terça-feira, 22 de setembro de 2015

Bernardo Mello Franco - Dilma mordeu outra isca

- Folha de S. Paulo

O reencontro com Michel Temer, que voltou da longa turnê pelo leste europeu, não foi nada agradável para Dilma Rousseff. Nesta segunda, o vice disse à presidente que não fará indicações para a reforma ministerial. Dilma ouviu o mesmo do deputado Eduardo Cunha e do senador Renan Calheiros.

O PMDB encostou a faca no pescoço presidencial. Como o partido não costuma esnobar cargos e orçamentos, sobram duas alternativas possíveis. Na primeira, elevou as ameaças para arrancar mais do que foi oferecido até aqui. Na segunda, decidiu antecipar o desembarque do governo.

Os peemedebistas detestaram o primeiro rascunho da reforma. Não conseguiram derrubar o petista Aloizio Marcadante e não garantiram seu sonho de consumo, mandar na Saúde ou na Educação. Sem resposta positiva até aqui, restou a velha tática da ameaça para obter o que desejam.

A outra alternativa é ainda pior para Dilma. Em vez de jogar mais duro para negociar, o PMDB teria decidido abandonar de vez o governo. Se isso acontecer, o principal beneficiário será o vice-presidente da República.

As recusas de Temer, Renan e Cunha agravaram o pânico entre os petistas, que ainda não sabem qual das hipóteses será confirmada.

A enrascada da reforma ministerial mostra que Dilma mordeu outra isca deixada pelo partido do vice. Em agosto, o PMDB defendeu que a presidente enviasse ao Congresso um Orçamento com previsão de deficit. Ela seguiu o conselho com entusiasmo e foi punida com o rebaixamento do país por uma agência de risco.

Agora Dilma está em apuros por executar outro plano da cartilha peemedebista: o corte de ministérios, a pretexto de enxugar a máquina.
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Desabafo de um ex-ministro de Lula desiludido com os erros táticos de Dilma: "Circular pelo Planalto entristece até o mais fiel aliado. Estamos vivendo uma crise para profissionais, e o governo é gerido por amadores".

Luiz Carlos Azedo - Terceiro tempo

• Convidado a opinar sobre a reforma ministerial, em conversa com a presidente da República, o vice-presidente Michel Temer declinou. Foi uma espécie de “me inclua fora dessa”

- Correio Braziliense

De tanto falar em terceiro turno das eleições, o governo Dilma Rousseff entrou numa espécie de terceiro tempo, difícil ainda de definir qual será o seu desfecho. Como estamos falando do tempo relativo, digamos que será uma interseção entre o tempo curto da crise política e o tempo longo da crise econômica. Para não complicar mais as coisas, vamos por partes.

Com a configuração anunciada pela presidente Dilma Rousseff ao tomar posse, o governo jaz em plena Praça dos Três Poderes. Está morto e prestes a ser enterrado. Era para durar quatro anos e não sobreviveu nove meses. Sua morte cerebral já foi anunciada e a reforma administrativa que Dilma pretende anunciar, com a redução de dez ministérios, será o funeral.

O problema é a montagem do novo governo. Se formos considerar as dificuldades que teve para escolher os atuais 39 ministros, não está nada fácil. O atual resultou num governo fracassado mais pelas trapalhadas da própria presidente da República, como diria o ex-amigo e ex-ministro Delfim Netto, do que pela competência da maioria de seus integrantes, com as devidas exceções.

Na montagem da equipe atual, muita gente refugou os convites. É o caso do Ministério da Fazenda, por exemplo, que caiu no colo de Joaquim Levy, porque nenhum dos demais cogitados aceitou a tarefa. O resultado está aí: o ministro é a Dilma Rousseff, que estimula a disputa entre o titular da pasta e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, para arbitrar o “caminho do meio”. Reina solitária entre dois insatisfeitos.

Cresce a pressão do PT para substituir Levy na reforma ministerial. Ontem, o conselho político da legenda, com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recomendou à Dilma um cavalo de pau na economia, com redução forçada dos juros, taxação das grandes fortunas e aumento de impostos para manter a chamada “política anticíclica”. O PT quer a cabeça de Levy e pôr Barbosa na Fazenda.

Esse é um dos impasses, na economia. Há outros na política. Convidado a opinar sobre a reforma, em conversa com a presidente da República, o vice-presidente Michel Temer declinou. Foi uma espécie de “me inclua fora dessa”. Dilma cometeu o erro de atropelar Temer, numa negociação direta com o jovem e ambicioso líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, e com o presidente do Senado, Renan Calheiros.

A legenda deve perder três dos seis ministérios, de um total de 29, se considerarmos que dez das atuais pastas serão extintas ou fundidas. É muito pouco para um partido que está com a faca e o queijo na mão quanto ao impeachment da própria presidente das República. Em contrapartida, o PT está mais dono do Palácio do Planalto do que nunca.

Dilma vem repetindo que não abre mão de Aloizio Mercadante na Casa Civil, mas resolveu reforçar o papel político da secretaria-geral da Presidência, com Ricardo Berzoini — ex-líder sindical, vai cuidar dos movimentos sociais e da interlocução com Lula —, e Giles Azevedo, seu cão de guarda no gabinete, na Articulação Política, coadjuvado pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. Não tem a menor chance de dar certo.

Por essas e outras, o terceiro tempo pode ser curtíssimo. Mas vamos ao tempo longo: a crise econômica. Não há a menor chance de revertê-la no curto prazo, uma vez que o ajuste fiscal é uma espécie de “mais do mesmo” com sinal trocado. Explico: aposta-se no aumento de receita em vez do corte efetivo de gastos. Certas medidas apresentadas como redução de despesas são apenas mudanças de fonte de financiamento (Sistema S, Minha casa, Minha Vida, emendas parlamentares). O gasto ficou do mesmo tamanho.

Num orçamento de mais de R$ 1 trilhão, o governo diz que não consegue cortar mais de R$ 26 bilhões, mesmo assim maquiados. A redução efetiva de despesas é de apenas R$ 2 bilhões no custeio administrativo (R$ 1,6 bilhão com a renegociação de contratos de aluguel, manutenção, segurança, veículos e outros itens; R$ 200 milhões com menores limites para gastos com diárias, passagens, auxílio moradia e telefone e R$ 200 milhões com a redução de Ministérios e cargos de confiança).

As demais reduções são meros adiamentos de despesas (salários e concursos). O setor público registrou um déficit primário de 0,6% do PIB no ano passado; novo déficit será registrado neste ano. A arrecadação de agosto foi a pior para o mês desde 2010. No acumulado dos oito meses deste ano, a queda da receita foi de 3,68%, em relação à igual período de 2014. Déficits primários continuados, elevação da taxa de juros para controlar a inflação e dívida pública em forte expansão fazem com que a crise se agrave. Nesse aspecto, pode se tornar longuíssima. Será que a Dilma aguenta?

Raymundo Costa - Presidente se enrola nas próprias pernas

• Oposição aposta na incapacidade de Dilma gerir a crise

- Valor Econômico

A fábula "O Cachorro e Sua Sombra", de Esopo, é sucesso de público e crítica entre os amigos próximos da presidente Dilma Rousseff. Diz que um cachorro, ao cruzar a ponte viu a própria imagem refletida nas águas do riacho, mas pensou que se tratava de um outro cachorro com um pedaço de carne maior que o seu e não teve dúvidas: largou o pedaço que levava preso nos dentes e se atirou sobre a imagem refletida. A moral da história é óbvia: quem desiste do certo em troca do duvidoso é um tolo e duas vezes imprudente.

Esse é o clima palaciano às vésperas de uma reforma ministerial difícil de compor e do anúncio das regras do jogo do impeachment, o que deve ser feito até quinta-feira pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Explica porque a presidente enviou a ministra Kátia Abreu (Agricultura) para dizer aos dirigentes do PMDB os termos com que pretende contemplar o partido na reforma. Erro crasso. Dilma pode até sentir alguma satisfação em espezinhar o vice Michel Temer, o "imprudente" da fábula, mas perde de vista o principal: os votos do PMDB. Temer já avisou que não vai indicar ministros. Os riscos de a reforma não dar certo são consideráveis.

O PMDB tem seus rituais. Um deles é a precedência. A ministra Kátia Abreu é estimada por seus colegas de Senado, mas é cristã nova na sigla. Sua designação afasta mais que aproxima da presidente um partido cujos votos serão decisivos na votação do pedido de autorização para a abertura do processo de impeachment da presidente no Senado. Há cálculos segundo os quais o impedimento só passa se houver um índice de "traição" de quase 100% do PMDB. Faz sentido, mas impeachment não é uma questão só de aritmética, é sobretudo política.

