sábado, 20 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Tavares Bastos

Ainda uma vez mais, porém, o espírito público teve de conceder dilação aos poderes do Estado.
Durante as sessões que acabam de passar, a oposição quis, mas o governo impediu-lhe, discutir as medidas legislativas e administrativas por que se clama desde muito.
Quando expira o último eco da tribuna, a imprensa cabe continuar a sua tarefa comum de combater e apontar-nos as reformas.
Aproveitar o tempo do intervalo das sessões legislativas, pôr diante do país, estudar, discutir cada um dos problemas da atualidade, é agora o importante dever da imprensa.

E é a missão, senhor, que o patriotismo nos inspira hoje.

Nestas linhas, soltas ao voar do pensamento, sem formas acabadas, sem linguagem polida, vosso espírito elevado não enxergará um plano misterioso de desacreditar o governo, este ou aquele governo, este ou aquele ministério, esta ou aquela administração. A meu ver, os erros administrativos e econômicos que afligem o Império não são exclusivamente filhos de tal ou tal indivíduo que há subido ao poder, de tal ou tal partido que há governado. Não. Constituem um sistema seguido, compacto, invariável. Eles procedem todos de um princípio político afetado de raquitis, de uma ideia geradora e fundamental: a onipotência do Estado, e no Estado a máquina central, e nesta máquina certas e determinadas rodas que imprimem movimento ao grande todo.


TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido, em “Cartas do Solitário”, 3ª edição, págs. 28-29 – Companhia Editora Nacional , 1938, feira sobre a 2ª edição de 1863)

O balanço da eleição: Jose Roberto de Toledo

AGÊNCIA ESTADO

1) O cenário de fundo para a sucessão de Lula ficou ainda mais governista, com o saldo de aprovação do governo subindo para 71% (76% de ótimo/bom menos 5% de ruim/péssimo), segundo o Ibope.

2) Apesar de a candidata do governo, Dilma Rousseff (PT), ser considerada “favorita” por alguns analistas e políticos (por causa da aprovação recorde do governo), a percepção popular ainda é de que José Serra (PSDB) deve ser eleito presidente em outubro: 45% apostam nele, e só 26% jogam em Dilma, segundo o Ibope.

3) Por enquanto, a eleição não é uma preocupação real para a imensa maioria das pessoas. Só 1 em cada 4 eleitores sabe dizer, espontaneamente, em quem vai votar.

4) O fato de 3/4 dos eleitores não ter candidato na ponta da língua aumenta a volatilidade da intenção de voto estimulada. O entrevistador impõe um problema ao eleitor quando apresenta a cartela com os nomes dos presidenciáveis, um problema sobre o qual a maioria não refletiu em profundidade.

5) Serra é o candidato mais conhecido e com menor rejeição. Isso lhe dá uma vantagem inicial sobre os concorrentes. Na pesquisa Ibope pré-Carnaval ele aparece com 36% na pesquisa estimulada, contra 25% de Dilma, 11% de Ciro Gomes (PSB) e 8% de Marina Silva (PV), além de 11% que dizem pretender anular ou votar em branco e 9% que não sabem responder.

6) A vantagem inicial de Serra diminuiu desde o final do ano passado, à medida que Dilma é identificada como a candidata de Lula por uma parcela crescente do eleitorado governista.

7) A campanha tende à polarização entre o candidato de Lula e o principal candidato da oposição, sem espaço para um tertius.

8 ) Ciro funciona como linha auxiliar do governo e, por ora, mais ajuda do que atrapalha Dilma: no cenário em que o candidato do PSB não aparece como candidato, Serra tem chance de ganhar no primeiro turno (41% do tucano contra 38% dos adversários).

9) Marina tem pouco cacife. Ela é desconhecida por 1 em cada 3 eleitores. Dos que a conhecem, mais dizem que não votariam nela do que admitem essa possibilidade; lhe falta estrutura partidária, dinheiro e tempo no horário eleitoral. Mas Marina pode jogar um papel estratégico se, no meio da campanha, renunciar em favor de Serra, por hipótese.

10) A sucessão é um filme. Cada pesquisa é um fotograma que capta a cena eleitoral naquele instante. Para entender a história completa, é necessário olhar o conjunto dos fotogramas. Analisar o movimento dos candidatos, e tentar identificar as tendências do eleitorado. O instantâneo é pró-Serra. O movimento é pró-Dilma. Mas o filme mal começou e há muitas reviravoltas pela frente.

Os nomes na tela:: J. R. Guzzo

DEU NA REVISTA VEJA

"Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima, e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos, que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro, a não ser votar ‘sim’, ou nele"

Os melhores planos de batalha, como muitos generais têm aprendido ao longo da vida prática, frequentemente não resistem aos dez primeiros minutos de combate. O que estava previsto nos cálculos não acontece como deveria acontecer; acabam acontecendo, em vez disso, coisas que ninguém previu.

O inimigo insiste em não reagir como se esperava que reagisse. Os aliados também, sobretudo quando começam a achar que algo não está saindo do jeito que queriam, ou esperavam. Em suma, quando estoura o tiroteio de verdade, as ideias que até então pareciam ser as mais inteligentes do mundo correm o sério risco de se desmanchar; os comandantes presentes ao campo vão perdendo pouco a pouco sua feição serena, própria aos estrategistas, e assumindo o rosto do jogador que manda para o espaço seus planos de ação anteriores e sai com tudo em busca da carta que vai salvar a noite.

A campanha presidencial de 2010, que na semana passada consagrou enfim a ministra Dilma Rousseff como candidata oficial do governo e do PT, promete oferecer mais uma boa oportunidade para verificar como vão conviver nos próximos meses o plano-mestre que o mundo oficial elaborou para ganhar as eleições e o que acontecerá, de fato, no mundo das realidades.

O que se pode dizer no momento é que o projeto eleitoral do governo, obra cuja autoria principal é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê um grande alicerce central – convencer o público de que as eleições presidenciais de outubro próximo estão sendo disputadas pelo próprio Lula e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É o tal "plebiscito" de que o governo tanto tem falado nos últimos tempos.

Mais do que escolher o nome do próximo presidente da República, o eleitorado teria de julgar o desempenho do presidente atual e compará-lo com o do seu antecessor; deveria dizer, em termos de "sim" ou "não", se aprova esse desempenho ou, então, se ele é melhor que o de FHC. Caso o eleitor entenda o espírito da coisa, a fatura estaria praticamente liquidada. Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima, e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos, que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro, a não ser votar "sim", ou nele.

A dificuldade principal desse plano é que Lula e Fernando Henrique não são candidatos a cargo nenhum. Seus nomes e retratos não vão aparecer na tela de votação, no dia das eleições; em seu lugar o cidadão terá diante de si os candidatos reais, e só poderá escolher entre eles. E aí?

Aí, para a superior estratégia oficial dar certo, e para todos os efeitos práticos, o eleitor terá de clicar em "Dilma" e não no seu principal adversário, possivelmente o governador José Serra, ou em qualquer dos demais candidatos. Lula e os cérebros políticos que o cercam apostam que será assim. Bom mesmo, para o governo, seria se a Constituição tivesse sido mudada e o presidente pudesse estar disputando um terceiro mandato, como se sonhou durante algum tempo; mas acabou não dando certo, e o que sobrou de mais próximo a isso foi o plano ora em execução. Suas chances de sucesso começam com a utilização, como jamais se viu antes neste país, da máquina pública em favor da candidatura oficial.

Continuam com a vantagem no tempo de propaganda pelo rádio e televisão. Contam, sempre, com uma arma que Lula maneja melhor que ninguém: a técnica de inventar inimigos, como Fernando Henrique apontou recentemente, para travar batalhas imaginárias.

Esses inimigos não têm nome: são "eles", apenas. Podem, portanto, ser acusados de absolutamente tudo. "Eles" vão acabar com o Bolsa Família. "Eles" vão acabar com as "obras do PAC", que incluem, na interpretação oficial, tudo o que está sendo construído em algum lugar do Brasil por governos estaduais e municipais, empresas estatais e companhias privadas. "Eles" vão entregar as estatais ao capital estrangeiro.

"Eles" querem que a oposição ganhe as eleições porque não se conformam que Lula esteja fazendo um governo "em favor dos pobres". Há, enfim, a fé sem limites na própria superioridade. A candidata Dilma, inclusive, parece ter descoberto uma fórmula para calcular, matematicamente, quanto o governo Lula é melhor que o anterior. Segundo a conta da ministra, é "400 vezes" melhor.

O presidente, além disso, acaba de lembrar que ganhou prêmios dos jornais El País e Le Monde e que Fernando Henrique não ganhou nada de nenhum dos dois; o que mais o eleitorado poderia querer? Respostas, mesmo, só depois que a batalha começar.

Queda de braço:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula aproveitou a sua ampla popularidade para, na comemoração dos 30 anos da fundação do PT, enquadrar mais duramente ainda o partido, que já ensaiava a recuperação de sua autonomia diante da possibilidade de vitória da ministra Dilma Rousseff na sucessão presidencial.

Na presunção de que, com sua eleição, voltará a ser o centro do poder partidário no novo governo, o PT tratou de aprovar um programa mais à esquerda, com pontos que suscitaram polêmicas no Programa Nacional dos Direitos Humanos ou na Conferência Nacional de Comunicações, como a taxação de grandes fortunas, o controle social dos meios de comunicação e a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que ainda está em discussão no Congresso.

Procurando tirar dos ombros de sua candidata oficial o esquerdismo petista, o próprio presidente disse em entrevista ao “Estadão” que o fato de o partido ter programas mais radicais não quer dizer que o futuro governo os adotará.

Também o PMDB pretende apresentar o seu programa para um eventual governo Dilma, que certamente se chocará com as diretrizes mais esquerdistas aprovadas ontem no programa do PT.

Mas o fato é que o próprio perfil político da candidata oficial, e a escolha de Marco Aurélio Garcia para coordenar sua campanha, dão coerência à tentativa petista de ir mais para a esquerda.

Entre o esquerdismo e o pragmatismo, Lula vai se equilibrando. Assim como pretende impor ao PMDB a escolha de Henrique Meirelles como vice na chapa oficial, para tranquilizar os investidores, Lula acena ao PMDB em contrapartida com acordos regionais que favoreceriam o partido em detrimento do PT, tudo com seu objetivo central, o de eleger sua sucessora.

É improvável que cumpra o que está afirmando, mas, se Lula e Dilma não forem a estados em que dois candidatos a governador sejam de sua base aliada, estarão prestando um auxílio grande à oposição, e rapidamente essa base se esfacelará.

A começar pelo PMDB, que não terá unidade suficiente para oficializar seu apoio à candidata petista sem a garantia de que o presidente popular estará presente nos palanques.

Dilma sem Lula simplesmente não existe, nem para o eleitorado nem para os partidos aliados. Lula abandonar a campanha eleitoral é uma possibilidade menor do que nevar no Nordeste.

O que ele está querendo é demonstrar dramaticamente que a receita para a vitória é a união dos aliados, tentando pressionar o PT a abrir mão de candidatura isolada em estados em que o PMDB também é forte.

A base aliada tem problemas sérios em vários estados.

Na Bahia, o ministro da Integração Nacional , Geddel Vieira Lima, do PMDB, tem uma disputa pessoal com o governador Jaques Wagner, do PT, que parece ser insolúvel.

Embora tenha sido um aliado no governo Fernando Henrique, a composição com Geddel já pareceu mais fácil, a não ser que Paulo Souto, do DEM, desista da candidatura ao governo para apoiá-lo, o que parece difícil, mas não impossível, já que Souto está à frente de Geddel nas pesquisas.

Em Minas, a liderança das pesquisas é do ministro das Comunicações, Hélio Costa, do PMDB, mas o PT tem um esquema político forte que não abre mão de indicar seu candidato entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias.

Costa também transita bem no PSDB do governador Aécio Neves, e daí pode sair uma negociação política que enfraqueça a base aliada do governo.

