domingo, 28 de junho de 2015

Crise provocada por delator faz ministro cancelar viagem

Dilma mobiliza ministros para reagir contra delator

• Mercadante deixa comitiva de viagem aos EUA para se defender no Brasil

• Presidente reclama de 'vazamento seletivo' em reunião, e petistas negam ter recebido contribuições ilegais

Andréia Sadi, Aguirre Talento e Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As revelações do empresário Ricardo Pessoa sobre suas doações à campanha de Dilma Rousseff em 2014 fizeram a presidente convocar a segunda reunião de emergência em menos de 24 horas e escalar três ministros para defender o governo no sábado (27).

Dono da empreiteira UTC, Pessoa doou R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma no ano passado e disse aos procuradores da Operação Lava Jato que fez as contribuições por temer prejuízos em negócios com a Petrobras.

Como a Folha revelou em maio, Pessoa negociou as doações com o então tesoureiro da campanha petista, Edinho Silva, hoje ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Novos detalhes sobre os depoimentos de Pessoa aos procuradores foram revelados pela revista "Veja" na edição que começou a circular neste sábado.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, principal auxiliar de Dilma, deixou a comitiva que voou com a presidente para os Estados Unidos e ficou no Brasil para rebater as acusações do empreiteiro.

Em 2010, quando concorreu ao governo do Estado de São Paulo, Mercadante declarou à Justiça Eleitoral duas doações de empresas de Pessoa, no valor total de R$ 500 mil. A Folha revelou na sexta (26) que ele foi citado por Pessoa em seus depoimentos.

"Tenho, como homem público, obrigação de prestar esclarecimentos. Quem não deve não teme", afirmou Mercadante em entrevista neste sábado. Ele afirmou que a presidente também tem interesse em falar do assunto.

Dilma adiou seu embarque para a visita oficial aos EUA na manhã de sábado e chamou Mercadante, Edinho e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para uma reunião. Antes do encontro com os auxiliares, andou de bicicleta com a filha, Paula.

Na reunião, Dilma se disse "indignada" e afirmou que houve um "vazamento seletivo" dos depoimentos de Pessoa, com o objetivo de criminalizar as doações feitas à sua campanha e desestabilizar o governo.

Segundo um ministro ouvido pela Folha, a presidente queixou-se do fato de que políticos adversários também receberam doações da UTC e não foram mencionados, e citou o senador Aécio Neves (PSDB-MG), seu adversário na corrida presidencial de 2014.

Encerrada a reunião, Cardozo e Edinho deram entrevista para rebater as acusações de Pessoa. Bastante irritado, Edinho se disse "indignado" e afirmou que "causa estranheza" que só as doações à campanha de Dilma sejam colocadas em suspeição.

Impeachment
Pessoa fez acordo com a Procuradoria-Geral da República para colaborar com as investigações da Operação Lava Jato em troca de uma pena menor. Ele confessou ter pago propina ao PT e a outros partidos para facilitar seus negócios com a Petrobras.

Líderes do DEM e do PPS, siglas que fazem oposição ao governo Dilma, voltaram a defender a abertura de um processo de impeachment pela Câmara, para afastar a presidente do cargo e investigá-la. "Não há fundamento legal para isso", rebateu Edinho.

O ministro admitiu que se encontrou com Pessoa para discutir sua contribuição à campanha de Dilma, mas negou ter feito qualquer ameaça ao empreiteiro. Edinho disse que esteve com ele três vezes durante a campanha.

Em sua entrevista, concedida separadamente, Mercadante também descartou "base jurídica para impeachment" e voltou a negar que tenha recebido recursos repassados ilegalmente pela UTC na campanha de 2010.

"É só entrar [na Justiça Eleitoral] e estão lá as duas doações, o que mostra que as duas contribuições foram legais, oficializadas", afirmou.

Mercadante admitiu que se reuniu com Pessoa durante a campanha de 2010. "Houve uma reunião na minha casa", disse. "Ele revelou que poderia contribuir para a minha campanha e eu agradeci", acrescentou.

Lula propôs a ministro que contestasse as 'pedaladas'

• Petista conversou com membro do TCU antes do julgamento das contas

• Segundo aliados, ex-presidente queria 'dar susto' em Dilma, mas depois defendeu adiamento de parecer

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estimulou pessoalmente o responsável pela análise das contas do governo Dilma Rousseff no TCU (Tribunal de Contas da União) a contestar as chamadas "pedaladas fiscais".

O movimento ocorreu no mesmo período em que o petista começou a criticar abertamente a condução da gestão de sua afilhada política.

A Folha apurou que Lula disse ao ministro José Múcio Monteiro, de quem é próximo, achar razoável que o órgão pedisse explicações sobre as manobras. Nelas, bancos públicos usam seus recursos para pagamentos do governo, o que é ilegal.

A conversa se deu quando o voto do ministro, contestando o atraso no repasse, já estava pronto. Segundo relatos, Lula disse que isso "daria um susto" na presidente.

O voto de Múcio concluía que as manobras que a equipe do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fez entre 2013 e 2014 feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Às vésperas do julgamento no TCU, marcado para 17 de junho, o relator do processo, ministro Augusto Nardes, indicou a integrantes do governo que a tendência era que o órgão rejeitasse as contas de 2014 do governo federal.

O recado chegou a Lula, que viu se desenhar o cenário favorito para a oposição: uma possível reprovação das contas de Dilma pelo TCU, que pode ser reiterada no Congresso, abriria espaço para um processo de impeachment contra a presidente.

Aliados dizem que Lula passou então a defender o adiamento do parecer sobre as contas. No julgamento, em decisão inédita, o TCU deu 30 dias para que Dilma explicasse as irregularidades.

Questionado sobre a conversa entre o ex-presidente e Múcio, o Instituto Lula, por meio de sua assessoria, disse que Lula "repudia e lamenta a reiterada prática do jornal Folha de S.Paulo de lhe atribuir afirmações a partir de supostas fontes anônimas, dando guarida e publicidade a todo o tipo de especulação".

O ministro Múcio foi procurado não respondeu até a conclusão desta edição.

Uma ala do Planalto vê este como mais um sinal de que o ex-presidente quer se distanciar de Dilma e creditar à sucessora a crise do governo, eximindo-se de qualquer responsabilidade.

Lula tem criticado Dilma publicamente e chamou sua gestão de "governo de mudos". Para o petista, a presidente, ele e o PT estão "no volume morto".

Os mais críticos a Lula dizem que o movimento de ataque e, em seguida, recuo, tem sido comum no comportamento do ex-presidente em relação a Dilma.

Eles lembram quando, nos bastidores, o petista estimulou que parlamentares do PT votassem contra o ajuste fiscal do governo em nome de bandeiras do partido. Diante da real possibilidade de derrota, porém, Lula pediu união à bancada.

Outro setor do governo diz que o ex-presidente está "irritado e inquieto" com os resultados do governo e acredita que as críticas "para fora" podem surtir mais efeito do que os conselhos diretos à presidente.

Caso queira ser candidato em 2018, apostam esses petistas, Lula não pretende deixar seu projeto político afundar dessa maneira.

Fernando Gabeira - Reflexões sobre o volume morto

- O Globo / Segundo Caderno

• Há perdas na economia e na credibilidade do sistema político

RIO- Lula teve alguns momentos de sinceridade na última semana. Disse que tanto ele como Dilma estavam no volume morto e que o PT só pensa em cargos. Ele se referiu ao volume morto num contexto de análise de pesquisas, que indicavam a rejeição ao governo e ao PT. Nesse sentido, volume morto significa estar na última reserva eleitoral. No entanto, o termo deve ser visto de forma mais ampla.

Estar por baixo nas pesquisas nem sempre significa um desastre. Em alguns momentos da História, o próprio PT, e disso me lembro bem, não alcançava 10% dos eleitores, mas tinha esperança, e os índices não abalavam sua autoestima. O volume morto em que se meteu agora é diferente. Ele indica escassez da água de beber e incapacidade energética, depois de 12 anos de governo. Foi um tempo em que, sob muitos aspectos, andamos para trás.

Há perdas na economia, na credibilidade do sistema político, todo um projeto fracassado acabou jogando o país também num volume morto. Há chuvas esparsas como a Operação Lava-Jato, mas elas caem muito longe dos reservatórios do PT. Tão longe que ajudam a ressecar ainda mais o terreno lodoso que ainda abastece as torneiras petistas.

Lula pode estar apenas querendo se distanciar de Dilma e do PT. Ele a inventou como estadista e agora bate em retirada. E quanto ao PT, quem vai rebater suas críticas e arriscar o emprego e a carreira? Pois é esse o combustível de seus quadros.