A profundidade da crise requer muito mais que a "gerentona", imagem fabricada pela publicidade oficial substituída pelo "trapalhona" como adjetivou o ex-ministro Delfim Netto em entrevista a "O Estado de S. Paulo". Ilustrativo é o caso do ministro da Comunicação de governo, Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente em 2014. Nele se cruzam a Operação Lava-Jato e as dificuldades de Dilma para montar um ministério anti-impeachment. Com dois ex-tesoureiros do PT presos e condenados, a prudência recomendava não levar o tesoureiro da campanha para o Palácio do Planalto. Alertada, Dilma não deu ouvidos a quem pensava diferentemente.

O depoimento de Ricardo Pessoa, dono da UTC, apontado como o chefe do "Clube das Empreiteiras", cita o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, como beneficiário de suas doações, mas nada tão forte como a acusação de que Edinho, como tesoureiro, esteve pelo menos três vezes com o empreiteiro, pediu dinheiro para a campanha e relacionou a doação a interesses do empresário na Petrobras. A Justiça decidirá se os termos da delação premiada de Pessoa são verdadeiros. Politicamente, a manutenção de Edinho significa levar a Lava-Jato de vez para dentro do Palácio. Tirá-lo, por outro lado, é deixá-lo sob a jurisdição da primeira instância e do juiz Sergio Moro.

A transferência de Edinho para a Secretaria-Geral, por seu turno, significa tirar o ministro Miguel Rossetto e criar um problema com os movimentos sociais ligados ao governo, indispensáveis a Dilma para combater o impeachment. Deve-se ter uma ideia do humor dos movimentos no próximo sábado, quando o PT planeja reunir uma grande multidão na Praça da Sé, em São Paulo, em defesa do mandato de Dilma. Rossetto representa a esquerda do PT no Palácio do Planalto, ficou mal na fita após as manifestações de 8 de março, multidão que atribuiu aos derrotados nas eleições de 2014, mas foi o primeiro petista a costurar um discurso em defesa das medidas de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda): "O ajuste não é um fim em si mesmo".

"Nós estamos no meio da crise, nem atingimos ainda o pico", diz o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), autor do requerimento à presidência da Câmara sobre as regras do impeachment. "Mendoncinha", como é conhecido o ex-governador de Pernambuco, coordena operacionalmente o impeachment junto com outros oposicionistas como Rubens Bueno (PPS-PR), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Bruno Araújo (PSDB-PE). Nas reuniões realizadas nos apartamentos funcionais ou casas dos parlamentares aparece também o PMDB: o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA) e os deputados Osmar Terra e Darcísio Perondi, ambos do Rio Grande do Sul, são presenças assíduas.

O que o grupo procura, no momento, é segurança jurídica, para que o pedido não possa ser eventualmente questionado com êxito na Justiça. E produzir fatos políticos, como foi a apresentação da questão de ordem. A acusação de golpismo feita pela presidente e pelo PT não comove Mendoncinha. "O PT abusou de utilizar", diz. Pediu o impedimento de Fernando Henrique Cardoso, arquivado pelo atual vice Michel Temer, e o hoje ministro Jaques Wagner (Defesa) quis enquadrar o ex-presidente Itamar Franco no crime de responsabilidade, o que ao fim poderia levar ao impeachment da presidente. O pedido contra Fernando Collor de Mello teve a assinatura do PT "e de todo o Brasil", diz.

Fato para justificar o impeachment da presidente é o que não falta, segundo Mendoncinha. O deputado cita as pedaladas. "Foram R$ 40 bilhões. Não foi o governo fazendo uma pequena aceleração no período eleitoral". Há os decretos feitos à revelia do Congresso, o que é inconstitucional. Ao contrário do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Mendoncinha acha que fatos de mandatos passados servem de justificativa, pois contaminaram a reeleição de Dilma. "Ela cometeu essas práticas para permanecer no poder". Sem falar que delatores como Pessoa já se referem a doações para a eleição de 2014. Acima de tudo, Mendoncinha parece apostar na incapacidade de Dilma para gerenciar a crise, que se agrava a cada intervenção da presidente. "Isso vai esgarçando o resto de governabilidade que ela tem". Nesse ritmo, logo se chegará a um quadro de "ingovernabilidade crônica", o que também seria motivo para impeachment, se a presidente não renunciar antes, lógico. "O impeachment é um julgamento político", diz. "Político-jurídico".

Marcelo Baumann Burgos - Teatro da autodanação dos jovens periféricos

- O Globo

Como forma social, os arrastões constituem um teatro da exclusão social, de uma sociedade que ainda está muito longe do projeto de inclusão de seus segmentos populares numa vida urbana comum. Um teatro organizado numa linguagem violenta, encenado em espaços públicos, por jovens ( incluindo adolescentes) moradores de favelas e periferias, que se juntam em bandos para praticar assaltos e disseminar medo. Os arrastões conformam uma imagem dramática, cujo principal resultado é a autodanação de seus próprios protagonistas, os quais, involuntariamente, provocam uma cadeia de eventos que reavivam os piores estigmas historicamente atribuídos a eles.

Mas a força da imagem produzida pelos arrastões também arranha a política, denunciando, mesmo que de modo muito cifrado, a invisibilidade e a falta de voz de seus protagonistas. Nesse sentido, são, sem dúvida, uma forma de protesto, ainda que pouco estruturada e exposta a consequências sempre imprevisíveis para todos os envolvidos na cena.

De protesto contra a falta de direitos, lá no lugar em que moram, quase sempre exposto ao domínio dos mandões locais, sejam eles da milícia ou do tráfico; de protesto em face da falta de acesso à política, constrangida por máquinas partidárias que controlam territorialmente o poder do voto; e de reação à privação daquilo que a cidade tem de mais importante, que é o acesso à cultura e ao convívio com a diversidade. Nesse sentido, é possível identificar um vínculo oculto entre os jovens dos arrastões e os jovens do movimento Passe Livre, que foram para as ruas lutar por mobilidade urbana, e que, em 2013, acabou por deflagrar a onda de protestos que teve como ponto em comum a luta por direitos.

Apesar disso, a fronteira entre a luta dos jovens por direitos e o teatro dos jovens do arrastão se apresenta como um fosso intransponível, isolando e segregando ainda mais parcela significativa dos jovens. Trata- se de um círculo vicioso que precisa ser desarmado.

A criação de novos e amplos canais de participação política para os jovens das favelas e periferias, o fortalecimento das escolas públicas e a criação de novas formas de acesso à cultura são, em médio prazo, pontos importantes de uma já conhecida mas não realizada agenda de inclusão social, cultural e política das periferias e de reversão desse círculo vicioso. Mas, nesse caso, o médio prazo depende do que se fizer agora.

Assim como os arrastões já se tornaram cíclicos, frequentando a cena pública do Rio desde o início dos anos 90, também têm sido repetitivas as respostas dadas pelas autoridades, que tendem a reduzir a questão a um problema de polícia, aprofundando ainda mais a lógica da autodanação dos jovens periféricos. Romper com isso pressupõe fazer valer a pedagogia dos direitos, levando às últimas consequências o marco normativo do Estado Democrático de Direito, inclusive no que se refere ao direito especial das crianças e adolescentes. Pois é preciso ter claro que a autodanação de jovens de parcela da sociedade é também a danação de nosso projeto de democracia, que não sobreviverá sem que a igualdade e a liberdade sejam um bem assegurado para todos.

E, para isso, o primeiro passo precisa ser o da identificação e punição daqueles que se arvoraram a fazer justiça com as próprias mãos.
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Marcelo Baumann Burgos é professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC- Rio

Vinicius Torres Freire - Quem é dono das grandes fortunas?

• Dados precários de patrimônio atrapalham pesquisas e políticas sobre desigualdade

- Folha de S. Paulo

A ruína do governo contribuiu para tornar explícitas as disputas sobre a renda, pelo menos no que diz respeito a rendimentos que dependem mais de políticas de governo ou Estado. Em outras palavras: a disputa sobre "quem paga a conta" do ajuste fiscal, quem paga mais impostos, quem perde mais benefícios estatais.

Nessa disputa, reaparece a demanda de cobrança de impostos sobre "grandes fortunas". Além da controvérsia sobre o melhor imposto para tributar os mais ricos (de renda ou de patrimônio?), há um problema de base: sabe-se muito pouco sobre a distribuição da riqueza (o patrimônio, bens e ativos financeiros acumulados, as "fortunas").

"A riqueza no Brasil é extremamente concentrada. Tudo indica que muito mais do que a renda. E, ao que parece, essa concentração é relativamente estável. No entanto, não é possível estimar com segurança o grau dessa concentração nem seu comportamento", afirma Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea e professor da UnB, em novo trabalho.

