quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Raimundo Santos

(...) o presente é apresentado pela ótica do alargamento da política social originária dos anos 1990 considerado como a grande transformação realizada pelo governo Lula. É tão forte este ponto de vista que outro dia a candidata se admirava ao ver quanto o seu governo fazia no plano social e ainda se mantinha a democracia. Tal estranheza desconsidera os clássicos que repensaram radicalmente o modelo revolucionário do passado e em particular as reflexões dos inúmeros autores que nos falam de um novo reformismo para o século XXI, tempo de grandes possibilidades democráticas e de desenvolvimento, embora ainda arraste guerras, crises, sequelas patológicas (drogas, criminalidade) e elevada fragmentação social de incidência perigosa no mundo político.

(Raimundo Santos, no artigo, ‘Do ponto de vista democrático’, em 30/10/2010)

A economia e a política :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

As duas eleições, a brasileira — com a renovação da Câmara e de 2/3 do Senado e também para a Presidência da República — e a americana — para parte do Senado e a totalidade da Câmara — reafirmaram a tese que ficou famosa a partir da eleição de Bill Clinton: “É a economia, estúpido”, avisava o marqueteiro James Carville.

Pois foi a economia que ditou o resultado nos dois países, que passam por momentos bastante distintos.

Dilma Rousseff foi eleita alavancada pela popularidade de Lula, mas, sobretudo, pela sensação de bem-estar trazida pelo crescimento econômico, que também é o grande responsável pela própria popularidade do presidencial.

A base aliada do governo dominou as duas Casas do Congresso com uma maioria de cerca de 70% que, embora seja apenas teórica, mostra sua força eleitoral.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama vive momento oposto.

Sua popularidade desceu a níveis mais baixos desde que foi eleito em 2008, e a economia americana só fez desabar desde então, fazendo com que o índice de desemprego chegasse aos maiores números da História recente.

Ao contrário, no Brasil, a taxa de desemprego é das menores já registradas.

Este ano materializou-se de forma mais clara o desafio enorme que os EUA enfrentam como consequência de opções feitas ao longo desses anos de pós-guerra, com uma sociedade movida a alto consumo interno.

O candidato Obama, que parecia ter a solução para todos os problemas que a crise econômica que eclodiu no final de 2008 trouxe à tona, transformou-se no presidente que, diferentemente de Lula, teve muito azar e virou o para-raios da frustração dessa mesma sociedade que não está acostumada a ter que poupar e conter seus gastos.

O que ocorre é uma espécie de catarse coletiva, com o Partido Republicano tornando-se o desaguadouro de todas as reclamações da sociedade americana, que não sente efeitos positivos nas medidas econômicas adotadas pelo governo Obama.

A mesma catarse que transformou Barack Obama na solução mágica contra a era Bush, com guerras contra o terror que levavam inquietação ao país, e a crise econômica que vinha se aprofundando.

Provavelmente por inexperiência, Obama estabeleceu prioridades equivocadas e falhou na execução — do começo ao fim, na opinião generalizada dos analistas.

O governo gastou muita energia na aprovação da reforma da Saúde, que era uma das prioridades da campanha, mas que deveria ter sido postergada diante do agravamento da crise econômica, que se mostrou muito mais severa do que se imaginava no início do governo.

Há uma percepção negativa exagerada de Obama, provavelmente fabricada pelos investidores de Wall Street, caracterizando-o como “anti-business”.

O Partido Republicano recusou desde o primeiro momento a proposta de Obama de fazer um governo bipartidário para enfrentar a crise, e atacou sem piedade as medidas do governo, ressaltando o alto custo da reforma da saúde, por exemplo.

Essa postura radicalizada da oposição nos Estados Unidos também pode ser comparada com a oposição brasileira durante os últimos oitos anos, que se deixou intimidar pela popularidade do presidente Lula e, depois do episódio do mensalão, foi neutralizada pela ação política agressiva do próprio presidente.

Ao mesmo tempo, os radicais do Tea Party ressaltam o que consideram ser indícios de um “socialismo” de Obama.

É difícil afirmar que a carreira política de Obama esteja encerrada com esta derrota espetacular que sofreu ontem, mas que ele corre o risco de se tornar um Jimmy Carter, isso corre.

O semblante do presidente Barack Obama durante a entrevista coletiva em que admitiu que o recado de descontentamento das urnas era muito claro mostra como ele se abalou com o tamanho da surra que o Partido Democrata levou nas eleições.

Sua primeira reação foi jogar para os Republicanos a responsabilidade agora de apresentar propostas que devolvamos empregos aos americanos.

Talvez Obama seja até beneficiado pelo crescimento do Partido Republicano no Congresso.

Por um lado poderá compartilhar responsabilidades e culpas.

Por outro, terá uma chance de mostrar que aprendeu a lição e também suas habilidades de líder e negociador.

Há quem veja na substituição de Nancy Pelosi no comando da Câmara uma ajuda ao governo democrata, já que a deputada é considerada uma péssima negociadora.

Há analistas que consideram que o Tea Party, o grupo mais radical do Partido Republicano, seja um problema tão grande ou maior para os republicanos do que para o próprio Obama.

O paralelo mais comentado depois da derrota foi o que aconteceu com Bill Clinton, quando também o Partido Democrata sofreu uma derrota acachapante nas eleições de meio de mandato e depois se recuperou.

Em 1994, porém, a economia dos Estados Unidos estava em recuperação, o que não acontece hoje e provavelmente não acontecer á nos próximos dois anos.

Ao contrário, a crise está levando as empresas a cortarem suas gorduras, e o aumento da produtividade no país pode segurar o desemprego em taxas altas pelos próximos dois anos.

Sapo de fora:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não há nada que se diga sobre a maneira de o PT se relacionar com seus aliados que o PMDB não esteja cansado de saber. Adeptos tardios da política de alianças - só aderiram mesmo depois de Lula perder três eleições presidenciais -, os petistas têm exata noção de ocupação de espaço e executam-na com rigor.

Essa história foi contada ao PMDB por Luiz Inácio da Silva em 1989, quando passou ao segundo turno contra Fernando Collor e recusou a oferta de apoio de Ulysses Guimarães.

Arrependeu-se publicamente, tempos depois. No entanto, repetiu a narrativa quando eleito pela primeira vez, em 2002, e desarmou na última hora o acordo feito por José Dirceu para a entrada do PMDB no governo em postos de destaque junto com a banda que havia apoiado o PSDB na eleição, Michel Temer incluído entre os governistas recém-convertidos.

Se o PMDB nutrisse algum tipo de ilusão, teria abandonado qualquer uma na campanha da eleição de agora com a mesma história que, outra vez, o PT contou ao aliado na Bahia em Minas Gerais, para citar só dois dos casos mais ilustres.

Durante a campanha o candidato a vice e presidente do partido, Michel Temer, só apareceu na propaganda de televisão ao final e no primeiro turno ficou apartado, pelo menos de público.

O PMDB ganhou assento na coordenação do programa de governo, após reclamações, e agora Temer recebeu o posto de "coordenador-geral" da transição também após se queixar. Cargo sem significado, pois as tarefas importantes estão com os petistas.

Sabendo de tudo isso e mais um pouco, ainda assim o PMDB acha que vale o trabalho de brigar todos os dias para se afirmar, calar quando for conveniente, falar quando for necessário e usar o poderio do partido no Congresso quando for indispensável lembrar ao Planalto que sapo de fora também chia. E forte.

Alvíssaras. As primeiras entrevistas da presidente eleita não revelaram grande coisa em termos de conteúdo. Mas no tocante à forma, Dilma Rousseff mostrou-se racional, elegante, mentalmente mais desenvolta que na campanha e a léguas de distância do estilo populista do atual presidente.

Povo da floresta. Chama atenção no mapa dos resultados o desempenho do candidato José Serra no Acre: 68% contra 30% para Dilma.

No primeiro turno, Marina Silva ficou em terceiro lugar, contrastando com o sucesso no restante do País.

O senador Tião Viana (PT-AC) disse que o Estado foi "injusto" em relação a Lula.

Mas, segundo quem acompanha a política local, a hostilidade do Acre - governado há 12 anos por uma frente liderada pelo PT - não é contra Lula nem contra Dilma.

Seria contra o governo estadual. O jornalista acreano Altino Machado diz que as principais reclamações são de truculência contra a imprensa, excesso de propaganda enganosa e perseguições a adversários.

Transpartidária. O projeto prevê um viaduto, mas por enquanto figuras proeminentes do PSDB apenas se dedicam à construção de uma ponte de ligação com o PSB.

O partido aumentou em 100% os Estados que governa - eram três, agora são seis - e ficou com mais governadores que o PMDB (cinco).

Quando se fala no PSDB na possibilidade de Aécio Neves ser o candidato a presidente em 2014, ouve-se o conselho para que se preste atenção em Eduardo Campos, presidente do PSB e governador reeleito de Pernambuco.

A ideia não é de exclusão ou substituição. É de composição.

Calma no Brasil. Há no PT a interpretação de que o discurso de Serra pós-derrota foi agressivo por ter sido feito em tom de assembleia permanente, resumido na frase "a luta continua".

Melhor não puxar o assunto, já que Lula saiu da derrota de 1998 dizendo que a vitória de Fernando Henrique havia sido um "estelionato eleitoral".

Descendo do palanque:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A gerentona Dilma Rousseff gritava com ministros e presidentes de estatais, que mais de uma vez saíram chorando da conversa. A candidata Dilma, repaginada, superou expectativas e superou a si própria ao enfrentar a TV e os debates. A presidente eleita Dilma vai se revelando aos poucos.

No conteúdo, ela avisa que será cautelosa (ou conservadora) na política econômica, manterá o ritmo das obras de infraestrutura e aumentará investimentos na saúde e na segurança. Só surpreendeu até agora na área externa, ao criticar a "guerra cambial" entre os EUA e a China, a parceira nos Bric que deixou de ser apenas "emergente" e disputa a condição de potência.

Na forma, parece livre de um fardo, o da campanha. Desenvolta no "Jornal Nacional", estava coloquial na entrevista de ontem. Sorriu, brincou com as "meninas da imprensa", acenou para os governadores e elogiou o telefonema "republicano" do tucano Alckmin.

Passada a eleição, para alívio geral, Dilma vive uma natural fase "paz e amor", apesar de Lula não resistir a Lula e continuar espezinhando Serra. Deus sumiu, é verdade, mas ela estende a mão aos adversários e enaltece a democracia. A imprensa e os cidadãos devolvem com boa vontade.