Há cerca de uma década escrevi um artigo intitulado “Flores para os mortos”, no qual afirmava que uma experiência com pretensão de marcar a História terminava, melancolicamente, numa delegacia de polícia. Foi muito divulgado, e na internet usaram até fundo musical para compartilhá-lo. O título é inspirado numa cena do filme de Luis Buñuel, a florista gritando na noite: “Flores, flores para os mortos”.

Devo ter recebido muitas críticas dos petistas. Passados dez anos e algumas portas de delegacia, hoje é o próprio líder que admite a incapacidade política de Dilma e a voracidade dos seus seguidores.

Olho para esse tempo com melancolia. Ao chegar ao Brasil, os tempos do exílio não pesavam tanto. O futuro era tão interessante, o processo de redemocratização tão promissor que compensavam o passado recente. Agora, não. O futuro é mais sombrio porque a tentativa de mudança foi uma fraude, a própria palavra mudança tornou-se suspeita: poucos creem que o sistema político possa realizar os anseios sociais.

Lula fala em esperança para sair do volume morto. Mas que esperança pode arrancá-los do volume morto quando o próprio líder, apesar de sua sinceridade ocasional, não consegue vislumbrar uma saída? Lula repete aquela frase atribuída ao técnico Yustrich: “Eu ganho, nós empatamos, vocês perdem”.

Lendo no avião uma entrevista do escritor argelino Kamel Daoud, muito criticado pelos muçulmanos mais radicais do seu país. O título da entrevista é: “Nem me exilar, nem me curvar”.

Uma de suas respostas me tocou fundo. O repórter perguntou: “Como você, depois de viver anos ligado aos Irmãos Muculmanos, conseguiu escapar desse mundo?”. “Leitura, muita leitura”, respondeu Kamel Daoud.

O resto da viagem fiquei pensando como teria sido bom para a esquerda brasileira leitura, muita leitura, para poder escapar da sua própria miopia ideológica.

Na verdade, ela mastigou conceitos antigos, cultivou políticas retrógradas, como essa de apoiar o chavismo, e se perdeu nos escaninhos dos cargos e empregos. Ela me lembra os jovens do filme “O muro”. Um dos seus ídolos acaba como porteiro de hotel, e é melancólica a cena em que os admiradores o descobrem, paramentado, carregando malas.

Leitura, muita leitura, não importa em que plataforma, talvez impedisse a esquerda de ver seu predestinado líder proletário trabalhando como lobista de empreiteiras. Talvez nem se chamaria mais de esquerda.

Um dos mais ricos petistas critica os outros por só pensarem na matéria. A realidade surpreendeu todas as previsões da volta ao exílio, tornou-se uma espécie de pesadelo.

Tomara que chova nos reservatórios adequados e as forças que caíram no volume morto continuem por lá, fixadas na única esperança que lhes resta: sobreviver.

O país precisa sair do volume morto, reencontrar um nível de crescimento, credibilidade no seu sistema político. Hoje o país é governado por um fantasma de bicicleta e um partido de míseros oportunistas, segundo seu próprio líder, chamado de Brahma pelas empreiteiras.

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Fernando Gabeira é jornalista

Merval Pereira - Confusão proposital

- O Globo

É patética a tentativa do PT e de seus aliados na rede mídiática financiada pelo governo de confundir alhos com bugalhos, colocando na mesma cesta os políticos financiados pelo dinheiro corrupto desviado da Petrobras e outros, também financiados pela empreiteira UTC de Ricardo Pessoa.

Como as doações foram feitas para políticos de vários partidos, querem fingir que todos deveriam ser criminalizados ou absolvidos, o que é uma besteira. Os políticos de qualquer partido que tiverem recebido dinheiro do caixa 2 para suas campanhas eleitorais merecem punições da legislação eleitoral.

Pode ser o caso do senador do PSDB Aloysio Nunes Ferreira, que nega ter recebido R$ 200 mil em dinheiro, mas declarou R$ 300 mil de doações da Constran, uma subsidiária da UTC. Como Aloysio na ocasião das doações tinha nas pesquisas 2% de intenções de votos e estava em sétimo lugar nas pesquisas para Senador em São Paulo, candidato por um partido de oposição, as doações certamente só poderiam ser feitas por amizade, e não por interesse em sua atuação. Em nota, ele atribuiu as doações à amizade com um executivo da Constran.

Outro caso é o do deputado Júlio Delgado, do PSB, que teria recebido R$ 150 mil da UTC para ajudar a melar a CPI da Petrobras. Além de se sentir um otário, pois, segundo delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa o ex-presidente do PSDB já falecido, Sérgio Guerra, teria recebido R$ 10 milhões para o mesmo fim, Delgado, se ficar provado que agiu de má-fé nesse sentido, merece punição grave da Câmara, até mesmo ser cassado por falta de decoro.

O fato de os dois pertencerem a partidos de oposição que aparecem na lista não anula as acusações contra os petistas e os aliados do governo. O que é preciso buscar é a razão por que candidatos receberam dinheiro da empreiteira, legal ou ilegalmente. O caminho mais simples é identificar quais políticos teriam condições de ajudar a UTC a ter vantagens no governo petista ou, mais especificamente, na Petrobras..

Certamente políticos de oposição não podem entrar nesta lista, o que faz com que a seleção natural dos culpados por desvios de dinheiro dos contratos da Petrobras e suas subsidiárias leve aos candidatos do PT e dos aliados do governo.

Por isso, não tem a menor importância que a UTC tenha dado milhões de reais para a campanha de Aécio Neves a presidente. É claro que o interesse nesse caso era o de garantir simpatia, caso a oposição vencesse as eleições. Aliás, essa distribuição de dinheiro sem critérios programáticos é uma das correções que devem ser feitas na regulamentação do financiamento privado das campanhas eleitorais. Não é possível permitir que a mesma empresa doe para diversos partidos e candidatos na mesma eleição.

A mesma lógica torta aparece para tentar desqualificar o processo do Tribunal de Contas da União (TCU) contra a presidente Dilma. Na delação premiada de Ricardo Pessoa, ele revelou que deu uma mesada de R$ 50 mil ao filho do presidente daquele órgão Aroldo Cedraz para receber informações privilegiadas sobre os processos que interessassem à empreiteira.

Ora, mesmo que se prove verdadeira a acusação, ela não invalida o trabalho dos técnicos do TCU sobre as contas do governo Dilma, nem tem o condão de desfazer as “pedaladas” fiscais e os crimes contra o Orçamento realmente praticados.

Esse raciocínio de má-fé leva a que, no extremo, chegue-se à inviabilização de um eventual processo de impeachment da presidente Dilma por que há políticos notoriamente corruptos no Congresso. Talvez seja mesmo esse o objetivo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Todos os corruptos, seja de que partido forem, merecem punições de acordo com o que praticaram.

Na corrupção da Petrobras, não há como retirar do PT a culpa original, e dos partidos aliados do governo uma co-autoria com direito a altas somas. Basta lembrar que Ricardo Pessoa declarou em sua delação premiada que o grupo do senador Fernando Collor recebeu nada menos que R$ 20 milhões de comissão por uma obra na BR Distribuidora.

Dora Kramer - O futuro já começou

- O Estado de S. Paulo

É cedo, mas antes que seja tarde demais os protagonistas da cena política já movem suas peças a fim de garantir posições favoráveis na largada para o jogo eleitoral de 2018.

Ao que se desenha no horizonte pode vir novidade por aí, quebrando a habitual dobradinha entre PT e PSDB. Há dois movimentos importantes: a articulação do ex-presidente Luiz Inácio da Silva em torno de um novo partido para reunir as forças de esquerda e a decisão do PMDB de deixar de lado o papel de inquilino do poder de turno e tentar eleger um presidente da República.

Pela primeira vez em muitos anos, cerca de 20, o PMDB parece falar sério quando suas lideranças – entre elas o vice-presidente Michel Temer – dizem que o partido terá candidatura própria à Presidência da República.

Tão sério que a cúpula pemedebista tem um nome em vista e já está com o roteiro do desembarque do governo federal pronto. O candidato considerado ideal nessas conversas é o senador tucano José Serra: seria a união de um nome de projeção nacional com o partido mais bem estruturado em todo o País.

Serra, a respeito, não confirma nem desmente. Silencia. Mas o autodenominado “grupo pensante” do PMDB – onde figuram inclusive atuais ministros – fala, e muito, no assunto, apontando as “parcerias” que o tucano vem fazendo com o partido em torno de projetos no Senado como o embrião de uma possível união mais estável.