No Rio de Janeiro, a disputa entre o governador Sérgio Cabral, do PMDB, e o ex-governador Garotinho, do PR, está atingindo a candidatura de Dilma, que procurou Garotinho e irritou o governador peemedebista.

No Rio Grande do Sul, há a disputa do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, do PMDB, com o ex-ministro da Justiça Tarso Genro.

Tido como apoiador da candidatura Serra, o prefeito peemedebista tem enviado sinais nos últimos dias de que pode ficar com Dilma, mas a relação do PT e do PMDB gaúchos é historicamente difícil.

Em Mato Grosso do Sul, o governador do PMDB, André Puccinelli, disputa a eleição contra Zeca do PT, e tem o apoio do PSDB estadual.

Essa tentativa petista de ganhar espaço para a esquerda no programa de governo de Dilma Rousseff não corresponde à trajetória do partido nos últimos anos, que o levou ao poder.

Para o cientista político Hamilton Garcia de Lima, professor do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado da Universidade do Norte Fluminense, “os embates internos e os externos (eleitorais) foram importantíssimos para que Lula se agigantasse e, de certa maneira, se autonomizasse diante do próprio partido”.

Segundo ele, somente depois de perder novamente no primeiro turno para Fernando Henrique, na eleição de 1998, “Lula e seu grupo se convenceram de que deviam mudar de rumo e romper com a obstinada postura antidemocrática da esquerda petista”.

A Carta ao Povo Brasileiro, na eleição de 2002, inaugurou, na visão de Hamilton Garcia, “uma mudança fundamental no pacto petista, agora baseado na franca superioridade da intuição pragmática dos sindicalistas sobre o cálculo estratégico da esquerda”.

Outro especialista em PT, o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), diz que “a busca pela maximização de votos acabou por conduzir o PT — sobretudo a partir do final dos anos 90 — a uma postura de maior aproximação com setores do eleitorado que não eram suas bases originárias”.

Na sua análise, “se Dilma ganhar com o apoio dos eleitores ‘lulistas’ (muitos deles ideologicamente conservadores), não é razoável imaginar que esta conexão venha a ser substituída por um reavivamento das conexões mais esquerdistas dos primeiros anos do partido”.

(Amanhã, O Lulismo e o petismo)

Tocqueville em tempos de populismo:: Ricardo Vélez Rodríguez

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Editora Martins Fontes publicou, no final do ano passado, O Antigo Regime e a Revolução (tradução de Rosemary C. Abílio, São Paulo: Martins Fontes, 2009, 286 páginas), de Alexis de Tocqueville (1805-1859), livro que viu a luz, pela primeira vez, em 1856.

Precedentemente, com a publicação de A Democracia na América, em 1835, Tocqueville havia logrado notável sucesso na recuperação do ideal democrático. A democracia fora associada à anarquia (e à correlata instabilidade política) instaurada pela Revolução Francesa. O livro viera comprovar que esta não se vinculava à instauração do governo representativo, mas às elucubrações de Jean-Jacques Rousseau, num modelo conhecido como democratismo. Essa distinção ficaria muito nítida depois da Revolução de 1848, na França, na medida em que já se dispunha de termo de comparação. A Revolução de 1830 introduzira, em caráter pioneiro no país, instituições liberais. Entre outras coisas, o confronto iria evidenciar que o democratismo continuava atuante, preservada a sua capacidade demolidora.

Tocqueville parte do registro de que, em 1789, os franceses se propuseram a cortar em dois o seu destino. Imaginavam poder separar por um abismo o que haviam sido até então do que queriam ser dali em diante. Pessoalmente, acreditava que haviam tido menos sucesso do que imaginavam. A fim de testar essa hipótese, era mister "interrogar em seu túmulo uma França que não existe mais" e tentar reconstituir, com base na documentação preservada, os traços essenciais do Antigo Regime. Descreve as dificuldades encontradas nessa investigação e resume os principais resultados. "O que é válido dizer", escreve, "é que destruiu inteiramente ou está destruindo (pois perdura) tudo o que, na antiga sociedade, decorria das instituições aristocráticas e feudais, tudo o que de algum modo se ligava a elas, tudo o que trazia delas, em qualquer grau que fosse, a menor marca. Conservou do antigo mundo apenas o que fora alheio a essas instituições ou podia existir sem elas. (...) A Revolução (...) pegou o mundo de surpresa, é bem verdade, e, entretanto era apenas o complemento do mais longo trabalho, o encerramento súbito e violento de uma obra na qual dez gerações de homens haviam trabalhado. Se não tivesse acontecido, o velho edifício social não teria deixado de cair em todo lugar, aqui mais cedo, ali mais tarde; apenas teria continuado a cair parte por parte em vez de desmoronar de uma só vez. A Revolução concluiu bruscamente, por um impulso convulsivo e doloroso, sem transição, sem precaução, sem complacência, o que teria se encerrado pouco a pouco, por si mesmo ao longo do tempo. Essa foi a sua obra" (ed. cit., páginas 24-25).

Basicamente, O Antigo Regime e a Revolução viria comprovar que o centralismo cartorial constituiu traço marcante da política no século 18 e nas décadas que se seguiram à Revolução Francesa. Ao contrário do que se alardeava, a Revolução não se fizera para debilitar o poder político. O registro da tradição acha-se expresso com as seguintes palavras: "Um estrangeiro, a quem fossem entregues hoje todas as correspondências confidenciais, que enchem os arquivos do Ministério do Interior e das administrações departamentais, logo ficaria sabendo mais sobre nós do que nós mesmos. Como se verá ao ler este livro, no século XVIII, a administração pública já era muito centralizada, muito poderosa, prodigiosamente ativa. Estava incessantemente auxiliando, impedindo, permitindo. Tinha muito a prometer, muito a dar. Já influía de mil maneiras, não apenas na condução geral dos assuntos públicos, mas também na sorte das famílias e na vida privada de cada homem. Ademais, era sem publicidade, o que os levava a não terem receio de expor a seus olhos até as fraquezas mais secretas" (ed. cit.; Prefácio, página XLIII).

Tocqueville chamava a atenção para o efeito político que esse centralismo causava na sociedade francesa: o despotismo. O centralismo tirava da sociedade a sua iniciativa e a transformava em eterno menor de idade perante o Estado todo-poderoso. O grande mal causado à França pelo centralismo era antigo. A substituição paulatina do velho direito consuetudinário germânico pelo direito romano situava-se nas origens de todos os males, e era como que a fonte jurídica legitimadora do processo centralizador, que se alastrou depois por todos os aspectos da vida social. O despotismo é, na sua essência, centralizador.

Atrelada assim à diretriz norteadora do Estado moderno (substituir a descentralização feudal pelo centralismo monárquico), graças à influência dos "philosophes", Rousseau à frente, a Revolução Francesa abriu uma senda distanciada do que efetivamente de novo trouxera a Revolução Gloriosa inglesa: o governo representativo, que, progressivamente, iria incorporar o ideal democrático. Na preservação deste, no continente, seria igualmente decisiva a contribuição de Alexis de Tocqueville.

O processo revolucionário fez ruir um governo e um reino, mas sobre essas cinzas ergueu um Estado muito mais poderoso que o anterior. Algo semelhante ao que ocorre, atualmente, com os movimentos populistas latino-americanos, que alegam estar libertando os seus povos do neoliberalismo, dando ensejo a propostas cada vez mais estatizantes, fenômeno do qual não escapa o Brasil, levando em consideração os últimos pronunciamentos do presidente Lula e da sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff, que apregoam claramente a volta do antigo estatismo como solução mágica para todos os nossos problemas.

Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Aquele abraço:: Melchiades Filho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O encerramento do congresso do PT, hoje, deverá significar uma guinada na campanha de Dilma Rousseff. Assim que descer do palanque, depois de lançar as bases da sua plataforma de governo, a ministra perderá o direito de dizer não à "classe política".

Todos (menos a Justiça eleitoral) sabem que Dilma está candidata desde o anúncio do PAC, em 2007.

Até ontem, porém, ela pôde driblar as demandas mundanas de deputados, vereadores, cabos eleitorais etc. Bastava alegar a sobrecarga na agenda, devido a compromissos de governo, ou que a candidatura ainda não havia sido formalizada.

Por muito tempo, portanto, Dilma tirou proveito do que veteranos do PMDB chamam de "candidatura ausente": a campanha rola solta, mas o concorrente se reserva às articulações de "alto nível" e às aparições de impacto midiático, sempre com a desculpa a tiracolo para descartar o baixo clero dos partidos e as queixas dos correligionários.

Lula costuma dizer a amigos que, na política, um abraço muitas vezes faz diferença. Tapinha nas costas não serve. Tampouco adianta guardar distância com os braços, como numa valsa.

Um abraço, para ser eficaz, tem de engatar, puxar o outro com convicção e forçar o encontro dos pescoços, a comunhão sanguínea da temperatura e do pulso.

As pessoas mais próximas a Dilma afirmam que ela não só prestou atenção a essa aula como tomou gosto pela lição de casa. Segundo essa narrativa, quando encarnou o projeto eleitoral e aceitou conhecer de perto os brasileiros, ela teria "redescoberto o próprio corpo".

Essas mesmas pessoas dizem, porém, que a jornada "tátil" da ministra está incompleta. Se ela já disfarça um samba na Sapucaí e o rebolation na Bahia, ainda trava na frente de políticos. A empatia é zero.

Com a aclamação pelo PT, a candidata não poderá mais adiar esse abraço na militância. E nada de tapinha nas costas. Terá de oferecer o pescoço e puxar o do outro.

"A mulher do Lula":: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Debates intermináveis, ânimos alterados, faíscas no ar. Esqueça tudo isso. A febre do assembleísmo desta vez não se apossou do PT. Ontem, durante as discussões em torno da política de alianças e das diretrizes para o programa de governo de Dilma Rousseff, o clima do 4º Congresso Nacional do partido não poderia ser mais frio, cordato e comportado.

No auditório, os delegados mais pareciam um rebanho de ovelhas. Falas breves e quase sempre mornas eram seguidas de votações previsíveis a favor da direção partidária. Mesmo as concessões pontuais à esquerda -destacadas com tanto estardalhaço- parecem ser apenas migalhas de pão amanhecido do socialismo para satisfazer uma militância já satisfeita pelo lulismo.

O congresso do PT cumpre um roteiro de cartas marcadas. As ovelhas negras e desgarradas perderam o antigo apelo e hoje são espécimes exóticas a enfeitar a paisagem. Nesse ambiente pacificado de cima para baixo, não há, como diz um dirigente petista, nenhuma disposição para tornar visíveis atritos ou divergências que possam atrapalhar a candidatura de Dilma.

A ex-prefeita Marta Suplicy fala em "amadurecimento político" para descrever o que o secretário-geral, José Eduardo Cardozo, chama de "o mais calmo dos congressos do PT". O fato, muito evidente em Brasília, é que o partido ritualiza sua rendição ao êxito do lulismo.

Candidata indicada pelo presidente, Dilma será hoje referendada com festa pelo PT. Mais definida ideologicamente do que Lula, a ministra será naturalmente acolhida pela base social histórica do petismo. Seu desafio não é esse, mas antes o contrário: sendo cria de Lula, ela terá de transpor os limites do partido para alcançar a massa que compõe a base social do lulismo.

Essa é a "grande interrogação" da campanha, que a euforia de hoje não irá dissipar. Como diz Maria da Conceição Tavares, convidada de honra do congresso petista, para o povão, Dilma é "a mulher do Lula". Só veremos lá adiante, nas urnas, o que pensam disso os filhos do casal.

Cia Brasileira de Ballet - O Quebra-Nozes Grand Pas Parte 1 - Adagio

Serra lidera em todos os cenários, diz Ibope

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano chega a 41% das intenções de voto quando Ciro deixa disputa; em relação a dezembro, só Dilma subiu e os demais seguem estáveis

Guilherme Scarance

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), lidera todos os cenários da corrida à Presidência, indica pesquisa Ibope/Diário do Comércio divulgada nesta semana. De acordo com a sondagem, encomendada pela Associação Comercial de São Paulo, os resultados do tucano, no primeiro turno, variam de 36% a 41% das intenções de voto.

