início do governo Lula. Ele disse ser contrário à criação de novo órgão federal com poderes paralelos ao Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty não quis comentar o projeto, que foi antecipado ontem pelo GLOBO e será votado no IV Congresso Nacional do PT, entre os dias 18 e 21.
Para Suplicy, um conselho com a participação de ONGs, sindicatos e movimentos sociais poderia servir como fórum de discussão, sem ditar linhas para a política externa: — Não pode ter caráter deliberativo.
Se tiver atribuições apenas de debate e reflexão, não vejo problema. Mas o presidente da República é quem tem legitimidade para dar diretrizes para a política externa do país.
O embaixador Rubens Barbosa, que chefiou as missões brasileiras em Londres e Washington, disse que a criação do conselho representaria uma interferência indevida na diplomacia.
— É uma ideia exótica, que não existe em lugar algum do mundo e deve ser cortada pela raiz. A política externa deve servir ao Estado, não ao partido que está no poder. A diplomacia existe para defender interesses do país.
A proposta foi criticada pelo professor Virgílio Arraes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB: — Não vejo razão para criar novo órgão com essa finalidade.
O Brasil tem um número razoável de espaços para a discussão da política externa, inclusive nas universidades públicas. A criação de um novo órgão pode dispersar esse debate
Dirceu retoma papel que nunca deixou no PT
Ex-ministro reage duramente a FH; Lula tenta neutralizar sua influência no governo
Gerson Camarotti
BRASÍLIA. Em mais uma amostra de que tem tomado a frente em negociações e alianças do PT pelo país, o ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu usou seu blog para sair em defesa do governo depois do artigo dominical do expresidente Fernando Henrique com críticas à pré-candidata petista, Dilma Rousseff.
“Então a campanha vai ser com FHC? Mas os tucanos, governadorescandidatos, Aécio Neves (MG) e José Serra (SP), não teriam como explicar? (...) O ex-presidente se sente na obrigação de defender seu governo, tão mal avaliado pelos brasileiros; (...) precisa urgentemente levantar a militância tucana e sua base social tão desmobilizada pelos escândalos do PSDB do RS, SC e SP, e de seu aliado, o DEM-Brasília”.
Dirceu diz que Fernando Henrique assume o posto de “chefe” da campanha com os governos de José Serra e Gilberto Kassab “acuados”, vivendo um momento de crise em São Paulo. E que Aécio Neves está “entrincheirado nas montanhas de Minas sob o risco de enfrentar uma aliança PT-PMDB com (o vice-presidente) Zé Alencar candidato a governador”.
Para Dirceu, FH tenta polarizar com Lula e desqualificar Dilma para mobilizar seu partido, mas a tática confirma o caráter plebiscitário das eleições. “É por isso que Serra está quieto, como se não fosse com ele. Sabe — e sente — que a intervenção do ex-presidente e do senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) são tiros no pé, o chamado fogo amigo”, escreveu.
Por determinação do presidente Lula, emissários petistas trabalham para esvaziar a influência de Dirceu no PT e no governo.
A tentativa foi definida depois da constatação de que sua movimentação pelo país para tratar de alianças em favor de Dilma tem causado problemas.
Lula reconhece nos bastidores que Dirceu é um mal necessário. O ex-ministro mantém influência sobre 30% do diretório nacional do PT e interlocução com petistas em postos estratégicos, inclusive no gabinete presidencial. Tem deputados fiéis, além de guardar na memória o histórico dos primeiros anos do governo.
Um ministro resumiu: — Em qualquer circunstância é melhor tê-lo como aliado, mesmo causando problema, que distante. Como inimigo, pode ser um problema maior.
O movimento para desautorizar articulações de Dirceu ganhou força depois da passagem dele pelo Ceará, quando criou atritos com o deputado Ciro Gomes (PSB).
Dirceu sugeriu que o PT cearense poderia retirar o apoio à reeleição do governador Cid Gomes (PSB, caso Ciro insistisse na candidatura presidencial.
Ciro chamou o petista de golpista.
Lula mandou um recado ao PT e ao primeiro escalão do governo: Dirceu não fala pelo partido, pelos ministros e muito menos por ele. Com essa recomendação, o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, desautorizou articulação de Dirceu no Pará para aproximar o PT do PMDB de Jader Barbalho, como noticiou a coluna Panorama Político, do GLOBO.
— Dirceu não resolve tudo. Não tem esse poder. É dirigente do partido, mas nem está na Executiva. Não tem mandato para resolver essas questões — disse Dutra.
Dilma afirmou a um grupo reservado que é lenda a informação de que seu antecessor tem influência no PT e no governo.
Diz que a influência dele no governo é quase nada. Mas incomoda a muitos a linha direta dele com o primeiro escalão.
Um ministro diz que ele usa informação de governo para fazer negócios e se apresentar como interlocutor de Lula.
Causou preocupação a notícia de que ele falou com integrantes do governo português para avisar que o governo Lula não tinha preferência por qualquer grupo brasileiro que disputava a compra de ações da cimenteira portuguesa Cimpor. Ontem, o Planalto também não gostou de ver Dirceu anunciar no blog que estava em Havana, destino de Lula no fim do mês.
— Os negócios são todos por conta dele.
Mas, se ele liga para um ministro e recebe retorno, pode estar fazendo negócio.
Ele usa o fato de ter sido o chefe da Casa Civil para ter acesso e informação — resume um auxiliar do presidente Lula
Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

Pré-sal virou novela
O governo quer concluir a votação do regime de partilha da camada pré-sal, viga mestra do novo marco regulatório do petróleo, no próximo dia 24. É a prioridade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o novo líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP). O problema é que o novo líder do PSDB, João Almeida (SP), para aceitar a votação, quer mexer no relatório do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), fruto de um difícil acordo entre a União e os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Os dois protagonizaram um confronto entre os estados do Sudeste e do Nordeste por causa dos royalties de petróleo da camada pré-sal.
Como o governo é maioria, em tese, não haveria dificuldade para a aprovação do relatório. Ocorre que a base governista rachou por causa de uma emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que propõe um regime de partilha igual ao dos fundos constitucionais de Participação dos Estados e o de Municípios. A emenda incendiou o plenário da Câmara, pois recebeu a adesão maciça do chamado baixo clero, que nem sempre aceita os acordos de líderes. O governo preferiu adiar a decisão para este ano e evitar a derrota em plenário. --> --> --> -->
Obras
Ano eleitoral fomenta inaugurações e obras vistosas. Projetos referentes à execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — espinha dorsal da campanha da ministra Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto —, mudanças nas leis de licitações e de licenciamento ambiental encabeçam a lista de prioridades para votação. Lula quer atropelar a burocracia que atrasa as obras.
Veto
O governo tenta convencer a oposição de que a proposta de Ibsen Pinheiro (foto) é inviável, pois implica em perda de receitas para a União e os estados. Financiamentos concedidos ao governo do estado do Rio de Janeiro têm como garantia de pagamento a arrecadação dos royalties. Se o governo for derrotado, é certo que o presidente Lula vetará a emenda Ibsen.
Brincadeira
No Palácio do Planalto, ninguém leva muito a sério a candidatura do vice-presidente José Alencar (PR-MG) ao Palácio da Liberdade. Ao contrário do que parece, a proposta acirraria a disputa entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Lula quer Alencar como candidato ao Senado.
Camarote A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) colocou o bloco na rua. Vai desfilar com 50 empresários de 20 países por fábricas e polos produtivos para convencê-los de que o comércio com o Brasil dá samba. Como não podia deixar de ser, os estrangeiros vão acompanhar também os desfiles no camarote da agência na Marquês de Sapucaí.
Firme O ex-ministro do Esporte Agnello Queiroz pretende cobrar da cúpula do PT o acordo firmado em 22 de novembro com o deputado federal Geraldo Magella (PT-DF), no qual o parlamentar petista optou por disputar uma vaga ao Senado. Segundo assessores de Agnello, Magela só voltou a pensar na candidatura ao governo por causa da crise do GDF.