Esse clima -apelidado de "lua de mel" -é tradicional na política brasileira, mas não precisa exagerar. Dilma diz que não vai mexer no câmbio flutuante e no superavit primário, e é uma festa. Diz que apedrejar Sakineh é "uma coisa muito bárbara" e todo mundo: "Ohhhh!". Peraí. Isso é o óbvio. Só faltava ela mudar o câmbio e dar de ombros para a sina terrível da iraniana, como chegou a fazer Lula.

A reação camarada, quase oba-oba, confirma que os problemas de Dilma, no primeira momento, não estão na imprensa, nos adversários ou nos mercados.

Estão nos aliados. É aí que se armam as bombas, os "mensalões" e as Erenices que, depois, explodem nas manchetes e implodem o amor pelos governos.

Página virada?:: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Momento de sucessão ou de passagem de governo, em contextos autoritários ou semiautoritários, é sinal de crise aguda e mesmo insolúvel, costumando pôr em xeque a continuidade de projetos de poder até mesmo longevos e aparentemente muito bem implantados.

Foi o que pudemos ver no já distante ciclo militar, anterior à Nova República e a Tancredo Neves. Era preciso ler nas entrelinhas das ordens do dia, perceber a movimentação pouco clara dos chefes militares, decifrar sinais emitidos pelos representantes mais em evidência da aliança de forças vitoriosa em cada sucessão. Em cada momento, o choque era real, implicava mudança de personagens e projetos num quadro de luta surda, que só os desatentos não percebiam. O regime foi arbitrário desde o começo, mas cabe ao analista também procurar distinções: uma coisa, por exemplo, foi o governo Castelo Branco, com aspirações a um certo tipo de normalização constitucional, outra, muito diferente, o período Médici. Para não falar das contradições da "distensão lenta, gradual e segura" do governo Geisel, que, sem deixar de significar um projeto novo na área do regime, tantas vezes conviveu com o extermínio físico de adversários que não abdicaram da luta política pela democracia, feita com os meios pacíficos então possíveis.

Acabamos de viver a sexta sucessão presidencial nos marcos da Constituição de 1988. Na moderna democracia brasileira, diferentemente de antes, o poder nasce das urnas e não há legitimidade possível fora da prosaica e "banal" contabilidade dos votos. Nenhuma ingenuidade nesta afirmação aparentemente acaciana, uma vez que, como se sabe, essa mesma contabilidade dos votos não cai do céu como algo acidental, mas, antes, é o resultado final - e, por outro lado, sempre provisório - de complicados processos e lutas na base da sociedade, de embates muitas vezes ásperos entre concepções sobre a política e a boa sociedade.

Essa é uma realidade que, mesmo aos poucos, transforma e reorganiza arraigados hábitos mentais que prolongados períodos de autoritarismo impuseram à direita e também à esquerda do espectro partidário. Só adeptos de um modo revolucionarista de pensar - como se vivêssemos em país periférico, no auge da guerra fria, sem compromisso com os valores políticos e a estrutura complexa do "Ocidente" - poderiam continuar repetindo que, nas democracias "burguesas", a esquerda "pode chegar ao governo, mas não ao poder". Ao contrário, pode chegar legalmente ao poder político possível numa sociedade de vocação pluralista e com isso incidir sobre relações de força na economia e na sociedade, mudando-as segundo as regras do próprio método democrático. Atalhos autoritários não servem, ou não deveriam servir, à esquerda.

A "natureza do processo", num regime democrático, muitas vezes impõe uma renovação de linguagem e de conceitos, e mesmo o abandono de expedientes retóricos que, mais rapidamente do que em outras circunstâncias, se tornam caducos em face dos problemas novos.

Para dar só um exemplo, se tivermos sorte, nos próximos meses e anos há de cair em desuso, por anacrônico, o recurso plebiscitário que deu o tom na recente batalha sucessória. Fonte de exasperação e de radicalismo fora do lugar, a estridente "comparação" entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula não apenas ignora contextos e realidades globais bem distintas em que tiveram lugar as duas experiências. Ela também denota incapacidade para tratar como História, com um certo distanciamento que disso decorre, um período de reformas liberais - algumas defensáveis; outras, não - que é injusto rotular como "neoliberal", sem restos e sem qualificações. Bem ou mal, os governos de FHC tiveram de se haver com o evidente esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, seja na versão getuliana, seja na versão do regime militar. E o fizeram talvez com uma certa húbris, advinda da certeza de agir em consonância com o "espírito do tempo", o que sempre desarma o espírito crítico e, pelo menos numa situação crucial, levou a um lance democraticamente desastrado. Refiro-me, evidentemente, à violação da regra do jogo no episódio da emenda da reeleição.

A estratégia plebiscitária, no entanto, ignora nuances e distinções. Menospreza a emergência de qualquer possível "terceira via", mesmo quando, como no caso de Marina Silva, tal via expressa demandas de civilização que já agora são insuprimíveis, independentemente do grau de articulação e capacidade dirigente com que se apresentaram. Pior ainda: entre os adeptos da democracia plebiscitária existe como que uma dificuldade de fundo em entender o mecanismo essencial da alternância no poder, como se só uma parte da sociedade política estivesse legitimamente capacitada para elaborar e defender o bem comum; deste ponto de vista, a hipótese da alternância só pode ser considerada um retrocesso inaceitável, uma breve capitulação diante de inimigos do povo, a ser revertida com uma oposição implacável, que não reconhece sequer o terreno comum do Estado Democrático de Direito.

O governo eleito tem de seguir adiante e, provavelmente, não lhe há de servir a velha roupagem do nacional-estatismo dos anos 1950, contra o qual, aliás, se insurgiu virulentamente o PT das origens. Decorrida a sucessão, esse grande processo pedagógico em escala de massas, abre-se um novo mundo e o ideal é que se reative autonomamente a sociedade civil, com suas exigências de um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente qualificado, sem mistificações paternas ou maternas inconciliáveis com o moderno indivíduo democrático. Nas palavras de Edgard Morin, é preciso estar atento ao imprevisto: nada está escrito nas estrelas e muito menos é certo que fantasias queremistas medrem como antigamente.

Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci em portuguêsSite: www.gramsci.org

A oposição tem muito a aprender com o PT:: Daniel Mendonça

A oposição no Brasil tem de aprender a fazer oposição. PSDB, DEM e PPS são partidos que não honraram a sua condição oposicionista ao longo dos oito anos do governo Lula. A prova mais contundente foi a desastrada estratégia de “deixar sangrar” o governo, em 2005, por conta do mensalão, esperando vencê-lo facilmente nas eleições de 2006. Pois é, diante daquela série evidente de fatos contrários ao bom ordenamento da nossa República, a oposição deveria ter insistido, veementemente, pelo impeachment de Lula. Collor e PC Farias eram meninos de calça curta em comparação com o que aconteceu no Brasil naquele período.

Neste sentido, o PT tem sorte de ter contra si uma oposição envergonhada, até mesmo desajustada. O PT tem sorte de não tê-lo como oposição. Digo em termos de força, de discurso, de contundência de discurso. É justamente este papel oposicionista que foi desempenhado magistralmente pelo PT, ao longo de toda a sua história até 2003, e que a oposição de hoje deve desempenhar.

Mas existem os pruridos. Tucanos, democratas e ex-comunistas do PPS não se cansam de afirmar que fazem oposição, mas “responsavelmente”, pelo “bem do Brasil”. Pela falta de força com que exercem o seu papel dá até para acreditar nisso. Não vão chegar a lugar nenhum deste jeito. O PT chegou aonde chegou justamente por sua oposição irresponsável. Dou alguns notórios exemplos de tal irresponsabilidade: o PT foi contra a candidatura de Tancredo Neves em 1985; o PT não assinou a Constituição Federal de 1988; o PT foi contra o Plano Real em 1993/4, só para ficar mesmo nos exemplos das irresponsabilidades mais evidentes.

A oposição tem de aprender com o PT que fazer oposição é, portanto, um exercício de pura irresponsabilidade. Mas não somente isso e aqui é que reside o essencial. Não basta a oposição ter um discurso contrário ao do governo: ela precisa ter também um discurso alternativo. Ela precisa ter a sua própria visão de mundo. Neste sentido, o PT também tem muito a ensinar. Ele tinha uma visão de mundo facilmente identificável. Seu discurso era “popular”, socialista em alguns aspectos, ligado os movimentos sociais, anti-sistema, contra as elites etc. Chegou a todos os governos com esta retórica.

Fez ainda mais. O PT “vampirizou” o discurso do governo Fernando Henrique Cardoso. O que isto significa? Significa que o governo Lula usou e abusou do aprendizado e das conquistas do governo que o antecedeu, trocou rótulos de avanços alheios e atribuiu a si como suas conquistas. Fez os brasileiros esquecerem as vitórias do governo tucano e hegemonizou discursivamente o que deveria ser visto como a “herança maldita de FHC”. O PT, magistralmente, reescreveu a história do Brasil de Fernando Henrique a partir da sua própria pena. O PT conseguiu ser governo e oposição ao mesmo tempo durante todo o governo Lula. Fantástico.

O PT deixou a oposição sem discurso. Por quê? Porque ele tomou para si aquilo que era a marca do PSDB, ou seja, o seu modelo econômico. Descaradamente, o governo atual fez com que os brasileiros entendessem que o “modelo econômico” de Lula era melhor do que o de FHC. Diferenças entre modelos econômicos que, de fato, nunca existiram, foram fabricadas. Desde FHC, vivemos tão-somente sob a égide de um único modelo econômico. No entanto, numa cuidadosa manobra político-discursiva, o PT tomou para si a marca da oposição e, com isso, assassinou o seu discurso.

O PT sabe o que faz. Faz política dentro da lógica política. Certamente os petistas são os melhores leitores de Maquiavel. Tenho inclusive dúvidas se o filósofo florentino teria pensado em algo mais genial. E se Nicolau fosse nosso contemporâneo, junto aos exemplos de Alexandre, de Cesar Bórgia, de Agátocles e de tantos outros, Lula e o PT seriam também imprescindíveis fontes de inspiração para os seus ensinamentos políticos.


Daniel de Mendonça, professor do Instituto de Sociologia e Política Universidade Federal de Pelotas/RS.

Twitter do autor: @ddmendonca
Blog: http://politicacomovocacao.blogspot.com/

Dilma começou bem falando para o mercado, a opinião pública e a própria oposição :Jarbas de Holanda

1) As duas primeiras e significativas manifestações de Dilma Rousseff como presidente eleita – o “discurso da vitória”, feito logo após concluída a apuração do 2 turno, e a entrevista ao Jornal Nacional da Globo, na segunda-feira à noite – surpreenderam pelos temas que ela destacou e pelas posições que explicitou sobre questões macro e microeconômicas e as de caráter político e institucional. Entre as primeiras: defesa do tripé da estabilidade, da melhoria do gasto público, do respeito aos contratos, da livre concorrência, da autonomia das agências reguladoras. Entre as que dizem respeito às ações do governo, à institucionalidade e às relações políticas: a meritocracia no preenchimento dos cargos federais, o combate a escândalos administrativos, a garantia de que não praticará “discriminação, privilégios e compadrios”, o respeito à “irrestrita” liberdade de imprensa, a abertura conciliadora à oposição.