No principal cenário, o tucano tem 36% e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, 25%. A pesquisa, feita entre os dias 6 e 9, com 2.002 entrevistados, mostra que os candidatos seguem estáveis em relação aos dados de dezembro, com exceção da petista, que cresceu oito pontos. Serra oscilou dois pontos para baixo.

Em terceiro lugar, nessa lista, aparece o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), com 11% (em dezembro, eram 13%), seguido da senadora Marina Silva (PV-AC), com 8% (antes, 6%). Votariam em branco ou anulariam o voto 11% e 9% se disseram indecisos ou não responderam. A margem de erro é de dois pontos.

O melhor desempenho de Serra, quando abre 13 pontos de distância em relação a Dilma, é no cenário sem Ciro. Nesse quadro, o tucano aparece com 41% e a petista, com 28%. Marina, em terceiro, teria 10%. Em branco ou nulo somaram 12% e os últimos 9% não souberam ou não quiseram responder.

Para a diretora-executiva de atendimento e planejamento do Ibope, Márcia Cavallari, "os cenários estimulados pela pesquisa mostram que, com a saída de Ciro da disputa, aumenta a probabilidade de a eleição acabar no primeiro turno".

SEGUNDO TURNO

Mantido o segundo turno, o governador paulista venceria a adversária do PT por 47% a 33%. Voto em branco e nulo totalizaram 12% e 8% dos entrevistados não souberam responder.

Ainda segundo o Ibope, a maior parte das pessoas ouvidas prevê que o PSDB vencerá a corrida ao Planalto. Quando indagados sobre quem será o próximo presidente, independentemente da intenção de voto, 45% responderam Serra e 26% citaram a titular da Casa Civil.

O instituto indagou, ainda, se os entrevistados conheciam os candidatos "bem", "mais ou menos" ou "só de ouvir falar".

De acordo com os resultados, 44% declararam que conhecem "bem" o governador paulista. Ciro, Dilma e Marina obtiveram o seu maior porcentual na categoria dos entrevistados que os conhecem "só de ouvir falar": 46%, 43% e 41%, respectivamente.

No detalhamento do grau de conhecimento dos candidatos, o Nordeste desponta como ponto fraco tanto de Dilma quanto de Serra. Só 7% dos moradores da região dizem conhecer bem a petista. No caso do tucano, são 11%.

Ainda nesse quesito, o melhor placar de Serra foi no Sudeste, onde o conhecem bem 42%. Dilma obteve o melhor índice no Sul e Norte/Centro-Oeste, com 17%.

REJEIÇÃO

No critério da rejeição, o deputado do PSB encabeça a lista - 41% não votariam no deputado de jeito nenhum. Em seguida, vêm Marina (39%), Dilma (35%) e Serra (29%).

Governo Serra contesta dados de Lula sobre cargos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Administração paulista informa ter metade dos funcionários de confiança citados pelo presidente

Silvia Amorim

O governo paulista contestou os dados sobre funcionários de confiança na gestão José Serra (PSDB) apresentados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista exclusiva ao Estado publicada ontem. A administração estadual informou ter cerca de metade dos cargos citados por Lula.

Na entrevista, o presidente reagiu às críticas de aumento excessivo do funcionalismo na sua gestão dizendo que a União tem, proporcionalmente, menos cargos de confiança em comparação ao governo de São Paulo e à prefeitura paulistana. Segundo ele, há na esfera federal 11 cargos comissionados para cada 100 mil habitantes, enquanto o governo estadual tem 31 e o municipal, 45. Em números absolutos, isso daria cerca de 21 mil comissionados no governo federal, 13 mil no governo paulista e 5 mil na prefeitura.

A Secretaria de Estado de Gestão Pública divulgou, em nota, que o número de cargos de confiança no governo Serra é 6.239 - o equivalente a 15 funcionários por cada 100 mil habitantes. Esse seria o contingente de pessoal em cargo comissionado da administração direta, não contabilizando funcionários de autarquias, empresas estatais, fundações e universidades. O número de comissionados dessas áreas não foi informado.

Segundo o Ministério do Planejamento, o dado usado por Lula para a esfera federal diz respeito também à administração direta. A Prefeitura de São Paulo não se manifestou sobre a declaração de Lula nem informou dados do seu quadro de pessoal solicitados pela reportagem.

O debate sobre inchaço da máquina se insere numa discussão ainda maior - sobre a condução da política fiscal no governo federal - que já vem produzindo debates acalorados entre governo e oposição com vistas à eleição presidencial deste ano.

Para o governo paulista, a comparação feita por Lula foi "inadequada", alegando que o governo federal e o Estado têm estruturas administrativas com dimensões bastante diferentes. Segundo a secretaria, o Estado tem uma rede de escolas, hospitais e postos de saúde e de instituições ligadas à segurança pública, como delegacias e penitenciárias, maior do que a da União. Em todas elas, os cargos de chefia, como de delegado de polícia, de diretores de unidades de ensino ou de hospitais, são funções comissionadas, mas exercidas por funcionários de carreira. Segundo a administração paulista, isso faz com que o quadro geral de comissionados seja maior, mas defende que não significa, necessariamente, inchaço.

"O Estado tem funções de prestador de serviço muito maiores do que a União que demandam mais servidores. Essa comparação é indevida", afirmou o atual secretário estadual de Desenvolvimento de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin.

Entre os cargos comissionados citados por Lula há funcionários de carreira, que prestaram concurso público, que estão em cargos de comissão. Há também aqueles que entraram na administração por indicação para uma função de confiança (não concursados). Nessa comparação, o governo federal apresenta, proporcionalmente, um número menor. São 5.678, 3 por cada 100 mil habitantes, ante 3.236, 7 por 100 mil habitantes.

Para especialistas em finanças públicas ouvidos pelo Estado, a discussão sobre cargos comissionados leva a um diagnóstico superficial sobre a eficiência e o inchaço da máquina pública.
"É uma comparação vazia. Não diz muita coisa. Um dado mais representativo é o de total de servidores efetivos, os concursados. Quando se fala em inchaço é a esse contingente que se faz referência. Por causa da estabilidade, são eles que causam, em parte, o engessamento da máquina em termos de despesa, comprometendo futuras gestões", analisa o economista do Ipea Marcelo Caetano. "Mais relevante é analisar a despesa com pessoal e o peso que ela tem, no orçamento como um todo", completou o analista da Tendências Consultoria Felipe Salto.

Serra defende mais investimento em infraestrutura

DEU EM O GLOBO

Governador aproveita inauguração para dizer que está fazendo o maior gasto com obras de saneamento do país

Wagner Gomes

SANTOS - Pré-candidato a presidente da República pelo PSDB, o governador de São Paulo, José Serra, aproveitou ontem a inauguração de uma obra de tratamento de esgoto em Santos, no litoral paulista, para dizer que o país precisa de mais investimentos em infraestrutura.

E disse que São Paulo está fazendo o maior investimento no país em obras de saneamento.

Segundo ele, estão sendo empregados R$ 1,4 bilhão na Baixada Santista e R$ 500 milhões no litoral norte. Até 2011, o governo espera um aumento na coleta de esgoto na região de 53% para 95%.

— É o maior investimento no Brasil inteiro em obra de saneamento.

Estamos fazendo isso em toda a Baixada Santista e litoral norte. A ideia é reduzir a mortalidade infantil, criar maiores condições de meio ambiente e melhorar a qualidade de todas as praias — disse Serra, que ainda não assumiu oficialmente que disputará a sucessão do presidente Lula.

A presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Cassilda Teixeira Carvalho, disse que, de fato, esse é o maior investimento em saneamento básico no país. Normalmente, os recursos em tratamento de esgoto giram em torno de R$ 350 milhões. O gasto com tratamento de água é um pouco maior: R$ 1 bilhão.

Cassilda explicou que apenas 15% da população de São Paulo e Minas Gerais não têm rede de esgoto. O percentual é bem menor que o registrado no Brasil, onde metade da população não tem esgoto tratado.

A secretária de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, Dilma Pena, disse que o governo Serra já inaugurou 90 estações de tratamento de esgoto e vai entregar mais 66 até dezembro. Os investimentos chegam a R$ 13,2 bilhões desde o início da administração.

Ela criticou a falta de recursos do governo federal para financiar obras de saneamento nos estados.

— O governo federal só liberou os recursos nos últimos três anos. Isso significa que Lula perdeu quatro anos do seu governo sem liberar recursos para investimentos na área — disse Dilma Pena.

Petistas decidem radicalizar projeto de governo de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Texto do partido defende taxa sobre fortunas e jornada de 40 horas semanais

O PT decidiu radicalizar a programa de governo da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que será aclamada hoje como candidata do partido à sucessão do presidente Lula. A guinada à esquerda foi reforçada ontem, quando o 4º Congresso Nacional do partido aprovou emendas às diretrizes do programa de governo de Dilma. As mudanças pregam o combate ao monopólico dos meios de comunicação eletrônicos, cobrança de impostos sobre grandes fortunas, apoio total ao polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos e jornada de trabalho de 40 horas semanais sem diminuição do salário. Em entrevista ao Estado, publicada ontem, Lula afirmou que nos congressos do PT sempre aparecem teses para todos os gostos: “É que nem uma feira de produtos ideológicos”.

PT radicaliza programa de Dilma

Partido reforçou guinada à esquerda ao aprovar emendas e apresentar mudanças durante congresso nacional

Vera Rosa, Clarissa Oliveira e Wilson Tosta

O PT decidiu radicalizar o programa de governo da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que será aclamada hoje como candidata do partido à sucessão do presidente Lula com um discurso contundente de herança governista. A guinada à esquerda foi reforçada ontem, quando o 4º Congresso Nacional do partido aprovou emendas às diretrizes do programa de governo de Dilma. As mudanças pregam o combate ao monopólio dos meios de comunicação, cobrança de impostos sobre grandes fortunas, apoio incondicional ao polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos e jornada de trabalho de 40 horas semanais sem redução do salário.

Na tentativa de se aproximar do Movimento dos Sem-Terra (MST), o plenário petista também deu sinal verde para encaixar na plataforma da campanha de Dilma a atualização dos índices de produtividade para efeito de reforma agrária. Intitulado A Grande Transformação, o documento manteve o mote do projeto nacional de desenvolvimento, com ampliação do papel do Estado na economia e fortalecimento dos bancos públicos.

O controle da mídia foi aprovado no eixo das diretrizes que tratam do acesso à comunicação. O trecho que passou pelo crivo do congresso diz que as medidas para promover a democratização da comunicação social devem ser voltadas para "combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento".

O texto cita como parâmetro resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro. A reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social, o fim da propriedade cruzada, a exigência de porcentagem de produção regional, a proibição de sublocação de emissoras e direito de resposta coletivo também recheiam o pacote aprovado.

"Polêmica sempre há no PT, mas vamos submeter as decisões a um processo suprapartidário", resumiu o ex-presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP). "Estamos aprovando diretrizes que o PT entende como corretas, mas tudo será apresentado à candidata, à sociedade e aos partidos", reforçou o novo presidente do partido, José Eduardo Dutra.

Em entrevista ao Estado, publicada ontem, Lula disse que nos congressos do PT sempre aparecem teses para todos os gostos. "É que nem uma feira de produtos ideológicos", comparou. "As pessoas compram o que querem e vendem o que querem." Lula observou, porém, que o PT terá "sabedoria" para não jogar fora a experiência acumulada em quase oito anos de governo. "Isso é riqueza que nem o mais nervoso trotskista seria capaz de perder."