Retaliação A Câmara de Comércio Exterior (Camex) se reúne hoje para discutir retaliações comerciais aos Estados Unidos. Na pauta, a lista de produtos ianques que poderão ter aumento do Imposto de Importação em virtude do contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Fica O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, será mantido no cargo pelo novo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que assume o posto amanhã. Também não mexerá nos demais integrantes da cúpula da PF.
Desafio O Tribunal de Justiça de Santa Catarina entrou em rota de colisão com o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. O ministro suspendeu, por liminar, a posse dos novos donos de cartórios no estado, por causa da suspeita de irregularidades no concurso. Juízes catarinenses passaram por cima da decisão e deram posse aos novos titulares.
Morcegão
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, se encantou com os VANT’s (Veículos Aéreos Não-Tripulados) da Elbit Systems, grupo israelense do setor de defesa do qual faz parte a brasileira Aeroeletrônica, de Porto Alegre. O aparelho, com pouco mais de 12kg, foi utilizado no Haiti para fazer buscas de sobreviventes e rastrear vias bloqueadas a altitudes de 5.200 pés
Argamassa
A chamada Consolidação das Leis Sociais, que está sendo elaborada sob coordenação do secretário-geral da Presidência da República, ministro Luiz Dulci (foto), deve ser encaminhada ao Congresso em março. Mobiliza a Casa Civil, a Secretaria de Relações Institucionais, o Ministério da Justiça e, principalmente, o Ministério do Desenvolvimento Social. Tudo para anabolizar a candidatura de Dilma.
Como Chávez: Petista ataca programação de TV a cabo
Marco Aurélio Garcia diz que canais americanos realizam um processo de dominação
Bernardo Mello Franco
BRASÍLIA. Escalado para coordenar o programa de governo da ministra Dilma Rousseff, o professor Marco Aurélio Garcia anda preocupado com a influência da TV a cabo sobre os corações e mentes dos brasileiros. No sábado, o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais discursou sobre o tema em debate na sede nacional do PT. Em meio a discussões sobre política externa, ele surpreendeu com um libelo contra o que chamou de “hegemonia cultural dos Estados Unidos”.
Marco Aurélio comparou a influência da indústria de entretenimento ao poderio bélico da 4aFrota, a divisão da Marinha americana que atua no Atlântico Sul.
— Hoje em dia, quase tão importante quanto a 4aFrota são os canais de televisão a cabo que nós recebemos aqui.
Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente.
Despejam toda essa quantidade de esterco cultural — esbravejou.
Em tom de alerta, o assessor de Lula disse que a esquerda precisa reagir à difusão de valores capitalistas: — Estamos vivendo um momento grave do ponto de vista de uma cultura de esquerda. A crise dos valores do chamado socialismo real e a emergência desse lixo cultural nos últimos anos nos deixaram numa situação grave.
O petista também reclamou de um suposto marasmo intelectual no Brasil, comparando os dias atuais a momentos de efervescência cultural das décadas de 1930 e 1950: — Hoje vivemos uma transformação do ponto de vista econômico-social muito mais importante do que no passado. No entanto, temos um deserto de ideias, um deserto de produção cultural. Isso é um problema no qual temos que pensar.
O coordenador da campanha de Dilma disse que o Brasil foi programado para ser um país pequeno e defendeu o fortalecimento das estatais no governo Lula. Ao condenar o avanço da direita na Europa, fez uma recomendação à plateia: — Nunca subestimem a estupidez humana.
Quem subestimou a estupidez humana se deu mal na História
Gabeira fecha acordo com DEM e PSDB para enfrentar Cabral
Sergio Torres
Rio de Janeiro - PV, PSDB, DEM e PPS formalizaram acordo ontem para ter o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) como o candidato da aliança ao governo do Rio.
O ex-prefeito Cesar Maia, do DEM, deverá concorrer ao Senado.
A decisão sobre a chapa foi tomada à tarde em reunião de lideranças locais dos quatro partidos no apartamento do ex-governador Marcello Alencar (PSDB), no Rio.
Ficou acertado que Gabeira terá um tucano como candidato a vice-governador, possivelmente o ex-deputado federal Márcio Fortes. O DEM indicará um candidato ao Senado. O PPS, o outro.
Gabeira disse à Folha, por telefone, que desistiu de concorrer ao Senado porque a coalizão não tinha outra alternativa para disputar a sucessão do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB).
"Ficou difícil para mim sair de uma eleição [para prefeito do Rio, em 2008] com 1,5 milhão de votos e apoiar qualquer candidato. Disse aos partidos coligados que se sentissem confortáveis, pois eu sairia para disputar o governo", afirmou.
Cesar Maia representou o DEM no encontro. Prefeito do Rio por três mandatos, ele, desde o início das discussões repetia não ter interesse em concorrer ao governo estadual -queria o Senado.
O outro concorrente ao Senado pela aliança ainda não foi indicado pelo PPS. A ex-deputada Denise Frossard é o nome com maior visibilidade no partido.
Na eleição para o governo estadual, Gabeira, além de Cabral Filho, enfrentará o ex-governador Anthony Garotinho, já lançado candidato por seu partido, o PR. Assim como Cabral, Garotinho afirma que vai apoiar Dilma Rousseff (PT) ao Planalto.
Ajuste fiscal é bandeira no Sul:: Raymundo Costa

Nem em toda esquina do Rio Grande do Sul se fala mal da governadora Yeda Crusius. Os prefeitos, por exemplo, elogiam o cumprimento rigoroso de um cronograma de repasse de recursos. Independentemente de filiação partidária. Sem atraso nos pagamentos, feitos na ordem de chegada, em três anos os fornecedores saltaram de 1 mil para 12 mil. Governante mais impopular do país, segundo as pesquisas, Yeda está pronta para disputar a reeleição: "Daqui a pouquinho as pesquisas alcançam a realidade", diz a governadora.
Yeda não só banca a própria reeleição como afirma que o candidato do PSDB, José Serra, terá um palanque forte nos rincões gaúchos. "É fofoca da oposição", diz Yeda, sobre as versões segundo as quais o PSDB estaria temeroso de que ela se torne um estorvo para a campanha no Rio Grande. Uma oposição que não lhe deu tréguas: "Eu tive uma CPI por ano". Sobreviveu a todas e a julgamentos ainda parciais na Justiça.
"A oposição não é hostil no Rio Grande do Sul, ela é selvagem, não respeita regras", segundo sua avaliação. Por um sistema singular adotado no Rio Grande do Sul, o presidente da Assembleia Legislativa tem mandato de um ano. Em 2009, foi a vez do PT. Neste ano a Assembleia será presidida por um deputado (Giovani Cherini) do PDT. Segundo Yeda, um "homem da paz - não se espere a desordem aparente".
"Como dizia Shakespeare, existe lógica nessa loucura", afirma Yeda sobre os três anos em que passou praticamente sitiada em casa e no palácio do governo. "Havia uma desordem aparente, quando na verdade era um método de desmoralização, sistemático conduzido pelo PT". E a casa que adquiriu logo depois das eleições de 2006? "Comprei com o dinheiro da venda de um apartamento em Brasília e da casa da praia", responde. "Então eu não posso ter casa porque o PT não quer, vou morar onde, na praça (onde fica o Palácio Piratini)"?
Yeda detesta a afirmação segundo a qual não basta à mulher de César ser honesta; ela precisa parecer honesta. "Eu não tenho que provar diariamente que sou honesta", afirma. "Eu estou encarando como um teste superior", diz. "Como até agora a gente foi passando muito bem no teste, às custas de um enorme sacrifício pessoal, então este teste superior terá de me levar a resultados superiores."