2) As avaliações pelos grandes veículos da mídia desse conjunto de manifestações da presidente eleita incluíram – como não poderiam deixar de fazê-lo – claras ressalvas de desconfiança, indicativas do receio de que elas possam constituir apenas ou predominantemente uma manobra tática de resposta às reações críticas de quase metade do eleitorado a muitas práticas e atitudes do governo federal, do presidente Lula e de sua candidata: a escalada dos gastos eleitoreiros este ano, o abusivo aparelhamento partidário e sindical, as tentativas de acobertamento de escândalos, os ataques à liberdade de imprensa, na campanha eleitoral a agressividade entre a candidata oficial e o da oposição. Reações essas que empurraram a disputa pelo controle do Palácio do Planalto para o 2º turno, no qual o quadro político nacional se reequilibrou significativamente.

3) Mas, de par com ressalvas prudenciais, a Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo e a grande maioria dos veículos da mídia impressa e eletrônica receberam bem, agradavelmente surpresos, as declarações com as quais Dilma Rousseff se dirigiu ao país logo após sua eleição. Seguem-se trechos dos editoriais, de ontem, dos três referidos jornais. Da Folha, com o título “Boa impressão”: “Foi promissor o discurso proferido pela presidente eleita, na noite de domingo. O pronunciamento, que se revestiu de características de uma carta de intenções, convidou o país à conciliação, prestigiou a ordem democrática e sugeriu diretrizes de governo elogiáveis”. “A futura mandatária comprometeu-se com os direitos e garantias constitucionais. Incisivamente, com o intuito de diminuir suspeitas, prometeu zelar “pela mais irrestrita” liberdade de imprensa e religião. Na economia, foi além das promessas protocolares de responsabilidade, respeito a contratos e estímulo ao crescimento. Em considerações que poderiam ser endossadas por apostadores e críticos dos atuais rumos do governo, fez questão de citar a “melhoria da qualidade do gasto público” e a “atenuação da tributação”. “... Foi auspiciosa a menção às melhorias microeconômicas, com a valorização de “mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo”.

4) Do Globo, com o título “Defesa das liberdades unifica país”: “O primeiro discurso de Dilma infunde esperança de que será possível construir pontes entre governo e oposição, necessárias para o manejo de questões sérias, como a das bases frágeis e até injustas do sistema previdenciário do país...”. “Fez bem Dilma Rousseff ao estender a mão à oposição, garantindo que não haverá “discriminação, privilégios e compadrios”.A postura coincide com a do senador eleito Aécio Neves, considerado o grande nome da oposição no Congresso.Não poderia mesmo ser desconsiderado que, se Dilma obteve 55,7% milhões de votos, o candidato oposicionista José Serra atraiu 43,7 milhões, quase 44% do total. Além disso,os tucanos elegeram oito governadores, três deles na região mais desenvolvida do país (São Paulo, Minas e Paraná)”. “Registre-se, ainda, a defesa das liberdades feita pela presidente eleita – de imprensa, religião, culto. Este é um passo concreto para unificar o país, em torno de direitos fundamentais inscritos na Constituição, acima de partidos e ideologias”.

5) Do Estadão, com o título “A eleição de Dilma Rousseff”: “No discurso da vitória, por sinal no único trecho em que se emocionou abertamente, contendo as lágrimas, Dilma avisou que baterá muito à porta desse homem (Lula) “de tamanha grandeza e generosidade”. Mas várias de suas declarações chamaram a atenção por se referir a questões em relação às quais Lula fez má figura. Sobre corrupção, por exemplo, ela prometeu que “não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito”. Em contraste com o governante que se permitiu investir contra a imprensa do alto do palanque, ela agradeceu à mídia e disse que não carregará “nenhum ressentimento” pelas críticas recebidas porque prefere “o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”. “Dir-se-á que a distância entre intenções e atos é irremediavelmente imensa. Mas não há como negar que Dilma começou bem o percurso entre as urnas e o poder e que sua primeira fala desperta esperanças que não apareciam no horizonte da campanha”.

Jarbas de Holanda é jornalista

Nabuco e Balmaceda :: Marco Maciel

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Ao encerrarmos as celebrações do Ano Nacional Joaquim Nabuco, podemos dizer com toda convicção que Nabuco continua com uma agenda extremamente atual. Embora seja uma de suas obras menos celebradas, Balmaceda, muito mais que um simples ensaio ou uma arguta análise política, é uma síntese extraordinária das preocupações do autor - quase uma antevisão sobre o destino e os riscos que poderia correr com o Brasil sob a República, então recém-proclamada.

Produto dos artigos por ele publicados no Jornal do Comércio, o livro encontra motivação na obra do chileno Júlio Bañados Espinosa, intitulada Balmaceda, seu governo e a Revolução de 1891, que foi elaborada em defesa do presidente José Manuel Balmaceda. Balmaceda, que foi um liberal na maior parte de sua vida política, viu-se na crista de uma crise, em que, apelando para o conflito com o Parlamento, terminou solapando o alicerce de popularidade que tinha alimentado a sua carreira política e parlamentar. O resultado foi a guerra civil de 1891, quando o Parlamento não aprovou a lei de orçamento para aquele ano e o presidente, ignorando o poder do Congresso, validou o do ano anterior. Quando o Congresso votou e aprovou sua destituição, o presidente respondeu dissolvendo-o. Da solução pacífica dos votos, passou-se ao prélio terrível das armas. Decorridos oito meses de combates, o triunfo do Congresso tornou-se inevitável e a Balmaceda não restou outra alternativa que entregar-se e asilar-se na Embaixada Argentina, onde, no dia em que deveria findar-se o seu mandato, recorreu ao gesto extremo do suicídio.

As observações de Nabuco, no curso de sua análise sobre os infortúnios de Balmaceda, não se cingem aos aspectos circunstanciais da vida do ex-presidente. Como em tantas outras oportunidades no livro, seus olhos veem o Chile e ele pensa no Brasil quando afirma: "Em nossos países, onde a nação se mantém em menoridade permanente, as liberdades, o direito de cada um, o patrimônio de todos, vivem resguardados apenas por alguns princípios, por algumas tradições ou costumes que não passam de barreiras morais sem resistência, e que o menor abalo deita por terra".

A crise política provocada por Balmaceda tem pontos em comum com os eventos que, no Brasil, marcaram o trágico 24 de agosto de 1954 e, no ano seguinte, os episódios de 11 de novembro, com a destituição e a consequente renúncia do vice-presidente da República e de seu substituto legal, o presidente da Câmara. Mas caracteriza-se, também, por diferenças marcantes.

No Brasil, o suicídio do ex-presidente Vargas e a inquietação decorrente do movimento militar de 11 de novembro, marcam a mais significativa diferença com o caso chileno. A saída pacífica fez-se pela eleição de Juscelino Kubitschek, no pleito de 1955, significando a restauração da normalidade democrática e o desestímulo às tentativas de intervenção militar.

No Chile, o drama e a tragédia se consumavam à medida que a proclamação da ditadura pelo presidente fechara as portas a qualquer entendimento e, consequentemente, à solução pacífica do confronto que dividira o país, obtendo como resposta o caminho à violência de ambos os lados.

"Uma vez assentada a solução da morte, é preciso justificá-la, depois utilizá-la politicamente, por último escolher o momento", escreveu Nabuco. Assim é que, como também o fez Vargas mais de meio século depois, sua última mensagem deixou-a Balmaceda numa carta, chamada hoje de o Testamento de Balmaceda. Nela Nabuco identifica três partes: uma é a revista do procedimento da Junta Revolucionária, para mostrar que não lhe era permitido esperar justiça de seus inimigos e que por isso não realizava a sua primeira ideia de entregar-se a eles, outra, é a sua defesa dos pontos de acusação que lhe ficaram mais sensíveis, a última é um brado de esperança na vitória ulterior de sua carta". Nesta está o fulcro das contradições dos sistemas políticos que sempre cercaram o exercício do poder pessoal em nosso continente: "O regime parlamentar triunfou nos campos de batalha", diz ele, "mas esta vitória não prevalecerá. Ou o estudo, a convicção e o patriotismo abrem caminho razoável e tranquilo à reforma e à organização do governo representativo, ou novos distúrbios e dolorosas perturbações terão que reproduzir-se entre os mesmos que fizeram a revolução unidos e que mantêm a união para garantia do triunfo, mas que por fim acabarão por se dividirem e se chocarem".

A grandeza dos textos, sua perenidade e o alcance moral de seus ensinamentos fazem de Nabuco, mais que um autor, um mestre vocacionado não para ensinar, mas para educar. A busca da onipotência do poder sempre ameaçou o futuro da democracia na América Latina. Logo, a lição que Balmaceda escreveu com seu próprio sangue e a assinou com sua própria vida, precisa ser aprendida por todos que exercem ou venham a exercer o poder em nosso continente.


» Marco Maciel é senador e membro da Academia Brasileira de Letras

Jair Rodrigues - Programa Ensaio - "Deixa Isso Pra La / Vem Chegando a Madrugada"

Lula: oposição não deve agir com raiva

DEU EM O GLOBO

Na primeira entrevista coletiva após as eleições, o presidente Lula pediu que a oposição não aja com raiva contra a presidente eleita, Dilma Rousseff, como, segundo disse, fez com ele. Ao lado de Dilma, em tom duro, afirmou: "Que dentro do Congresso, a oposição não faça contra a Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política, eu diria, da vingança, do trabalhar para não dar certo.” Lula disse que não haverá medidas impopulares agora, descartou voltar em 2014 e afirmou que o novo governo terá a cara de Dilma:"Rei morto, rei posto."

Lula critica a oposição

E, na primeira aparição após a eleição, diz que novo governo terá "a cara de Dilma"

Chico de Gois e Luiza Damé

BRASÍLIA - Bem à vontade ao lado de sua eleita, na sua primeira manifestação pública sobre o resultado da eleição de domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não dará palpites sobre a montagem do governo de Dilma Rousseff, e aproveitou para alfinetar a oposição. Pediu que a oposição seja menos raivosa do que teria sido com seu governo. Declarou que não pretende voltar ao poder em 2014, quando terminará o mandato de Dilma.

Para ele, rei morto, rei posto.

Lula também afirmou que o governo Dilma precisa ter a cara de Dilma.