Os pemedebistas partem do princípio de que a aliança com o PT acabou. Aliás, raciocinam que o próprio PT acabou-se junto à opinião pública e que não será jogador competitivo em 2018. Na avaliação dos ainda parceiros do governo, o ex-presidente Lula não será candidato.

Acreditam que o PSDB “tem teto” – quer dizer, eleitorado limitado – e que escolherá o candidato a presidente entre o governador Geraldo Alckmin e o senador Aécio Neves; apostam, diga-se, na escolha do paulista. Muito bem, nessa altura da história é que entraria José Serra com sua assumida vontade de presidir o Brasil e a oportunidade se apresentando fora de seu partido atual.

Internamente o que se diz é que não haveria problema de disputa, pois nenhum dos nomes que se especulam (Temer, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o deputado Eduardo Cunha) seria páreo para Serra em termos de densidade eleitoral. Se for para competir com chance, a cúpula tem certeza de que o partido se une.

Paralelamente à aproximação com o tucano, os pemedebistas põem em prática o ritual do desembarque. Começou com as reiteradas afirmações por parte do presidente da Câmara de que a aliança entre PT e PMDB está vivendo seus últimos momentos. O senhor e a senhora podem reparar, não há desmentidos quanto a isso.

O vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, deixa que falem. Ele mesmo já defende em público a candidatura própria e será, no momento apropriado, o porta-voz do comunicado à presidente Dilma Rousseff, de que a franquia PMDB vai trabalhar em causa e casa próprias.

O partido como um todo vai oficializar essa decisão em setembro num congresso convocado, em tese, para discutir as eleições municipais do ano que vem. Na prática, porém, a ideia é provocar uma manifestação coletiva de desagrado com a aliança e em prol do projeto solo no âmbito nacional.

Depois disso, momento haverá em que os ministros do partido deverão deixar os cargos. Pragmática, a direção do partido pretende que isso ocorra depois das eleições municipais. Mas não muito depois. Logo em seguida seria o ideal. Afinal, os ministérios sempre são de alguma utilidade na campanha eleitoral. Isso eles não dizem; depreende-se pelo “timing” pretendido.

Bernardo Mello Franco - Sozinha à beira do abismo

- Folha de S. Paulo

A delação de Ricardo Pessoa empurrou Dilma Rousseff de volta para a beira do abismo. Desde os protestos de março, o governo nunca pareceu tão frágil, e o desfecho da crise, tão incerto.

O chefe do "clube das empreiteiras" transferiu a delegacia da Lava Jato para o Palácio do Planalto. Em uma só tacada, envolveu dois ministros no escândalo, os petistas Aloizio Mercadante e Edinho Silva, e lançou suspeitas sobre o financiamento das duas campanhas que elegeram Dilma, em 2010 e 2014.

Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", Pessoa ainda entregou aos procuradores uma planilha com título autoexplicativo: "Pagamentos ao PT por caixa dois". Se comprovados, os repasses podem desmontar o discurso do partido de que a prática de receber dinheiro em espécie ficou para trás com o mensalão.

De quebra, o delator acrescentou um novo verbete ao dicionário da corrupção, ao relatar que o tesoureiro João Vaccari se referia à propina como "pixuleco". Nos últimos dias, o partido voltou a pedir a libertação do ex-dirigente preso, alimentando os rumores de que ele está ameaçando romper o pacto de silêncio.

Ninguém mais questiona a gravidade da situação. Entre sexta e sábado, Dilma convocou duas reuniões de emergência no Alvorada, atrasando a aguardada viagem oficial aos Estados Unidos. Passará a visita de quatro dias com a cabeça no Brasil, onde sua base se desmancha e a oposição tenta ressuscitar o fantasma do impeachment.

O repique da crise encontra a presidente mais fraca e mais sozinha, pouco depois de bater novo recorde de impopularidade no Datafolha. Enrolado em seus próprios problemas, Lula ensaia um afastamento e sinaliza que não saltará do precipício com ela. O PMDB retomou o clima de ameaças, lideradas pelo presidenciável Eduardo Cunha. As citações a Mercadante e Edinho fragilizam a blindagem que resta, a das paredes e janelas do palácio.

Luiz Carlos Azedo - O rei e a rainha

- Correio Brazilinse

• O ex-presidente Lula joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobra que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação na qual isso valha a pena

No jogo de xadrez, a peça mais valiosa depois do rei é a rainha. Mesmo assim, seu valor é relativo, pois pode ser compensador sacrificar a rainha se houver ganho nisso. Jogadores de xadrez costumam antecipar mentalmente as jogadas seguintes, alguns até 15, 20 lances, e sabem quando uma posição estratégica é robusta o suficiente para decidir o jogo antes mesmo de um xeque-mate. Por essa razão, entre os grandes mestres, é comum o derrotado não esperar o desenlace da partida para se retirar da disputa.

É comum ouvir os petistas compararem a presidente Dilma a um jogador de damas, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao de xadrez. A primeira se movimenta de maneira diagonal; o segundo, de forma muito mais complexa. Com os últimos acontecimentos da Operação Lava-Jato, o jogo político está mais para o xadrez, sem trocadilho.

Vamos supor, então, que Lula seja o rei. O ex-presidente da República, nas últimas semanas, joga como quem pretende sacrificar a rainha para salvar a própria pele. É um tipo de manobraa que exige mais do que a excelência do jogador, pressupõe uma situação no tabuleiro que valha realmente a pena.

Grosso modo, há quatro jogadas de sacrifício da rainha: para forçar um xeque-mate no adversário; capturar a rainha adversária numa troca vantajosa; limpar o caminho para um “peão passado” que substitua a rainha sacrificada; ou forçar uma sequência que ofereça real vantagem estratégica no tabuleiro. Aparentemente, nenhuma dessas situações se apresenta para que Lula possa entregar Dilma aos adversários e se safar de um xeque-mate.

Vejamos: o Palácio do Planalto foi pego completamente de surpresa pela aceitação da “delação premiada” do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao contrário do que se imaginava, a denúncia chegou à presidente Dilma, acusada de receber R$ 7,5 milhões provenientes do esquema de propina da Petrobras, e envolveu os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e da Comunicação Social, Edinho Silva, seu tesoureiro de campanha, além de ex-ministros, parlamentares da base aliada e até da oposição.

O sacrifício
Dilma viajou ontem para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Joaquim Levy seguiu em voo comercial, contra recomendação médica devido à embolia pulmonar que o levou a ser hospitalizado de véspera, sinal de que já não dá conta das pressões que sofre. A situação da economia é desastrosa, o ajuste fiscal está sendo sabotado pela própria base e cresce no PMDB a tese de afastamento do PT, cujo desgaste com a Lava-Jato só aumenta.

É nesse cenário que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também foi citado na delação como beneficiário de R$ 2,5 milhões do esquema, desembarcará amanhã em Brasília. Vem se reunir com senadores e deputados petistas. Lula faz críticas à Dilma, ao governo e ao PT de forma sistemática, às vezes para que se tornem públicas. Aparentemente, desistiu de mandar na presidente, que chama de cabeça dura. Ultimamente, convoca os ministros petistas para reuniões no Instituto Lula e conversa com os aliados à revelia da presidente da República.

O objetivo de Lula é fazer o PT retomar a iniciativa no Congresso, onde a legenda está cada vez mais isolada. Para Lula, as bancadas petistas estão à matroca, desde a convocação de seu fiel escudeiro Paulo Okamotto pela CPI da Petrobras. As reações de Lula são de quem está antevendo um xeque-mate, para voltar à linguagem do xadrez.

Além do petardo disparado por Ricardo Pessoa contra o governo Dilma e ele próprio, Lula sabe que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está prestes a fazer a denúncia contra os políticos citados nas “delações premiadas” do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e do doleiro Alberto Youssef. Candidato à reeleição, Janot tem duas opções: apresentar a denúncia amanhã ou terça-feira, antes do recesso do Judiciário, ou somente em agosto.

Caso os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sejam denunciados, como tudo leva a crer, dificilmente ambos deixarão de atribuir o fato a uma articulação do próprio Palácio do Planalto para empatar o jogo e bloquear a possibilidade de um impeachment da presidente da República. Seria uma tentativa de virada de mesa, derrubando o tabuleiro. Esse recrudescimento da crise que abala a República pode resultar no sacrifício da rainha. Qual será a jogada de Lula para evitar o xeque-mate?