Isto posto, em que se baseia o otimismo de Yeda Crusius? É a governadora gaúcha quem informa: na recuperação financeira do Estado, após cerca de 40 anos de governanças com pouco juízo fiscal. Como todo governante nessa situação, Yeda gosta de falar em déficit zero. Não é bem assim, mas é fora de dúvida que ela colocou ordem nas contas do Rio Grande, um problema que só se "escancarou", como gosta de dizer a governadora, em 2001, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Em 2006, quando Yeda assumiu, a dívida líquida do Estado gaúcho era 3,3 vezes maior que as receitas - o limite máximo tolerado é dois. A dívida gaúcha ainda é 2,2 vezes a receita, um pouco acima do permitido pela legislação, mas já enquadrada no horizonte de estabilização de pagamentos, pois o Estado procura não atrasar as parcelas, para não ficar impedido de tomar novos créditos.
Yeda cortou 33% dos gastos de custeio, o que, segundo a governadora, responde por si às denúncias de corrupção em seu governo que inundaram as páginas dos jornais brasileiros, especialmente aqueles situados no Sudeste.
Yeda canta suas vitórias na Justiça em relação às denúncias até agora feitas, que ainda não são definitivas. O que não há dúvida é sobre como conseguiu a confiança nacional e internacional a partir do ajuste feito no Sul. Quando ela assumiu, em 2007, ao mesmo tempo em que a Assembleia inviabilizava suas propostas para manter receita (e seu vice infernizava politicamente a vida do governo), o Banco do Brasil fez uma oferta pelo Banrisul, o banco estatal.
"E fizemos, com o aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), um IPO do Banrisul", conta a governadora. "Pedimos o maior valor da história da Ámérica Latina para um banco". Foi o maior negócio da região, R$ 2,086 bilhões (e também o último IPO antes da crise global). A condição foi que a governança ficasse na Bolsa de Valores de São Paulo. "Então o Banrisul me repassou R$ 1,2 bilhão que usei para fazer a reforma previdenciária) e ficou capitalizado em mais R$ 800 milhões".
Sob a governança da bolsa paulista, o Banrisul ficou livre da suspeita de instrumentalização política. Ponto para Yeda. "Graças a isso, pela primeira vez na história, em 2008 todos os municípios do Rio Grande do Sul fecharam as suas contas no azul".
Ao mesmo tempo em que transacionava o Banrisul, Yeda desenvolvia com o Banco Mundial conversas sobre um empréstimo para financiar a dívida pública do Estado, um acordo inovador. O Rio Grande do Sul demandava US$ 500 milhões. "O Banco Mundial dobrou a aposta e disse então que, no lugar de US$ 500 milhões, nos emprestaria US$ 1,1 bilhão".
Foi fundamental, para o negócio, a transação do Banrisul sob o regime da governança única, como reconhece a governadora. O empréstimo do Banco Mundial permitiu ao Rio Grande do Sul trocar dívida de curto prazo por títulos de 30 anos do Bird.
"Já paguei R$ 300 milhões a menos em 2009", comemorou Yeda Crusius, em conversa com a coluna. Em apenas um momento a governadora sugeriu que era vítima de preconceito pelo fato de ser a primeira mulher a governar os gaúchos. Questionada, remediou: "Se teve [preconceito] foi depois [da eleição], pois recebi os votos de todos os gaúchos, homens e mulheres".
"E à minha volta [o preconceito], viu? Aquela coisa do "eu governo por ela". Não, ninguém governa por mim, eu governei. Não abdiquei das responsabilidades de governar".
Montada num orçamento de R$ 27,7 bilhões para este ano, sendo R$ 1,7 bilhão para investimento, Yeda mostra uma confiança na reeleição incompreensível para quem acompanha as pesquisas para o governo do Rio Grande do Sul. E mais. Diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá perder pela segunda vez no Sul para o PSDB. A primeira foi em 2006.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
Desenvolvimento sustentável planejado :: Paulo R. Haddad

Ao longo dos próximos meses deverá começar, no Brasil, a temporada de elaboração dos planos de governo tanto dos candidatos à Presidência da República quanto dos candidatos aos governos Estaduais. Se prevalecerem as experiências passadas de contextos semelhantes, poderão ser produzidos muitos documentos anódinos cujo conteúdo tenderá a ser definido a partir de técnicas de marketing, sem levar em consideração os reais problemas e desafios de desenvolvimento do País e dos Estados no próximo quadriênio. Trata-se de documentos elaborados a partir de diretrizes gerais, escritas em linguagem genérica e sonora, com compromissos difusos e amorfos dos candidatos. São documentos que, no fundo, tendem a convergir para uma equivalência fastidiosa de programas de governo que mais se assemelham a uma espécie de sopa de palavras.
Ocorre que toda experiência bem-sucedida de planejamento é permeada, destacadamente, por duas instâncias formais. Uma teleológica, em que se delimitam finalidades, objetivos e metas a serem perseguidos; e uma instância processual, em que se definem os procedimentos ou o conjunto de etapas, de estágios e de módulos, de métodos a serem mobilizados tanto para tornar real ou efetiva a instância teleológica quanto para retificá-la, levando em consideração as próprias vicissitudes de sua implementação.
Nesse sentido, num Brasil pós-estabilidade macroeconômica bem-sucedida e pós-intenso e frutífero ciclo de políticas sociais compensatórias, tudo indica que um dos provérbios sedutores das novas propostas de governo deverá focalizar as questões do desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões setoriais (energia, transporte, etc.) e espaciais (metrópoles, bacias hidrográficas, etc.).
Quando procura se distanciar de uma linguagem abstrata no nível da instância teleológica, que tem sido utilizada para camuflar os conflitos implícitos em propostas abstratas, começam a surgir os verdadeiros dilemas a serem enfrentados. Nestes, emergem aqueles entre a aceleração da expansão econômica e as regras fundamentais de sustentabilidade para o uso dos recursos naturais renováveis e não renováveis nas fronteiras agrícola e minerária, nas áreas desertificadas, nas metrópoles congestionadas, etc.
Usualmente, os candidatos apresentam como alternativa para enfrentar a especificidade desses dilemas a adoção de uma postura pragmática para equacioná-los no nível da instância processual. Contudo, ser pragmático significa "adotar como critério de verdade a utilidade prática, identificando o verdadeiro com o útil". Mas, desde que existem conflitos nas ações finalísticas entre grupos e classes sociais, regiões ou setores produtivos, etc., na implementação de um processo de desenvolvimento sustentável, cabe a pergunta: útil para quem? Assim, o pragmatismo passa a ser uma dúvida a mais no processo, e não um caminho para a solução dos conflitos.
No nível das burocracias governamentais, as questões do meio ambiente no Brasil têm sido tratadas dentro de uma estrutura administrativa que disputa isoladamente os seus recursos humanos, financeiros e institucionais visando a realizar sua missão institucional. Uma estrutura administrativa, contudo, sem capacidade de coordenar transversalmente os programas estratégicos e operacionais dos demais segmentos administrativos que têm poderosos - e muitas vezes irreversíveis - rebatimentos sobre os ecossistemas regionais.
Operacionalmente, o que se propõe é considerar, num plano de governo, o meio ambiente não só como um fator de produção a mais que apenas necessita ser utilizado sustentavelmente sob a égide de uma política pública setorial. Mas como um elemento pivotal, dentro da sexta onda de inovações da dinâmica capitalista, que contém, provisiona e sustenta toda a economia no médio e no longo prazos.
No curto prazo as propostas devem ser específicas também quanto ao que se denomina a "macroeconomia da sustentabilidade". Esse novo olhar para a macroeconomia de curto prazo implica, do lado da demanda agregada, reorientar os investimentos públicos e privados para a segurança energética, para infraestruturas de baixo carbono, proteção de valiosos ativos ecológicos, etc. Do lado da oferta agregada devem-se utilizar os sistemas fiscais e financeiros para estimular intensamente a produtividade dos recursos naturais (matérias, energias), visando a atenuar a exaustão desses recursos numa ponta da cadeia de valor e os níveis de poluição na outra ponta.