Veja os principais trechos da entrevista de Lula, ao lado da presidente eleita, no Palácio do Planalto:

EQUIPE DILMA 1: Pela minha experiência de vida, o governo da Dilma tem que ser a cara e a semelhança da Dilma. É ela, e somente ela, quem pode dizer quem ela quer e quem ela não quer; somente ela é quem pode dizer aos partidos aliados se concorda ou não com as pessoas, e somente ela e os partidos aliados irão construir a coalizão.

EQUIPE DILMA 2: Tenho a exata noção da sensação da montagem de um governo. Você se levanta pela manhã, vê um jornal, está a fotografia de uma pessoa que nunca pensou em colocar no governo, mas está lá como escolhida; ou uma pessoa que você quer colocar, que está lá, destituída. É um samba maluco, alucinante.

EX-PRESIDENTE: Na minha cabeça funciona a seguinte tese: rei morto, rei posto. Eu disse a vocês que eu ia dar lição de como se comporta um ex-presidente da República: ele não indica, ele não veta; ele poderá dar algum conselho se, um dia, for pedido e se for para ajudar; para atrapalhar, nunca.

OPOSIÇÃO: Fui oposição muito tempo e fui governo muito tempo. (..) O que eu poderia dizer neste momento para a oposição? A Dilma é outra pessoa. Contra mim não tem problema, podem continuar raivosos, continuar do jeito que sempre foram.

Mas, a partir do dia 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais o Brasil, torcessem para que o Brasil dê certo (...), porque, cada vez que tomam alguma atitude, em vez de prejudicar o presidente, eles prejudicam a parte mais pobre da população.

SEM VINGANÇA: Queria apenas pedir a compreensão... que, dentro do Congresso Nacional, a nossa oposição não faça contra a Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política, eu diria, da vingança, a política do trabalhar para não dar certo.

SAÚDE: Não esqueço nunca que, por conta disso (da oposição), essas pessoas tiraram R$ 40 bilhões anuais da saúde.

SEM ÓDIO: A Dilma sabe que ela não pode ficar com raiva do que aconteceu no processo eleitoral. (..) na cabeça de um presidente da República não tem que ter o pensamento da vingança, da raiva, do ódio.

MÍNIMO DE R$ 600: Era promessa do Serra, que eles poderiam ter feito quando governaram o país.

Como o povo não acredita em promessa feita de última hora... Tem gente que ainda trata o povo como se fosse boiada: toca o berrante, e o povo vai atrás. Não é mais assim. O povo está sabido, sabe o que é política séria e o que é promessa. É por isso que a Dilma ganhou sem precisar entrar na fase das promessas fáceis.

MAIORIA: O que ela vai ter melhor do que eu tive? Ela vai ter, teoricamente, bancadas mais consolidada na Câmara e no Senado. Certamente, teremos senadores com menos raiva do que alguns que saíram.

Só o fato de o cidadão não ter raiva, de o cara ser civilizado e, em vez de gritar, conversar. Em vez de querer bater, negociar, já é meio caminho andado.

CPMF: É importante lembrar que aprovamos tudo o que queríamos no Congresso Nacional, com exceção da CPMF. Mas, agora, essa nova safra de governadores que vai vir aí, eles vão dizer o que vão querer, e todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde.

Se alguém souber de onde é possível tirar dinheiro, que nos diga.

MINISTROS: Como vou pedir? Ela tem que montar o time dela. Ela é, agora, a pessoa que vai ser o técnico titular dessa seleção. Então, ela vai escolher quem ela quiser, para a posição que quiser. A continuidade é na política, e não nas pessoas

CONSELHO: É difícil dar conselho.

A Dilma conviveu comigo nesses oito anos (..) E a Dilma sabe que ela tem que montar uma equipe que, primeiro, seja harmoniosa.

(...) se o time não estiver coeso (...) se os jogadores estiverem brigando entre si, o jogo não dá certo

2014: Essa é uma grande bobagem que se fala. Quando eu falo rei morto, rei posto, é porque acho que quem vai sair do governo tem a responsabilidade de pensar, e contar até um milhão, para voltar algum dia.

Porque chegar ao fim do mandato com o reconhecimento popular que tem o governo, com a aprovação pessoal minha, voltar é uma temeridade porque a expectativa gerada é infinitamente maior. (...) entendo um pouco de política, entendo um pouco de sentimento da sociedade.

2014/DILMA: Tudo o que desejo na vida, tudo o que peço a Deus é que a Dilma faça as coisas que ela sabe fazer. Não precisa inventar nada.

Eu tenho certeza que, se ela fizer tudo o que sabe que tem que fazer, ela tem todo o direito de, em 2014, ser candidata outra vez (...) E deixa para discutir as eleições um pouco mais para a frente, porque, se não, vai ter uma enxurrada de bolinha de papel batendo nas nossas cabeças até 2014, e nós não queremos isso.

SAUDADE: Não estou saudoso coisíssima nenhuma. Quando entrei aqui, sabia que tinha data para entrar e para sair. Portanto, é que nem contrato de aluguel: no dia 31, tenho que dar o fora.

Oposição vê ‘ingratidão’ e agora promete ser dura

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Provocados por declarações de Lula, líderes dizem que presidente desfrutou de ação "generosa, responsável e construtiva" e só não obteve a CPMF

Alfredo Junqueira, AnaPaula Scinocca e Julia Duailibi

SÃO PAULO - Provocados pelas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líderes da oposição avaliam que, para sobreviver, PSDB e DEM devem partir para uma postura de maior confronto com o governo federal.

Ao comentarem a declaração de Lula, que disse ontem esperar que a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) não enfrente uma oposição raivosa, os parlamentares afirmam ainda que, durante os oito anos de governo, fizeram uma "oposição dos sonhos".

"A oposição que o Lula teve é a que todo presidente pede a Deus. Foi uma oposição generosa, responsável e construtiva. Raramente atuou com veemência", disse o vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR). Para o tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve de enfrentar uma oposição muito pior que a enfrentada por Lula. "O presidente Lula reclama, mas a única derrota dele no Senado foi a derrubada da CPMF. Fomos uma oposição sem volume e precisamos aprender com os próprios erros", analisou.

"Lula deve se dar por satisfeito por mandar no governo Dilma. Mas não na oposição. Não estamos aqui para ouvir o palpite dele. Vamos fazer oposição como deve ser feita", disse o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA). Para o tucano, a "fiscalização" do governo Dilma deve começar já. "Devemos ficar atentos aos aloprados e mensaleiros que já estão trabalhando na transição de governo", afirmou.

De acordo com o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), durante o governo Dilma, a oposição vai fazer o que sempre fez: "cobrar e fiscalizar o governo e votar a favor do que julgamos favorável ao Brasil", disse. "Quem sempre trabalhou com ódio foi o presidente Lula. No governo e na oposição", acrescentou.

O candidato a vice na chapa derrotada de José Serra (PSDB), deputado Índio da Costa (DEM-RJ), considerou que as declarações do presidente mostram que ele não pretende voltar para casa após o fim de seu mandato. Para o parlamentar, Lula já está assumindo o posto de "advogado de defesa" de Dilma e a oposição terá um trabalho duplo a partir do ano que vem. "A próxima legislatura vai ter que fazer oposição à Dilma e ao Lula", disse de Madri, Espanha, onde mora a sua filha.

O deputado José Aníbal (PSDB-SP) classificou como "nota fora do tom, o ponto fora da curva" o próprio presidente. "O PSDB tem que ser duro e não se deixar capturar pela questão do ‘udenismo’", afirmou Aníbal.

Derrotado nas urnas e um dos desafetos de Lula, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) reagiu com ironia à declaração. "Engraçado Lula falar em oposição raivosa. Não é ele quem vai aos Estados e agride as pessoas gratuitamente? Lula é inclusive ingrato. Quando teve problemas no primeiro mandato, por conta do mensalão, fez um apelo à governabilidade, e atendemos. Vamos aguardar a Dilma, vamos deixá-la governar", afirmou Heráclito.

O senador reeleito Demóstenes Torres (DEM-GO) lamentou o fato de Lula usar "ironia e baixo calão". Disse ser necessário "apreço". "Dilma merece o mesmo tratamento respeitoso e atencioso que tivemos com o Lula."

Oposição: presidente não desceu do palanque

DEU EM O GLOBO

Para dirigente tucano, Lula revela lado mesquinho e rancoroso

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. A oposição reagiu com críticas pesadas ao pedido do presidente Lula para que ela não adote a “política da vingança” com sua sucessora, nem repita atos “raivosos” de que teria sido vítima. Para os tucanos, Lula deveria agradecer porque a oposição foi condescendente com ele no escândalo do mensalão: — Acho que o presidente Lula fez um pronunciamento de quem ainda não desceu no palanque. Não é verdade que a oposição teve uma postura radical em seu governo. Pelo contrário, fomos acusados de não termos sido duros o suficiente. Além disso, o presidente tinha dois caminhos para conviver com o Congresso: o democrático, pelo convencimento e negociação, e o mensalão, que ele acabou optou e faliu no momento da votação da CPMF — disse Guerra.

Para o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), não reeleito, Lula demonstrou rancor: “A oposição jamais foi vingativa. Ele, sim, demonstrou portar esse defeito. Sorridente por fora e rancoroso por dentro”, escreveu no Twitter; “(Lula) revelou um lado mesquinho, pequeno, que dificilmente faz parte de uma pessoa feliz verdadeiramente consigo mesma”.

Na avaliação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), a oposição foi até condescendente com o governo Lula.

— Tanto que permitiu que o presidente Lula terminasse seu primeiro mandato, depois da descoberta do mensalão. Acho que o presidente gostaria que vivêssemos num regime igual ao de Cuba e da Venezuela. A presidente Dilma terá de nós o mesmo tratamento que demos ao presidente Lula. Mas não contem conosco para sabujices nem bajulações. No que for bom para o país, vamos ajudar — afirmou Demóstenes.

Colaborou Isabel Braga

AGU dá a Lula argumentos legais para não extraditar Cesare Battisti

DEU EM O GLOBO

Já senadores italianos pressionam Dilma para entregar o ex-ativista

Catarina Alencastro

BRASÍLIA. O presidente Lula deverá manter no país o ex-ativista italiano Cesare Battisti, que está preso no Brasil e é condenado pelo governo da Itália por terrorismo. Ontem, Lula afirmou que vai seguir o que recomendar parecer da Advocacia Geral da União. O texto que está em fase final de redação na AGU dá ao presidente os argumentos legais para não extraditar Battisti e mantê-lo no país.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a extradição do italiano, mas reconheceu que a palavra final sobre o caso caberia ao presidente da República. A pedido do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, um técnico da Consultoria Geral da União, órgão ligado à AGU, preparou um parecer que embasaria juridicamente a opção do governo brasileiro de negar o pedido da Itália. O parecer ainda não foi aprovado por Adams, mas demonstra que a AGU já está pronta para auxiliar Lula nesse sentido.