Eliane Cantanhêde - Dilma vai, a crise fica

- O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff desembarca nos Estados Unidos justamente quando ela e o Brasil estão em baixa e os EUA e Barack Obama estão em alta. Dilma vive de pedalada em pedalada, com Lula jogando pedra, o PT botando casca de banana e o juiz Sérgio Moro na cola de todos eles. Já Obama esbanja seu charme natural e saboreia a reaproximação com Cuba, a vitória do Obamacare na Suprema Corte e o principal: a recuperação da economia americana.

A viagem de Dilma é o compromisso mais importante da sua agenda internacional neste ano, talvez até de todo o segundo mandato. Mas, na noite da véspera e ontem mesmo, a horas de botar o pé no avião presidencial, lá estava ela às voltas com a Lava Jato. Em vez de amarrar os últimos detalhes do decisivo encontro com Obama, foi se reunir com Aloizio Mercadante, José Eduardo Cardozo e Edinho Silva para avaliar o estrago das confissões de Ricardo Pessoa, da UTC, na já combalida imagem do PT, do governo e dela própria. (Aliás, Dilma vai, Lula vem se reunir com o PT em Brasília.)

É um momento bem diferente, praticamente inverso, daquele segundo semestre de 2013, quando Dilma corretamente cancelou a visita oficial a Washington e subiu o tom contra o governo Obama, ao saber da espionagem escancarada da NSA até nos seus e-mails. Mas Dilma não tinha alternativa agora: era ir ou ir, porque o Brasil vive a crise econômica, a crise política, a crise ética e precisa desesperadamente recuperar a confiança internacional e conquistar investimentos para sair do fundo do poço.

A agenda de Dilma começa em Nova York, onde ela tenta convencer empresários brasileiros e investidores estrangeiros de que o Brasil, apesar de tudo (e, cá para nós, dela própria), ainda é o Brasil. As trocas comerciais entre os dois países estão na casa dos US$ 60 bilhões ao ano, o que, para se ter uma ideia, é mais ou menos 10% dos valores entre EUA e China ou entre EUA e México. Com a recessão de 1,1% em 2015, Dilma tem de correr atrás. Afinal, se o Brasil ainda é o Brasil, os EUA ainda serão a principal potência mundial por décadas.

A visita oficial a Washington será na segunda, com um jantar com Obama, e na terça, com as reuniões no Salão Oval, assinatura de atos e a tradicional declaração conjunta nos jardins da Casa Branca. Se o script for mantido, os jornalistas brasileiros perguntarão aos dois sobre Global Entry, relações comerciais, acordos de Defesa, consensos na área climática, divergências na política internacional. E os jornalistas americanos? Perguntarão a Obama sobre terrorismo, questões internas, aprovação do casamento gay. Ou seja: não darão a menor bola para Dilma e para o Brasil. Pelo menos, é de praxe.

Dilma encerra a viagem pela bela Califórnia, onde irá à Universidade Stanford, ao Centro de Pesquisas da Nasa e à sede do Google. Se tiver sorte, dará um passeio e tirará boas fotos nos carros inteligentes que o Google, entre outros, desenvolve. Um carro sem marchas, sem espelhos, sem volante – e sem motorista. Mais ou menos como o atual governo brasileiro, mas não aos trancos e barrancos.

Um conselho para Dilma, porém: ela deve fugir da tentação de sair de bicicleta em Nova York. Entre residentes e turistas, há muitos brasileiros por lá e o risco de ser vaiada é grande. Pior: isso remeterá fatalmente às peripécias de Fernando Collor no Central Park, suado, correndo de manhã até o memorial de John Lennon, enquanto sua ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, desfilava de charrete à noite para comunicar ao mundo a paixão pelo colega da Justiça.

A hora é de tentar reverter para a política interna os lucros externos da visita a Obama, sem extravagâncias e riscos desnecessários. Dilma tem 65% de rejeição, só três pontos a menos que Collor às vésperas do impeachment. Que a comparação entre os dois pare por aí.

PS. Por falar em Collor, por que raios a UTC teria doado R$ 20 milhões para o ex-presidente, duas décadas depois do impeachment?

Ferreira Gullar - Venezuela

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

• A última coisa que Nicolás Maduro queria era senadores brasileiros na prisão onde estão os seus adversários

Ninguém que leve a sério a democracia dirá que o governo da Venezuela é democrático. Não por causa do incidente recente com os senadores brasileiros; não, isso vem de longa data, pois quem o instalou foi o falecido Hugo Chávez, inventor dessa figura patética chamada Nicolás Maduro.

Chávez, no começo de sua aventura política, já mostrara quem era ao tentar chegar ao poder por meio de um golpe militar. Deu-se mal e mudou de tática: passou a explorar o antiamericanismo, inventou o tal socialismo bolivariano e prometeu ao povão tudo o que lhe faltava. No poder, tratou de desmontar a estrutura legal do Estado venezuelano e pôs nos lugares-chaves --Forças Armadas, Judiciário e Legislativo-- gente sua. Já no final, pouco antes de adoecer gravemente, conseguiu que o Congresso aprovasse sua reeleição sem limites. Enfim, desejava perpetuar-se no poder até morrer. Por ironia do destino, o conseguiu.

Hugo Chávez era, sem dúvida, um líder político, coisa que Maduro não é; ainda assim, após a morte de Chávez, elegeu-se presidente da Venezuela e logo mostrou quem era: passou a dizer que conversa com Chávez tendo como intermediário um passarinho e, pouco depois, criou o vice-ministério para a "Suprema Felicidade do Povo". E como ainda assim sua popularidade vem caindo, inventou que os Estados Unidos estão se preparando para invadir a Venezuela e derrubá-lo. Diante de uma tal ameaça, pôs as Forças Armadas em prontidão. Parece piada, mas é a mais pura verdade.

Outra providência que toma frequentemente é mandar prender seus adversários políticos, sob qualquer pretexto, como, por exemplo, pregar a violência nas manifestações políticas. Como tem a Justiça nas mãos, decide e logo o adversário entra em cana. Pois bem, foram as mulheres desses presos políticos que vieram ao Brasil pedir, em nome dos princípios democráticos, a solidariedade dos políticos brasileiros a seus maridos, presos arbitrariamente. Um grupo de senadores da oposição decidiu ir a Caracas se solidarizar com os presos políticos venezuelanos e também sugerir ao presidente Maduro que marque a data das eleições para o Congresso, o que ele está adiando faz vários meses. Sabem por quê? Porque as pesquisas indicam que apenas cerca de 20% dos eleitores apoiam o seu governo.

Os senadores brasileiros seriam levados por um avião da Força Aérea Brasileira, mas, para isso, seria necessária a permissão do governo venezuelano, que não veio. Como o presidente do Senado considerou aquilo um desrespeito ao Congresso brasileiro, Maduro recuou e permitiu a ida do avião. Pensei cá comigo: o que ele vai aprontar agora? Sim, porque a última coisa que Maduro desejaria era a presença de senadores brasileiros na penitenciária onde estão presos os seus adversários políticos.

Ao chegar ao aeroporto de Caracas, o avião da FAB não recebia permissão para pousar. Afinal, a permissão foi dada. Durante o desembarque, mais complicações e dificuldades. Finalmente, com a presença do embaixador brasileiro, os senadores puderam deixar o aeroporto num micro-ônibus rumo à prisão onde estão presos os adversários políticos de Maduro. Um detalhe: o embaixador brasileiro não foi no mesmo carro, mas num outro, como se já soubesse, ou antevisse, o que iria ocorrer. E ocorreu: um grupo furioso de simpatizantes de Chávez e Maduro cercou o carro que levava os senadores, gritando e esmurrando os vidros do automóvel, impedindo-o de seguir adiante. Logo, os senadores souberam que as vias que conduzem à penitenciária estavam bloqueadas, por várias razões, sendo uma delas "para limpeza dos túneis". Claro, tudo mera coincidência, cujo resultado foi impedir a missão dos senadores brasileiros.

Diante de tamanha afronta a representantes do poder Legislativo brasileiro, que faz o governo da presidente Dilma? O Itamaraty emitiu uma nota considerando lamentável a ação dos manifestantes contra nosso senadores. Da chefe do governo, nenhuma palavra, como era de se esperar, uma vez que, na sua última viagem à Europa, perguntada o que achava das arbitrariedades do governo Maduro, respondeu: "Muita gente gostaria que virássemos as costas para a Venezuela, como foi feito com Cuba".