*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco
Rudá Ricci: O conceito de qualidade na educação

O processo educativo envolve muito mais que avaliações meramente quantitativas focadas no educando
Chegamos ao final da primeira década do século 21 e nossos gestores educacionais e seus consultores propalam fórmulas que parecem prato requentado ou mera transferência de técnicas empresariais de aumento de produtividade como soluções para um ofício peculiar.
Falta de imaginação ou discurso mercadológico de aceitação externa, o fato é que mais parece tentativa de excluir diretores, especialistas e professores do debate sobre os rumos da educação, fazendo coro para envolver o grande público. Como se a saída para a educação fosse questão circunscrita à disputa da opinião pública.
O que seria qualidade na área educacional? Pelo discurso dos gestores públicos, as notas de avaliações sistêmicas: Saresp, Ideb, Simave etc. Seguindo essa trilha, a questão seguinte seria, por lógica, o que as avaliações sistêmicas deveriam investigar. Aí topamos com um imenso silêncio.
Hannah Arendt sugeria que a função da educação é a humanização, ou seja, a inserção dos educandos na humanidade, conformada por experiências plasmadas na linguagem, na escrita, na música, nas artes. Para autores mais focados no sucesso individual, a qualidade da educação estaria centrada no progresso acadêmico ou de emprego-renda do educando.E nossas avaliações sistêmicas, elas partem de qual princípio? De um vago e generalizado desempenho dos educandos, sem que os não gestores tenham condição de penetrar nessa fórmula mágica.
Já temos ao menos duas décadas de experiências com avaliações sistêmicas externas a respeito do desempenho de nossos alunos. Mas, pelos artigos e propostas apresentadas pelos gestores na grande imprensa, os avanços promovidos foram pífios.
Não chegaram a sinalizar os rumos a serem seguidos para a qualidade e o sucesso tão propalados. Ao contrário.
Dados recentes divulgados pelo Ipea indicam que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam universidade em 2007. Trata-se da faixa etária mais vulnerável ao desemprego em nosso país. Os dados oficiais revelam uma situação ainda mais grave: menos da metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos cursava o ensino médio em 2007.
As disparidades regionais e entre campo e cidade nos aproximam de uma calamidade pública: 57% desses adolescentes que vivem nas cidades brasileiras frequentam o ensino médio, índice que despenca para 31% no caso dos que residem no campo.
E aí começamos a desvelar o mundo real da educação, e não esse pasteurizado e inatingível pelos resultados das avaliações sistêmicas: a taxa de frequência dos que têm renda mensal superior a cinco salários mínimos é dez vezes maior que a dos que percebem até meio salário mínimo.
Circunscrever o foco da avaliação de desempenho à escola, não avaliando o impacto da condição das famílias na performance escolar, é pouco inteligente. E sustentar que a melhora do desempenho de nossos educandos ocorre a partir da premiação de professores é um gasto desnecessário e de pouca evidência de sua eficácia.
Sem articulação de políticas públicas que fechem o círculo da formação de nossas crianças e jovens, envolvendo escola, família e comunidade, todas iniciativas se aproximam de tentativa e erro dos nossos gestores. Talvez essa seja a motivação para se tornarem tão apaixonados pelas fórmulas que os cidadãos não gestores não compreendem em sua totalidade.
Daí por que vários se envolvem com articulações políticas e de conquista da opinião pública cujo mote é envolver todos pela educação, como se fora mobilização sem base social, cujos líderes são a própria base. Porque é uma aposta, e não uma certeza.
O processo educativo envolve muito mais que avaliações meramente quantitativas focadas no educando.
Envolve o consórcio de professores e educadores que contribuem para a formação cotidiana do educando. Envolve o impacto dos hábitos dos pais.
Também sabemos que o perfil do dirigente escolar impacta decisivamente no desempenho de alunos.
Mas as avaliações da moda no Brasil não conseguem articular esses inputs. No máximo, apresentam dados frios que não auxiliam os educadores a compreender por qual motivo 30% dos seus alunos não sabem interpretar textos complexos, ao contrário do restante. E, assim, lançam mão da tradicional e equivocada aula de reforço, que repete fórmula que já se revelou equivocada anteriormente.
Enfim, marketing e educação nunca foram bons aliados. Educação não vive limitada às boas intenções. Trata-se de um tema lastreado em estudos e pesquisas que não geram respostas fáceis.
Rudá Ricci, 47, doutor em ciências sociais, é membro do Fórum Brasil de Orçamento e consultor do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo).
Eleições são ameaça à meta fiscal
DEU EM O GLOBO
O aumento de gastos no ano eleitoral pressionará as contas públicas. Para especialistas, como as receitas sofrem efeitos da crise e as despesas subiram, a meta fiscal de 3,3% do PIB não deve ser cumprida.
Teste das eleições
Aumento de gastos em ano eleitoral ameaça meta fiscal do país, dizem especialistas
Eliane Oliveira e Martha Beck
BRASÍLIA - A pressão pelo aumento de gastos típica de um ano eleitoral acendeu a luz amarela para os especialistas em contas públicas.
Como as receitas ainda não se recuperaram totalmente dos efeitos da crise financeira global e as despesas continuam em alta, economistas ouvidos pelo GLOBO não acreditam que seja possível cumprir este ano a meta fiscal fixada em 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). O quadro só não é mais preocupante, na avaliação de analistas, porque o crescimento projetado para a economia em 2010 em torno de 5% evitará que a dívida pública cresça de uma maneira explosiva.
Entre as pressões que vêm recaindo sobre os gastos públicos estão o reajuste dos salários dos servidores e do Bolsa Família, o salário mínimo, além das obras de infraestrutura previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Também estão pressionando os recursos destinados ao pré-sal e ao programa Minha Casa, Minha Vida. Isso sem contar o impacto de grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e o PAC-2, que será quase todo apoiado em gastos orçamentários.
Ajuste fiscal já virou um consenso
Para Roberto Padovani, economistachefe do West LB, o mais provável é que o país registre em 2010 um superávit primário mais elevado do que o efetivamente entregue em 2009, atingindo 2,5% do PIB. No entanto, o índice não deverá chegar perto da média apurada na última década, de 3,5% do PIB: — A retomada da atividade econômica será fundamental para termos um superávit primário mais elevado em relação a 2009, mas não é suficiente para fazer com que o superávit primário volte aos patamares da última década, de 3,5% do PIB, para compensar o aumento das despesas.
O certo é que há consenso, no governo e no mercado, entre os economistas mais ortodoxos e mais heterodoxos, entre governistas e oposição, que será necessário um ajuste fiscal, para que as despesas cresçam a um ritmo menor.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, avalia que o superávit primário feito este ano será suficiente para controlar a relação dívida/ PIB. No entanto, ele será mais baixo do que a meta (2,8%).
— Para este ano, talvez o governo não precise dos malabarismos (receitas extras como a transferência de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais da Caixa) de 2009, pois deverá contar com o crescimento da receita. Só que, por ser ano eleitoral, fico em dúvida sobre a intenção do governo de fazer controle de gastos, principalmente no primeiro semestre deste ano, quando ele tem mais liberdade para gastar antes das restrições impostas pelo período eleitoral — afirmou Vale.
Apesar do alerta, o economista não vê problemas com a dívida líquida: — A questão é a dívida bruta. O governo descobriu a mágica de aumentar seu endividamento sem mexer na dívida líquida — acrescentou Vale, referindo-se, por exemplo, às emissões de títulos para capitalização do BNDES, que somaram R$ 100 bilhões em 2009 e serão mais R$ 80 bilhões este ano.
Já a economista Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma não espera qualquer deterioração no endividamento público, a não ser que haja um movimento brusco do Banco Central (BC): — O que pode acontecer é a incerteza da trajetória dos juros, do manejo da política monetária, do cumprimento do sistema de metas de inflação.