— Eu estou dependendo do advogado-geral da República.

Se ele me der um parecer, qualquer que seja o parecer, eu vou acatar, porque ele é o advogado, ele é o orientador do presidente da República. Eu tomarei a decisão — disse Lula.

Se Battisti fosse levado para a Itália, teria que cumprir pena de 30 anos. Lá, ele foi condenado pela participação no assassinato de quatro pessoas nos anos 70.

Se o réu não for extraditado, poderá viver no Brasil como refugiado político, condição conferida a ele por Tarso Genro quando era ministro da Justiça.

O ex-ativista está preso no presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007. Segundo a agência italiana de notícias Ansa, a presidente eleita Dilma Rousseff já foi assediada por senadores italianos, aliados do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, para que extradite Battisti, caso Lula não se manifeste sobre o caso antes do fim de seu mandato.

Nobel espera menos complacência com ditaduras

DEU NA AGÊNCIA EFE

"Tenho esperança de que a política internacional (do governo Dilma) seja distinta", disse

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 74 anos, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura deste ano, disse acreditar que a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) vai colocar em prática uma política externa menos complacente com ditaduras, em comparação com a atitude adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Tenho esperança de que a política internacional (do governo Dilma) seja distinta e que haja menos complacência com as ditaduras, como houve com o presidente Lula", disse ontem Vargas Llosa, ao lançar o livro O Sonho do Celta. em Madri.

No que diz respeito às ações internas do futuro governo, o vencedor do Nobel é otimista e disse que a presidente eleita "deve continuar com a política do presidente Lula no que se refere ao âmbito interno".

Para Vargas Llosa, nesse aspecto o governo Lula foi "excelente" e trouxe "enormes benefícios" ao País. "O Brasil está crescendo em um ritmo muito acelerado. Há uma classe média que cresce e a pobreza diminui. Embora ela ainda exista, diminuiu consideravelmente" nos últimos anos, ressaltou.

Segundo Vargas Llosa, a América Latina apresentou "grandes progressos" no que diz respeito à democracia, ainda que existam regimes autoritários, como Cuba, ou que "caminham" para isso, como a Venezuela.

Eleita fala grosso, mas ensaia inflexão externa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ao criticar apedrejamento de mulheres no Irã, Dilma sinaliza mudança no Itamaraty

A fala crítica de Dilma sobre a guerra cambial aprofunda o discurso de "altivez" da área externa

Igor Gielow

Apesar do estilo truncado e da volta de cacoetes da "ministra do PowerPoint", a fala de Dilma Rousseff ontem trouxe algumas luzes sobre o que pode vir a ser o posicionamento externo do Brasil em seu governo.

Primeiro, uma inflexão. Ao criticar o apedrejamento de mulheres no Irã, ela classificou a prática de "bárbara", "mesmo considerando os usos e costumes" do regime islâmico de Teerã.

Supondo-se que ela tenha a mesma opinião sobre o provável enforcamento de Sakineh Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e assassinato que anda a comover o Ocidente, é uma guinada na política de vista grossa do Itamaraty lulista às práticas dos regimes aliados.

No caso específico de Sakineh, após considerá-la um problema do Irã, Lula ainda embicou uma tentativa de remediação de imagem ao oferecer asilo à mulher. Mas nunca se viu Lula ou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticar atos bárbaros pelo que são.

Em sua defesa, o Itamaraty sustenta que isso é relativismo cultural obrigatório, sob o argumento diplomático de que não é justo julgar outras realidades. Os anos Lula, contudo, foram consistentes em ignorar violações de direitos humanos e abusos.

Dissidentes cubanos foram ridicularizados, vários ditadores cortejados.Do lado das semelhanças, a fala crítica de Dilma sobre a chamada guerra cambial traz um aprofundamento no discurso de "altivez" preconizado pela área externa.

Eleger Estados Unidos e China como adversários antes de tomar posse não é exatamente trivial. É elevar a um patamar mais concreto, o da disputa comercial real e não de picuinhas anti-imperialistas, a "briga contra os grandes" ensaiada nos oito anos de PT no poder.

É preciso checar a compatibilidade entre retórica e realidade e examinar as contradições -em seu discurso da vitória, Dilma criticava protecionistas, mas lembrava da importância "das nossas próprias políticas".

A plateia também poderia ser poupada de bobagens como a dita ontem, quando a eleita afirmou que a Segunda Guerra Mundial decorreu tão somente de uma disputa econômica análoga à atual.

Seja como for, Dilma insinuou que manterá a voz grossa do Lula que canalizava os desejos de Amorim e companhia. A questão seguinte é ver se, até por uma questão de extensão vocal política, ela conseguirá manter o tom.

Após ser eleita, Dilma volta a se irritar com jornalistas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Em sua primeira entrevista coletiva após a eleição, Dilma Rousseff mostrou irritação com perguntas de jornalistas, pontuou frases de forma dura, encerrou temas bruscamente e chamou repórteres de "minha querida" em um tom mais incisivo.

Ao lado de Lula, nos 30 minutos em que ele foi o entrevistado, Dilma distribuiu sorrisos e interrompeu o presidente de forma delicada.

Em seu momento de falar, que também durou 30 minutos, a petista mudou de humor gradualmente. Começou a coletiva agradecendo aos jornalistas que acompanharam a sua campanha, mas se irritou com a insistência de um repórter para saber a posição dela sobre a CPMF.

A primeira resposta não foi clara e ela não havia se mostrada contrária à volta do imposto. Depois de aceitar retomar ao tema, Dilma encerrou com "considero que essa pergunta já está respondida".

Quando ministra, Dilma tinha o hábito de chamar as repórteres de "minha filha". No início do ano, foi aconselhada a trocar o termo por "minha querida", mas até deixar o governo ainda escorregava em momentos de irritação e voltava a usar a expressão.

Roberto Freire defende aprovação da reforma política no começo do governo Dilma

DEU NA AGÊNCIA BRASIL

Freire: oposição ainda vai analisar os primeiros posicionamentos de Dilma

Iolando Lourenço e Mariana Jungmann

Brasília - O presidente do PPS, deputado eleito Roberto Freire (SP), demonstrou expectativas na aprovação de uma reforma política, no começo do governo Dilma Rousseff, que mude o sistema eleitoral brasileiro.

Freire declarou, em entrevista à Agência Brasil, que acredita na possibilidade de que a reforma ocorra no primeiro ano de governo. “O compromisso que ela assumiu com relação a reforma política, acredito até que seja [cumprido]. Até porque há um certo lugar comum de que se não for logo no início [do governo] não será depois”, disse.

O presidente do PPS também deixou claro que seu partido fará oposição ao novo governo. Segundo ele, ainda não há uma coordenação com os demais partidos de oposição, como o PSDB e o Democratas. Freire explicou que, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma união com esses partidos por questões conjunturais. Para o governo Dilma, contudo, ainda não há compromisso firmado.

“Vai haver uma reunião ordinária do Diretório Nacional do PPS. A oposição que tínhamos era uma oposição que veio do governo, e tinha a ver com conjunturas. Cada partido vai analisar o que vem por aí e ver inclusive a própria questão da reforma política. Vamos ter aí um momento, não adianta antecipar muita coisa”, afirmou.

Freire alertou ainda para os riscos que as diferenças de cenários entre o atual governo e o próximo. "Não vai ter aquilo que foi o determinante de algum sucesso do governo Lula, que foi a economia internacional em pleno crescimento. [Dilma] vai entrar no governo com [herança de ] erros e equívocos do governo [anterior] e com a economia internacional ainda enfrentando uma dura crise", disse.

Freire espera que Dilma não cometa os erros de Lula quanto ao cuidado com a democracia e com a questão fiscal. Segundo ele, a alta popularidade do presidente o tornou “irresponsável”. “Nós vamos ter um governo que não será idêntico e, portanto, não tem porque nós da oposição atropelarmos os fatos enquanto eles ainda não ocorreram. Vamos ver como ela se posiciona”, afirmou o presidente do PPS.

Resultados e estatísticas das Eleições 2010 estão disponíveis no site do TSE

DEU NO SITE DO TSE

Os números detalhados das Eleições 2010 já estão disponíveis na página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na internet. Os resultados e as estatísticas do segundo turno das eleições, onde foram escolhidos a nova presidente da República, Dilma Rousseff, e governadores de oito estados e do Distrito Federal, podem ser acessados pelo link: Estatísticas de resultados - Eleições 2010.

Lá também estão armazenadas as informações referentes ao primeiro turno das eleições.

As pessoas interessadas podem pesquisar detalhes da votação por cargo, sexo, partido e até por município, para saber como foi o desempenho de cada candidato no segundo turno das eleições. Também estão disponíveis dados sobre comparecimento e abstenção, total de votos válidos, brancos e nulos e o quociente eleitoral e partidário para as bancadas legislativas eleitas no último dia 3 de outubro. O resultado da votação no exterior e também daquela realizada fora do domicílio eleitoral, o chamado voto em trânsito também pode ser encontrado no link.

A página com os dados ainda permite a pesquisa sobre informações do eleitorado brasileiro e das candidaturas registradas nos dois turnos das Eleições 2010. A estatística de resultados das eleições é feita a partir de dados dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para uma base consolidada no TSE.

Enquanto a chuva cai :: Manuel Bandeira

A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo. Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.

A segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do [John Maynard] Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes. Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a nossa sociedade é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz. Ela tem que dizer isso, que vai respeitar a democracia, porque senão não governa.


(Fernando Henrique Cardoso, na entrevista, Folha de S. Paulo, ontem)

Página virada?:: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Momento de sucessão ou de passagem de governo, em contextos autoritários ou semiautoritários, é sinal de crise aguda e mesmo insolúvel, costumando pôr em xeque a continuidade de projetos de poder até mesmo longevos e aparentemente muito bem implantados.

Foi o que pudemos ver no já distante ciclo militar, anterior à Nova República e a Tancredo Neves. Era preciso ler nas entrelinhas das ordens do dia, perceber a movimentação pouco clara dos chefes militares, decifrar sinais emitidos pelos representantes mais em evidência da aliança de forças vitoriosa em cada sucessão. Em cada momento, o choque era real, implicava mudança de personagens e projetos num quadro de luta surda, que só os desatentos não percebiam. O regime foi arbitrário desde o começo, mas cabe ao analista também procurar distinções: uma coisa, por exemplo, foi o governo Castelo Branco, com aspirações a um certo tipo de normalização constitucional, outra, muito diferente, o período Médici. Para não falar das contradições da "distensão lenta, gradual e segura" do governo Geisel, que, sem deixar de significar um projeto novo na área do regime, tantas vezes conviveu com o extermínio físico de adversários que não abdicaram da luta política pela democracia, feita com os meios pacíficos então possíveis.