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Ferreira Gullar é ensaísta, critico de arte, poeta e membro da ABL

Rolf Kuntz - Um desafio maior que a conquista da mandioca

- O Estado de S. Paulo

Buscar emprego será o esporte de inverno para centenas de milhares de pessoas postas na rua pela recessão, no Brasil, e ainda sujeitas a preços em disparada. Foram fechadas 452.835 vagas formais nos 12 meses terminados em maio. Nos primeiros cinco meses do ano foram 243.948 postos encerrados e há sinais de piora. O semestre finda com desemprego na vizinhança de 8%, inflação no rumo de 9%, atividade em queda e Tesouro em crise, enquanto a presidente Dilma Rousseff saúda a mandioca e o PT defende as empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato.

Não há mistério na preocupação do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as empreiteiras. Mas o entusiasmo presidencial com a mandioca, apontada como “uma das maiores conquistas do Brasil”, intriga por um detalhe: por que “conquista”? Embora o assunto seja fascinante, o Brasil poderá sobreviver sem resposta a essa pergunta. Difícil, mesmo, será sair do atoleiro com uma governante frágil, confrontada no Congresso, condenada e esnobada por seu eleitor mais importante, acuada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e em risco permanente de ser contaminada pelo escândalo da Petrobrás.

Em breve a presidente deverá explicar ao TCU as pedaladas fiscais do ano passado. Não há como negar os atrasos de repasses, tentativas evidentes de maquiar as contas da administração federal. Restará discutir se os adiantamentos feitos por bancos oficiais, com recursos próprios, caracterizam financiamento ao governo e, portanto, violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. A resposta dependerá mais de sutilezas legais do que de uma simples e límpida verificação financeira. Não há, enfim, como excluir a hipótese de um arranjo para poupar a presidente e evitar uma crise política muito mais grave.

Contornado esse risco, sobrarão todos os grandes desafios – técnicos e políticos – do programa de governo. Com uma Presidência quase vaga e muita resistência no Congresso, a equipe econômica terá de avançar, de qualquer forma, no conserto das contas públicas, no ataque à inflação e na busca do retorno ao crescimento. Nessa altura, já se terá decidido, quase certamente, se a meta inicial para as finanças públicas será mantida ou se o governo buscará um resultado menos ambicioso. A meta original, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões para pagamento de juros, parece hoje quase inalcançável.

O governo central – Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) – deve, em princípio, alcançar um resultado primário de R$ 55,2 bilhões, ficando o resto para os demais níveis da administração e para as estatais. O poder central fechou o mês passado com um déficit primário de R$ 8 bilhões e acumulou em cinco meses um superávit de apenas R$ 6,63 bilhões, 67,5% menor que o de um ano antes, descontada a inflação. Para cumprir a sua parte de acordo com o plano original terá de obter um resultado primário de R$ 48,6 bilhões em sete meses, quase um milagre. É preciso um enorme otimismo para apostar nisso. Com a economia atolada, a receita em cinco meses, R$ 529,57 bilhões, foi 3,5% menor que a de janeiro a maio de 2014.

Nada permite prever um quadro muito melhor no segundo semestre. O novo cenário apresentado pelos economistas do Banco Central em seu relatório trimestral de inflação é bem pior que o anterior. A inflação prevista para ao ano subiu de 7,9% para 9%, enquanto a contração estimada para o produto interno bruto (PIB) passou de 0,5% para 1,1%. No mercado financeiro, a mediana das projeções na semana anterior já era de um PIB 1,46% menor que o do ano passado. Para a produção industrial estava prevista uma redução de 3,65%. Um mês antes ainda se estimava uma diminuição de 2,8%.

Antes de sair o balanço do governo central, o pessoal da Receita já havia apontado os efeitos da recessão na coleta de impostos e contribuições. As quedas da produção industrial, do emprego, do consumo e das importações puxaram para baixo a arrecadação dos principais tributos. Se a atividade continuar deprimida, o aumento de alíquotas dificilmente reforçará de forma significativa a posição do Tesouro.

Além do aumento da tonelagem de grãos e oleaginosas, têm aparecido, no País, poucos indicadores positivos. O BC reduziu de US$ 84 bilhões para US$ 81 bilhões o déficit previsto para a conta corrente do balanço de pagamentos. Se a projeção for confirmada, haverá uma inegável melhora contábil, especialmente se for levado em conta o resultado de 2014, um buraco de US$ 104,84 bilhões. Mas a explicação principal será a piora da economia. Pela estimativa do BC, a exportação de mercadorias será 10,95% menor que a de um ano antes. O encolhimento da importação será bem maior, 14,68%. Com o desemprego elevado, a renda corroída, o consumo retraído e mais uma redução do valor investido em máquinas e equipamentos, a diminuição das importações será, como tem sido até agora, inevitável.

Com a depreciação do real os produtos brasileiros deveriam ficar mais baratos no exterior, mas nem por isso as exportações deixaram de cair. O dólar mais caro pode ter pesado em algumas importações e certamente afetou a disposição de viajar e de gastar fora do Brasil. Mas o desequilíbrio menor das contas externas tem sido até agora, e com certeza será até o fim do ano, explicável principalmente pelo mau estado da economia.

Se o ajuste avançar e a inflação diminuir, retomar o crescimento será mais fácil. Mas ainda falta implantar medidas para o aumento da produtividade, uma condição indispensável. O programa de infraestrutura e o recém-anunciado plano de exportações indicam o caminho. Mas ainda são uma lista de bons propósitos. Sua execução depende, em parte, de recursos orçamentários muito escassos. A conquista do crescimento parece bem mais difícil, por enquanto, que a conquista da mandioca.

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Rolf Kuntz é jornalista

Samuel Pessôa - Reforma política chega ao Senado

- Folha de S. Paulo

• A verdadeira reforma política é o fim da coligação para eleição proporcional, que torna o sistema opaco

Na semana passada, foi constituída a comissão de 28 senadores responsável por formulações de propostas para a reforma política, com a presidência de Jorge Viana, do PT do Acre, e a relatoria de Romero Jucá, do PMDB de Roraima.

A Câmara terminou de votar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma política. A principal alteração foi o fim da reeleição. Penso que essa mudança foi muito ruim. Atende mais às conveniências dos parlamentares do que às necessidades de melhoria de nosso sistema político.

No parlamentarismo, o tempo do mandato é determinado por uma regra que os economistas chamam de "dependente do Estado". Enquanto o governo corre bem, continua.

No presidencialismo, em razão de sua natureza, a regra é dependente do tempo. Após um intervalo de tempo previamente estabelecido, novas eleições são marcadas e termina o mandato do titular do cargo.

A regra dependente do tempo pode determinar mandato muito curto para um bom governante e muito longo para um governante ruim. O instituto da reeleição é a forma de solucionar esse difícil conflito. Trata-se de um longo mandato, de oito anos no nosso caso, com possibilidade de haver troca do mandatário no meio.

Se o governo for bem, o mandato será de oito anos; se for mal, será de quatro. Não consigo enxergar solução melhor para esse difícil dilema do presidencialismo.

Há críticas de duas ordens ao instituto da reeleição. Primeiro, que estabelece regras injustas, com concorrência desleal a favor do titular do cargo. Na verdade, não é nada óbvio que a probabilidade de reeleição seja tão alta como se pensa. Alberto Carlos de Almeida, em artigo no "Valor" há duas semanas, indica que a probabilidade de reeleição dos titulares que se recandidatam foi, desde 1998, inferior a 70%.

Adicionalmente, como documentado em artigo recente dos professores da FGV Daniela Campello e Cesar Zucco Jr., esse elevado índice de reeleição está associado à situação externa favorável e menos ao instituto da reeleição em si. Ou seja, agora que a onda externa se reverteu, a probabilidade de reeleição reduzir-se-á muito.

A segunda crítica alega que a reeleição eleva a corrupção. O argumento padrão da ciência política afirma o contrário. Ao estender o tempo potencial do governo, estimula-se o comportamento correto no primeiro mandato. A evidência recente é que não há grande correlação entre corrupção e o instituto da reeleição.

Parece que o grande determinante da corrupção é a existência de mecanismos de controle eficazes. Ou seja, no Brasil a agenda de combate à corrupção do Executivo, em nível local, passa pelo aperfeiçoamento do funcionamento dos Tribunais de Conta dos Estados (TCEs), que sabidamente têm funcionado muito pior do que o TCU.

Para alguns, os enormes problemas econômicos pelos quais temos passado constituem sinal claro de mau funcionamento do sistema político. Penso o contrário. Nossos descaminhos econômicos decorrem de particular ideologia que tentou tropicalizar o modelo de desenvolvimento sul-coreano. Deu tudo errado.