Margarida admitiu que não se pode descartar uma espécie de relaxamento do BC, por causa de pressões políticas.
— O mercado confia na disciplina fiscal do governo, que sinaliza que manterá a meta de inflação. A menos que o BC mude sua politica, com a troca de presidente.
O economista José Roberto Afonso, especialista em assuntos fiscais, comentou que não dá para responder, acuradamente, se o crescimento será suficiente para cobrir as pressões de despesas — como creem o Palácio do Planalto e a equipe econômica. Segundo ele, a arrecadação nos últimos meses acabou sendo contaminada por receitas atípicas, como transferências de depósitos judiciais.
— Sem as transferências em dezembro, a receita cresceu menos que o projetado para o PIB pelo mercado — observou.
Governo desperdiça oportunidades
Para Afonso, o Brasil está desperdiçando a oportunidade de consolidar uma situação fiscal confortável, o que parecia se desenhar até dois anos atrás, inclusive com a promessa de déficit nominal zero, ou seja, quando as receitas cobrem todas as despesas, inclusive aquelas com juros.
— Oportunidade é sinônimo de crise no ideograma chinês. Em todas as crises do passado, o Brasil aproveitou para fazer reformas.
Não mudamos nada, nem tributos, nem Orçamento, nem Previdência.
E não falta apoio político. Espero que o comodismo do presente não cobre preço alto no futuro — afirmou o economista.
Yoshiaki Nakano::Dinamismo doméstico


Retomo neste espaço um tema que já abordei em agosto de 2003. Naquela ocasião, decepcionado com o crescimento da indústria de transformação de apenas 0,8% ao ano de 1980 a 2002 e redução de quase 40 no nível de emprego nesse setor, no mesmo período, defendia a tese de que a nossa indústria sofria de uma insuficiência dinâmica - dado que não tinha mecanismos internos de geração de efeitos dinâmicos, ela tendia à estagnação. Sem melhorar o perfil de distribuição por meio da incorporação de novas camadas da população ao mercado de trabalho, com produtividade e salários maiores e, dessa forma, ampliando a demanda real doméstica, o crescimento de longo prazo seria impossível.
Para um país como o Brasil, que se industrializou construindo uma estrutura produtiva voltado para o mercado doméstico, não seriam as exportações a locomotiva que daria dinamismo à economia. O aumento das exportações e maior abertura comercial seria vital para permitir maiores importações e assim evitar constrangimentos externos bem como para dar competitividade à indústria, mas em última instância, sem dinamismo doméstico seria impossível retomar o crescimento sustentado.
Passado esses anos, a economia brasileira sofreu uma transformação estrutural da maior importância e tudo indica que aquele problema de insuficiência dinâmica foi sanado. Essa transformação teve origem na mudança demográfica que o Brasil assistiu em meados da década de 80, com grande redução na taxa de natalidade e desaceleração no crescimento da população jovem (de 15 a 24 anos). É esse grupo que chega pela primeira vez e pressiona o mercado de trabalho, demandando novos empregos. É o grupo também em que a incidência de desemprego é maior. Vinte anos depois da queda da taxa de natalidade, isto é, a partir de 2004, isso se traduziu numa taxa negativa de crescimento da população jovem, ou seja, sua redução em termos absolutos.
Como se observa no quadro, a partir de 2005 a população jovem de 15 a 24 anos começa declinar em termos absoluto reduzindo a oferta de trabalho e com isso a economia brasileira ultrapassa o ponto de inflexão, do modelo de crescimento de Arthur Lewis, em que para atrair trabalhadores para setores de mais alta produtividade é preciso pagar salários reais mais elevados (acima do "nível de subsistência", isto é, salário mais baixos do setor atrasado). E isso só é possível sem gerar pressões inflacionárias se houver aumento da produtividade física do trabalhador. E é isso que aconteceu nesse início do século XXI. Com redução no excesso de oferta de trabalhadores, a absorção passa a ocorrer com a geração de novos empregos formais e com aumento dos salários reais, ampliando a demanda, gerando novos investimentos, retroalimentando o processo com novos postos de trabalho com produtividade mais elevada etc.. Não foi por acaso que o salário real médio aumentou em torno de 6% ao ano entre 2004 e 2008. A isso se conjuga o fato de que entre 2003 e 2009 foram criados 8,5 milhões de novos postos de trabalho gerando um poderoso circulo virtuoso de crescimento autossustentado.
Do ponto de vista social é quase uma revolução: foi a ascensão da classe C, transformando-se na nova classe média brasileira. Nos últimos 15 anos essa classe passou de 32% para 52% da população, portanto representa hoje mais de 90 milhões de consumidores, incorporados ao mercado e que apropria quase a metade da renda disponível gerada no país. Com isso a economia brasileira está se convertendo numa economia com mercado de consumo em massa das maiores do mundo. Mais importante: nesse momento em que a crise financeira danificou as economia desenvolvidas, provocou queda no comércio mundial e os Estados Unidos deixaram de ser a locomotiva que puxava o resto do mundo como importador e consumidor, em última instância esse dinamismo doméstico passa a ser o grande trunfo do Brasil para transitar para uma nova trajetória de crescimento mais acelerado e com possibilidade de sustentar por longos anos.
Nesse processo, de 2004 para 2009 mais de 30 milhões de pessoas tiveram uma ascensão social. Estamos assistindo, na verdade, a uma mega ascensão social que terá implicações sociais e políticas da maior importância.
Na medida que os setores empresariais se modernizam, enfrentam a competição internacional e aumentam também a demanda de competências técnicas, abre-se o caminho para a ascensão social dessa classe media por meio da educação. O subproduto desse processo será uma consciência política maior dessa classe média que pelo seu tamanho será decisivo nas eleições majoritárias. Mais importante, as pesquisas de opinião mostram que perder emprego é a preocupação maior dessa classe, portanto, estamos introduzindo na agenda dos políticos como item obrigatório a política macroeconômica voltada para a preservação e geração de novos empregos ("É a economia, seu idiota!"). Sem dúvida nenhuma a aprovação popular do governo Lula tem a ver com os 8,5 milhões de empregos que foram gerados até agora.
Para concluir, é preciso lembrar que em termos da dinâmica macroeconômica o crescimento baseado na expansão do consumo de uma nova classe média conflita à primeira vista com a necessidade de ampliação da taxa de investimento e de poupança doméstica. Ou teríamos que recorrer à poupança externa, endividando. Descartando essa estratégia que acaba em crise de balanço de pagamento, a saída é superar o conflito ao longo do tempo por meio do aumento de produtividade. A operação do circulo virtuoso mencionado acima não implica em aumentar a participação do salário na renda nacional, mas gerar novos empregos e aumentar os salários reais de acordo com a produtividade, podendo manter constante essa participação. O fundamental é acelerar o aumento de produtividade pois o salário poderia aumentar no mesmo ritmo, mais do que compensando perdas instantâneas em função do aumento de poupança. A rigor, nos últimos 15 anos, quem aumentou a apropriação da renda nacional foram o governo e o setor financeiro. Se, por exemplo, ao longo dos próximos anos a receita tributária e o consumo do governo aumentarem menos do que a renda nacional será possível aumentar a poupança doméstica e ampliar a taxa de investimento.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso
(Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, no artigo “Sem medo do passado” ontem, em vários jornais do Brasil)
Fernando Rodrigues:: PT, 30 anos

BRASÍLIA - O Partido dos Trabalhadores faz 30 anos neste mês. Sua história se divide entre antes e depois de chegar ao poder.
A parte positiva se concentra na colaboração petista para o amadurecimento da democracia durante as duas primeiras décadas de existência da sigla. Desde o fim da ditadura militar, só o PT soube fazer oposição -apesar dos excessos.