Acabamos de viver a sexta sucessão presidencial nos marcos da Constituição de 1988. Na moderna democracia brasileira, diferentemente de antes, o poder nasce das urnas e não há legitimidade possível fora da prosaica e "banal" contabilidade dos votos. Nenhuma ingenuidade nesta afirmação aparentemente acaciana, uma vez que, como se sabe, essa mesma contabilidade dos votos não cai do céu como algo acidental, mas, antes, é o resultado final - e, por outro lado, sempre provisório - de complicados processos e lutas na base da sociedade, de embates muitas vezes ásperos entre concepções sobre a política e a boa sociedade.

Essa é uma realidade que, mesmo aos poucos, transforma e reorganiza arraigados hábitos mentais que prolongados períodos de autoritarismo impuseram à direita e também à esquerda do espectro partidário. Só adeptos de um modo revolucionarista de pensar - como se vivêssemos em país periférico, no auge da guerra fria, sem compromisso com os valores políticos e a estrutura complexa do "Ocidente" - poderiam continuar repetindo que, nas democracias "burguesas", a esquerda "pode chegar ao governo, mas não ao poder". Ao contrário, pode chegar legalmente ao poder político possível numa sociedade de vocação pluralista e com isso incidir sobre relações de força na economia e na sociedade, mudando-as segundo as regras do próprio método democrático. Atalhos autoritários não servem, ou não deveriam servir, à esquerda.

A "natureza do processo", num regime democrático, muitas vezes impõe uma renovação de linguagem e de conceitos, e mesmo o abandono de expedientes retóricos que, mais rapidamente do que em outras circunstâncias, se tornam caducos em face dos problemas novos.

Para dar só um exemplo, se tivermos sorte, nos próximos meses e anos há de cair em desuso, por anacrônico, o recurso plebiscitário que deu o tom na recente batalha sucessória. Fonte de exasperação e de radicalismo fora do lugar, a estridente "comparação" entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula não apenas ignora contextos e realidades globais bem distintas em que tiveram lugar as duas experiências. Ela também denota incapacidade para tratar como História, com um certo distanciamento que disso decorre, um período de reformas liberais - algumas defensáveis; outras, não - que é injusto rotular como "neoliberal", sem restos e sem qualificações. Bem ou mal, os governos de FHC tiveram de se haver com o evidente esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, seja na versão getuliana, seja na versão do regime militar. E o fizeram talvez com uma certa húbris, advinda da certeza de agir em consonância com o "espírito do tempo", o que sempre desarma o espírito crítico e, pelo menos numa situação crucial, levou a um lance democraticamente desastrado. Refiro-me, evidentemente, à violação da regra do jogo no episódio da emenda da reeleição.

A estratégia plebiscitária, no entanto, ignora nuances e distinções. Menospreza a emergência de qualquer possível "terceira via", mesmo quando, como no caso de Marina Silva, tal via expressa demandas de civilização que já agora são insuprimíveis, independentemente do grau de articulação e capacidade dirigente com que se apresentaram. Pior ainda: entre os adeptos da democracia plebiscitária existe como que uma dificuldade de fundo em entender o mecanismo essencial da alternância no poder, como se só uma parte da sociedade política estivesse legitimamente capacitada para elaborar e defender o bem comum; deste ponto de vista, a hipótese da alternância só pode ser considerada um retrocesso inaceitável, uma breve capitulação diante de inimigos do povo, a ser revertida com uma oposição implacável, que não reconhece sequer o terreno comum do Estado Democrático de Direito.

O governo eleito tem de seguir adiante e, provavelmente, não lhe há de servir a velha roupagem do nacional-estatismo dos anos 1950, contra o qual, aliás, se insurgiu virulentamente o PT das origens. Decorrida a sucessão, esse grande processo pedagógico em escala de massas, abre-se um novo mundo e o ideal é que se reative autonomamente a sociedade civil, com suas exigências de um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente qualificado, sem mistificações paternas ou maternas inconciliáveis com o moderno indivíduo democrático. Nas palavras de Edgard Morin, é preciso estar atento ao imprevisto: nada está escrito nas estrelas e muito menos é certo que fantasias queremistas medrem como antigamente.


Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci em português
Site: www.gramsci.org

Cotoveladas:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Pela segunda vez entre a campanha eleitoral e o período imediatamente posterior à vitória que consagrou a candidata Dilma Rousseff como a primeira mulher presidente do país, o PMDB teve que impor sua presença na equipe principal, dominada pelos petistas, à base de discretas cotoveladas políticas.

Depois que a equipe de transição foi composta apenas por petistas, lembraramse do parceiro que ficara de fora aliás, foram lembrados pelo rejeitado , e o vicepresidente eleito Michel Temer passou a ter um lugar honorífico na equipe.

Durante a campanha, não havia peemedebista na coordenação do programa oficial, que acabou se revelando pouco mais que uma farsa, aliás, nas duas candidaturas.

O que só evidencia que, no nosso presidencialismo de coalizão, a questão programática é o que menos importa.

Mas o fato é que o PMDB, o maior partido político do país até então e por isso mesmo escolhido para dar o candidato a vice-presidente, não foi ouvido nem cheirado na formação da equipe de campanha, e muito menos na que formularia o que teoricamente seria o programa de um futuro governo.

Só depois de algumas cotoveladas é que o partido conseguiu incluir na equipe de campanha o ex-governador do Rio Moreira Franco, que, no entanto, continuou sem muito trânsito no esquema de poder real da campanha petista, enfeixado por Antônio Palocci, José Eduardo Cardozo e o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Depois da vitória, os mesmos personagens petistas, acrescidos do ex-prefeito de Belo Horizonte e candidato derrotado ao Senado por Minas Fernando Pimentel, fecharam o grupo que cuidará da transição.

Com o agravante de que Pimentel transformou-se em um adversário quase inimigo dos peemedebistas mineiros, a quem acusam de não ter ajudado na campanha para o governo estadual, em que Hélio Costa acabou atropelado pelo trator governista comandado por Aécio Neves.

O PMDB teve que mais uma vez mostrar a que veio e exigir seu naco de poder na equipe de transição, e Temer acabou sendo promovido a chefe da equipe petista para fazer valer seu posto de substituto imediato da presidente da República.

Esses são sintomas da briga intestina que mal começou na base aliada do governo.

Se fazem isso c o m o PMDB, que deu o vice na chapa oficial e tem uma estrutura de poder de fazer inveja, o que não farão com parceiros menos aquinhoados pelo voto popular como o PP, que nem apoiou oficialmente a candidatura Dilma, ou mesmo o PSB? O partido comandado por Eduardo Campos, governador de Pernambuco, cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores.

A vaga que era ocupada por Renato Casagrande, eleito governador do Espírito Santo, será passada para sua suplente Ana Rita, que é do PT.

Mas foi nos governos estaduais que o PSB cresceu mais de cacife. Elegeu seis governadores, quatro deles no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado.

É certo que o PMDB saiu da eleição um pouco menor do que entrou, mas não a ponto de poder ser desprezado pelos parceiros petistas.

É verdade também que o partido tinha o maior número de governadores, e sai da eleição superado por PSDB e PSB. O PMDB viu seus governadores serem reduzidos de nove para cinco, igualando-se ao PT.

E deixou de ter a maior bancada da Câmara: o PT elegeu 88 deputados e o PMDB, 79. Ao contrário, nas eleições passadas o PMDB elegeu 89 deputados e o PT, 83. Atualmente, o PMDB tem uma bancada de 90 deputados e o PT, de 79.

No Senado, o PMDB continuará tendo a maior bancada, de 20 senadores, que pode ser modificada dependendo das definições da Justiça sobre a Lei da Ficha Limpa.

O partido pretendia presidir as duas Casas na primeira legislatura do governo Dilma, mas o PT parece disposto a fazer valer sua maioria na Câmara, mesmo que o PMDB tenha permitido que o petista Arlindo Chinaglia assumisse a presidência quando tinha a maioria.

Mas a disputa pela presidência da Câmara e do Senado é apenas a parte mais visível da disputa por espaços entre PT e PMDB.

O PMDB quer mais poder político real, não quer um governo do PT com o PMDB como um aliado como qualquer outro. Quer um governo que seja do PT e do PMDB.

Tanto no que se refere à ocupação de espaço no Ministério e na máquina pública, mas, sobretudo, na definição política e de rumos do governo.

O PMDB avalia que só vale ter corrido o risco de apoiar a candidatura de Dilma Rousseff quando ela ainda estava na rabeira das pesquisas de opinião, apostando no projeto de Lula, se houver uma mudança do patamar de sua influência, que, aliás, reconhecem que já mudou no segundo governo Lula.

O PMDB avalia que hoje no governo Lula sua posição já é mais central do que jamais foi no governo de Fernando Henrique, onde sempre ocupou alguns ministérios, mas nunca tantos e com a densidade dos que ocupa hoje: Minas e Energia, Comunicações, Saúde, Agricultura, Integração Nacional, Defesa.

Lula tratou o PMDB de uma maneira diferente, e, exatamente por isso, os caciques peemedebistas querem mais. Querem ser governo mesmo, um governo onde os espaços sejam definidos antes, onde eles tenham uma garantia de atuação.

É por isso que se batem agora, quando, depois da vitória, parece que o PT anda esquecendo-se de incluir o parceiro nos esquemas de poder político que estão sendo montados.

Mas vai ter que disputar esse espaço também com o PSB, que, por exemplo, quer ampliar seus domínios para o Ministério da Integração Nacional, que hoje está com o PMDB.

Em nome das urnas :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma semana antes da eleição o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso depositava ainda um fio de esperança na possibilidade de José Serra se eleger presidente da República.

Era o FH protocolarmente otimista. O FH realista falava como integrante da oposição ao governo a ser eleito para suceder ao de Luiz Inácio da Silva. Falava sobre o futuro do PSDB, que, se não fizesse mudanças drásticas de comportamento, na opinião dele tenderia a se acabar. Se não de fato, pelo menos em termos de importância no jogo político.

A previsão de extinção, mostra o balanço final dos resultados, estava claramente contaminada pela irritação - comum à amplíssima maioria de tucanos e simpatizantes - com a conduta do partido em geral e José Serra em particular, nestas eleições.

A oposição, afinal, não se saiu tão mal como era esperado às vésperas do primeiro turno, quando se previa que o governo faria terra arrasada das hostes oposicionistas.

Considerando o DEM, que elegeu dois governadores, ficou no comando de dez Estados, que representam mais de 52% da população e são responsáveis pela metade do PIB do Brasil.