Com longa carreira de pesquisa no assunto, Medeiros foi em 2014 um dos autores de pesquisa pioneira sobre a desigualdade no Brasil, a primeira a utilizar sistematicamente informações de declarações de Imposto de Renda, que serviram para corrigir dados de estudos baseadas em pesquisas de renda (a desigualdade é maior do que se imaginava).

Qual o motivo das dúvidas?

Primeiro, por exemplo, o patrimônio declarado à Receita em cada declaração pode não coincidir com o patrimônio de um indivíduo; um indivíduo que não declara nada à Receita pode ter bens. É o caso, por exemplo, de bens de casais. Parece firula. Não é. Simulações estatísticas revelam que, a depender de como são compostos os casais, a distribuição da riqueza pode variar brutalmente.

Segundo, certos bens são declarados pelo valor de aquisição (e não são corrigidos por inflação), não pelo valor corrente de mercado (a não ser quando são transacionados). É fácil perceber que, por exemplo, dois imóveis idênticos podem aparecer com valores brutalmente diferentes em declarações à Receita. Essas diferenças alteram o valor da evolução patrimonial e de sua distribuição: pode haver quedas e altas "fantasmas" da desigualdade.

Terceiro e mais óbvio, os bens podem ter seu valor subdeclarado (a fim de mascarar o aumento de patrimônio adquirido com rendas não declaradas). Podem ser superdeclarados, a fim de reduzir ganhos de capital e, pois, impostos a pagar na venda do bem. Enfim, variadas artimanhas para ocultar rendas e patrimônios tributáveis.

A desinformação dificulta não apenas o debate da tributação, mas o entendimento de como funciona na prática a economia brasileira, seus mercados financeiros ou seu padrão de poupança, por exemplo.

Medeiros reivindica dados de melhor qualidade e refinamento. Mas, lendo-se a pesquisa, é impossível deixar de perguntar por que, em particular após 12 anos de governos ditos de esquerda, não se criou nem mesmo um programa de disseminação de dados sobre a praga da desigualdade.

O jogo que prolonga a crise – Editorial / O Estado de S. Paulo

A crise econômica em que o populismo petista afundou o País continua sem perspectiva imediata sequer de algum alívio, porque a área política, nomeadamente o Congresso Nacional, do qual depende a viabilização de qualquer estratégia de combate à causa principal dos problemas – o caos que impera nas contas do governo –, não consegue romper o impasse decorrente da dificuldade de conciliar os interesses pessoais e partidários em jogo. Dito de forma mais clara: enquanto os políticos – do governo, da oposição e do muro – não conseguirem se entender a respeito do que é melhor para eles próprios, dificilmente dedicarão parte de seu precioso tempo à busca do entendimento a respeito do que é melhor para o País.

Esse quadro lamentável é produto do fisiologismo predominante, com raríssimas exceções, nas bancadas parlamentares. Afinal, o toma lá dá cá é a matéria-prima do “presidencialismo de coalizão” concebido por Lula. O surgimento, nos últimos dias, de novas hipóteses para o desfecho da crise naquilo que diz respeito ao mandato da presidente parece ter estimulado as diferentes correntes políticas a buscar caminhos em que corram menos riscos.

Ninguém se atreve a fazer uma aposta que pode dar errado.

O PMDB, maior partido do Congresso e teoricamente ainda aliado do governo, é o maior exemplo das incertezas que imobilizam os grupos políticos. Isso quanto à tomada de decisões oficiais pelos partidos, uma vez que nos bastidores os conchavos correm soltos. A grande alternativa em relação à qual mais cedo ou mais tarde as posições serão definidas é clara: se o que vem pela frente virá com ou sem Dilma Rousseff na Presidência da República. E essa alternativa dependerá dos parlamentares, aos quais compete, estabelecidos os pré-requisitos constitucionais, aprovar ou rejeitar o processo de impeachment.

Os peemedebistas estão divididos. Uma ala na qual se destaca o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aposta no afastamento de Dilma. Outra, que segue a liderança de Michel Temer, permanece numa expectativa cautelosa, até porque o vice-presidente é o mais provável beneficiário do impedimento da presidente. Só não o será se tiver o próprio mandato também cassado, a partir de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral. E há também os governistas de carteirinha, como a ministra Kátia Abreu, amiga de Dilma.

Para complicar o quadro, ganharam intensidade em Brasília os rumores sobre a possibilidade de Dilma renunciar. É uma hipótese descartada por quem conhece o temperamento e a história política da presidente, mas que ganha plausibilidade quando se leva em conta que o Congresso pode deixá-la sem condições de governar. E há ainda a influência e o posicionamento de Lula. Oficialmente, o PT continuará apoiando a proposta do governo para o ajuste fiscal. Contraditoriamente, porém, na voz de Lula e de lideranças expressivas, continuará também defendendo a mudança da política econômica. Quer dizer: fingirá que aprova as medidas impopulares de austeridade – corte de despesas e aumento de tributos – indispensáveis ao reequilíbrio e à consequente tentativa de retomada do crescimento, mas não abrirá mão do discurso populista de que o ajuste não pode ser feito “nas costas dos pobres”.

Nos últimos dias Lula intensificou suas idas a Brasília para, de acordo com interlocutores habituais, tomar a frente das articulações políticas, principalmente com as lideranças do PMDB e especialmente no Senado, para liquidar qualquer possibilidade de impeachment de sua pupila. Pode ser apenas jogo de cena, no que Lula é mestre. Dentre as três hipóteses de desfecho da crise política – Dilma garantir-se na Presidência até 2018, ser afastada do cargo por um processo de impeachment ou renunciar –, Lula tem sólidos motivos para, na intimidade, tentar evitar a primeira e a última.

A crise econômica é praticamente impossível de ser debelada até 2018, o que significa que a permanência de Dilma no poder faria o PT sangrar até lá, tornando dificílima uma vitória de Lula. A renúncia seria uma confissão de culpa que respingaria no partido e, principalmente, no criador de Dilma.

Com o impeachment, Lula estará livre para assumir oficialmente o comando da oposição, tendo quase três anos para exercer seus dotes de encantador de multidões e tentar recuperar, com as acusações e as promessas de sempre, a aura de salvador da Pátria.

Estado de penúria – Editorial / Folha de S. Paulo

• Queda geral da arrecadação proveniente de tributos acentua desequilíbrios e força governadores a gastar capital político com ajustes

Enquanto as atenções da macropolítica se concentram na ruína das finanças federais, os governos dos Estados vivem dramas orçamentários de efeitos mais diretos sobre o cotidiano da população.

A escassez de recursos tem levado governadores a lançar mão de medidas que vão das tradicionais majorações de impostos e tarifas de transporte público até a elevação dos preços das refeições em restaurantes populares, conforme noticiou esta Folha.

Do lado das despesas, há dificuldades para o pagamento do funcionalismo e, sobretudo, taxas alarmantes de queda na execução de obras públicas. No primeiro semestre, a liberação de verbas para investimento caiu 75% em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, em valores corrigidos.

A razão mais evidente –não a única, entretanto– para a penúria é a queda generalizada da arrecadação, que afeta não só as receitas próprias dos Estados mas também as transferências obrigatórias da União para os demais entes federativos, cuja importância é maior nas regiões Norte e Nordeste.

Principal tributo estadual, o ICMS incide, como indica a sigla, sobre a circulação de mercadorias e serviços. Seu desempenho definha, previsivelmente, sob o impacto da recessão que ora derruba o consumo das famílias e as encomendas das empresas.

Não por acaso, a receita tributária encolheu em 18 dos 26 Estados e no Distrito Federal. Somou R$ 208 bilhões na primeira metade do ano, numa redução de 5% em relação ao período correspondente de 2014, descontada a inflação.

Trata-se de equívoco, porém, imaginar que as mazelas vividas pelos governos regionais estejam circunscritas aos efeitos da conjuntura recessiva –cujo encerramento, aliás, ainda não é visível.

São conhecidos os índices exagerados de endividamento, em especial nos Estados mais ricos, e de despesas com pessoal. O rol de desequilíbrios foi ampliado pela imprudência das administrações do início desta década.

Governadores da safra passada, 11 deles reeleitos, embarcaram na expansão de gastos patrocinada pelo governo Dilma Rousseff (PT) por meio de financiamentos do BNDES, com piora geral dos balanços. São Paulo e Rio de Janeiro, os exemplos mais importantes, fecharam o ano passado no vermelho, pelos critérios do Banco Central.

Em proporções variadas, os ajustes agora inadiáveis tendem a minar o capital político das atuais administrações estaduais –o tucano Beto Richa, do Paraná, é até aqui o caso mais dramático. O desgaste suprapartidário que se avizinha torna ainda mais nebuloso o desfecho dos impasses vividos pelo país.