O poder fez mal aos petistas. Fez mais mal ainda ao equilíbrio da República. As ferramentas de cobrança de responsabilidade esvaneceram com a chegada de Lula ao Planalto. Basta lembrar o episódio do dia 11 de agosto de 2005.
Naquela data, o marqueteiro Duda Mendonça depôs na CPI do Mensalão. Confessou ter recebido R$ 10,5 milhões numa conta secreta no exterior por serviços prestados na campanha eleitoral de 2002, quando havia produzido os comerciais da campanha de Lula.
Desprovido de oposição, o Brasil assistiu a cenas patéticas na sequência. Petistas choraram no plenário da Câmara. Líderes do PSDB e do Democratas (ainda com seu nome original, PFL) ficaram em estado de catatonia, inertes.
Para saber a falta que o PT faz à oposição, imagine o leitor se a cena tivesse ocorrido no governo FHC, antecessor de Lula. O que aconteceria se em vez de Duda tivesse sido o publicitário Nizan Guanaes a confessar o delito? O PT só sossegaria quando conseguisse a condenação final e enviasse todos para uma temporada em Alcatraz.
Esses tempos não existem mais.
Todos os partidos sabem muito bem o que cada um fez no verão passado. Imobilizados pela culpabilidade mútua, associam-se numa nefanda confraria do silêncio.
A síntese dos 30 anos do PT é o documento assinado pela sigla em conjunto com PSDB e Democratas, a favor de doações eleitorais ocultas. Transparência demais é burrice, ensinou Delúbio Soares. Aos 30 anos, o PT aprendeu bem.
PT de segunda mão:: Fernando de Barros e Silva

SÃO PAULO - Há uma insatisfação reprimida com Lula no PT paulista. A exemplo do que ocorreu no processo de escolha de Dilma Rousseff, o partido foi atropelado na definição do nome que deve disputar a sucessão de José Serra. Com uma agravante: além de tripudiar sobre a legenda, o presidente ignorou as opções caseiras. Em nome do "projeto nacional", deixou de lado as flores do seu jardim para importar uma planta exótica do Ceará.
Ocorre que Ciro Gomes, o cacto agreste, muito embora made in Pindamonhangaba de nascimento, se nega a ser essa planta de estufa que Lula quis transplantar para as margens alagadas do Tietê. Sua resistência até aqui testa os limites do bonapartismo presidencial.
Como o PT, mesmo subjugado, teme Lula e fica calado, foi o próprio Ciro quem vocalizou quão artificial seria sua aventura paulista -hoje menos do que improvável. Mais ainda: Ciro distribui espinhos retóricos aos companheiros e reafirma sua disposição de concorrer à Presidência. Desafia "o mito" para não sucumbir antes da hora.
Ao PT restará fatalmente uma candidatura de segunda mão em São Paulo. Não é trivial se pensarmos que o Estado reúne 29,5 milhões de votantes, quase 22,4% do eleitorado nacional. Os tucanos ocupam o Bandeirantes há quatro mandatos e Geraldo Alckmin hoje soma 50% das intenções de voto.
Quem servirá de tapa-buraco ao PT? Fernando Haddad, pouco conhecido, teria o que ganhar projetando-se no Estado. Mas nem o senador Aloizio Mercadante nem a ex-prefeita Marta Suplicy gostariam de ver uma nova liderança sem inserção partidária surgir no seu quintal pelas mãos de Lula.
A bola da vez deve mesmo ser Mercadante, que abandonaria uma provável reeleição ao Senado em troca do doce que o chefão lhe prometer pelo sacrifício. Essa é hoje a hipótese mais difundida no PT.
Em 2006, o "Chuchu" apanhou feio do "Barba"; em 2010, terá a chance de fazer o "Bigode".
Do ''lulismo'' ao ''rousseffismo'' :: Marcelo de Paiva Abreu
Em análises recentes das mutações sofridas, desde 2002, pela estratégia política do presidente Lula, têm sido destacados contrastes entre o "petismo" pré 2002, sucedido pelo "lulismo" com tintas bonapartistas. A análise deixa de sublinhar as mudanças essenciais que sofreu o "lulismo" em sua transição para o "roussefismo".
É difícil, entretanto, concordar com o diagnóstico de que o "petismo" teria sido ejetado quando Lula concordou em assinar a Carta ao Povo Brasileiro, traindo o programa do Partido dos Trabalhadores (PT). De fato, a ocasião foi uma magnífica oportunidade para que Lula pudesse escapar a compromissos programáticos estapafúrdios, atribuindo a guinada à crise que se agravava.
É preciso não deixar de levar em conta as dificuldades que seriam enfrentadas caso tivesse sido adotada a política econômica coerente com o programa do partido. Lula, caso eleito, enfrentaria enormes turbulências e pagaria o custo político de ter arruinado a estabilização que havia herdado. O cenário de um governo Lula 2003-2006 fiel ao programa do PT é inverossímil.
Mais convincente é a interpretação de que o "petismo" foi, de fato, abandonado quando a crise do "mensalão" explicitou claramente que o PT não poderia cumprir o papel de inspirador para que os demais partidos amadurecessem suas práticas políticas. A metáfora eficaz é a da "queda de um anjo".
Com a fragilização do PT como partido coerente e sério, ganhou força o lado pragmático, turbinado por suas propensões ao protagonismo populista - já em parte explicitadas, por exemplo, pela exacerbação da diplomacia presidencial com ênfase na pirotecnia. Esse lulismo versão 1.0, que persistiu até o final de 2007, foi bastante eficaz ao combinar a exploração do prestígio do presidente - oriundo de sua espetacular trajetória de retirante-metalúrgico-presidente - com a adoção de políticas econômicas prudentes.
A partir daí tornou-se dominante a temática sucessória, gerando a transição para o lulismo versão 2.0. A inviabilização dos possíveis candidatos mais consistentes do PT - José Dirceu e Antonio Palocci - gerou a crise do "petismo". Após consideração dos custos e benefícios de uma campanha pelo terceiro mandato, o presidente Lula, em espetacular "dedazo", ungiu Dilma Rousseff como candidata.
O lulismo versão 2.0 baseou-se em mais protagonismo, culminando em escancarada campanha eleitoral com uso da máquina federal.
As demandas eleitoreiras tiveram, além disso, impacto na postura fiscal do governo, com significativo aumento de despesas. A crise econômica mundial criou condições para que se alegasse que o aumento de gastos configurava política anticíclica, embora boa parte da expansão da despesa seja irreversível. Apesar de o compromisso com a adoção de uma política monetária prudente ter sido em grande medida preservado, tornou-se evidente a fadiga do Banco Central, em fricção permanente com o restante do governo.
Caso o presidente Lula tenha sucesso em assegurar a eleição da sua sucessora, haverá, necessariamente, mudança radical no estilo, e também da substância, da ação governamental. O que seria o "roussefismo" comparado ao "lulismo"? Até mesmo por circunstâncias biográficas, a projeção externa da nova presidente seria menos proeminente do que a de Lula, implicando custos não desprezíveis de reconversão de estilo de atuação. Internamente, os custos de transição terão que ver com o grande contraste entre criador e criatura quando se trata de capacidade de articulação política e de definição estratégica.
Ao contrário de Lula, a candidata dependerá crucialmente do seu chefe da Casa Civil, presumível articulador político e acomodador de atritos na esteira da veemência presidencial. Há aí vários subcenários que vão desde Antonio Palocci até Marco Aurélio Garcia.
Os contrastes entre os prováveis estilos de atuação nesses dois casos polares são uma indicação das incertezas implícitas no "roussefismo". Palocci, emblemático do lulismo 1.0. Garcia, circunscrito ao neo-bolivarianismo durante todo o governo Lula, mais alinhado ao "petismo".