Foram os políticos petistas que forçaram a arrumação de casa. A política está corrigindo os erros da ideologia.

A verdadeira reforma política é o fim da coligação para eleição proporcional, que, de fato, desvirtua o instituto do voto proporcional, torna o sistema muito opaco (vota-se em um partido e elege-se candidato de outro) e reduz muito a capacidade de responsabilização pelo eleitor do político e do partido.

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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Miriam Leitão - Depois de 21 anos

- O Globo

O Plano Real faz 21 anos em momento em que os políticos ameaçam suas bases. Não foi bastante levar uma vida para conquistar a estabilidade monetária, é preciso continuar lutando para mantê-la. A presidente Dilma corroeu pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal com suas manobras ciclísticas nas contas públicas. O Congresso tem agido como se desconhecesse os riscos e as lições do passado.

Nossa saga pela moeda estável consumiu décadas do país. A inflação de três dígitos indexada, recebida do governo militar, foi enfrentada por anos. Houve planos sequenciais. Alguns erraram e feriram direitos. Foram executadas difíceis tarefas de reformas institucionais. O dia primeiro de julho de 1994 é a marca no chão dessa travessia, mas ela foi sendo construída aos poucos e foi consolidada depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em cada experimento econômico, o país viveu esperanças e decepções. Famílias foram atingidas, firmas fecharam, sonhos foram desfeitos. Houve muitos erros nos planos Cruzado, Bresser, Verão, mas nada atingiu mais os direitos individuais do que o Plano Collor, há 25 anos. Depois das afrontas, o país se preparou para fazer o plano definitivo. A inteligência do real foi entender que havia trabalho para fazer antes e depois do momento da troca da moeda e que a estabilidade tem pilares que jamais podem ser atacados.

Um deles é que a contabilidade pública tem que ser fidedigna. O governo Dilma atacou esse primado através de mil e uma estratagemas e agora se explica ao Tribunal de Contas. Outro pilar é evitar a indexação. E ela tem sido fortalecida. Nos últimos dias, por exemplo, por decisões do Congresso sobre a Previdência. A Câmara indexou todos os benefícios previdenciários ao salário mínimo que, por decisão de diferentes governos, vem desde o Plano Real subindo mais do que a inflação, para recuperar seu valor perdido durante a hiperinflação. Dias antes, o Congresso havia facilitado a aposentadoria precoce no país que, ao contrário do mundo, não estabelece idade mínima.

É espantoso que a presidente da República tenha autorizado seus alquimistas a esconder a verdade sobre receitas e despesas, minando o equilíbrio das contas e os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal. É desconcertante que a Câmara dos Deputados esteja aumentando as despesas da Previdência, quando o dilema do país é como torná-la mais sustentável, porque esse é o momento exato em que a massa de aposentados vai crescer a 4% ao ano durante pelo menos uma década e meia. Temos políticos que ignoram os números, desconhecem o passado e ameaçam o futuro.

Quando a inflação está em 8,5%, como agora, basta uma onda de desconfiança, um incentivo, uma chispa de pólvora, para que os agentes econômicos indexem seus preços. Neste caso, nem é pela inflação passada, é pelo medo da taxa futura. Se já estamos em 8,5%, quem tiver poder de formação de preços pensará assim: é melhor elevar para 10% ou 15%. Quem sabe, os 16%, com que foram corrigidos os planos de saúde. Se a energia saltou 60% e afetou os custos, melhor é repassar ao consumidor, para não ter prejuízo. E assim, com decisões isoladas, a inflação ganha musculatura, chega a dois dígitos e continua subindo.

Estamos vendo os sinais do perigo voltando. Os jornais informam que um mesmo produto pode ter preços 50% maiores em diferentes estabelecimentos. Isso leva quem cobrava menos a subir o seu preço. Quando o ambiente é de alta, corrige-se para cima, sempre. Os que, porventura, seguram os reajustes, no primeiro momento, vão querer subi-los mais adiante, quando o país retomar o crescimento. Essa é a lógica da inflação que se reproduz e cria resistência e inércia. Por isso foi tão difícil vencer esse mal. Ele tem em si mesmo, a partir de determinado ponto, o combustível para a sua aceleração.

Minha convicção de jornalista que viu a travessia, registrou cada passo e sobre isso tem escrito ao longo da vida, é que há 21 anos o país fez uma escolha de ruptura com o passado de desordem monetária. A arrumação das contas públicas, a busca da meta de inflação não são capricho de um ministro isolado, da diretoria do Banco Central ou de um conselho que reduz o teto tolerável. O país escolheu a moeda estável. Revogar essa escolha é insensatez.

Vinicius Torres Freire - O caso de polícia da economia

- Folha de S. Paulo

• Prisões, medo e revolta de empresários, deserções políticas e a 'volta das ruas' turvam cenário

A nova fase da barafunda política e policial faz a discussão econômica parecer ingenuidade teórica. Como tratar de "consolidação fiscal" quando tanta gente se ocupa de escapar da cadeia, e o apoio político do governo se esboroa? "Cadeia" deveria ser mera metáfora para "problemas judiciais", mas não é bem mais o caso.

A encrenca econômica em si mesma nem ficou tão maior assim, apesar de inflação, juros e contas do governo piores. O tumulto pode, porém, provocar mais medo e paralisia na economia real e avariar a capacidade já escassa do governo de arranjar soluções mesmo para os problemas mais imediatos.

Mas o assunto mais grave é criar condições para, daqui a uns três anos, se entregar uma economia mais arrumada, pois não é possível fazer o ajuste mínimo necessário no curto prazo. Para tanto, seria preciso um programa amplo, um acordo, uma coalizão, e confiança para sustentá-lo.

Todas essas condições parecem se desmilinguir, embora a ruína ainda seja evitável.

Há fúrias nos partidos aliados e no empresariado. Dois terços do eleitorado detesta o governo. Para agosto, talvez o fundo do inverno econômico, a oposição de direita marcou manifestações contra o governo, mas muito mais gente pode ir atrás do trio elétrico ("fundo do inverno" no PIB: o massacre do salário vai longe em 2016).

A presidente terá de responder em julho à acusação do TCU de gestão ilegal do dinheiro público. A crise político-policial vai engrossar não apenas devido às acusações do empresário da UTC, que de resto fez ataques anagramáticos à cúpula do TCU, embaralhando mais o jogo. A Procuradoria-Geral da República vai apresentar mais denúncias contra políticos.

Parte do empresariado está possessa com o aumento de impostos e apavorada com o risco-cadeia. Causou impressão profunda o encarceramento da direção de Odebrecht e Andrade Gutierrez. Não se trata de mera reação corporativa ou só de medo fundado em culpas no cartório. Há paranoia.

Como dizia de modo pitoresco um alto executivo do setor de logística: "Você pode parar na delegacia porque conhece alguém que roubou, pode quebrar porque alguém com quem você faz negócio não recebeu do governo e deixou de te pagar. Nem precisa ter nada a ver com Brasília".

A direção do PT passou na semana passada à oposição oficial à política econômica de Dilma 2, depois de engolir o choro e evitar escândalo maior no Congresso do PT. Lula assoprou as mordidas que deu na presidente, mas as marcas ficaram evidentes. Fração minoritária do petismo, de senadores a prefeitos, vai mesmo debandar, ainda que a conversa de uma "frente de esquerda" pareça débil. Mas tudo isso é sintoma de reorganização política.

O PMDB mal se mexeu para negar o rumor de que pode desembarcar do governo. O risco de debandada aumenta com a aproximação de policiais e procuradores, à beira de pegar caciques. O Congresso, em especial a Câmara, é ora puro desvario.

"O inverno está chegando", como se diz de uma ameaça difusa e monstruosa em "Game of Thrones", a série de TV de caos político contínuo e degolas.

Lula põe PT contra Lava Jato – Editorial / O Estado de S. Paulo

Não demorou muito a reação do PT à prisão do dono da Odebrecht, bom amigo de Lula. Depois de Rui Falcão ter recebido instruções precisas do ex-presidente, a Executiva petista reuniu-se na quinta-feira em São Paulo e aprovou uma resolução. Nela, o Partido dos Trabalhadores faz a defesa das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobrás, sob o falacioso argumento de que as prisões “sem fundamento” da Operação Lava Jato são “arbitrárias” e o “prejulgamento” das construtoras terá consequências negativas para a economia nacional, com a paralisia de obras de infraestrutura e consequente aumento do desemprego.