Ao fazer questão de destacar na plataforma de Dilma a defesa do Plano de Direitos Humanos, o PT também incluiu no texto o apoio à Comissão da Verdade para "esclarecimento público dos casos de tortura, assassinatos e desaparecimentos políticos".

Após saber que a jornada de 40 horas semanais fora encaixada no texto sem a cautela anterior - que previa a construção de consenso sobre o assunto -, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), afirmou que a bandeira pode virar letra morta. "No fim das contas, quem decide isso é o outro Congresso."

Além do Plano de Direitos Humanos, outra emenda que promete polêmica diz que as Forças Armadas devem respeito à "diversidade homoafetiva". Por pouco não passou, também, a retomada do monopólio do petróleo.

PT apresenta programa mais radical para Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Partido aprova reforma agrária, jornada menor e taxação de fortunas

O 4º Congresso Nacional do PT, que hoje oficializa a ministra Dilma Rousseff como o nome do partido à sucessão do presidente Lula, radicalizou propostas que serão apresentadas ao plano de governo da candidata.

Compromisso com a redução da jornada de trabalho, taxação de grandes fortunas, avanços na reforma agrária e combate ao “monopólio” da imprensa agora fazem parte das diretrizes da campanha petista.

Nos bastidores, porém, dirigentes petistas dizem que as alterações têm o objetivo de aumentar a coesão interna. Antes de prevalecerem, devem ser submetidas à própria candidata e aos partidos que comporão a chapa.

O discurso de Dilma hoje no encerramento do congresso vai enfatizar a manutenção da política econômica. Ela deve destacar o que chama de “desenvolvimento integrado” – crescimento com progresso social.

PT aprova documento final com diretrizes à esquerda

Cúpula do partido afirma que texto é "genérico" e ainda será discutido e alterado

Documento, que toca em pontos polêmicos, servirá de base inicial para o programa de governo da candidatura de Dilma à Presidência


Ana Flor, Eduardo Scolese, Malu Delgado, Ranier Bragon e Valdo Cruz

BRASÍLIA - O 4º Congresso Nacional do PT, que hoje oficializará a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) para a corrida ao Palácio do Planalto, aprovou ontem um documento final que radicaliza propostas do partido em áreas sensíveis, como reforma agrária, imprensa e o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos.

Agora, compromisso com a redução da jornada de trabalho, taxação de grandes fortunas, avanços na reforma agrária e combate ao "monopólio" da imprensa, entre outros pontos, fazem parte das diretrizes da campanha petista.

O texto é a base preliminar do plano de governo da candidata. Nos bastidores, porém, os dirigentes petistas afirmam que as alterações, que afagam a ala mais à esquerda da legenda, têm o objetivo de aumentar a coesão interna para a festa de hoje. Ou seja, devem ser ignoradas ou diluídas após serem submetidas à própria candidata e aos partidos aliados.

A cúpula do PT diz que não se trata de uma guinada à esquerda. "Vou falar pela milésima vez: essas são apenas diretrizes, que serão submetidas à candidata, à sociedade e aos partidos aliados", afirmou José Eduardo Dutra, que ontem assumiu o comando do partido."O programa de diretrizes é algo o mais genérico possível, ainda precisam ser ouvidos a candidata, os aliados e setores da sociedade, como sindicatos e empresários", disse Ricardo Berzoini, que deixou a presidência da legenda.

O debate de ontem sobre as emendas ao texto -submetidas a um plenário de cerca de 1.300 delegados- contrariou a tradição de longas discussões. As propostas eram aprovadas ou rejeitadas após curtos encaminhamentos de cinco minutos cada um, quando muito. Tudo para seguir o script da "unidade partidária" em torno de Dilma.

A primeira das emendas aprovadas foi a que substitui o texto que falava na construção de "consenso para lograr a jornada de trabalho de 40 horas" para outro que prega "compromisso" com as 40 horas (hoje a jornada é de 44 horas semanais), sem redução de salário.

Logo após, os delegados aprovaram a adoção pelo novo governo de medidas para "combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento".

Também foram incorporadas às diretrizes a tributação sobre grandes fortunas, o apoio incondicional ao 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e a determinação de que as Forças Armadas devem respeitar a diversidade homoafetiva.

No campo agrário, os delegados petistas incluíram, em uma única emenda, diferentes pautas do campo não cumpridas após promessas do presidente Lula, entre as quais a atualização dos índices de produtividade, a ampliação do controle sobre a compra de terras por estrangeiros e a revogação de medida provisória editada no governo FHC que exclui da lista de assentados aqueles que participem de invasões de terra.

Apesar do afago à esquerda, os petistas rejeitaram algumas teses "pop" do setor, como a que previa a retomada do monopólio do petróleo.

Não houve discussão, com base em um pré-acordo entre as alas petistas, sobre a manutenção da política macroeconômica -em junho de 2002, o então candidato Lula lançou uma "Carta aos Brasileiros", com compromisso de moderação na economia, com o objetivo de acalmar o mercado financeiro.

Hoje Lula e Dilma encerrarão o evento pela manhã. À noite, o cantor Jorge Ben Jor fará um show. O congresso teve custo divulgado de R$ 6,5 milhões.

Na discussão das emendas ao texto, Dutra e o coordenador do programa de Dilma, o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, fizeram críticas à oposição.

"Não estamos propondo re-estatizar nada. Estamos propondo que esses organismos sejam fortalecidos. Se a oposição é contra, ela tem que dizer claramente qual é a posição dela.

Quando a gente disser que eles querem privatizar, não venham dizer que eu estou fazendo terrorismo", disse Dutra sobre as diretrizes que propõem o fortalecimento do Estado.Marco Aurélio fez crítica indireta às gestões do PSDB e do DEM em São Paulo. Segundo ele, o novo governo não poderá ficar de braços cruzados "assistindo às enchentes que penalizam as populações em São Paulo e em outras cidades do país".

PT aprova programa radical para a campanha de Dilma

DEU EM O GLOBO

Ministra fará discurso hoje com tom moderado em defesa da estabilidade

Ao aprovar diretrizes do programa de governo para a pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff ao Planalto, o congresso do PT incluiu no documento teses mais radicais e à esquerda do texto base da Executiva. Entre elas, taxação gradativa das grandes fortunas, combate ao monopólio dos meios de comunicação e mudança na legislação sobre telecomunicação. Por pressão da CUT, os 1.300 delegados aprovaram o compromisso de tentar reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Foi derrotada a emenda que previa a inclusão do nome do PMDB como aliado preferencial na campanha presidencial. O congresso termina hoje, com o lançamento da pré-candidatura da ministra. Em seu discurso, Dilma fará um contraponto às teses esquerdistas, reafirmando o compromisso com a estabilidade econômica.

De volta ao passado

PT aprova propostas radicais e polêmicas para o projeto de governo de Dilma

Maria Lima e Soraya Aggege*

BRASÍLIA - Os participantes do 4º Congresso Nacional do PT aprovaram ontem o texto final das diretrizes do programa de governo da sua pré-candidata à Presidência, ministra Dilma Rousseff, com um viés mais esquerdista e radical em relação ao texto inicial proposto pela Executiva Nacional. Os 1.300 delegados do PT no encontro incluíram no programa de governo de Dilma teses históricas mais à esquerda, como taxação gradativa das grandes fortunas e medidas de combate ao que chamam de monopólio dos meios de comunicação.

Com mobilização da CUT no encontro, também foi aprovada emenda tornando mais afirmativo o compromisso com a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem redução de salário. Na parte dos Direitos Humanos, foram aprovadas emendas que tratam da reforma agrária, como o fim da criminalização dos movimentos sociais e a reintegração de posse sem violência. Foi aprovada ainda, por unanimidade, uma moção de apoio incondicional do PT ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), que prevê a criação de uma Comissão da Verdade para rever atos cometidos por militares na ditadura.

O Congresso do PT será encerrado hoje, com o lançamento da précandidatura de Dilma, que ontem não participou do encontro. A convenção que oficializará a candidatura será em junho, no período previsto pela legislação eleitoral.

Lula não comenta propostas radicais

O presidente Lula participou do encontro e discursou no fim da noite de ontem, defendendo que o PT invista numa política de alianças. Ele não comentou, porém, as propostas aprovadas horas antes pelos petistas. Emocionado e ovacionado, lembrou que sua eleição só foi possível depois de abrir-se para acordos com outros partidos.

Este ano, disse, o PT deve abrir mão de governos estaduais em prol de objetivos maiores, sugerindo ser isso fundamental para a eleição de Dilma e para garantir a governabilidade.

— Não queremos governar sozinhos, temos que ajudar outros partidos a ganhar governadores também.

O PT tem força e só precisa descobrir que ele é grande. E quando a gente descobre que a gente é grande, a gente fica mais bondoso. A gente tem que repartir o poder com nossos aliados — discursou Lula, de improviso. — Minha eleição não foi obra de sorte, mas resultado de um aprendizado.

Sem citar o PMDB, o presidente lembrou que ao chegar ao governo foi preciso dar um passo a mais, ampliando as alianças. E aproveitou para alfinetar setores da oposição, que em 2005, na crise do mensalão petista, apregoavam o fim do PT.

— Até compreendo o ódio que têm do PT. Na crise de 2005 diziam que iam acabar com essa raça.

Aqueles que queriam acabar, estão quase acabando — disse o presidente, numa referência ao mensalão do DEM e ao ex-presidente do PFL (hoje DEM) Jorge Bornhausen.

Antes de Lula discursar, dirigentes do PT deram várias declarações com o objetivo de reduzir eventual impacto negativo das propostas aprovadas ontem pelos petistas.

— Imposto sobre grandes fortunas e outras mudanças são bandeiras históricas do PT, mas que dependem de aprovação do Congresso. Estamos reafirmando uma posição histórica, mas são apenas diretrizes que serão apresentadas à candidata Dilma, que levará para negociação com os partidos da coligação — disse o novo presidente do PT, José Eduardo Dutra.

No caso da adoção de medidas para alterar a legislação de concessão, a regulamentação e combater o monopólio dos meios de comunicação, o expresidente Ricardo Berzoini (PT-SP) disse que a emenda é coerente com deliberações anteriores do PT e retoma resolução da 1a-Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada com apoio do governo. A emenda foi subscrita por 18 dirigentes petistas, ligados a várias correntes, inclusive do Campo Majoritário, e foi aprovada por unanimidade.

— Hoje tem uma concentração exagerada nas mãos de alguns veículos de comunicação. Uma dispersão maior de propriedade é salutar e vai levar a democratização a tudo que tem chip — respondeu Berzoini, ao ser perguntado se considera que há monopólio nos meios de comunicação.

De manhã, ao apresentar as propostas de diretrizes para o plano de governo de Dilma, o ministro Marco Aurélio Garcia ironizou o “frisson” que causou na mídia o nome dado ao documento “A grande transformação”.

Defendeu a continuidade da política externa e o polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula deve mudar antes de enviar ao Congresso, justamente pelas críticas de diversos setores.

* Enviada especial

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'Isso afugenta o capital', diz especialista

DEU EM O GLOBO

Tatiana Farah

SÃO PAULO. A tributação de grandes fortunas e a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social, propostas aprovadas ontem pelo congresso nacional do PT, têm a mesma gênese: uma maior intervenção do Estado.

A opinião é do economista Eduardo Giannetti da Fonseca, do Insper de São Paulo. Giannetti e outros especialistas ouvidos pelo GLOBO criticaram as emendas aprovadas pelo PT.

Para o economista, o Brasil já tem uma pesada carga tributária e um Estado que faz intervenção: — Já temos uma carga tributária fora da curva do nosso desenvolvimento, temos um gasto previdenciário de país demograficamente maduro, quando deveríamos estar poupando mais, e um banco estatal que controla boa parte da economia. Não cabe mais uma medida.

Giannetti criticou também a aprovação da emenda de apoio à redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem alteração salarial.

— Será que isso ajuda mesmo o trabalhador? Metade da população economicamente ativa não tem emprego formal. Se encarecer ainda mais o custo da mão de obra, vai excluir ainda mais brasileiros de uma possibilidade de emprego.