Congresso tem de desarmar as bombas que Dilma vetou – Editorial / Valor Econômico

A presidente Dilma Rousseff enfrenta agora um teste decisivo para seu governo. O Congresso votará se mantêm ou não os vetos presidenciais a uma série de projetos aprovados que criam despesas da ordem de US$ 22 bilhões por ano, em um momento em que a União têm déficit em suas contas e não encontrou formas adequadas para tapar o rombo, que pode crescer nos próximos anos.

A importância econômica de que a presidente consiga fazer prevalecer sua vontade no Congresso é óbvia. A recessão se aprofunda, as negociações por reajustes salariais dos empregados do setor privado tornaram-se mais difíceis, assim como menores são os ganhos reais - quando existem - resultantes dos acordos, mas o Congresso aprovou o pleito da fatia mais bem remunerada do serviço público, o reajuste de 59,9% em quatro anos dos funcionários do Judiciário. A conta é alta: R$ 25,7 bilhões até 2018 e R$ 10 bilhões anuais daí para a frente.

Outras pautas-bomba jogadas pelo Congresso no colo da presidente foram motivadas claramente pelo desejo de desgastar o governo. O caso mais evidente é o da mudança do fator previdenciário, para cujo fim o PSDB, que criou o mecanismo no governo de Fernando Henrique Cardoso, votou em massa. Cálculos aproximados indicam que até 2030 isso custará a uma Previdência que já luta com rombos crescentes pelo sistema atual de aposentadoria algo como R$ 135 bilhões até 2030. Os tucanos escolheram o caminho fácil da demagogia e do "quanto pior, melhor", esperando lucros políticos de curto prazo. A médio prazo, independente do governo que sucederá o de Dilma, o esquema aprovado, a fórmula 85/95, ajudará apenas a quebrar mais fácil e rapidamente a Previdência.

O mesmo Congresso que, pela voz de seus líderes, propõe que o Executivo faça um recomendável e necessário corte profundo de despesas, aprovou para si aumento de gastos com auxílio-moradia, gastos de combustível e contratação de funcionários. Além disso, incluiu o direito de os novos deputados fazerem emendas obrigatórias ao Orçamento. As duas medidas dão gasto extra este ano de R$ 2,65 bilhões ("Folha de S. Paulo", 20 de setembro).

Deputados e senadores aprovaram medidas de fácil popularidade. A correção da tabela do Imposto de Renda acima dos 4,5% propostos pelo Executivo é uma delas. Há vários anos o governo não inclui a inflação completa na hora de reajustar as alíquotas, aumentando o número de contribuintes indevidamente. Seria importante corrigir isso, mas nesse momento uma mudança reduziria ainda mais a arrecadação.

A extensão da valorização do salário mínimo aos aposentados que ganham mais que ele é imprópria. Os ganhos reais do salário mínimo ampliaram o rombo da Previdência. O correto é que os demais aposentados que não recebem o mínimo tenham assegurada a preservação de seu poder de compra. O salário mínimo é um indexador ruim para a previdência e seu uso como fator de redistribuição de renda e política social trouxe enormes problemas ao sistema previdenciário. Mesmo assim, o governo manteve a fórmula vigente de reajustes até o fim do mandato de Dilma.

Mas uma batalha mais decisiva que a econômica se trava em torno dos vetos - a garantia de que a presidente terá pelo menos condições mínimas de continuar a governar. Nas votações que envolvem despesas maiores, que aniquilam até o tímido ajuste fiscal oficial, o governo precisará garantir vitórias. Se em questões vitais como essa o Congresso desafiar e vencer a presidente, ela se tornará refém de sua outrora base de sustentação, arregimentada com cargos em todos os escalões do governo.

Nessa hora em que o governo precisa do máximo de fidelidade que conseguir obter, a ideia de anunciar uma reforma ministerial, com o corte de pastas, tem tudo para ser mais um tiro no pé. Uma derrota séria reduzirá até o exíguo espaço de manobra que ela tem. Mais do que isso, não só um ajuste crível das contas públicas será impossível, tornando realidade o que já é quase uma certeza, a de novo rebaixamento da dívida brasileira por outra empresa de rating. Se perder, o poder de iniciativa da presidente terá escapado definitivamente de suas mãos. Que um Congresso que aprova tais pautas-bomba tenha então o privilégio de ditar os rumos do país é uma perspectiva tenebrosa.

Oposição tem de ser responsável em votação de vetos – Editorial / O Globo

• Depois de terem sido irresponsáveis na aprovação de mais gastos, PSDB e DEM precisam deixar de usar a população como refém na luta política

A presidente Dilma exerceu, como devia, o poder de veto, ao rejeitar três das mais emblemáticas criações do Congresso na recente fase de populismo explícito, em que mesmo projetos enviados pelo Executivo a fim de reduzir gastos foram usados para o contrário, ou seja, aumentar despesas.

Foram barrados pela presidente o fim do fator previdenciário — mecanismo instituído no período FH, para atenuar a tendência às aposentadorias precoces, à falta de uma efetiva reforma do sistema—, substituído por uma regra insatisfatória do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas; o atrelamento irresponsável de todos os benefícios previdenciários aos reajustes do salário mínimo; e um aumento inadequado, neste momento de ajustes, dos servidores do Judiciário com um índice médio de 59,9%.

Estas medidas delirantes, aprovadas sem qualquer preocupação com a crise fiscal do país, surgiram na esteira da pulverização da popularidade da presidente Dilma e consequente descolamento do PMDB da base parlamentar do Planalto. Situação agravada pelo estado de rebeldia decretado pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL), do PMDB, como forma de tentar reagir à Operação Lava-Jato, em que são investigados.

Para completar o cenário, a oposição (PSDB e DEM) decidiu agir como o PT quando este lhe movia no Congresso guerra de extermínio, sem qualquer preocupação com o país. E votou a favor do aumento de gastos, contra seus próprios princípios programáticos. Assim, ajudou a derrubar o fator previdenciário, criação dos tucanos e sempre defendido por eles nos embates parlamentares. Uma tremenda contradição e um desserviço ao Brasil.

Da aprovação desse conjunto insano de elevação dos gastos públicos até hoje, a crise fiscal se agravou bastante: o Brasil perdeu o “grau de investimento”, selo de baixo risco, de uma das três grandes agências internacionais de avaliação de risco, a S&P, e pode receber a mesma punição das restantes (Moody’s e Fitch). Se isso acontecer, haverá mais pressões do câmbio sobre a inflação, enquanto continuará a encarecer o crédito ao país. Saldo final, uma recessão mais longa, com mais desemprego etc.

As votações desses vetos, previstas para hoje, envolvem, na verdade, o futuro do próprio ajuste fiscal: se ele ainda é viável ou terá de ser praticado de forma mais custosa para a população e a economia como um todo. O caso da Grécia, em que houve um ajuste selvagem, por inércia dos governantes — incluindo o Legislativo —, está presente.

Neste sentido, a oposição precisa voltar a demonstrar responsabilidade — que faltou na aprovação dessas medidas tresloucadas. É inconcebível que partidos usem, na luta política, o bem-estar da população como refém.

Casuarina - Dia de Graça (com Teresa Cristina

Graziela Melo: Os vivos e os mortos

Tudo
fica
para trás!

Só nós
é que
nos vamos...

E para
nunca mais!!!

É a
viagem
sem retorno
não precisa
passaporte!

É o dia
mais triste
da vida,

o dia
da nossa
morte!

Há muito
se foi
Ulysses,
e o nosso
querido
Itamar!

Itamar
dormiu
no leito,
Ulysses
ficou
no mar!

Quando
vejo
o sol
se pondo,
reflito:

será
que vou
vê-lo
nascer?

Será
que vejo
outra noite
e um outro
amanhecer?

É assim:
os vivos
enterram
os mortos,

que morreram
depois
de enterrarem

outros mortos,

que,
quando vivos,

amaram e
brincaram
com
outros vivos,

que
agora,
já estão
mortos!

E assim
a vida
nos leva

por
caminhos
tristes,
por
caminhos
tortos,

para
bem longe
dos vivos

e,
já mortos,
para perto
de
outros mortos!!!

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

A oxigenação programática deste centro, que vai muito além do PMDB, pode ser um dos acontecimentos mais interessantes do fim de ciclo petista, quando menos como estímulo para abandonar este período de contraposições simplórias e deseducadoras. Num horizonte amplo, tal centro se tornaria, quem sabe, desafio produtivo para uma esquerda autorreformada, que assimilasse os valores da política democrática e largasse, como um molambo qualquer, a fantasia autoritária.

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Luiz Sérgio Henriques: tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil. ‘De novo, o centro político’. O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 2015.

PMDB racha em discussão sobre sair ou ficar no governo

• Partido se divide sobre continuar ou não no governo; encontro deverá definir rumo da sigla

Caciques do PMDB têm opiniões divergentes sobre o futuro do partido na crise política: sair já do governo Dilma, prolongar a permanência ou ficar até o fim. Os rumos da sigla deverão ser decididos em encontro previsto para novembro.