Para obedecer ao chefe, a direção do PT finge ignorar que as “consequências para a economia nacional” já são uma amarga realidade, principalmente no que diz respeito à taxa crescente de desemprego. E isso não por culpa da Lava Jato, e sim da incompetência e irresponsabilidade do governo petista. A grande maioria, 65% dos brasileiros, concorda com isso, como revelam as pesquisas.

À suspeita de que tem sido beneficiado pela generosidade de prósperos empreiteiros cuja amizade conquistou quando estava na Presidência – exemplo notório de Marcelo Odebrecht –, Lula e seus defensores respondem que hoje ele é apenas um cidadão comum, ex-presidente da República que tem importantes e bem-sucedidas experiências políticas e sociais a transmitir aos interessados e por isso aceita ser pago por quem se dispõe a patrocinar suas palestras mundo afora. É apenas trabalho que não tem nada a ver com o governo. Exatamente como acontece, por exemplo, com ex-presidentes americanos.São argumentos falaciosos, como demonstra essa última resolução do PT em defesa das empreiteiras. Lula não é um cidadão comum – logo quem! –, mas um político muito ativo que tem forte influência no governo e no partido que o sustenta. Tornou-se lobista. Afinal, seus bons amigos empreiteiros não são generosos mecenas interessados em disseminar ideias progressistas pelo mundo, mas negociantes que sabem muito bem onde vale a pena colocar seu dinheiro. É óbvio, portanto, que, ao alinhar o PT na defesa das empreiteiras envolvidas até o pescoço no propinoduto da Petrobrás, Lula está preocupado apenas em manter a fidelidade das relações mútuas com os bons amigos que tem no mundo dos negócios.

O combate à corrupção, sintomaticamente, nunca foi tema relevante no discurso do dono do PT, ao contrário do que acontece com Dilma Rousseff, que não perde oportunidade para proclamar sua “luta sem tréguas” contra os malfeitos na vida pública. E o PT, por sua vez, é useiro e vezeiro em gabar-se de que nunca antes tanta “gente importante” foi parar na cadeia. É propaganda enganosa. Observe-se que recentes manifestações de Lula, obviamente entre quatro paredes, contradizem o discurso de Dilma e do PT. O ex-presidente tem feito pesadas críticas ao ministro da Justiça a respeito das investigações da Lava Jato, reclamando de que José Eduardo Cardozo “perdeu o controle” sobre a Polícia Federal (PF), a ele subordinada. Seria o caso de inferir dessas declarações que, se Lula ainda fosse presidente, aos policiais federais e aos procuradores da República já teria sido ordenado que cuidassem da própria vida ou investigassem a oposição?

O juiz Sergio Moro, cujo rigor na coordenação da Lava Jato incomoda quem tem culpa no cartório, tornou-se alvo da mesma campanha de satanização que Lula e o PT conduziram contra o ministro Joaquim Barbosa no episódio do mensalão. A resolução petista de quinta-feira não cita nomes, mas pega pesado: “Se as prisões preventivas sem fundamento se prolongarem (...), não é a corrupção que está sendo extirpada. É um estado de exceção sendo gestado”. E, para não perder a oportunidade, os petistas protestaram também, mais uma vez, contra a prisão “inaceitável” de seu ex-tesoureiro João Vaccari Neto, personagem que aparentemente tem muito a dizer, a julgar pelo enorme empenho do partido em reverenciá-lo.

O tom das críticas do PT à Operação Lava Jato mostra a crescente preocupação de Lula com investigações que se aproximam dos agentes políticos. É por isso que o ex-presidente decidiu tomar “providências”, acusando o governo Dilma de negligência e açulando o PT contra o juiz Sergio Moro e tudo o que possa representar uma ameaça ao seu direito de ir e vir.

Armínio Fraga: Temos hoje um país que está morrendo de medo

• Ex-presidente do BC e assessor econômico de Aécio na campanha diz que é preciso discutir tamanho do estado

Raquel Landim - Folha de S. Paulo

RIO - Principal assessor econômico do candidato derrotado à Presidência Aécio Neves (PSDB), o economista Armínio Fraga diz que hoje o Brasil está morrendo de medo de tudo: recessão, inflação, desemprego.

"A campanha foi um show de mentiras. Agora o custo é este: um país morrendo de medo", disse à Folha.

Na época, a presidente Dilma foi acusada de disseminar entre a população o medo de crise e arrocho se houvesse vitória da oposição.

Ele afirma que Dilma expõe o ministro Joaquim Levy (Fazenda) ao escalá-lo para discutir o ajuste fiscal com o Congresso.

"Mandaram o general para a linha de frente com uma espada na mão", comparou.

Para o economista, que presidiu o Banco Central no governo FHC e hoje é sócio da Gávea Investimentos, o governo deveria ter optado por uma meta de superavit primário (receitas menos despesas) menor neste ano. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - A economia brasileira amargará 1,5% de recessão neste ano. O que está ocorrendo?

Armínio Fraga - O governo chutou o pau da barraca [do gasto público] nas eleições e agora paga a conta. Isso já tinha acontecido no início do primeiro mandato da presidente Dilma. A situação hoje é pior porque o país entrou muito torto na história. A evolução da dívida é assustadora, e a recessão morde firme. É possível ver isso na indústria, no setor imobiliário.

Hoje o quadro está sendo tratado de maneira mais razoável, mas ainda insuficiente. O ajuste fiscal não vai resolver tudo. É preciso cortar mais o gasto, que é rígido.

Os empresários reclamam que o governo cortou investimentos, mas não reduziu gastos. Qual é a sua opinião?

O ajuste fiscal requer um debate profundo sobre o tamanho do Estado. Não vou nem discutir qual é o tamanho do Estado ideal.

Alguns países deram certo com um Estado grande, como os escandinavos. Outros funcionam com um Estado menor, como os EUA. Só que o Estado precisa ser funcional e hoje temos um Estado meio capturado.

Sem essa discussão, o ajuste está sendo feito do jeito que dá. Algumas medidas são boas, mas há problemas. Surgiu essa história de acabar com o fator previdenciário [que desestimula a aposentadoria precoce], que considero uma loucura.

O PSDB votou contra o fator previdenciário. O que você acha da posição do partido?

Não falo pelo PSDB. Tenho simpatia pelo partido e gosto de trabalhar com o ex-presidente Fernando Henrique e com o Aécio.

O partido foi infeliz no tema do fator previdenciário, mas tem agido bem. O PSDB tem que ser o bastião de grandes ideias e princípios. Nessa confusão toda, não é fácil.

Qual é o efeito da crise política na economia?

A situação política é caótica. O país tem 32 partidos, 29 representados no Congresso e quase não existe discussão de programa de governo.

Há essa percepção de que a política está terceirizada para o PMDB, mas claramente o PT não está satisfeito. A oposição tenta se posicionar, mas ainda não engrenou o ritmo.

Por que o governo não faz reformas estruturais?

O Levy lida com muitas restrições, inclusive da chefe dele, que é responsável por tudo isso que está aí. É uma situação muito constrangedora.

Ele está muito exposto [negociando com o Congresso]. Mandaram o general para a linha de frente com uma espada na mão, algo que não se via há 500 anos. É da época de Alexandre, o Grande.

Na sua opinião, o governo deveria reduzir a meta de superavit primário?

O superavit de 1,2% do PIB foi planejado com estimativas muito otimistas para a economia. Desde o início, o governo deveria ter optado por uma meta menor no primeiro ano e mais ambiciosa nos dois anos seguintes. Agora, mexer na meta não é fácil.

Mas a arrecadação não está correspondendo às expectativas. Não é melhor assumir que não dá para cumprir a meta?

Não sei o que eles vão fazer. A minha opinião é que deveriam ter colocado uma meta menor neste ano e deixado claro qual é o pagamento das "pedaladas" passadas. Classificar direito o que é uma conta do passado e o que é um ajuste permanente.

O governo tem armas para combater a recessão?

A capacidade de reação do governo está prejudicada pela inflação alta e por um Orçamento muito precário.

Portanto, as ferramentas anticíclicas tradicionais não estão disponíveis em razão de uma herança que Dilma deixou para ela mesma.

É uma situação muito difícil, e quem vai pagar o pato, como sempre, é a população.

Até quando vai a recessão?

É preciso não confundir. Vivemos um ciclo de curto prazo provocado pelo aquecimento da economia antes das eleições e temos um problema de médio prazo.

Daqui a um ano ou um ano e meio, podemos até sair do ciclo de curto prazo, mas teremos questões estruturais.

Agora, se ficar claro que existem respostas para as questões estruturais, ajuda a quebrar o ciclo porque as empresas se animam a investir.

O governo está tentando estimular investimentos com o programa de concessões de infraestrutura.