Sobre o Conselho de Comunicação, Giannetti afirma: — Esse é o mesmo espírito de tentar controlar por meio da política a liberdade humana, a liberdade de informação, a liberdade de expressão. No fundo, todas essas medidas restringem a liberdade contratual e a liberdade de expressão. O PT, se realmente quisesse defender a maioria dos brasileiros, estaria pensando em como incorporar esses trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho.

Para Giannetti, as medidas aprovadas pelos petistas ontem não são as mesmas adotadas pelo governo Lula: — O partido tem uma dinâmica própria que não é a dinâmica do governo — disse ele, que complementou: — O poder dá um choque de sobriedade.

A cientista política Vera Chaia, do grupo de Arte, Mídia e Política da PUC-SP, também discorda da reativação do Conselho de Comunicação: — Essa é uma tendência dentro de uma ala do PT. Eu acho muito complicado, porque nós já tivemos experiências em outros períodos governamentais, principalmente na ditadura militar, quando havia um controle dos meios de comunicação.

Para a pesquisadora, já existe controle demais, regulamentações e leis no setor de comunicação.

— O cerceamento é pior para o Brasil, para os cidadãos, e não dá uma alternativa para se fazer uma avaliação e acompanhar o que acontece na política brasileira.

Chega de controles.

O advogado tributarista Gilberto Luiz do Amaral, do Observatório de Governança Tributária, afirma que a taxação de grandes fortunas é uma questão “ideológica, mas não factível” do PT. Ele explica que essas medidas podem provocar uma fuga de capitais do país: — Essas medidas afugentam o capital. A França fez isso e perdeu capital para os outros países. Isso provocaria uma evasão de capital, dos bens intangíveis, das aplicações financeiras. Os países vizinhos iriam adorar.

Roberto Freire critica volta de José Dirceu à cena política brasileira

DEU NO PORTAL DO PPS

Por: Nadja Rocha

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, criticou, nesta sexta-feira, a desenvoltura de José Dirceu durante o congresso do PT, que se realiza em Brasília. Ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, deputado cassado e apontado em denúncia da Procuradoria da República de ser mentor do escândalo do mensalão, Dirceu volta à cena política como um prováveis articuladores da campanha de Dilma Rousseff à presidência da República.

Para Freire, o retorno de Dirceu à ribalta do PT é um mau exemplo para a vida pública. "No momento em que o país aplaude a Justiça por determinar a prisão dos que tentavam obstruir as investigações do esquema de corrupção no governo do Distrito Federal, o principal réu no processo do mensalão é reabilitado e passa a ser figura expressiva do governo e de sua candidata", repudiou Freire.

Apesar de ser citado no processo que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) como "chefe da quadrilha" do esquema de cooptação de parlamentares da base aliada do governo Lula, Dirceu disse que não deve nada e que seu degredo político acabou. "Ele é réu e foi denunciado pela Procuradoria (da República), a mesma que agiu corretamente ao pedir a prisão do governador Arruda", rebateu o presidente do PPS.

Contradição do PT

O dirigente do PPS atacou ainda a contradição do PT. Segundo ele, ao mesmo tempo em que sai às ruas para pedir a punição dos mensaleiros do DEM do Distrito Federal, concede "honrarias" ao citado como chefe dos mensaleiros. "Dirceu ainda está devendo e tem de se defender na Justiça. Ele deve também explicações à sociedade e a seus eleitores", reforçou.

Palanque

Sobre a declaração de Dilma Rousseff de que aceita à presença de Dirceu em sua campanha, Freire disse que a candidata do PT não tem nenhum critério político , apesar do risco que isso possa representar. "Olha, a concorrente quer é palanque cheio. Não importa o critério. Aliás, isso é próprio deste governo", afirmou .

A babel petista

DEU EM O GLOBO

Congresso atrai correntes variadas, e centralismo predomina

BRASÍLIA. O assembleísmo continua como uma forte marca no PT, o que dá clima de festa e campanha nas reuniões do partido, em Brasília. No 4oCongresso Nacional do PT, com plenárias sobre tudo em cada uma das dezenas de salas e auditórios alugados pelo partido no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, não foi diferente. Mas o que prevalece, mesmo com todas as discussões, é o centralismo do comando nacional do partido.

É a oportunidade para as correntes mais radicais, e minoritárias, se manifestarem, e com muito barulho. Os defensores das emendas que flexibilizavam o poder do Diretório Nacional ou mesmo que pediam o rompimento do pré-acordo com o PMDB arrancavam muitos aplausos, mas, na hora de votar, dois ou três gatos pingados levantavam os crachás.

— O que o Michel Temer disse quando as centrais foram lhe pedir agilização na redução da jornada? Talvez daqui a quatro anos! Vamos manter essa aliança para continuar o balcão de negócios que levou ao mensalão? Não!! — bradou Marcos Sokol, da corrente O Trabalho.

Nos três dias do Congresso Nacional do PT, que terá seu ponto alto hoje de manhã, com o discurso da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, petistas históricos, alguns envolvidos no escândalo do mensalão, fizeram muito sucesso entre a militância. Como José Dirceu, que, assediado por todos os lados, posou para foto até com homens caracterizados de palhaço.

Lula silencia há 3 meses sobre mensalão

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


STF reenvia ao presidente 33 questões do Ministério Público sobre processo, que estão na Casa Civil desde novembro

Procuradoria quer saber se petista foi informado sobre repasses do PT a aliados; não há prazo para resposta, mas Lula tem de se manifestar


Flávio Ferreira

Há mais de três meses o STF (Supremo Tribunal Federal) aguarda respostas do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a perguntas sobre o conhecimento dele dos fatos apontados na ação penal do mensalão e sua relação com os réus no processo. As questões foram elaboradas pelo Ministério Público Federal, que é o autor do processo em andamento no STF sobre a suposta compra de apoio de partidos e políticos pelo PT entre 2002 e 2005.Lula, que não é um dos réus na ação penal, foi indicado como testemunha de defesa por dois dos acusados no processo, os ex-deputados federais Roberto Jefferson e José Janene. Suas respostas serão o primeiro depoimento formal do presidente sobre o caso.Em novembro de 2009, Lula negou a existência do mensalão. "Foi uma tentativa de golpe no governo. Foi a maior armação já feita contra o governo", disse, em entrevista ao programa "É Notícia", da Rede TV!

Ante a demora de Lula em responder ao questionamento da Procuradoria-Geral da República, o ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do processo, reenviou as questões ao presidente no último dia 5.

Se não apresentar seu testemunho por escrito, Lula pode responder pelo crime de desobediência à ordem legal, segundo a assessoria do ministro.

A petição da Procuradoria-Geral da República com as questões sobre o mensalão foi recebida pela Casa Civil em 12 de novembro do ano passado.

A legislação não estabelece um prazo para envio das repostas, mas a demora não pode ser excessiva a ponto de atrapalhar o andamento do processo, segundo a assessoria de Barbosa.

No ofício endereçado a Lula, o Judiciário do DF, que faz a intermediação entre o STF e a Presidência, solicitou que o depoimento dele fosse enviado, "se possível", até 30 de novembro do ano passado, mas o prazo sugerido não foi atendido.

O questionário enviado ao presidente, a cuja íntegra a Folha teve acesso, possui 33 tópicos, alguns deles com várias questões sobre um mesmo fato.

Em um dos tópicos mais incisivos, o Ministério Público Federal perguntou quando Lula "teve conhecimento do repasse de recursos pelo PT para partidos político da base aliada do governo federal".

No documento, a Procuradoria indagou também se, antes da surgimento do escândalo do mensalão na imprensa, Lula conversou sobre o assunto com os petistas José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha e Sílvio Pereira, que exerciam cargos de direção no governo ou no partido quando o escândalo veio a público.

A Procuradoria também questionou se Lula conhece pessoalmente o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o suposto operador do mensalão, e se Valério já foi recebido pelo presidente na residência oficial da Granja do Torto. O Ministério Público chega a perguntar, no caso de uma resposta afirmativa sobre o contato entre os dois: "Marcos Valério foi apresentado como profissional de qual área?"

O presidente é indagado sobre repasses do PT ao PL na campanha de 2002, que teriam sido negociadas com o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), e sobre débitos com o publicitário Duda Mendonça -ambos são réus na ação do mensalão. A Procuradoria questiona se Delúbio Soares já "agendou ou intermediou reuniões de empresas" com Lula.

A assessoria da AGU (Advocacia-Geral da União) informou que o órgão recebeu na última sexta-feira ofício do STF com as questões do Ministério Público Federal, e as enviou à Presidência ontem.

Lula diz que "é lógico" que falará sobre mensalão

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Agnaldo Brito

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em Três Lagoas (MS), que é "lógico" que vai responder aos 33 tópicos com questões sobre o conhecimento dele dos fatos apontados na ação penal do mensalão e sua relação com os réus no processo, que tramita no Supremo Tribunal Federal.

As perguntas foram formuladas pelo Ministério Público Federal e encaminhadas ao presidente pelo STF no início de novembro de 2009 e até agora não foram respondidas, como a Folha revelou ontem.

"Lógico, lógico. Isso é a AGU [Advocacia-Geral da União] que recebe, [que] é o meu advogado. Quando ele preparar, estará a resposta lá. É a contribuição que queremos dar para o processo", disse o presidente.

Lula não disse quando pretende devolver o questionário, mas já afirmou que pretende se ater ao mensalão (transferência de recursos a congressistas da base entre 2002 e 2005) somente após deixar o Planalto.

O STF diz que, embora Lula não tenha prazo para devolver o questionário, ele não pode agir de forma a obstruir a Justiça, algo que o torna suscetível a um processo. O presidente é apenas testemunha no caso.

Campanha

Lula também disse que não participará das campanhas nos Estados onde não houver acordo entre PT e PMDB.

A afirmação foi uma resposta às rusgas entre o ex-governador Zeca do PT e o atual governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), que buscam apoio de Lula para a campanha estadual. O presidente estendeu o aviso a outros Estados nos quais as legendas se enfrentam pelo apoio.

"A nível nacional já temos uma aliança quase concretizada, mas é óbvio que temos problemas em alguns Estados, como Rio Grande do Sul, Pernambuco, Santa Catarina. A gente vai resolver o problema nacional, depois o dos Estados. Se em algum não tiver possibilidade de construir [uma aliança], o que vai acontecer é que o presidente não participa da campanha naquele Estado", disse ao sair de uma visita à Fibria, fábrica de papel e celulose.

Zeca do PT e Puccinelli estiveram, ontem, no palanque de inauguração da fábrica em Três Lagoas -a unidade, porém, já funciona desde março de 2009.

Lula voltou a dizer que aguardará a decisão do STF sobre a intervenção no DF: "Vai depender da Suprema Corte".

Dilma e o petismo - Editorial

DEU EM O GLOBO

Prevista para ocorrer hoje no 4º Congresso Nacional do PT, a unção de Dilma Rousseff como candidata do PT à sucessão do presidente da República, líder máximo e histórico do partido, Lula, permite várias abordagens. Uma, na contramão do discurso oficialista do PT, é vê-la como o símbolo do domínio absoluto que o líder tem da legenda.

Não pode ser esquecido que Dilma Rousseff é uma estranha no ninho petista, e chega para a aclamação dos delegados do partido, uma confederação de grupos de esquerda, por ter sido escolhida num “dedazo” de Lula, no melhor estilo do velho PRI mexicano.
De origem na guerrilha de esquerda da época da ditadura militar, de militância política no trabalhismo brizolista, Dilma saiu do PDT e se filiou ao PT quando Tarso Genro venceu a eleição municipal em Porto Alegre, em 2000. Três anos depois, era ministra de Minas e Energia de Lula.

Pouco para credenciá-la a aspirar a concorrer à sucessão do chefe.