PMDB na encruzilhada

• Partido se divide sobre continuar ou não no governo; encontro deverá definir rumo da sigla

Júnia Gama - O Globo

- BRASÍLIA- Fiel da balança do governo Dilma Rousseff, o PMDB vive um acirramento das discussões sobre permanecer ou não na base aliada. Setores do partido favoráveis ao desembarque pressionam para forçar uma decisão, com o discurso de que, para viabilizar uma candidatura presidencial em 2018, o PMDB precisa começar a se desvincular de uma das gestões mais mal avaliadas dos últimos tempos.

Há nesse grupo quem defenda que no congresso organizado pela Fundação Ulysses Guimarães para 15 de novembro, do qual devem participar mais de três mil peemedebistas, haja consenso, mesmo que sem valor decisório, da saída do governo. É o caso do oposicionista declarado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), presidente da Câmara dos Deputados:

— A posição do partido é política. O que vai resolver se o PMDB vai sair do governo é esse posicionamento político. Se quiserem convocar convenção da Executiva, melhor ainda. Lá, eu voto quatro vezes e tenho certeza de que vai ser uma média de dois votos contra um para ir para a oposição — disse Cunha.

Outra ala, porém, quer protelar a decisão o máximo possível, à espera de que o governo se deteriore até que seja inevitável deixá- lo. Antes que isso ocorra, o grupo pretende aproveitar ao máximo as benesses do poder, como cargos e emendas. Nas palavras de um dos articuladores desse processo, a decisão sobre os rumos do PMDB “vai ser uma guerrilha política”.

— Ninguém sabe sequer se esse congresso vai acontecer. Não existe nem convite ainda para o evento. Acho que muitos estão usando isso como instrumento de pressão sobre o governo. Além disso, congresso não decide nada. Tem que levar para a convenção. E lá pode mudar tudo, inclusive o comando do PMDB — afirma um dos parlamentares peemedebistas que defendem que o partido permaneça no governo.

Para alguns peemedebistas, o vice- presidente Michel Temer tem demonstrado com divergências públicas, como nas críticas à criação de mais impostos, seu distanciamento do centro governista. O fato de Temer e do ministro Eliseu Padilha ( Aviação Civil) terem deixado de vez a articulação política reforçou para setores do PMDB a tese de independência do partido em relação ao Palácio do Planalto.

Incerteza sobre desfecho da crise política
Mas, reservadamente, caciques do partido dizem ser impossível fazer qualquer previsão sobre como o PMDB se portará. Isso porque, explicam, os rumos do governo Dilma são tão incertos que fica difícil tomar qualquer posição neste momento ou fazer uma programação, mesmo a curto prazo. Há ainda o fato de Temer, por ser o vice- presidente, ter a obrigação institucional de permanecer no governo, mesmo que sua relação com Dilma piore.

— O PMDB vai discutir isso ( saída da base), se é que vai, em novembro, no congresso do partido. Mas a deterioração do governo está numa velocidade tão grande que é impossível fazer qualquer previsão sobre como as coisas estarão até lá. Semana passada, estava menos pior que esta, e a anterior também parecia menos grave. Não se encontram precedentes para essa velocidade com que as coisas estão se deteriorando — afirma um ministro do PMDB.

— Agora, o PMDB não pode tomar iniciativa para nada, Temer é o vice- presidente. Se alguém vai fazer movimentos, vai ter que ser de outros partidos. E imagino que os partidos da base não devem desembarcar do governo agora. Mas, na hora que o bonde partir, todo mundo salta — diz um peemedebista da cúpula.

Mesmo que, ao final do processo, o PMDB permaneça na base, outro instrumento que o partido terá para marcar suas diferenças em relação ao governo Dilma será um programa de governo, que está sendo elaborado para ser submetido ao congresso da sigla, em novembro.

— Até agora, o PMDB está observando os fatos. No congresso, vamos aprovar o novo estatuto do partido. O objetivo não é deliberar sobre a permanência no governo. Mas qualquer militante pode pedir para que isso seja colocado em votação. E, no PMDB, não existe consenso, existe maioria. O que a maioria decidir, está decidido. E essa decisão, se for passar pela comissão executiva, vai com uma força política brutal — afirma Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães.

Os líderes do partido na Câmara, Leonardo Picciani ( RJ), e no Senado, Eunício Oliveira ( CE), estão entre os que defendem que a legenda continue apoiando o governo que ajudou a eleger e, portanto, que não decida sobre rompimento no congresso de novembro. Os dois líderes se reaproximaram do governo nos últimos meses e, segundo aliados, garantiram algumas nomeações em cargos do Executivo. Segundo Eunício, o Congresso deve discutir rumos do partido, não o rompimento com o governo:

— O objetivo do congresso será discutir o partido e o Brasil, não é esse o fórum para rompimento.

Parte da bancada, especialmente a de deputados, no entanto, está insatisfeita com a relação entre o Planalto e o partido. Um dos maiores críticos é o deputado Lúcio Vieira Lima ( BA), que vocaliza hoje a insatisfação crescente dentro da legenda. Segundo ele, caso o congresso de novembro chegue a uma posição majoritária pelo rompimento, não restará alternativa à cúpula da legenda que não romper oficialmente:

— A Dilma agora está jogando tudo em dividir o PMDB no fisiologismo. E está usando como ponta de lança o Rio de Janeiro, que já foi um dos maiores defensores do rompimento. O Rio está se comportando em relação a Dilma como se comportou o PFL em relação a Collor: “é hora de aproveitar e tirar o resto que tem”. Agora, além dos que já eram contra o governo, você tem hoje os descontentes e aqueles que têm mais medo da opinião pública do que da morte. E esses estão a favor do rompimento, porque temem sofrer as mesmas vaias e agressões que os integrantes do PT estão sofrendo — afirmou Vieira Lima.

Dilma se reúne com ministros no Alvorada para discutir reforma ministerial

• Presidente começa a se movimentar para definir quais serão os cortes

Leonêncio Nossa e Dida Sampaio - O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff se reuniu neste domingo a noite com ao menos quatro ministros no Palácio da Alvorada. Ela retomou as conversas sobre a reforma ministerial, cujo anúncio é esperado para esta semana. Participam do encontro os ministros Ricardo Berzoini (Comunicações), Luís Inácio Adams (Advogado-geral da União), Nelson Barbosa (Planejamento) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência). Ontem, além de Barbosa, estiveram reunidos com Dilma no Alvorada os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Valdir Simão (CGU). O objetivo das conversas é detalhar que mudanças serão feitas na estrutura dos ministérios.

O tema da reforma ministerial tem ocupado a agenda da presidente ao longo da última semana, já foram realizadas três reuniões entre sexta-feira e domingo. Hoje, são 38 pastas, que devem ser reduzidas para 28. O Palácio do Planalto já determinou um estudo sobre a estrutura física, funcionários e o papel de cada secretário, além dos programas prioritários de cada pasta que podem ser realocados para outras no caso de fusão de ministérios.

A redução no número de ministérios é tema de discussões há quase um mês. O ministro do Planejamento anunciou o corte no dia 24 de agosto, em coletiva no próprio Palácio do Planalto, logo após a reunião de Coordenação política. Na ocasião, a ideia surgiu como uma agenda positiva para minimizar o impacto da saída do vice-presidente Michel Temer (PMDB) da articulação política.

Um mês após iniciar discussões da reforma administrativa, Dilma não procurou PMDB

• Presidente afirmou que vai anunciar nesta quarta corte de dez pastas, mas vice e senadores até agora não foram ouvidos

Andreza Matais e Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na semana em que a presidente Dilma Rousseff prometeu anunciar quais serão os dez dos 39 ministérios que irá cortar, dirigentes do PMDB no Senado dizem não ter sido procurados para discutir o tema. A colegas de partido, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que não foi chamado a conversar e, se for, não pretende negociar indicações.

Renan disse a peemedebistas que os atuais ministros do partido são seus amigos e não irá entrar na discussão de redução de ministérios por essa razão. Argumentou ainda que não pretende mais fazer movimentos para ajudar o governo a sair da crise, por considerá-los inúteis.

Nem mesmo o vice-presidente Michel Temer, que retornou ao Brasil após passar toda a semana passada em viagem oficial a Rússia e Polônia, havia sido convidado para discutir a reforma até ontem à noite, segundo dirigentes do partido.

Temer convidou lideranças do PMDB para uma conversa na noite desta segunda-feira, 21. O partido tem discutido internamente qual o melhor momento de deixar o governo, pauta que ganha mais adeptos na legenda a cada dia.

Na segunda-feira passada, o governo anunciou medidas – entre cortes de gastos e aumento de impostos – para tentar cobrir o rombo no Orçamento, mas não mencionou o corte de ministérios – o Planalto informou que iria esperar Temer voltar ao País para falar sobre reforma.