No que diz respeito a assuntos econômicos, enquanto Lula buscou preservar a ambiguidade entre diferentes correntes de seu governo em relação à política econômica, a candidata sempre se alinhou entre os que defendiam, com vigor, o aumento de gastos e o afrouxamento da política monetária. Explicitou, em diversas ocasiões, o seu banzo pelos velhos tempos, mesmo que fardados, em que havia ênfase adequada em desenvolvimento com papel proeminente do Estado. Dilma Rousseff, embora neófita no PT, está mais alinhada ao "petismo" do que o próprio Lula.
Não é surpreendente que muitos eleitores considerem pouco atraente o que se pode antever como "roussefismo". Dadas as incertezas e, pior ainda, as certezas, a busca de alternativas é compulsória. Mesmo porque há que levar em conta o ponderável argumento da alternância como incentivo para não prorrogar a hegemonia da atual coalizão política.
Alternância seria algo essencial para interromper o aparelhamento do Estado que marcou os dois mandatos de Lula. E também para reavaliar as políticas públicas adotadas desde 2003, preservando as que têm mérito distributivo e ajustando as que constituem mera extração de benesses do Estado.
Para embasar um voto consciente é essencial, no entanto, que seja rompido o silêncio do candidato da oposição. Quanto à economia, só se espera que o trailer propiciado por Sérgio Guerra não tenha sido fiel ao filme.
*Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Fábio Wanderley Reis:: Uma geração e a política

Devendo falar sobre a conjuntura política a certa altura de 2004, dei-me conta de que dezenove anos haviam passado desde o fim, em 1985, da ditadura militar - os mesmos dezenove anos que separaram o fim do Estado Novo, em 1945, do golpe de 1964. Lembrei-me então do espanto com que, aos vinte e poucos anos, tomei consciência, no início dos anos 1960, de que a séria perturbação da ordem legal e o eventual golpe militar eram coisas efetivamente possíveis, não obstante o que surgia até pouco antes a minha percepção juvenil como o longo e cabal amadurecimento institucional da democracia brasileira. Seria preciso tomar também com reservas a sensação de que a democracia de novo conquistada estava aí para ficar?
Li outro dia um texto do cientista político Gerald Gamm, de 2009, cujo tema é a emergência súbita de instituições duradouras ("sticky", justo como as nossas lei que "pegam"), com referência especial aos Estados Unidos no tempo de uma geração que vai de 1890 a 1915. Gamm salienta, no período, a implantação de mecanismos importantes para o funcionamento do Congresso, o surgimento, com Theodore Roosevelt, da "Presidência moderna" que busca o apoio direto do povo, a estabilização do sistema bipartidário que dura até hoje... À parte o que possa haver aí de erro ou acerto quanto aos EUA, também nós estamos a uma geração do marco que 1985 representa. Nossas instituições estarão "pegando"? Terá sido este um período especial?
Em coluna de um par de semanas atrás, dei resposta positiva a indagações de implicações parecidas dirigidas aos militares e seu papel político. As mudanças dramáticas na cena mundial, do enfrentamento capitalismo-socialismo e da Guerra Fria para a globalização e o colapso do socialismo, bem como as consequências domésticas dessas mudanças, compõem-se de maneira propícia com o que há de diretamente relevante para a superação das tensões de nosso "pretorianismo" em aspectos favoráveis da psicologia coletiva nas relações entre civis e militares. Sem embargo de que, na América Latina como um todo, dados sistemáticos indiquem ser possível falar de uma síndrome "progressista" cuja inclinação é antimilitar (e que sem dúvida transparece nas disputas atuais sobre a Lei de Anistia), as disposições populares no Brasil, como vimos (e como Cláudio Couto salientava em artigo no Valor de 4 de fevereiro sobre os dados da pesquisa CNT/Sensus divulgados há pouco), são antes simpáticas aos militares - e vale a aposta de que os próprios militares venham a superar o ânimo negativo e a cultura de "sublevação".
Mas há outros aspectos salientes quanto a 1985-2010. Internamente, pondo de lado o ramerrame das composições com "o atraso", talvez fatais, e das brigas partidárias, é difícil escapar à percepção de que o período acaba marcado por lideranças especiais. Cada um exibindo suas próprias deficiências, se se quiser, o fato é que dezesseis anos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva redundam em algo extraordinário não só em confronto com nossos anos de chumbo. E temos não apenas os êxitos das políticas econômicas e sociais, culminando na elevação do status do próprio país na cena mundial: especialmente com a experiência do acesso à Presidência do líder operário de um partido de esquerda, de programa socializante e retórica radical, que chega ao fim do segundo mandato num quadro de normalidade assegurado pelo aprendizado de equilíbrio e moderação, é visível que a democracia brasileira, com um aprendizado mais geral, alcança novo patamar institucional. Ainda que seja tarefa inacabada a consolidação de partidos consistentes, mesmo se tomados como meros objetos de identificação estável por parte de eleitores cujas deficiências herdadas de nosso lastro social negativo os tornam amplamente desatentos à política.
Por certo, o panorama mundial alterado favorece de modo decisivo os desenvolvimentos positivos. Mas é importante notar que a alteração ocorrida sofre vaivéns cujo sentido não é inequívoco do ponto de vista da dinâmica e dos ajustes domésticos. Escrevendo na segunda metade dos anos 1980, Fritz Scharpf podia convidar ao reconhecimento de que o que surgia então como a derrota dos socialdemocratas em sua luta distributiva seria irreversível, e que sua hora só poderia ressurgir se e quando, depois de um período de prosperidade, a política viesse a ter de novo como foco a distribuição dos ganhos do crescimento capitalista que a economia da oferta e o "darwinismo de mercado" tornavam impossível reclamar naquele momento. Ora, temos agora, em vários países centrais, o foco da política levado "além" da distribuição dos ganhos para a reparação das perdas populares com a crise gigantesca do capitalismo e o socorro trazido pelo Estado. E o Brasil do fim do período 1985-2010 é reconhecido não só como "potência emergente" e democracia estável, mas até mesmo, com seu Estado regulador e economicamente ativo, como receita a ser estudada na busca mundial de equilíbrio econômico.
Resta uma reserva crucial. Se este é o período em que a democracia político-eleitoral veio a articular-se de forma aparentemente definitiva com a "questão social" e com inédito empenho de redistribuição, ele é também o período em que a tranquilidade de um Brasil desigual e ainda amplamente oligárquico e compartimentado veio a conviver de maneira cada vez mais intensa com a violência, como efeito da transformação socioeconômica, da enorme expansão das cidades e de seus correlatos psicologicamente mobilizadores. Oxalá o dinamismo econômico e políticas educacionais efetivas possam vir a mudar o substrato em que esse efeito se assenta, no qual a singularidade negativa contida em nosso legado escravista maciço tem prevalecido sobre o lado positivo que se pode pretender apontar nele: a promessa de convivência pluralista e solidária, com fundações socioeconômicas sólidas.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Ricardo Noblat:: Idiota imperfeito

" O Brasil é um país personalista. Interessa quem vai mandar. Vice não manda." - Alberto Carlos Almeida, analista político
A essa altura, por tudo que se sabe, é quase irresistível a tentação de chamar de corrupto o governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Ele foi apontado pela Polícia Federal como “chefe de uma organização criminosa” responsável pelo mensalão do DEM. Mas a polícia diz o que quer, escreve o que quer e não vai presa. No meu caso...
Nunca fui preso pelo que escrevi. Muito do que escrevi foi censurado na época da ditadura militar de 64. Quanto a ser processado, o depoente reconhece que foi mais de uma dezena de vezes. Condenado? Só uma – e por negligência do meu advogado. Paguei R$ 20 mil como forma de reparar a honra de um ex-deputado distrital de Brasília preso mais tarde por grilagem de terra.
Outro dia, Arruda distribuiu nota afirmando que me processará por que eu o acusara de oferecer R$ 4 milhões para cada deputado disposto a votar contra seu impeachment. Leu errado. Publiquei no blog que a oferta partiu do “esquema interessado” em mantê-lo no cargo. Fazem parte do “esquema” empresários de Brasília que lucraram milhões com obras superfaturadas. Acho até que Arruda não sabia...