A não ser por escolha dele — e foi o que aconteceu. Já na perspectiva de certos grupos petistas mais à esquerda, resta a alternativa de, sem Lula no Planalto, e na eventualidade da vitória de Dilma, tentar exercer uma influência no governo que não conseguiram no período Lula.
Os contornos do lulismo começaram a surgir ainda na campanha de 2002, com a divulgação da Carta ao Povo Brasileiro, em que o candidato se comprometia a cumprir contratos (não dar calote nas dívidas interna e externa) e a obedecer aos parâmetros da economia de mercado.
Pragmático, metamorfósico, Lula acertou ao conceder autonomia informal ao Banco Central e ao entregar o comando do guardião do poder aquisitivo da moeda a quem é do ramo. Outro acerto: manteve o tripé do câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário.
Em troca, permitiu o aparelhamento de parte da máquina pública por corporações sindicais, organizações ditas sociais e outros grupos organizados, assim como imprimiu um viés terceiromundista, à moda da década de 60, à política externa. Dilma conseguiria manter em pé esta improvável construção política?
Quem no PT aposta que não já faz propostas de mais estatização, menos superávit primário, etc.
Deve haver quem entenda que, sem a proteção de Lula, a presidente Dilma tenha de se valer do partido, e aposentar o lulismo camaleônico.

É uma aposta. Em entrevista concedida ao jornal “O Estado de S.Paulo”, publicada ontem, Lula defendeu a moderação e o pragmatismo: “(...) vocês acham que o PSTU ganhará uma eleição com o discurso dele? E vamos supor que ganhe, vocês acham que ele governa? Não governa.” A candidata já deve ter aprendido esta lição.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Tavares Bastos

Meu ilustre amigo. Conservador e liberal, monarquista e democrata, católico e protestante, eu tenho por base de todas as minhas convições a contradição, não a contradição mais palavrosa do que inteligível das antinomias de Proudhon, porém a contradição entre duas idéias que na aparência se repelem mas na realidade se completam, a contradição, finalmente, que se resolve na harmonia dos contrastes.

Eu declaro francamente que não sacrifico a lógica das teorias extremas. Guio-me pelos fatos, combino os opostos, encadeio as analogias e construo a doutrina. Não tenho um sistema preconcebido. Não idolatro o prejuízo. Aceito o sistema que os acontecimentos me impõem. (...)

As opiniões que professo são exclusivamente minhas. O código das minhas idéias promulgou-o um legislador: a observação. Alimento-as, isento de preocupações históricas; professo-as sem prevenções políticas. Vosso amigo não é um liberal, não é um puritano, não é nada disso, e é tudo isso. É um homem sem afinidades no passado e isolado no presente. É o solitário.

Volvendo os olhos tristes em derredor de si, ele não vê senão o silêncio, e não observa senão as catacumbas em que se enterraram as grandes reputações de outrora. Não vê partidos, porque estes supõem combate, e o combate um sistema de ação. Ora, sobre o campo da batalha está-se neste momento levantando um templo ao VENCIDO. Fez-se a paz, com efeito. Todos adormeceram; os próprios guardas descansam das fadigas do dia.

Não descubro partidos nem campos opostos. Enxergo uma ideia que despertou no horizonte e voa e cresce, brilhante e animadora, nas asas do vento. Salve, deusa!

Apressemo-nos, meu amigo; deixemos o ruído das festas indolentes e estragadoras.
Abandonemos os palácios dos pretores: ao campo! Preparemos as vias do futuro, saudemos a liberdade.

Quaisquer que sejam as tendências de meu espírito desconfiado das verdades absolutas, eu confesso-vos, contudo, que amo apaixonadamente a liberdade. Porquanto ela esmaga o algoz, sabe com lágrimas amorosas amolecer as cadeias da vítima.


(TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido, - em Cartas do Solitário, 3ª Edição, pág. 181/182 – Companhia Editora Nacional 1938, feita sobre a 2ª edição de 1863)

Medo da intervenção:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A política no Distrito Federal está sendo feita à sombra das decisões, atuais e futuras, do Supremo Tribunal Federal, desde a imprevisível permanência na prisão do governador José Roberto Arruda até a abertura de processo de impeachment contra ele e seu vice, Paulo Octávio.

A Câmara Distrital, com a maioria de seus membros atolada até o pescoço nas falcatruas, desistiu de arrostar a sociedade e abandonou o governador preso e seu vice em exercício, que, por sua vez, desistiu surpreendentemente de renunciar ao cargo. Todos agindo com um único objetivo: tentar evitar a decretação de uma intervenção federal em Brasília pelo Supremo.

A intervenção, no entanto, parece a cada dia mais inevitável, diante da constatação de que a classe política do Distrito Federal está completamente contaminada pelo mesmo grupo político que domina a capital mesmo antes de a Constituinte de 1988 estabelecer o voto direto para a escolha do governador e criar a figura dos deputados distritais.

Essas constatações trazem de volta à discussão o papel do Poder Judiciário nas modernas democracias. O “ativismo judicial” deve ser diferenciado da “judicialização da política”, fenômeno que indica a expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, expressão originalmente utilizada por Carl Schmitt, na sua crítica ao controle de constitucionalidade de feição política.

Para o constitucionalista Luiz Roberto Barroso, a “judicialização” seria uma consequência do modelo constitucional brasileiro, com uma Constituição muito abrangente.

Já o ativismo estaria caracterizado quando o Supremo toma uma decisão política sobre situações que não foram expressamente previstas, nem na Constituição nem na lei.

Diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurídica de Bayreuth e do Centro de Pesquisa de Direito Constitucional Europeu, o constitucionalista alemão Peter Häberle, considerado um dos principais formuladores do moderno constitucionalismo mundial, em entrevista publicada no site Consultor Jurídico, mostrase “contente” com o ativismo judicial praticado pelos tribunais constitucionais que “obrigam os demais Poderes a atuar.” Para Häberle, a atuação do Judiciário não deve ser permanente, “mas é necessária quando os Poderes Legislativo e Executivo estão ocupados demais na briga pelo poder para cuidar de suas obrigações para com o povo que elegeu seus representantes”.

Na sua concepção, “sistemas presidencialistas em países jovens requerem o contrapeso de fortes tribunais constitucionais”.

O professor alemão é defensor da popularização da Constituição, e dá como exemplo a Corte Suprema alemã: “O Tribunal Constitucional Federal alemão procede de maneira pragmática e desde há muito tempo outorga a palavra a grupos pluralistas, como sindicatos, organizações empresariais, a Igreja e outras comunidades religiosas em alguns processos judiciais importantes, em audiências públicas”, diz ele, elogiando a adoção no Brasil da mesma sistemática.

O constitucionalista Luiz Roberto Barroso, como pesquisador visitante na Harvard Kennedy School, a escola de política e governo da Universidade Harvard, publicou recentemente um estudo sobre a judicialização da política e os riscos da hegemonia judicial, com o título genérico de “Direito e política no Brasil contemporâneo”.

Ele adverte que a ascensão institucional do Poder Judiciário, um fenômeno marcante das modernas democracias, não pode transformar juízes e tribunais “em uma instância hegemônica, comprometendo a legitimidade democrática de sua atuação, exorbitando de suas capacidades institucionais e limitando impropriamente o debate público”.

A jurisdição constitucional, para Barroso, “não deve suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social e os canais de expressão da sociedade. Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, não dos juízes”.

Ele adverte que a pretensão de autonomia absoluta do Direito em relação à política “é impossível de se realizar”, pois as soluções para os problemas “nem sempre são encontradas prontas no ordenamento jurídico, precisando ser construídas argumentativamente por juízes e tribunais”.

Nesses casos, ressalta, a experiência demonstra que “os valores pessoais e a ideologia do intérprete desempenham, tenha ele consciência ou não, papel decisivo nas conclusões a que chega”.

A conclusão do constitucionalista Luiz Roberto Barroso é a de que o Direito “pode e deve ter uma vigorosa pretensão de autonomia em relação à política”, o que é essencial para a “subsistência do conceito de Estado de direito e para a confiança da sociedade nas instituições judiciais”.

Mas essa autonomia será sempre relativa, caracterizando “uma relação complexa, na qual não pode haver hegemonia nem de um nem de outro”.

Para Barroso, “a razão pública, de um lado, e a vontade popular, de outro — o Direito e a Política —, são os dois polos do eixo em torno do qual o constitucionalismo democrático exerce seu movimento de rotação. Dependendo do ponto de observação de cada um, às vezes será noite, às vezes será dia”.

A atual crise política na representação do Distrito Federal está demonstrando que a ação do Poder Judiciário provoca efeitos imediatos, pelo menos pela exemplaridade.

A permanência na prisão do governador José Roberto Arruda, por tentativa de obstrução das investigações, serviu para enquadrar toda a sua base aliada, que teimava em obstruir as investigações na Câmara Distrital.

Mesmo que o plenário do Supremo venha a liberá-lo da prisão, é praticamente certo que ele não reassumirá o governo.

A precariedade do atual governo, com Paulo Octávio dando demonstrações de fragilidade política e emocional, e os presidente e vice da Câmara Distrital sem condições mínimas para assumirem o governo, deixa nas mãos do Supremo a solução para esse impasse político.

Lago dos Cisnes

O intelectual democrata::Roberto Freire

DEU NO JORNAL BRASIL ECONÔMICO

Na segunda-feira de Carnaval, dia 15, o Brasil perdeu um dos seus mais importantes intelectuais, Gildo Marçal Brandão, livre docente do Departamento de Ciência Política da USP, que tinha na política: fundamentos, história e vicissitudes, o foco de sua preocupação acadêmica e militante.

Intelectual comunista filiado à tradição do PCB, ele deu rica contribuição ao estudo de nossa formação política com vários trabalhos voltados para buscar as raízes históricas dos problemas que afetam nosso processo democrático.

Talvez seja útil lembrar que o PCB foi a primeira força de esquerda nas Américas que tornou pública, por meio da famosa Declaração de Março de 1958, uma postura que rompeu com as bases legadas da III Internacional, que previa a "tomada revolucionária do poder", quando defendeu que a revolução no Brasil deveria se dar pela via pacífica e democrática.

Quando veio à luz esse documento histórico, o Brasil vivia então sob o influxo desenvolvimentista do governo JK com um agressivo processo de modernização econômica, social e cultural.

Nas décadas de 50 e 60 o país deixava rapidamente de ser uma sociedade rural e tornava-se urbano e capitalista, com todas as contradições que isso implicava.

No ano de 1964, fruto daquelas contradições e também do cenário internacional da guerra fria, a nossa tênue experiência democrática foi abruptamente encerrada pelo movimento militar que estabeleceu uma ditadura que só foi derrotada vinte e um anos depois.

Confrontada com a nova realidade imposta pelo regime militar as esquerdas ofereceram duas respostas: de um lado, os comunistas da tradição pecebista advogavam um processo sustentado na criação de uma ampla frente democrática que tinha no MDB o seu instrumento da articulação com o movimento de massas buscando isolar e derrotar o regime por meio do voto; de outro, posturas que representavam uma resposta violenta, a luta armada para derrubar o regime militar.

Essas duas concepções sobreviveram no período constituinte de 1987/88, e continuam, ainda hoje, a se enfrentar em torno da questão fundamental do processo democrático e do papel do Estado.

Uma vertente defende o controle do Estado pela sociedade civil e suas instituições e tem na separação dos poderes instituídos e na livre expressão do pensamento os fundamentos da democracia.

Outra concepção, apesar de uma retórica de esquerda, mais se assemelha ao nacional-socialismo nas suas vertentes latinoamericanas - do peronismo ao chavismo bolivariano - de idolatria ao papel do Estado nacional como elemento fundamental de organização da sociedade, da economia e da cultura.

Os que assim expressam sua adesão ao Estado forte estão mais próximos da concepção de Giovanni Gentile que da de Gramsci.