Sim. Mas tem tido uma imensa dificuldade de executar os projetos. E vão utilizar esse dinheiro para vencer as contas do ano, enquanto deveriam abater dívidas.

Na campanha eleitoral, você foi criticado por dizer que o país entraria em recessão, e hoje isso se concretizou. Como você se sente?

Aquilo foi um grande teatro, um show de mentiras. O Aécio e o Fernando Henrique falaram isso o tempo todo. O custo é este: temos um país morrendo de medo.

Com medo de quê?

De tudo: recessão, desemprego, inflação. Não sou político, vivo de administrar o dinheiro dos meus clientes. Se for pessimista, estou acabado, mas tenho que ser realista. A situação não está boa.

As empresas estão demitindo. A situação vai piorar?

Infelizmente, acredito que não chegamos ao fundo do poço. Espero estar errado, mas analiticamente não estamos nem perto disso.

Havia um represamento de demissões em razão das incertezas que as eleições geram. Agora a situação ficou clara e as empresas demitem.

Esse ciclo, no entanto, ainda mal começou.

Qual é o impacto do aumento do desemprego?

As centrais sindicais, que sempre foram a base do PT, já estão reclamando. Existe uma briga no próprio governo. Pode gerar mais manifestações de ruas e mais dificuldades para aprovar o ajuste fiscal. Governar nesse contexto não é fácil.

O BC exagerou na alta de juros para atingir a meta de inflação de 4,5% no fim de 2016?

É uma meta muito ambiciosa. Dá para chegar a esse resultado em dois anos, mas vai exigir disciplina e um pouco de sorte. Talvez fosse mais fácil deixar para 2017.

O problema é que a inflação está acima da meta há bastante tempo, as contas públicas se deterioraram e o país ameaça perder a classificação de risco. Se o governo tivesse mais credibilidade, poderia ser mais gradual.

Gustavo Franco - Capitalismo companheiro

- O Globo

Seria de uma pretensão sem tamanho imaginar que o Brasil inventou a malversação, ou uma nova forma de capitalismo acinzentado. Temos nossas contribuições, é verdade, mas não se pode perder de vista que estamos diante de um dos grandes temas de nosso tempo, quem sabe uma epidemia global, todavia, já plenamente identificada na literatura especializada, sobre a qual vale se debruçar para melhor entender o que se passa conosco.

A palavra “cronismo” não existe em português, mas temo que em pouco tempo será um desses neologismos que aborrecem o senador Aldo Rebelo e que, não obstante, adornam e enriquecem o idioma.

A palavra crony surge na Inglaterra no século XVII, vinda do grego khronios (nesse caso, um estrangeirismo isento de tributação), significando “de longa duração”, e progressivamente se tornou uma gíria para designar amigos, afilhados, capangas, comparsas, apaniguados, membros de uma quadrilha ou irmãos no crime.

A referência ao cronismo, e mais ainda a um capitalismo crony, de ampla utilização na literatura econômica e sociológica, é bem mais recente e cresceu em alusão a regimes onde as formas de organização das trocas econômicas são tais que pouca coisa importante pode ocorrer sem alguma forma de favoritismo, arbitrariedade ou corrupção. Não há predominância dos mercados, senão na aparência, mas um “controle social” das transações e mercantilização da ação do Estado.

A primeira onda de estudos sobre cronismo veio com a crise da Ásia e com a percepção que este tinha sido o fator a desarrumar muitos dos países outrora designados como “tigres”, mas que tinham retroagido a políticas mais protecionistas, mercantilistas e amistosas demais a grandes grupos nacionais familiares.

Em seguida, e não por acidente, o cronismo se tornou um grande tema nos regimes que sucederam o socialismo na Rússia e na China, onde os velhos aparelhos repressivos se privatizaram em relações nebulosas com o governo formando uma espécie de capitalismo mais selvagem que os do Ocidente e particularmente afetado por esquemas pessoais, clientelismo, nepotismo e corrupção.

Depois de duas décadas do sepultamento do socialismo é certo dizer que esta nova forma de capitalismo dirigido, desregrado, exagerado e deturpado, onde existe um pântano envolvendo as relações entre o público e o privado, espalhou-se em muitos lugares, embora em variados graus, e ameaça a economia e a política através de ângulos inusitados.

É claro que os elementos constitutivos do cronismo sempre existiram — como as máfias, as bruxas, a corrupção e o favoritismo, para não falar dos inúmeros formatos para a alocação de recursos através de relações pessoais, seletivas, corporativas, familiares, relacionais e em oposição às relações de mercado.

O que é novo, entretanto, é a hegemonia do cronismo sobre os Estados nacionais, a ponto de estabelecer as agendas de políticas públicas e os andamentos maiores da economia, e pior, a “monetização” da intervenção do Estado. Esse capitalismo de quadrilhas, comparsas, gangues, máfias, laços ou companheiros, assume variadas vestimentas ideológicas, conforme o contexto, meros disfarces, sua lógica é simples: a pilhagem.

Sem conhecer o Brasil, esteve aqui faz duas semanas o professor Luigi Zingales (da Universidade de Chicago), com o propósito de lançar seu novo livro (intitulado “Um capitalismo para o povo”), onde estabelece uma disjuntiva que procura explicar os modelos econômicos que se organizaram depois da Queda do Muro. Seu foco reside sobre a natureza do relacionamento entre o público e o privado, onde ele distingue dois regimes ideais, que designa como “pró-negócio” e os “pró-mercado”.

“Pró-negócio” é o regime do cronismo, onde o público e o privado se embaralham, mais ou menos como na velha boutade entre Bernard Shaw e a bela bailarina que lhe propôs um filho com a beleza dela e a inteligência dele. Pois os regimes “pró-negócio” são aqueles onde os objetivos são os privados e a eficiência é a pública, o pior dos dois mundos, a verdadeira pirataria.

O regime “pró-negócio” está longe de ser anticapitalista. Talvez se possa dizer o exato oposto: é a privatização do Estado e o capitalismo degenerado.

O regime “pró-mercado” é fundado na competição e na impessoalidade, o velho capitalismo, como a democracia, o melhor de todos os regimes ruins. Não se trata de Estado mínimo, nem de qualquer visão romântica sobre o modo como o capitalismo funciona. Mas de trabalhar as virtudes do sistema, que deve enfatizar a democracia e a horizontalidade, enquanto o cronismo procura sempre a seletividade e a arbitrariedade. Em vez de competição, meritocracia e impessoalidade, o regime do cronismo estabelece a discricionariedade para escolher seus “campeões” com bases em prioridades ad hoc e, às vezes, buscando apoio no nacionalismo ou no politicamente correto.

É claro que Zingales fala de coisas familiares: a oposição entre seus dois regimes se sobrepõe a antigos dilemas nossos, por exemplo, entre a casa e a rua (do antropólogo Roberto DaMatta), ou entre o patrimonialismo e o mercado, entre o nepotismo e o concurso, o favoritismo e a licitação, os campeões nacionais e as empresas comuns.

O cronismo desembarcou no Brasil pelas mãos do PT, que em 2008, passa de uma postura passiva e envergonhada, para outra de extroversão onde parecia atacar cada um dos pressupostos dos consensos internacionais em políticas públicas. Na ocasião, o ministro Guido Mantega proclamou: “O capitalismo precisa ser sempre reinventado. Onde está dando mais certo? Nos países que adotaram o capitalismo de Estado.”

E lá fomos nós procurando ser “chineses”, ou ganhar o Nobel em economia, através de várias “opções estratégicas”, como as escolhas para o petróleo, e, mais genericamente, em todas as frentes de políticas públicas onde se buscou confrontar as soluções de mercado pois, segundo se dizia, o “capitalismo não regulado” havia fracassado no mundo inteiro.

Seis anos e muitos escândalos depois, passando por prejuízos bilionários, heterodoxias, pedaladas, e outras tantas coisas horríveis que cabem muito bem dentro do figurino internacional do cronismo, é bastante claro que essa nova matriz não apenas fracassou no tocante ao desempenho da economia, como desandou em um oceano de irregularidades e crimes.

É um fracasso histórico da maior importância, e que traz, como boa notícia, a demonstração de que o Brasil possui anticorpos poderosos contra o cronismo (nos órgãos de controle, no Judiciário e na mídia).

Fará muito bem ao país identificar e punir os crimes cometidos bem como reforçar instituições que evitem que ideias extravagantes sobre a economia tornem o Brasil mais vulnerável ao cronismo.

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Gustavo Franco é economista e ex-presidente do Banco Central