Reduziu seu poder no Congresso, é verdade, e isso complica bastante a atuação.

Mas, como vem dizendo Fernando Henrique desde que o PSDB passou a ser oposição, a partir de janeiro de 2003, os políticos devem começar a pensar em buscar forças menos entre si e mais na sociedade.

A declaração do ex-presidente em 31 de outubro, ainda com as urnas abertas, combinou perfeitamente com o estado de espírito que exibia uma semana antes.

"O governo de Lula e o PT dinamitaram todas as pontes", disse ele a propósito de uma possível aproximação entre os dois partidos no governo de Dilma Rousseff.

O ex-presidente acha que não há razão para contemporizar nem patrocinar tréguas - não disse com essas palavras, mas deu a entender que o PSDB passou os últimos oito anos em regime de quarentena.

Fernando Henrique manifestou disposição de voltar à política partidária com empenho e participação ativa na direção.

Sintomaticamente, naquele sábado a oito dias da eleição, não falou em Serra. Mas em procurar Aécio Neves já no dia seguinte à votação para conversar sobre a necessidade de a oposição ser mais contundente, de o PSDB valorizar seu patrimônio, de retomar o diálogo com a sociedade correndo atrás da própria representatividade e de não esperar que a mobilização se esfrie.

Essa concepção toda está nas entrelinhas das palavras de José Serra no domingo, no discurso em que reconheceu a derrota, cumprimentou a presidente eleita e agradeceu aos eleitores com um "até breve".

Surpreendeu porque se esperava que dissesse "adeus" e deu margem à interpretação de que se lançava candidato a algo. Engano. Apenas procurava fazer jus à votação recebida e ao combinado de não deixar o moral esmorecer nem deixar a tropa oposicionista se dispersar.

A referência não era pessoal, por dois motivos: naquele momento Serra não teria a menor condição de pensar em candidaturas futuras e, contrariamente ao que houve em 2006, quando desistiu de brigar com Geraldo Alckmin pela legenda, agora o destino dele não será decidido por sua vontade.

Mercado futuro. Logo depois da eleição, comentando sobre o destino dos 20 milhões de votos recebidos no primeiro turno por Marina Silva e o uso que ela fará desse patrimônio no futuro, o deputado Aldo Rebele lembrou que não existe "caderneta de poupança de votos".

Ou seja, a votação recebida hoje não se repete amanhã sem que se articule muito bem e com muito esforço o futuro junto aos eleitores.

Vale para Marina e vale para todos os demais atores da cena política. Inclusive para o PSDB e seus 43 milhões de votos.

Beira do mar. Depois de amanhã o PMDB em peso estará no Rio para o casamento da filha do líder do partido e pretendente a presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.

44% estão na oposição :: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Espaço para a oposição existe. O primeiro passo é assumir seu papel e pensar em um projeto para o Brasil

A oposição acreditou que criticar o governo levaria ao isolamento político. O resultado das urnas sinalizou o contrário: 44% do eleitorado disse não a Dilma. Ela era candidata desde 2008. Ninguém falou em prévias, nenhum líder fez muxoxo.

Lula uniu não só o partido, como toda a base.

Articulou, ainda em 2009, as alianças regionais e centrou fogo para garantir um Congresso com ampla maioria, para que Dilma pudesse governar tranquilamente.

Afinal, nem de longe ela tem sua capacidade de articulação política.

E a oposição? Demorou para definir seu candidato. Quando finalmente chegou ao nome de Serra, o partido estava dividido, vítima da fogueira das vaidades. Ao buscar as alianças regionais, encontrou o terreno já ocupado. Não tinha aliados de peso no Norte e Centro-Oeste, e principalmente no Nordeste.

Neste cenário, ter chegado ao segundo turno foi uma vitória. No último mês deu mostras de combatividade, de disposição de enfrentar um governo que usou e abusou como nunca da máquina estatal. Como, agora, fazer oposição?

Não cabe aos governadores serem os principais atores desta luta -a União pode retaliar e isso, no Brasil, é considerado "normal".

É principalmente no Congresso Nacional que a oposição deve travar o debate. Lá estará, inicialmente, enfraquecida. Perdeu na última eleição, especialmente na Câmara, quadros importantes. Mesmo assim, pode organizar um "gabinete fantasma" e municiar seus parlamentares e militantes com informações e argumentos. Usar as Câmaras Municipais e as Assembleias estaduais como espaços para atacar o governo federal. E abastecer a imprensa -como sempre o PT fez- com denúncias e críticas.

Espaço para a oposição existe. O primeiro passo é assumir o seu papel. Deve elaborar um projeto alternativo para o Brasil. Sair da esfera dos ataques pessoais e politizar o debate, acabar com o personalismo e o regionalismo tacanho, formar quadros e mobilizar suas bases.

É uma tarefa imediata, não para ser realizada às vésperas da eleição presidencial de 2014.

O lulismo tem pilares de barro. É frágil. Não tem ideologia. Não passa de uma aliança conservadora das velhas oligarquias, de ocupantes de milhares de cargos de confiança, da máfia sindical e do grande capital parasitário. Como disse Monteiro Lobato, preso pelo Estado Novo e agora perseguido pelo lulismo: "Os nossos estadistas nos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certo penduricalhos, raramente com os miolos".

Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

Da fragmentação à bipolarização :: Jairo Nicolau

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um cientista político americano me confessou sua surpresa quando soube que 22 partidos elegeram deputados federais nas eleições brasileiras de 2010. A surpresa foi ainda maior quando soube que o PT, partido com mais cadeiras, elegeu apenas 88 deputados (17 %). Existem países com alta dispersão partidária, como Bélgica e Israel. Mas a Câmara dos Deputados brasileira é, atualmente, a mais fragmentada do mundo democrático.

Meu interlocutor não revelou, mas um fato torna ainda mais difícil de entender o sistema partidário no País: por que, com 27 partidos registrados há cinco eleições presidenciais, apenas 2 deles, o PT e o PSDB, disputam efetivamente a Presidência? Ou dito de outra maneira: por que temos o Legislativo mais disperso do planeta, e uma disputa presidencial tão concentrada?

As eleições de 2010 acentuaram uma tendência, que começou em meados da década de 1990, de bipolarização do sistema partidário brasileiro. Em um dos polos estão o PT e seus partidos satélites (PCdoB, PSB e PDT); de outro, o PSDB e os seus satélites (DEM e PPS). Esses dois polos organizam a vida administrativa e programática do País. Lembre-se que a regra de verticalização deixou de vigorar neste ano. Apesar disso, nos principais Estados a bipolarização nacional se reproduziu como nunca.

E os outros partidos? PMDB, PTB, PR e PP fazem parte do que chamarei, na falta de nome melhor, de centro-pragmático. São partidos com baixa intensidade ideológica, que participaram dos governos dos dois polos. Além disso, são partidos que se orientam fortemente para a vida política estadual.

Para muitos analistas, o PMDB saiu como o principal partido desta eleição, pois obteve a maior bancada no Senado, a segunda na Câmara dos Deputados e ainda elegeu, pela primeira vez pelo voto direto (Sarney também pertence ao partido), o vice-presidente.

É inegável a força do PMDB, mas existem alguns sinais de que o partido vem perdendo vitalidade no sistema partidário brasileiro. O PMDB elegeu apenas cinco governadores, um único em um dos grandes Estados da Federação (Rio de Janeiro). Em São Paulo, domicílio eleitoral do vice-presidente, o partido elegeu apenas um deputado federal.

Diversas lideranças históricas do partido ou foram derrotadas ou estão saindo da vida política: José Fogaça (RS), Iris Resende (GO), Geddel Vieira Lima (BA), Hélio Costa (MG) e Orestes Quércia (SP). O partido vive uma clara dificuldade de renovação. Quem são suas lideranças emergentes? Consigo pensar em apenas um nome: o do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

PSB. A composição da bancada dos partidos no Congresso apresentou algumas pequenas alterações em 2010. Gostaria de destacar três delas. A primeira é o crescimento do PSB. O partido é a única legenda que vem crescendo sistematicamente no País, notadamente no Nordeste, onde elegeu cinco dos nove governadores. O PSB deslocou o PMDB como principal força do campo progressista na região.

A segunda alteração digna de nota é o desempenho dos Democratas. O antigo PFL disputou a primeira eleição nacional (já havia disputado as municipais de 2008) com o novo nome, mas não conseguiu deter seu declínio eleitoral, que vem acontecendo desde 2002. O partido tem encolhido paulatinamente, particularmente no Nordeste e nos Estados do Sudeste.

Por fim, vale destacar o PV. O partido não conseguiu traduzir em representação no Legislativo o bom desempenho de sua candidata presidencial. A novidade, aqui, refere-se menos ao desempenho eleitoral e mais ao potencial de crescimento. O PV sempre foi nacionalmente um partido pragmático. A candidata Marina já deu sinais de que pretende dar um caráter mais programático ao PV, que o aproximaria da agenda ambientalista europeia.

Para analisar a configuração do sistema partidário brasileiro é fundamental entender que a fragmentação numérica não se traduz em fragmentação doutrinária. A polarização entre o PT e o PSDB, entre o governo e a oposição no plano federal é o que tem organizado a política brasileira. São dois grandes guarda-chuvas, com espaço para abrigar aqueles que, circunstancialmente, querem ser acolhidos.

Pensando nas transformações recentes do sistema partidário brasileiro lembrei-me do sistema de partidos da Itália desta década: alta fragmentação, mas com um alinhamento em dois grandes polos (esquerda e direita). Eleições presidenciais americanas, com uma bipolarização congressual italiana: uma combinação interessante.

"Até logo" :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Ninguém imaginava vida fácil numa disputa contra a popularidade de Lula, a máquina do governo federal e a força partidária do PT. José Serra saiu derrotado da eleição presidencial com quase 44 milhões de votos.

Para além dos números, há o saldo político: ninguém duvida que o PSDB continua sendo o polo aglutinador da oposição ao PT no país.

Mas a terceira derrota consecutiva para o lulo-petismo recoloca a questão entre os tucanos: que partido é esse? Será mesmo um partido? Se é, não age como tal. Foi assim em 2002, em 2006, agora de novo.

FHC, que ainda é o maior (e talvez seja o único) formulador do partido, foi bastante eloquente em entrevista à Folha, publicada ontem: "Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo".

Que "não dá certo" Serra demonstrou mais uma vez. Feitas as contas, seu desempenho eleitoral acabou sendo bem menos lamentável que sua performance política.

Primeiro, Serra inviabilizou as prévias contra Aécio em seu benefício. Subordinou a agenda da oposição ao calendário das suas conveniências. Fez a seguir uma campanha ultrapersonalista, o que ficou escancarado no processo de escolha do vice (qualquer índio servia).