O pensamento democrático de esquerda, com o falecimento de Gildo, fica sem uma de suas cabeças mais brilhantes. Que suas instigantes formulações estimulem a todos - sobretudo aos que já iniciaram sua trajetória política ou aos que virão - a continuar a ver o conhecimento, a cultura, o saber e a ciência como armas imprescindíveis nos combates por uma sociedade verdadeiramente humana e democrática.

Roberto Freire é presidente do PPS

Necrologia- A morte de Gildo Marçal Brandão:: Michael Zaidan

Conheci o Gildo Marçal Brandão, nos idos da década de 70, quando fui seu anfitrião na UnB, por ocasião da reunião anual da SBPC em Brasília. Brandão tinha notícias indiretamente de meu trabalho em Pernambuco, por conta de um amigo comum: o historiador alagoano Denis Bernardes.

Nesse período, O Gildo estava fortemente envolvido com a geração responsável pela reogarnização do PCB em São Paulo: David Capistrano, Marco Aurélio Nogueira, Cláudio Guedes e outros).

Com a grande greve da Universidade de Brasília, a minha prisão e o processo na Polícia Federal, me exilei em São Paulo na casa do Gildo, que era jornalista da Folha de São Paulo. Em sua casa, entrei em contato direto com a cultura comunista reformada, os colaboradores de Temas e o universo pessoal e familiar de Gildo.

Foi dessa época a grande discussão da política editorial comunista. Sob a inspiração d e G. Lucaks (e Chasin) a questão era: quem deve participar da revista: aí falava mais alto a alma generosa do comunista nordestino, de família patriarcal- a revista devia acatar desde as contribuições do padre jesuíta Cláudio Henrique de Lima Vaz até as contribuições da esquerda propriamente dita.

Celso Frederico, que estava chegando nesse momento, dizia brincando que o padre Lima Vaz jamais tinha tido notícia da revista. Mas em compensação a revista publicou o que havia de melhor na teoria e na política comunista e não comunista, da época.

Posso dizer que foi Gildo o meu primeiro editor e o grande estimulador das minhas, pesquisas e publicações sobre a história do comunismo brasileiro através da LECH e outras editoras.

Foi Gildo também o responsável, sem o saber, pela minha militância no PCB ainda em São Paulo. O que, aliás, me custou caro na UNICAMP, onde imperava um anticomunismo feroz.

Enquanto o Gildo editava o semnário A Voz da Unidade, em São Paulo, mal desconfiava Gildo que nós ajudávamos a distribuir o jornal em Pernambuco, numa época que as bancas de revista não queriam fazê-lo.

Golpeado pela luta interna no Comitê Central, Gildo afastou-se do jornal e amargou um período de isolamento e dificuldades. Reencontrei-o procurando voltar a USP, como estudante de Ciência Política, com a ajuda de Francisco Weffort. Na ANPOCS, brinquei com ele, disse que ele era como a fênix comunista, nunca morria, sempre renascia mais jovem e moderno.

Depois, já o vi na condição de professor de Ciência Política, no lançamento de seu livro "As duas almas do PCB". E aí aproveitei para brincar,outra vez, dizendo que estranhava que um materialista falasse de alma no livro. Ele sorriu. Finalmente, o reencontrei na conferência na UFPE sobre as linhagens do pensamento político brasileiro, quando elogiamos o estilo de análise social e histórica do pensamento político, numa época do triunfo da escolha racional nos estudos políticos e institucionais.

A partir daí, não pude mais vê-lo, apesar de insistentes pedidos para que viesse participar de eventos nossos. Sua situação cardiológica não permitiria. Foi assim, com surpresa que recebi a notícia por nossa amiga comum, Emília Moraes, de sua morte súbita em São Paulo. Como disse Emília, foi-se um pedaço importante da história de nossas vidas em comum.
Michael Zaidan é professor da Universidade Federal de Pernambuco

UMA IMAGINAÇÃO EM COMPASSO COM O MODERNO:LINHAGENS DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO


Diogo Tourino de Sousa[1]

A recente atenção voltada para o estudo do pensamento social brasileiro, por um grupo notadamente heterogêneo de pesquisadores nas ciências sociais, tem procurado mapear a existência de famílias intelectuais ou seqüências que estruturam histórica e analiticamente o pensamento político no país, identificando continuidades e descontinuidades possíveis, exercício capaz de incorporar de maneira igualmente esclarecedora a produção intelectual anterior à própria institucionalização acadêmica da disciplina, seja ela ensaísta ou mesmo literária (Botelho, 2007; Brandão, 2007; Weffort, 2006). Curioso notarmos como as ciências sociais se consolidaram de maneira relativamente autônoma no Brasil apenas na segunda metade do século XX, em evidente hipoteca a um trajeto de “disputas” desenhado pelos “clássicos” da disciplina – uma linhagem que se prolonga pelo menos até o século XIX –, precisamente o que não impede que os estudos sobre sua constituição e desenvolvimento identifiquem estruturas intelectuais e categorias teóricas – com base nas quais a realidade é percebida –, cristalizadas ao longo da nossa formação, recurso fecundo no próprio exame do conteúdo substantivo de suas formulações e na defesa de modelos normativos para a “correção” presente da democracia brasileira e suas correlatas instituições.

Certamente a capacidade de produção da “boa teoria” pela ciência política no país vem, cada vez mais, sendo questionada por sua crescente capitulação diante do objeto de pesquisa, o que impede a construção de explicações que dêem conta da totalidade do fenômeno político, suas relações sociais e recortes históricos possíveis, com evidentes aportes normativos: a negação da validade interpretativa do ensaio, o “culto” ao método, o avanço dos estudos institucionais descolados da dimensão sócio-histórica, o abandono da atividade negadora e imaginativa própria do pensamento filosófico, todos esses fatores prejudiciais à possibilidade de encontrarmos respostas para os “novos” e “velhos” problemas da sociedade brasileira, aprisionando o pensamento em barreiras disciplinares que obscurecem o movimento da sociedade no seu conjunto, tornando infecunda a atividade de reflexão teórica nacional (Brandão, 2007; Lessa, 2003).

Todavia, o esclarecimento das nossas lutas do passado por meio de um inventário do debate intelectual durante o Império, inaugurado inequivocamente pela Assembléia Constituinte de 1823 e sua discussão sobre as “modernas” instituições política a serem implantadas no país, até a primeira metade do século XX, embate protagonizado muitas vezes por atores políticos que eram, ao mesmo tempo, autores da política, expõe mais o confronto entre visões de mundo radicalmente antagônicas do que meramente a adoção de estratégias distintas ante os problemas enfrentados nos contextos específicos – seguramente ponto não pacífico nas interpretações em curso (Ferreira, 1999; Santos, 1978) –, o que nos permite enxergar o trajeto próprio que forma e conforma de maneira inventiva a reflexão nacional como possível instrumento na reconstrução dessa astúcia teórica perdida.

Fato é que a imaginação aqui em movimento se propunha algo além da simples constatação da “falta”, buscando, efetivamente, atingir uma imagem forjada de “boa sociedade” ao inventar o país por meio de referenciais teóricos apropriados para a interpelação do existente, como percebermos na conhecida descrição de Euclides da Cunha sobre a singularidade de um mundo que encontrou na teoria política o lugar da sua nacionalidade, sendo empurrado em ritmo acelerado para a “civilização” por meio da ação incisiva de sua intelectualidade criadora e por um Estado confessadamente demiurgo: não éramos inautênticos, mas sim singulares, e dessa conclusão derivariam nossas instituições políticas (Cunha, 1909).

Resta apenas percebemos como os problemas apontados nesse processo continuaram auxiliando a compreensão subseqüente, servindo inclusive de fonte para as ciências sociais institucionalizadas, o que conferiu um importante papel para os seus “clássicos” enquanto pressupostos necessários para a formulação de estratégias de intervenção presente, sem deslegitimar o percurso único pelo qual a imaginação nacional passou em prol de modelos “arbitrariamente” reproduzidos, polêmica ilustrada no debate entre Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos no início da década de 1960. Precisamente aqui se inscreve a exemplaridade de Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, recente trabalho de Gildo Marçal Brandão (2007), momento inescapável à qualquer aproximação justa do pensamento político que aqui se deu.

Isso porque, a reflexão sobre a permanência de determinados “dissensos” – colocados e recolocados na agenda pública em diferentes contextos da história do país –, e suas visões de mundo correspondentes manifestas na prática de atores políticos efetivos, ao mesmo tempo em que expostas por autores criativos – ambos, quando não em simbiose, empenhados na “solução” dos problemas e concretização de um projeto particular de Brasil –, nos mostra, sobretudo, como o imaginário nacional incorporou ao seu arsenal interpretativo o que havia de mais aprimorado no pensamento político ocidental, interpelando a realidade imediata a partir de experiências refletidas e manipuladas dentro de uma tradição intelectual mais vasta, momento em que ensinamentos extraídos da literatura estrangeira estariam a serviço da justificação de afirmações sobre nossa (má)formação e correlata necessidade de (novos)arranjos institucionais adaptados ao “descompasso” brasileiro, índice da maturidade da reflexão nacional (Werneck Vianna, 2004).

Trata-se, dentro da proposta desenvolvida em Linhagens, de percebermos no olhar retrospectivo sobre a “teoria social” produzida no Brasil, e ao mesmo tempo produtora de “um” Brasil, nos dois últimos séculos como, inequivocamente, o pensamento nacional foi capaz de incorporar elementos “sofisticados” da tradição teórica ocidental, comprando o debate acerca da democracia liberal e seus reflexos institucionais para realidade do país, como no exemplo da disputa entre centralização e descentralização da organização política e administrativa, “dissenso” que ocupou o centro da agenda pública durante os principais momentos de formulação e reformulação das instituições no Império – a Assembléia Constituinte de 1823, a elaboração do Código de Processo e do Ato Adicional de 1834, no imediato Regresso Conservador –, assim como na construção da República em 1889 e sua primeira Constituição de 1891, sempre tentativas “revolucionárias” de acertar nosso passo com o moderno (Carvalho, 1999).

Com efeito, a distinção entre cidadãos ativos e passivos, presente na Constituição Francesa de 1791, e seus desdobramentos normativos diante das possibilidades e cobranças colocadas pelo movimento revolucionário francês para o mundo moderno – a imposição de novos imperativos morais, liberdade, igualdade e fraternidade, compondo o passaporte inescapável para a “civilização” –, reverberou com vigor no pensamento da elite política nacional – sem dúvida um segmento pouco representativo na sociedade brasileira como um todo[2] –, ainda que sua efetivação esbarrasse em obstáculos outros àqueles existentes no mundo europeu. Nesse sentido, Brandão nos mostra, por meio da incorporação dos “tipos” idealista orgânico e idealista constitucional, como tais idéias decantaram em prismas muito desiguais, cobrando adaptações por vezes inventivas que teriam, em anos recentes, se perdido na ciência política brasileira (Brandão, 2007).

A assimilação, ainda que instrumental, de momentos significativos do pensamento político ocidental perpassou a tensão entre correntes opostas sobre a relação entre federalismo e centralização, liberdade e despotismo, “civilização” e “barbárie”, ocasionando um rico, e talvez inconcluso, debate em solo nacional sobre o sentido e a direção da institucionalidade democrática. Polêmica essa que envolveu uma discussão sobre a estrutura do Estado e sua influência na sociedade, fazendo com que o imaginário nacional repensasse o andamento “moderno” do país, suas particularidades e as vicissitudes dos modelos políticos importados em função, sobretudo, da precedência da Sociologia sobre a Política, ou vice e versa, para o nosso encaixe nesse campo semântico específico (Werneck Vianna, 2004).