No domingo, 20, a presidente se reuniu com ao menos quatro ministros no Palácio da Alvorada: Ricardo Berzoini (Comunicações), Luís Inácio Adams (Advogacia-Geral da União), Nelson Barbosa (Planejamento) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência).

Kátia Abreu. “Não estamos sabendo absolutamente nada da reforma e da fusão de ministérios. Nem a bancada do partido nem o líder no Senado foram consultados”, afirmou o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). Até agora, o único a tratar do tema, “entre outros assuntos”, foi o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Ele conversou, na semana passada, com a ministra da Agricultura, Kátia Abreu.

A ideia do governo é indicar ao Ministério um nome que agrade à bancada na Casa. “Só na especulação não nos cabe fazer nenhum comentário. Vamos aguardar informações mais precisas”, disse Picciani.

O fato de Dilma ter escalado Kátia Abreu como interlocutora do partido no governo em detrimento de Temer, que é presidente da legenda, transformou-se em um dos focos de insatisfação no PMDB.

Dirigentes da sigla dizem que ela é “cristã nova” no PMDB – ingressou há menos de dois anos no partido – e não seria a pessoa adequada para fazer essa negociação.

“Se tiver que falar com alguém, que a presidente fale com o Renan ou com o Temer, que é vice-presidente da República e sucessor natural da Dilma”, disse um peemedebista. Segundo ele, o discurso da ministra em defesa do governo está cada vez mais distante do entoado pelo partido.

O PMDB tem cinco ministérios: Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga (Minas e Energia), Henrique Eduardo Alves (Turismo), Helder Barbalho (Pesca), Edinho Araújo (Portos) e Eliseu Padilha (Aviação Civil). A expectativa é de que Aviação Civil e Portos sejam incorporados ao Ministério dos Transportes. Turismo deve ser fundido com outra pasta. / Colaborou Leonencio Nossa

Aliado de vice critica excesso de erros da gestão Dilma

• Ex-ministro Moreira Franco diz que PMDB não trai governo

O acúmulo de equívocos do governo é algo bárbaro

• Ex-ministro de Dilma e um dos principais aliados de Temer, peemedebista diz que a gestão petista 'não confia em ninguém'

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ex-ministro da presidente Dilma Rousseff e um dos principais aliados de seu vice, Michel Temer, o peemedebista Moreira Franco, 70, diz que a relação entre o PT e o PMDB foi minada porque "o governo não confia em ninguém"

Em entrevista à Folha, Moreira Franco afirma que a "estratégia inicial" do segundo mandato de Dilma foi "desidratar o PMDB". "Mas nós sabemos nos defender. Estamos aqui há 50 anos. Temos raízes. Somos o partido que derrubou a ditadura sem matar ninguém, só com a política."

Interlocutor de Temer com diversos setores, inclusive da oposição, diz que o vice tem sido incompreendido e que "arca com o ônus de se explicar" numa tentativa de não agravar a crise.

Ele sustenta que "o PMDB não trai", que a queda de Dilma "não é uma meta" da sigla, mas que a legenda busca uma "solução para o país".

Folha - Especulam muito sobre o papel do PMDB nessa crise. O que o sr. vê?

Moreira Franco - O PMDB não conspira, não trai. Ao longo de toda a sua trajetória, e são 50 anos, o PMDB sempre teve a política como ferramenta de atuação. É um partido que tem a cultura da conversa, do diálogo e da maioria. O impeachment não pode ser tratado como algo banal, trivial. Ele não é. Mas aqui foi um tema introduzido pelo governo e, mais grave, pela presidente.

Nomes do seu partido dizem que o desempenho da economia será determinante para o desfecho da crise. Concorda?

A crise que vivemos é mais grave que a de 1929. Há um êxodo no mundo, a Europa está sendo objeto de ocupação. Há a China... E aqui é mais grave porque as raízes dela são internas, foram equívocos da política econômica. O ambiente é difícil, hostil. Exige paciência, equilíbrio e conversa. Estamos diante de desafios do passado.

Como assim?

Temos toda uma geração que não conhece inflação e não sabe se proteger dela, nem no supermercado nem no mercado de trabalho. É uma sensação de perda histórica. Estamos preocupados.

O vice-presidente Michel Temer reclamou do "clima de intrigas" no governo.

O Michel tem sido cauteloso, cuidadoso e incompreendido. O zelo é tamanho que ele assume o ônus de se explicar, o que por si só não é bom, mas ele assume. Há um esforço partidário de superação [da crise], mas estamos tendo dificuldades.

Que dificuldades?

O governo chamou o [Gilberto] Kassab [ministro e dirigente do PSD] e o Cid [Gomes, que deixou o ministério da Educação após falar que o governo era vítima de achacadores] para desidratar o PMDB. Nós sabemos disso. Mas estamos aqui há 50 anos, temos raízes. O PMDB é o partido que derrubou uma ditadura sem matar ninguém, só na base da política. Nunca fomos um partido de donos, e isso, muitas vezes, não é compreendido. O compromisso do PMDB é com a base.

O governo não compreende?

Primeiro, porque não confia em ninguém. Não entende que aliança não é casamento. Aliança é algo feito em torno de um projeto. As sugestões que se leva são sempre malvistas, nunca são nem sequer meditadas. Parecem não compreender que não se governa só com voto de deputado. Governa-se com saber, com humildade para convencer e ganhar as pessoas.

Foi a sensação de alijamento que levou ao afastamento entre o PMDB e o PT?

Não temos ressentimento por termos ficado quatro anos no limbo. Não há ressentimento por termos visto que a estratégia de montagem inicial do segundo mandato [de Dilma] foi diluir a força do PMDB. Sabemos nos proteger. Quando o Michel foi convocado para ajudar na articulação política, ajudou sinceramente. Fizeram milagres, ele e o Eliseu Padilha [ministro e integrante do conselho político do governo].

Milagres?

Nada andava. Os compromissos não eram cumpridos. Conseguiu-se aprovar boa parte do ajuste fiscal por convicção, porque as negociações não saiam. E isso em política é a pior coisa que tem. Você apalavrar e não cumprir. Gera um desconforto terrível. E nós falamos: "Tem que mudar..." e não mudava. Ainda assim não temos ressentimento. Agora, queremos ver se encontramos uma solução. É preciso ter uma.

O ajuste proposto na última semana pelo governo aponta um caminho?

A justificativa para o [Joaquim] Levy ser ministro da Fazenda foi evitar que o país perdesse o grau de investimento. Diante desse quadro, é inconcebível mandar um Orçamento deficitário. A base industrial brasileira, tirando os países desenvolvidos, é a melhor do mundo. Estamos perdendo isso. Foi um esforço de três gerações.

Setores do governo argumentaram que a perda do grau de investimento pela Standard & Poor's foi uma ação política.

A agência não tinha outra alternativa. Se você recebe um Orçamento deficitário e tem uma empresa de avaliação de risco, o que é que vai fazer? O gesto político equivocado foi mandar o Orçamento deficitário. Isso é que foi incompreensível.

O sr. falou que é preciso encontrar uma solução...

O quadro é extremamente grave e não adianta fingir que não é. A autocrítica é um ganho civilizatório. E esse valor é algo muito forte. Se você erra, e não admite o erro, não tem porque eu ficar confiando em você, vivendo com você... Existe uma grande dificuldade da admissão dos equívocos. É um gesto sem mal-estar, para resolver, reconstruir. Temos que ser sinceros. Não dá mais para achar que vai cobrir o sol com a peneira. E isso não significa que o PMDB queira derrubar [a presidente], não. Não é objetivo, não é meta, não é desiderato. O que se quer é encontrar uma alternativa para o país.

O pacote econômico do governo caminha nessa direção?

Ele é politicamente equivocado. Não se pode ter como força maior da solução o imposto, numa situação como a que estamos vivendo, com uma carga tributária monumental e uma má vontade construída politicamente há décadas. Não é possível que não tenha outra alternativa que equilibre melhor isso. Mas vamos ver como o Congresso vai agir. Tudo ali depende dos parlamentares.

A recriação da CPMF tem chance de ser aprovada?

É muito difícil.

Temer estava fora do país quando o pacote foi anunciado e será cobrado a se posicionar. Como ele vai reagir?

Ele já deu declarações contrárias à criação de imposto.

Há relatos de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preocupado com o afastamento de Temer do governo. Vê possibilidade de reaproximação?

O Lula disse, segundo o Painel [coluna de política da Folha], que a reforma administrativa, para dar certo, teria que começar do zero, e acho que ele é uma pessoa que tem talento e experiência para manifestar isso. O primeiro problema é a recomposição da estrutura de apoio do governo.

O sr. é apontado como um dos principais interlocutores de Temer com a oposição.