Se cedesse à tentação de taxá-lo de corrupto seria processado na hora. Como só cabe à Justiça resolver essa parada – se quiser e quando quiser –, por ora prefiro me referir a Arruda como um idiota. Um rematado idiota. Ou melhor: um idiota imperfeito. Idiota é quem comete uma burrice por descuido ou ignorância. O imperfeito idiota comete a burrice porque se julga inteligente demais, esperto demais.
Logo depois de se eleger governador em 2006, Arruda soube que havia sido filmado recebendo dinheiro vivo durante a campanha. Quem lhe contou? Durval Barbosa, o autor do filme, responsável pelo pagamento de despesas da campanha de Arruda.
Na ocasião, Durval se desculpou: “Eu tenho de me defender...” O filme permaneceria inédito se ele ganhasse um cargo no futuro governo.
Não um cargo qualquer. Mas um com direito a foro privilegiado. Durval coleciona processos desde o governo de Joaquim Roriz, seu mentor. Quem tem foro privilegiado costuma escapar mais facilmente de condenações. Daí... Daí que Arruda nomeou Durval secretário de Relações Institucionais. E ao invés de isolá-lo em seguida, deixou-o cuidar do pagamento do mensalão. Durval passou então a filmar todo mundo.
Em setembro último, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitou mais um processo contra Durval. Arruda prometera dar um jeito para que o processo fosse recusado. Sentindo-se traído, Durval abriu sua filmoteca, sacou de lá 30 vídeos e estragou para sempre a vida de Arruda. Foi a primeira idiotice cometida pelo governador: confiar em quem o chantageara antes e estocava munição para detoná-lo.
A segunda monumental idiotice: tentar se entender com o jornalista Edson Sombra, o amigo de Durval que mais o incentivou a despachar Arruda para o inferno. Sombra diz que Arruda lhe ofereceu R$ 3 milhões. Em troca, ele deveria desqualificar os vídeos dizendo que foram adulterados. Arruda alega que foi procurado por Sombra atrás de favores, e que se recusou a atendê-lo.
Ambas as versões podem conter furos – mas a de Arruda é uma peneira. O deputado Geraldo Naves (DEM) confirma que visitou Sombra a pedido de Arruda. Confirma também que entregou a Sombra um bilhete escrito por Arruda onde ele suplica a certa altura: “Quero ajuda”. Wellington Moraes, secretário de Comunicação do governo, confirma que Arruda e Sombra conversaram por telefone.
Que Arruda aja como um idiota imperfeito é problema dele. Mas que queira nos fazer de idiotas, alto lá! Primeiro o dinheiro filmado com ele era para a compra de panetones. Agora, tudo não passou de mais uma armação de Durval. Foi o sobrinho e secretário-particular de Arruda que providenciou o dinheiro entregue a Sombra. Corrupção, não, mas idiotice é crime imprescritível. Só por isso Arruda merecia estar preso
Governo sai em bloco para responder a FHC
"Não estou desmerecendo ninguém, estou dizendo que o nosso caminho é melhor". Foi assim que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT à Presidência, reagiu ao artigo publicado ontem no Estado em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acusa o presidente Luiz Inácio Lula de mentir quando compara os dois governos. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, também partiram para o ataque a FHC. "Quem escondeu os processos do governo dele foi o Alckmin. Ele ficou envergonhado de defender o governo FHC", provocou Dutra. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), classificou a forma como Lula compara sua gestão à de FHC – não reconhecendo méritos no governo tucano – de "desonesta".
Dilma comanda reação petista a FHC e diz que insistirá em comparações
Com Dutra e Padilha, ela responde a artigo no "Estado" em que ex-presidente acusa Lula de "enunciar inverdades"
Renato Andrade, Tânia Monteiro
O governo saiu ontem em bloco para responder as críticas feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à estratégia do Palácio do Planalto para tentar vencer as eleições de outubro.
Em artigo publicado ontem no Estado, Fernando Henrique afirmou que Lula, levado por "momentos de euforia", está inventando inimigos e enunciando inverdades. O ex-presidente lamentou que o sucessor tenha se deixando contaminar por "impulsos tão toscos" e mostrou disposição para entrar no embate das realizações de cada governo, polarização defendida por Lula. "Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa."
Para Dilma, o que o governo defende é uma comparação para a escolha de caminhos. "Essa é a forma de nós confrontarmos as possibilidades", disse a ministra, pouco antes de participar de um evento do PT, em Brasília. Fernando Henrique afirmou em seu artigo que a estratégia adotada pelos petistas seria uma tentativa de ganhar as eleições "com o retrovisor".
Dilma rebateu. "Comparar não é ficar olhando pelo retrovisor. Comparar é discutir que caminho vou seguir", disse. "Sem sombra de dúvida, houve passos no governo anterior, agora, o que estou dizendo é que o nosso caminho é melhor."
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também defendeu a política de comparações e disse que o PT está disposto a debater com os tucanos suas propostas para o futuro. "Assim que mostrarem o que querem fazer, nós vamos comparar com aquilo que queremos fazer daqui para frente."
DADOS
O ex-presidente argumentou em seu artigo que o governo ignora dados e insiste em contar sua versão dos fatos para tentar "desconstruir o inimigo principal", os tucanos. O empréstimo feito pelo País em 2002, no FMI, foi um dos exemplos citados por Fernando Henrique de custos enfrentados pelo País por anos de "bravatas" do PT que hoje são ignoradas pelos petistas.
Dilma tentou desmontar a argumentação. "O governo pediu US$ 14 bilhões porque só tinha US$ 16 bilhões de reservas e tinha atrelado sua dívida interna ao dólar", disse. "Hoje, temos reservas de US$ 240 bilhões, essa a diferença."
Segundo a ministra, a de cisão de atrelar a dívida ao dólar acabou tendo efeitos perversos.
"Cada vez que havia uma desvalorização, a dívida das empresas, a dívida do governo se multiplicava na proporção da desvalorização", disse. "Diante de cada crise o governo quebrava, ele era parte do problema."
Para Dilma, o atual governo mudou o papel do Estado. "Na hora que a coisa ficou preta, quando acabou o crédito internacional e nenhum banco privado emprestava, foram os nossos bancos públicos que seguraram", comentou. "Não vamos comparar desta vez que o governo brasileiro foi parte da solução?"
A tentativa de colar a imagem do governo com sinais de mudanças radicais também não faz sentido, disse. "O pessoal está um pouquinho atrasado, nem em Davos a gente recebe mais essa crítica."
DUTRA
Citado no artigo de Fernando Henrique, o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, disse que quem não reconheceu os feitos do governo passado foi o candidato tucano ao Planalto em 2006, o ex-governador Geraldo Alckmin. "Quem escondeu os progressos do governo dele foi o Alckmin.
Em seu artigo, Fernando Henrique lembra que Dutra, que já presidiu a Petrobrás, reconheceu que votaria contra uma eventual proposta de volta ao monopólio do petróleo, tema defendido por muitos anos pelo PT. Dutra confirmou essa posição e disse também que já elogiou outra medida tomada pelo governo FHC, hoje alvo de críticas dos próprios tucanos. "Um dos grandes motivos para o crescimento da Petrobrás foi a agilidade que ela ganhou a partir do momento em que não teve mais de cumprir a 8666 (Lei de Licitações).
Agora o TCU bombardeia esse decreto, que é do governo FHC, e a oposição fica do lado do TCU."
TRECHOS
O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. (...) Por trás dessas bravatas estão o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse: "O Estado sou eu." Lula dirá: "O Brasil sou eu!" Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.
Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo o que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.
Na campanha haverá um mote - o governo do PSDB foi "neoliberal" - e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa.
(Lula) Esqueceu-se de que o País pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e dele próprio.
É mentira dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área.
Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.
Colaborou Leonardo Goy