Dessa forma, o ferramental analítico desenvolvido pela pesquisa “genética” acerca do pensamento social e político brasileiro apresentado por Brandão em Linhagens nos permite a elaboração de algumas hipóteses de investigação capazes de jogar luz na relação entre a “constelação de idéias” que povoou o imaginário nacional passado, que ainda habita os exercícios interpretativos do presente, e seus problemas históricos específicos, seguramente evitando o erro de reduzir completamente as idéias ao seu contexto. Esse esclarecimento produz linhas de interpretação determinadas, a saber, a existência de aproximações e distanciamentos entre argumentos polares sobre o papel do Estado no funcionamento da democracia, e na própria feição da democracia a ser aqui sustentada – uma discordância recorrente em relação aos pressupostos individualistas que acompanhavam a democracia liberal –, argumentos tributários de momentos mais amplos da teoria política no Ocidente.

Por um lado, podemos identificar no liberalismo atual uma continuidade entre autores – como Tavares Bastos, Raymundo Faoro e Simon Schwartzman[3] –, que mesmo guardadas as suas especificidades teóricas e contextuais, coincidem no diagnóstico comum sobre os problemas do país e sua solução possível, compondo um programa de pesquisa amplamente conhecido na defesa da democracia liberal e adoção de práticas próximas ao liberalismo econômico na consolidação do seu “projeto”: a “proposta de (des)construção de um Estado que rompa com sua tradição ‘ibérica’ e imponha o predomínio do mercado, ou da sociedade civil, e dos mecanismos de representação sobre os de cooptação, populismo e ‘delegação’” (Brandão, 2007, p. 33-34).

Por outro lado, encontramos argumentos contrários ao programa liberal acima mencionado, também inseridos numa corrente de idéias de longa duração na história brasileira, defendidos por autores dispersos em nossa formação e com graus significativos de influência sobre a dimensão estatal – como Visconde do Uruguai, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Francisco Campos –, que compactuam de um programa de pesquisa comumente denominado conservador, franco em atribuir um papel distinto ao Estado no desenvolvimento da política brasileira, conferindo predominância à autoridade sobre a liberdade: a partir da imagem de um Brasil fragmentado, povoado por indivíduos atomizados, amorfo e inorgânico, o diagnóstico encontra uma sociedade desprovida de solidariedade que depende do Estado para manter-se unida. Nesse contexto, a liberdade não sobreviveria sem um Estado forte e tecnicamente qualificado, soberano ao localismo das “facções”, capaz de subordinar o interesse privado ao nacional, controlando os efeitos perniciosos do individualismo possessivo, próprios do funcionamento do mercado, ao adaptar a democracia ao contexto local (Brandão, 2007).

Fato é que transcorridos quase duzentos anos da “solução da independência”, ponto de partida para o debate em questão ao colocar a realidade do país e suas instituições imaginadas “fora do lugar” (Schwarz, 1977), podemos identificar aqui, sem dúvida um dos êxitos de Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, o uso de uma terminologia comum a uma tradição teórica mais vasta, incorporada de maneira não ortodoxa pela elite política nacional na descrição da formação “particular” do povo brasileiro e na proposição de modelos normativos “adequados” ao contexto local. Através deles, a questão de ser a democracia liberal e seus mecanismos um artefato “exótico”, ou o caminho mais próximo para a instauração do modelo de sociabilidade anglo-saxônico tão admirado pelos intérpretes liberais[4] salta aos nossos olhos como o epicentro da polêmica que ocupou a intelectualidade nacional, particular por sua constante vocação pública, tanto no trato como na escolha dos temas.

Tal particularidade sobressai no exame dos temas que ocuparam a inteligência nacional, conformada segundo a íntima proximidade estabelecida com o público e as discussões acerca do interesse comum. Mesmo tendo que se adaptar a diferentes soluções institucionais ao longo da trajetória de modernização do país – como as Academias e as Universidades –, a organização da atividade intelectual no Brasil demonstrou um interessante padrão de continuidade[5]: ao passo em que a monarquia brasileira a adotou como parte constitutiva do seu poder, conferindo-lhe uma evidente dimensão pública e destaque para os “temas da política, da institucionalização dos mecanismos de poder e de ordenação do mundo público”, a república voltou-se “para a sociedade, para as relações mediadas pelo mercado e para os padrões de diferenciação social que operam na estrutura da ordem moderna”, sem, no entanto, extrair “a experiência dos publicistas, (...) cuja autonomia derivava de sua peculiar inscrição social, como membros de uma elite sem amarras no mundo mercantil (...) portadores de uma representação do país fortemente encapsulada por categorias e esquemas mentais do período anterior” (Carvalho, 2007, p. 20-21).

A permanência dessa vocação, apontada na organização da inteligência brasileira, nos ajuda a compreender igualmente o papel desempenhado pela atividade intelectual nas importantes transformações ocorridas no país: ao abrigar o discurso dos publicistas a organização republicana abriu a possibilidade para que o projeto de 1891 fosse compreendido a partir da perda da “grande obra do Estado centralizador” – como na mencionada formulação de Oliveira Vianna sobre os idealistas constitucionais (1920), recuperada por Brandão –, gerando uma crescente hostilidade dos intelectuais em relação aos direitos individuais e promovendo, por fim, a defesa de um Estado intervencionista que se consolidaria em 1930 – ou efetivamente apenas em 1937, segundo a interpretação associadas à modernização conservadora (Werneck Vianna, 2004) –, subordinando os interesses individuais a uma “razão nacional”, o que nos permite dizer que “o Estado Novo recuperou a política imperial de fazer da cultura um assunto de interesse público e (...) conferiu a [sociologia] papel destacado na construção de consenso em torno dos objetivos da modernização” (Carvalho, 2007, p. 25).

As muitas marcações observadas na história do país sugerem, com efeito, a possibilidade de compreendermos nossa formação a partir do embate entre projetos políticos antagônicos, classificados em Linhagens como “famílias” liberais ou conservadoras a partir da discussão sobre os modos particulares de consolidação da América entre nós, tendo a institucionalidade democrática e os padrões de sociabilidade anglo-saxônicos como pontos de disputa. Seguramente, aqui se fez algo além da simples constatação da “falta”, mostrando uma inteligência capaz de articular com ardil conceitos e experiências de acordo com necessidades singulares, projeto exemplar de uma intelectualidade que nunca se eximiu do debate público e que obteve, com graus variados de sucesso, influência nas transformações observadas no cenário político brasileiro (Brandão, 2007).

Contudo, aquilo que ficou conhecido como via americana, em oposição a uma suposta tradição ibérica – salvo reconhecidas nuances interpretativas –, de implantação do liberalismo entre nós foi incapaz, ponto fraco de suas formulações, de tocar no efetivo enigma da situação social do Brasil: o problema da terra e a existência de um vasto domínio marcado por laços de dependência pessoal, contexto em que a inescapável condição da cidadania civil para a consolidação da democracia – passando inclusive pela universalização do sufrágio e autonomização dos interesses – seria inatingível (Werneck Vianna, 2004). De liberais conservadores a autoritários instrumentais, os modelos políticos que se sucederam não se propuseram a alterar essa condição fundamental para que a o liberalismo entre nós fosse além do “idealismo utópico” descrito por Oliveira Vianna no início do século XX em aberta insatisfação com a primeira constituição republicana (Brandão, 2007).

Ainda assim, mostrar, por meio do mapeamento de linhagens no pensamento político nacional como se estruturou uma “crítica” a democracia liberal no imaginário do país nos dois últimos séculos – especialmente dura no seio do pensamento conservador, mas não circunscrita exclusivamente a ele – a partir da descrição da singularidade do caso brasileiro, marcado por uma sociabilidade distante do individualismo anglo-saxônico e não afeita aos valores de mercado, carente ainda de intervenções políticas hábeis em conciliar ideais modernos ao contexto local, classificado amiúde e de maneira equivocada como o atraso, sugere como podemos recuperar na ciência política o exercício de produção da “boa teoria” talvez perdido em tempos recentes (Brandão, 2007). A construção de Oliveira Vianna na tentativa de reconciliar o Brasil real com o Brasil legal pode ser tomada como um paradigma desse movimento esquecido na reflexão nacional, o que manifesta a intenção modernizadora de nossa investida intelectual (Werneck Vianna, 2004).

O trabalho de Gildo Marçal Brandão vem, sem dúvida, cumprir a tarefa exemplar de reconstruir heuristicamente os passos do pensamento político no Brasil, permitindo que com isso recuperemos a tradição imaginativa que aqui se desenrolou, comprometida com o debate público e a construção da nação, evitando, ainda, a sedução pelo processo de produção teórica arbitrariamente “importado” que negligencia as particularidades do nosso mundo, em seus aspectos positivos e, por que não, negativos, capitulando em tempos recentes diante da “ilusão” do método.

Referências Bibliográficas:

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CARVALHO, Maria Alice Rezende de. (2007), “Temas sobre a organização dos intelectuais”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 22, no. 65, pp. 17-31.

CUNHA, Euclides da. [1909] (2006). À margem da história. São Paulo: Martin Claret.

FERREIRA, Gabriela Nunes. (1999), Centralização e descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai. São Paulo: Editora 34.

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VIANNA, Oliveira. [1920] (2002), Populações Meridionais do Brasil. Rio de janeiro: Ed. Nova Aguilar. (Coleção Intérpretes do Brasil)

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WERNECK VIANNA, Luiz. (2004), A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan.

[1] Mestre e doutorando em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ). (dsousa@iuperj.br)
[2] O importante papel da elite política imperial na construção do Brasil independente, bem como a relação entre o êxito da revolução burguesa e a representatividade dessa elite, constitui um dos alicerces do argumento sobre a presença de um padrão de continuidade nos temas que habitaram reflexão política nacional. A descrição da composição social e econômica dessa elite e de suas transformações ao longo do Império demonstra, sem dúvida, particularidades que não podem ser ignoradas, principalmente com relação ao progressivo declínio de sua homogeneidade ideológica e de treinamento, fator central na sustentação do sistema político brasileiro no século XIX (Carvalho, 2006). Todavia, o elemento “esotérico” dessa intelectualidade, ponto de contestações sobre seu real alcance, pode ser diluído na aberta importância que suas formulações tiveram na construção do Estado nacional e subseqüente imaginação da nação.
[3] Conforme Brandão são significativos os trabalhos de Carvalho (1999), Mercadante (1972), Santos (1978) e Werneck Vianna (2004), para mencionar apenas alguns exemplos, no sentido de reconhecer a existência de tais linhagens intelectuais associadas a um programa liberal ou conservador de pesquisa.
[4] A adesão de um determinado conjunto de autores, freqüentemente agrupados sob o rótulo de liberais, ao modelo anglo-saxônico de sociabilidade pode, com efeito, esconder nuances na sua classificação ao longo do período histórico trabalhado, sem dúvida objeto de polêmica entre alguns intérpretes. Trata-se da possibilidade de matizarmos a dicotomia liberais/conservadores por meio de rótulos como conservadores liberais, liberais moderados ou ortodoxos, ou ainda autoritários instrumentais, encontrada em importantes estudos sobre o pensamento social e político no país (Carvalho, 2006; Santos, 1978; Werneck Vianna, 2004). Tal menção se justifica pela suposição nada pacífica de que liberais e conservadores discordariam apenas em relação aos meios com vistas à implantação do modelo anglo-saxão entre nós, finalidade essa que seria amplamente aceita por ambos, restando apenas a controvérsia sobre atingirmos a matriz por ela própria ou pela via autoritária. Contudo, a existência de visões de mundo inconciliáveis, contrapondo autores como Tavares Bastos e Oliveira Vianna, por exemplo, pode, segundo Brandão, ser tomada como ponto de partida para identificarmos a não aceitação geral da individualidade espontânea associada ao mercado (Brandão, 2007).
[5] Maria Alice Rezende de Carvalho trata dos temas sobre a organização dos intelectuais no Brasil identificando três eras organizacionais distintas: além das Academias e Universidades, a autora inclui as Organizações não-governamentais como mostra da tentativa contemporânea da inteligência nacional de se adaptar às exigências da nova ordem globalizada. Com isso, a autora defende a tese da permanência da vocação pública na atividade intelectual no país até os anos recentes, manifesta nas mutações organizacionais apontadas (Carvalho, 2007).