Eu não falo com a oposição. Tenho contatos pessoais com algumas pessoas há anos. Conheço o Fernando Henrique Cardoso desde o Cebrap.

O sr. coordena a formulação do programa que será apresentado no congresso do PMDB. O que será?

Será um documento robusto. Vamos mandar para todos os militantes, melhorar nossa presença digital, que era nenhuma, montar uma base para que os militantes possam participar, opinando sobre projetos que estão tramitando tanto na Câmara quanto no Senado.

O sr. consegue vislumbrar um cronograma para o desfecho da crise?

Impossível prever. A velocidade dessa crise é surpreendente... O acúmulo de erros, de equívocos é uma coisa bárbara. A bateção de cabeça... Exemplo: anunciaram que as emendas parlamentares seriam usadas para financiar o PAC. Recuaram.
Não dá para votar um programa de ajuste indo e vindo. Quando você apresenta a proposta e depois começa a tratá-la como um rascunho, não dá.

Vai precisar de articulação, agora que Temer se afastou...

Ele foi afastado.

Vê alguém no governo com capacidade de organizar a base?

Tanto o Giles [Azevedo] como o [Ricardo] Berzoini são pessoas por quem tenho apreço pessoal. Eles têm a confiança do PMDB.

Há um outro fator de instabilidade que é a Operação Lava Jato. Não teme as consequências do envolvimento de nomes do PMDB na investigação?

Não. O PMDB não tem nesses 50 anos de currículo nenhuma participação orgânica em casos de corrupção. Existem problemas, companheiros citados –e eles terão todas condições de se defender. Agora, participação orgânica, como outros partidos, nunca tivemos.

Aliados querem que Dilma adie reforma e evite atritos

• Temor é desagradar partidos na semana em que Congresso apreciará vetos

• Michel Temer e Renan Calheiros sinalizaram que não deverão fazer indicações para novas pastas do governo

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante do risco de criar atritos com sua base aliada, a presidente Dilma Rousseff foi aconselhada por assessores a postergar sua reforma administrativa e ministerial para a próxima semana.

A presidente, no entanto, seguia, na noite deste domingo (20), disposta a anunciar ainda nesta semana o corte de ministérios.

Segundo assessores, um meio-termo poderia ser anunciar o formato da mudança administrativa até quarta-feira (23), conforme o prometido, deixando a definição de nomes do novo ministério para a semana seguinte, a fim de amarrar com os partidos aliados as indicações.

O temor no Planalto é desagradar legendas da base governista, principalmente o PMDB, numa semana em que o Congresso agendou a votação de vetos presidenciais importantes para o equilíbrio das contas públicas.

Estão na pauta, por exemplo, os vetos ao aumento médio de 59,5% dos servidores do Judiciário, com impacto anual médio de R$ 6,4 bilhões, e à extensão do aumento real do salário mínimo para todos os aposentados.

Num sinal do grau de dificuldades nas negociações, o governo já foi avisado, por exemplo, de que o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não vão negociar novas indicações para o governo.

A decisão foi tomada depois que emissários da presidente procuraram interlocutores dos dois para discutir nomes de ministeriáveis.

"Eu já disse que meu papel é buscar ajudar com a aprovação de uma agenda para o país, não indicando nomes para ministérios", disse Renan Calheiros à Folha.

Assessores de Temer, que retorna nesta segunda-feira (21) a Brasília depois de viagem à Rússia, também disseram que ele não irá tratar de indicações para ministérios.

Dilma marcou para quarta-feira a divulgação de sua reforma. Segundo assessores, apesar dos conselhos, ela prefere manter a decisão ou transferir o anúncio, no máximo, para sexta-feira (25).

Um auxiliar disse à Folha que a presidente quer anunciar pelo menos o corte das pastas, porque ela assumiu esse compromisso e entende como importante sinalizar ao mercado sua disposição de fazer o ajuste fiscal.

Nesse caso, ela poderia adiar sua viagem para Nova York, inicialmente prevista para quinta (24) à noite, onde vai participar da abertura da Assembleia-Geral da ONU.

Redução de pastas
No fim de semana, Dilma praticamente fixou o corte de dez ministérios. Faltavam alguns acertos, que serão definidos com sua equipe ao longo dos próximos dias.

Foi estabelecido que três secretarias com status de ministério seriam fundidas em uma –Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos– e que a pasta do Trabalho será incorporada à da Previdência.

Na área do PMDB, a presidente Dilma decidiu fundir Portos com Aviação Civil e Pesca com Agricultura. Ou seja, dois peemedebistas vão perder o cargo de ministro.

Perdem também status de ministério o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) e a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) –essa última será incorporada à Secretaria-Geral da Presidência da República.

A presidente avaliava ainda fundir Turismo com Esportes e Micro e Pequena Empresa com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Outra possibilidade era fundir Turismo com a pasta do Desenvolvimento.

Lula assume interlocução com o PMDB

Por Andrea Jubé e Raymundo Costa - Valor Econômico

BRASÍLIA - A reforma ministerial que a presidente Dilma Rousseff pretende anunciar na quarta-feira contempla um rearranjo completo na coordenação política. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desponta como ponta-de-lança na relação com o PMDB, com a missão de esvaziar o movimento pelo impeachment. O ministro Ricardo Berzoini assume a Secretaria Geral da Presidência, que vai incorporar a articulação política. Ele atuará na interface direta com o Congresso Nacional junto com o assessor especial Giles Azevedo. Do núcleo mais próximo a Dilma, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, segue no cargo, mas com a pasta turbinada e empoderada para reforçar a articulação.

Lula se consolida como interlocutor privilegiado no contato direto com o vice-presidente Michel Temer e os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Nesse período de crise aguda, decisivo para os rumos do ajuste fiscal e para barrar o impedimento de Dilma, Lula intensificará as visitas a Brasília. Ministros do PT lhe pediram que faça reuniões com aliados na capital semanalmente. Nos últimos 15 dias, Lula esteve com Temer e Eduardo Cunha.

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, segue no comando da pasta, mas agora avalizado por Lula, com quem se reuniu na sexta-feira, logo após o encontro do ex-presidente com Cunha. O café da manhã com Mercadante aconteceu depois do jantar de Lula com cinco ministros do PT, que se queixaram do trato com o correligionário. Dilma disse a Lula que mantém Mercadante porque confia nele, ele é dedicado, comprometido com o governo e porque substitui-lo neste momento poderia gerar mais instabilidade política.

No encontro com Dilma, Lula reforçou à antecessora que aproveite a reforma para desmontar o "ministério de amigos" e formar um gabinete onde os ministros tenham verdadeira interlocução com as bancadas.

Ricardo Berzoini, que já reforçava a articulação política de maneira informal, deverá assumir o lugar de Miguel Rossetto na Secretaria Geral, que no rearranjo administrativo absorverá a Secretaria de Relações Institucionais (SRI). A mudança, contudo, é uma operação complexa e delicada, porque implica a Dilma não apenas afastar um amigo, que foi seu coordenador de campanha, mas um expoente da Democracia Socialista (DS), a segunda principal tendência do PT depois da Construindo um Novo Brasil (CNB), de Lula.

Um petista com trânsito no Planalto lembra que Rossetto tem sido atuante no diálogo com os movimentos sindicais, em especial com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), da qual é fundador, e afastá-lo neste momento em que os sindicalistas podem ser chamados às ruas para defender Dilma seria um erro.

Mas neste momento de turbulência máxima com o Congresso, Berzoini é peça-chave na relação com os parlamentares. Como ex-presidente do PT e ex-ministro da coordenação política e da gestão Lula, Berzoini tem boa relação com Michel Temer, com outros dirigentes de partidos e aliados de modo geral. Ele volta para a coordenação, desde que Dilma lhe dê poderes para garantir a execução dos acordos com os aliados.

Da cota de amigos da presidente, Kátia Abreu - que chegou a ser cotada para a cadeira de Mercadante - seguirá na Agricultura, que deverá incorporar a Secretaria da Pesca. Mas Kátia revelou a interlocutores que a presidente lhe pediu que reforce a articulação política. No fim de semana, a ministra acionou lideranças do PMDB para tratar da reforma ministerial. Dilma deve se reunir com Temer ainda hoje para tratar do tema.

Na fase aguda da crise, Kátia se aproximou ainda mais da presidente, com quem tem se reunido até três vezes por dia. Senadora reeleita pelo Tocantins, tem bom trânsito com os senadores e parlamentares ligados ao agronegócio. Mas dificilmente ajudará no trato direto com o PMDB, onde é considerada "cristã-nova" e ingressou por causa da amizade com Temer. Kátia fez desafetos no PMDB. Ela se indispôs com setores do partido, quando assumiu o ministério e afastou nomeados de caciques da sigla.