Serra transformou sua biografia pessoal em peça de resistência da candidatura de oposição. Abriu, assim, caminho para um discurso errático e incoerente, ora disposto a copiar Lula, ora empenhado em apelar para o pior da pauta conservadora contra sua rival. Uma das consequências políticas disso foi o retrocesso no debate sobre a modernização dos costumes no país.

O discurso de despedida -ou "até logo"- de Serra foi só a cereja do bolo de um candidato sem candidatura, ou de um herói de si mesmo sem enredo. Voltamos a FHC: se o PSDB não construir um partido de verdade e não defender coletivamente um projeto, seus caciques vão continuar a dizer "até logo"...

Os senhores da História:: Alberto Aggio

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

É de Luiz Werneck Vianna a formulação de que a conquista da presidência da República por Lula em 2002 teria significado uma “absolvição da História do Brasil”. Há nela muita imaginação sociológica, alguma generosidade e uma fina ironia. História é interpretação, afirmam seus principais teóricos. A História do Brasil na “leitura petista” sempre foi a “história dos vencedores”. Nela não há outra coisa senão exclusão e opressão, num continuum sem mudanças. Por essa leitura, era inconcebível que Lula pudesse vencer e assumir a presidência, que pudesse governar e completar o seu mandato, já que era, em carne e osso, a realidade e a personificação do operário sem escolaridade, retirante nordestino, representação viva das classes subalternas, etc.

A chegada de Lula à presidência colocava por terra a chamada “história dos vencedores”. Uma saga que seria fortalecida com a sua reeleição, em 2006. Era a vitória factual da “história dos vencidos”, uma narrativa de denúncia na qual o Brasil era um não-ser, desprovido de identidade. Certamente uma visão lacunar e desequilibrada do nosso passado. De qualquer maneira, com Lula esperava-se uma revanche em relação às elites que haviam construído a tradicional narrativa dos vencedores que dominavam o Brasil. A partir dele seriam “os de baixo”, aqueles que nunca “tiveram vez e voz”, que estariam refazendo a história e também a narrativa do seu passado. Pela política e em ambiente democrático, a história do Brasil estaria absolvida porque havia possibilitado a ascensão de Lula, sem sobressaltos.

Assimilada em termos operativos, essa interpretação esteve na base do famoso bordão “nunca antes na história desse país”, martelado ad nauseum por Lula. Entretanto, sem que o protagonista tivesse pleno controle da realidade — o que faz parte da história —, essa versão passou a ser mais uma fabulação do imaginário político que acabaria por cristalizar uma convicção de mudança que não se comprovou.

No governo Lula, vencedores e vencidos começariam a se embaralhar e perder a nitidez. O resultado foi o “transformismo” impondo mais uma vez a velha sina brasileira do “conservar-mudando”, mas agora com uma inversão: um governo nascido da esquerda cumpriria o papel tradicionalmente realizado pelas elites dirigentes do país. Ele imporia a quietude às forças da mudança e submeteria as elites econômicas ao atender permanentemente seus principais interesses. Na síntese de Werneck Vianna, este seria o “Estado Novo do PT”.

Com Lula, o Brasil muda para continuar o mesmo e manter o domínio dos de sempre, por meio de fórmulas similares àquelas do passado. Sequer se ensaiou a perspectiva de inversão dos termos da nossa conhecida e resistente “revolução passiva”, superando o “conservar-mudando” e adotando o “mudar-conservando”, com primazia e ênfase na republicanização do Estado, o que representaria uma ruptura possível, sustentada por um aprofundamento e por mudanças qualitativas na nossa democracia.

Ao invés disso, uma nova fabulação foi mobilizada com o mesmo sentido da primeira: “agora é a vez da mulher”. Com isso e mais alguns “trancos” dados por Lula na campanha eleitoral, Dilma se sagrou vencedora. A história do Brasil estará duplamente absolvida. Para o líder do governo e coordenador da sua campanha, Cândido Vaccarezza, Dilma agora pode pensar o Brasil para os próximos quatro anos; a campanha faz parte do passado. E, numa conclusão magistral, vaticina: “Para quem ganha, não tem problema. A história é contada pelos vencedores”.


Alberto Aggio é professor de História da Unesp-Franca.

As consequências da vitória de Dilma :: Leôncio Martins Rodrigues

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pelo modo como Dilma foi escolhida por Lula, quem tem força política não tem cargo; quem tem cargo não tem força política; quem vai mandar? Dilma ou Lula?

A perspectiva de mais quatro anos de governo presidido por alguém que veio da guerrilha e do PDT de Brizola eleva os temores das classes empresariais e das tendências políticas liberais de que tenhamos um significativo fortalecimento do intervencionismo estatal e do autoritarismo.

É um pouco cedo para previsões, tanto mais que o programa da candidata e o esforço de responder ao que o eleitor desejava ouvir não trouxeram muitos elementos para esclarecimentos do que seria um governo tendo Dilma como presidente. Mas podemos refletir com um pouco mais de segurança sobre algo que logo deverá estar à vista e resulta do próprio processo personalista e autoritário da escolha da candidata vitoriosa. A questão básica pode ser resumida na pergunta que sempre está no centro das disputas políticas: quem vai mandar? Dilma ou Lula? Da resposta a essa questão - que normalmente, no presidencialismo, não precisa nem ser formulada - podem resultar complicações institucionais que dificultarão o bom andamento da máquina administrativa federal.

No presidencialismo, quem legitima e legalmente exerce o poder é o escolhido pelo voto segundo certas regras das disputas. Ele - ou ela, no nosso caso - é o número um. Não há dois números um. Mas a eleita não tem força político-eleitoral, quaisquer que sejam suas qualificações administrativas para o exercício do cargo máximo. Na situação criada pelo modo como Dilma foi escolhida e oferecida ao eleitorado, quem tem força política não tem cargo; quem tem cargo não tem força política. Há uma contradição entre o institucional e o político. O que deve prevalecer? O formal ou o real? O legal ou o legítimo? Quem deve ser o chefe? O criador ou a criatura? Ou não haveria chefe?

Uma saída seria a constituição de um grupo seleto e relativamente informal de subcomandantes que funcionaria como o cérebro do novo governo, uma espécie de seu birô político. Mas chefia coletiva só acontece quando da morte do grande chefe, quando ainda não está consolidada a relação de forças no grupo interno do poder e o sucessor não foi indicado com antecedência. A União Soviética depois da morte de Stalin ilustra essa situação. Uma direção coletiva foi formada e exaltada depois da morte do Guia Genial dos Povos. Durou pouco tempo. Logo o poder supremo voltou para as mãos de um só. Políticos não gostam de dividir poder. Em política, nas ditaduras ou nas democracias, dentro de cada partido ou das facções partidárias, o n.º 1 é um só. Em nossa história recente, houve vices eleitos nas costas do titular que assumiram a Presidência sem votos. Pensamos em José Sarney e Itamar Franco. A letra dos ordenamentos jurídicos que dão o controle do Diário Oficial, quer dizer, da distribuição dos benefícios, acabou por impor-se.

A situação originária desta eleição de 2010 é diferente. Quando votaram em Dilma, os eleitores sabiam que não estariam escolhendo Dilma, mas Lula. A primeira presidente do Brasil estaria lá para expressar a vontade de um homem. Sua candidatura era uma oportunidade que Lula oferecia aos eleitores de lhe darem um terceiro mandato. Os eleitores atenderam o desejo do Lula. Mas o político a quem a maioria dos eleitores gostaria de ver permanecer no Palácio do Planalto estará fora do governo. Poderia ser nomeado para algum ministério, caso quisesse. Mas Lula não pode voltar para uma posição subordinada a Dilma. E ela, ocupando a Presidência, não pode ficar subordinada ao ex-chefe. Talvez, com a ajuda do novo governo, possam acontecer pressões populistas para encontrar alguma fórmula jurídica que permitiria a Lula voltar mais cedo ao poder. A história latino-americana de países que admiram a "democracia substantiva" mostra vários exemplos de lideranças populistas que gostam de arengar para as massas de palanques presidenciais e que gostam de continuar.

Ocorre que, mantido o quadro constitucional, Dilma passará não apenas a habitar o Palácio da Alvorada como a assinar todos os atos importantes de governo. Por mais que adequadamente assessorada, no final caberá a ela decidir. Se deixar a última palavra para Lula, a ex-chefe da Casa Civil estará desmoralizada e terá dificuldade para impor sua autoridade. Se apenas escutar os conselhos do ex-chefe e a eles fizer ouvidos moucos, estará contrariando o político mais popular do Brasil.

Essas são, obviamente, observações especulativas sobre desenvolvimentos possíveis. Mas, se exemplos do passado têm alguma importância, não parece certo que Dilma se encolherá para um segundo plano, limitando-se a cumprir as ordens de Lula. Geralmente, com o correr do tempo, as criaturas revoltam-se contra o criador. A história brasileira mostra muitos casos de padrinhos políticos que, impedidos legalmente de disputar um novo mandato, conseguiram eleger sucessores quase totalmente desconhecidos do eleitorado. Ademar de Barros, então governador de São Paulo, em 1950, lançou o professor da Escola Politécnica da USP Lucas Nogueira Garcez para sucedê-lo. Contudo, uma vez no governo, Garcez afastou-se de Ademar e ajudou a eleger Jânio Quadros. Em 1990, Orestes Quércia lançou seu ex-secretário de Segurança Fleury Filho ao governo do Estado. Fleury foi eleito, mas logo rompeu com Quércia e foi para o PTB; Celso Pitta, um desconhecido, eleito prefeito de São Paulo em 1996 com apoio de Paulo Maluf, logo rompeu com seu tutor.

Não é que os afilhados tenham vocação para a ingratidão e para traição. Acontece que, na área das relações políticas envolvendo personalidades, a questão do comando é essencial. Os políticos amam o poder tanto quanto gostam de ocultar esse amor. De outro modo, não tolerariam as chateações que acompanham o desmedido esforço para chegar lá. Resultados eleitorais afetam não apenas a distribuição do poder entre os partidos, mas também o rumo da organização partidária, da distribuição do poder e, consequentemente, da partilha interna de benefícios e vantagens entre as várias facções. Normalmente, os partidos conseguem acomodar os interesses das facções e grupos. Se não estariam perdidos na competição com os adversários. Alguma acomodação entre as muitas tendências internas também deverá ocorrer no PT. E, aqui, uma dificuldade maior será o equilíbrio (ou desequilíbrio) decorrente da separação entre a influência política de Lula e a autoridade presidencial de Dilma cuja dignidade do cargo necessita manter para a salvação da República.


Professor titular aposentado dos departamentos de Ciência Política da USP e da UNICAMP. membro da Academia Brasileira de Ciência.