Em outra ponta, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fica para assegurar a aprovação do Orçamento e a recriação da CPMF. Nesta segunda-feira, ele já tem novo encontro com Renan Calheiros para apresentar mudanças no pacote fiscal. Levy também articula com o Congresso uma nova reforma da Previdência.

Apesar das especulações feitas na base aliada do governo, especialmente no PT e no PMDB, a presidente Dilma não pensa em fazer mudanças na área econômica nesta reforma. No PT e no PMDB surgiram especulações de que Lula iria sugerir o nome do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda. A troca não está em pauta para Dilma. Na cúpula do dois partidos, PT e PMDB, a avaliação é que a entrada de Meirelles poderia dar "um refresco" para o governo, mas provavelmente não seria a solução. Seguindo apurou o Valor, Meirelles é uma hipótese considerada nas duas siglas para o pós-Dilma, na eventualidade de afastamento da presidente.

Para líderes, derrota nos vetos liquida pacote

Por Leandra Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - O futuro do pacote econômico lançado pelo governo na semana passada será decidido muito antes das negociações para aprovar a recriação da CPMF. Os líderes do governo no Congresso dizem que uma derrota na votação dos vetos presidenciais amanhã enterrará qualquer outra proposta legislativa vinda do Executivo.

"Os vetos têm que funcionar como uma demonstração de força do governo. O problema é que a situação hoje está longe de ser uma vitória", diz um líder da base aliada.

O raciocínio é de que se o governo não conseguir mostrar coesão mínima em sua base para manter os vetos e capacidade de organizar os aliados na votação, esgotará o pouco espaço de manobra que ainda resta e não terá condições de negociar as medidas do pacote econômico, que exigem quorum de 308 votos para aprovação, superior à votação dos vetos.

O Congresso terá que decidir amanhã à noite sobre o reajuste de 78% do Judiciário, a correção das aposentadorias mais altas pelo mesmo índice do salário mínimo e a substituição do fator previdenciário por uma fórmula menos austera que combina idade e tempo de contribuição. "É só bomba", descreve o líder.

Não é por outra razão que a presidente Dilma Rousseff, em reunião na semana passada com os líderes, pediu que fosse feito um levantamento detalhado da posição de cada bancada sobre os vetos presidenciais. O resultado será apresentado hoje ao ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, que agora faz a coordenação política do governo.

No fim da semana passada, o diagnóstico era de que o governo não conseguiria segurar a derrubada de todos os vetos, especialmente a correção dos salários dos servidores do Judiciário. O fim do fator previdenciário é considerado pelos líderes o menos polêmico uma vez que o governo já enviou uma medida provisória ao Congresso que prevê a substituição do fator por uma fórmula móvel de idade e tempo de contribuição que, em tese, foi resultado de negociação com os parlamentares.

Um outro líder aliado na Câmara dos Deputados conta que há três meses conversa com sucessivos coordenadores políticos do governo para encaminhar os pedidos de sua bancada. Apenas dez deputados foram atendidos. Segundo ele, o desgaste é tamanho que "nem cargos estão conseguindo segurar a base". A reação de deputados ao saber que terão que esperar ainda mais pelas nomeações ou que o governo quer mudar a indicação para um outro cargo é de exasperação. "A maioria diz que é para 'deixar para lá', que não quer mais saber de negociar com o governo", descreve este líder.

A mudança na coordenação política depois de menos de três meses que a presidente pediu ao vice-presidente, Michel Temer, para assumir as funções é tratada pelos líderes como mais um recomeço. Será preciso apresentar as demandas novamente ao ministro Berzoini, saber se ele terá autonomia e poder para negociar e nomear e se não será sabotado pela Casa Civil, onde está o ministro Aloizio Mercadante.

Dilma vai procurar Temer para evitar arestas com aliado

• Cúpula do PMDB está irritada por não ter informações sobre reforma ministerial

Cristiane Jungblut – O Globo

- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff se reuniu ontem à noite com ministros, mais uma vez, para fechar os detalhes das medidas fiscais a serem enviadas ao Congresso e os detalhes da reforma ministerial. Após chegar de Porto Alegre, onde almoçou com a família, ela recebeu no Palácio da Alvorada os ministros Luís Inácio Adams ( Advocacia Geral da União), Nelson Barbosa ( Planejamento), Miguel Rossetto ( Secretaria Geral) e Ricardo Berzoini ( Comunicações). Para evitar criar arestas com o PMDB na reforma ministerial, Dilma quer ter uma conversa final com o vicepresidente Michel Temer sobre o tamanho do partido na Esplanada. O encontro deve ocorrer hoje, antes de uma reunião da cúpula do PMDB, convocada por Temer para esta noite.

Dilma mantém o plano de anunciar até quarta- feira a reforma ministerial e administrativa e oficializar as medidas do pacote fiscal necessário para reverter o déficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento de 2016. As medidas foram anunciadas semana passada, mas os respectivos projetos de lei, decretos e propostas de emenda constitucional ainda não foram divulgados. Dilma avisou aos aliados que as medidas serão enviadas ao Congresso sem alterações.

Preocupação com derrubada de vetos
Nas conversas do fim de semana, Dilma também pediu atenção máxima à votação dos vetos presidenciais pelo Congresso, em sessão marcada para amanhã. Se derrubados, esses vetos jogarão por água abaixo o ajuste fiscal, e, por isso, Dilma quer que eles só sejam votados se os líderes do governo tiverem certeza de que serão mantidos. Ela também decidiu que a reforma ministerial terá que ir além do fim do status de ministro de alguns colaboradores.

— A presidente já se convenceu de que não dá apenas para tirar o status de ministro do presidente do Banco Central ou do advogado- geral da União — disse um interlocutor da presidente.

Cúpula do PMDB se reúne em jantar
Temer convocou os principais caciques do PMDB para um jantar, quando eles decidirão como se comportar nesta nova fase do governo. O vice- presidente e o restante da cúpula peemedebista estão irritados com os vazamentos sobre os ministérios da legenda no novo desenho da Esplanada. A avaliação geral, inclusive do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), é que o Planalto foi “desastrado” mais uma vez ao promover a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, amiga de Dilma, a interlocutora do partido.

— Estamos tentando identificar o autor desta lambança. Quem fala pelo PMDB é o Michel. Criar mais um problema a esta altura é falta de noção — disse um ministro.

A cúpula peemedebista já decidiu que não cairá no que considera uma “armadilha” de ministros petistas: fazer o próprio PMDB escolher quais dos seus atuais seis ministros permanecerão. Os ministros petistas querem reduzir o espaço do PMDB para quatro ou três pastas.

Renan disse aos seus colegas de partido que não foi consultado sobre ministérios. As especulações sobre redução das pastas causou irritação no partido. O ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves tem deixado claro nos bastidores que não quer sair. Líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira ( CE) disse que a bancada não foi consultada.

— A bancada do PMDB não se manifestou sobre a reforma ministerial e administrativa — disse Eunício.

Para Serra, saída para a crise é a adoção do parlamentarismo

• Senador diz que sistema evita troca- troca exigido por deputados

- O Globo

O senador José Serra ( PSDB- SP) defendeu, em entrevista para o “Preto no Branco”, programa do jornalista Jorge Bastos Moreno exibido ontem pelo Canal Brasil, a adoção do parlamentarismo no Brasil. O tucano entende que a mudança do sistema de governo, atualmente presidencialista, seria a verdadeira reforma política a ser oferecida à sociedade pelo Congresso Nacional.

Em situação de crise, argumentou o senador, os deputados teriam de pensar duas vezes antes de enfraquecer o governo. Isso porque, no sistema parlamentarista, todos correriam o risco de disputar nova eleição:

— Se o presidente quiser, ele convoca eleição. Imagina o parlamentar... “Opa, vou desestabilizar o governo?” Se desestabiliza, ele pode ter que se candidatar de novo.

Para Serra, enfrentar uma crise no presidencialismo é processo sempre traumático, pois cada votação se dá na base do troca- troca, e “o país fica instável” por causa do processo:

— Hoje, um deputado, nesse mal chamado presidencialismo de coalizão, tem as benesses e não tem a contrapartida, necessariamente.

No sistema defendido pelo senador, o mandato do primeiro- ministro — o chefe de governo — não tem duração definida: ele permanece no cargo enquanto tiver apoio parlamentar e governar corretamente. Serra lamenta que parcela da sociedade faça uma ideia equivocada do parlamentarismo:

— Há uma coisa folclórica de que o parlamentarismo é governo de deputados, e que o governo é fraco. Não é, não. A maioria tem que apoiar o governo. Se ele perde um projeto importante, cai, e a maioria fica chupando o dedo.

O tucano se confessou arrependido por não ter defendido com mais vontade, no governo de José Sarney ( 19851990), a implantação do parlamentarismo proposta pelo presidente. Na época, Sarney reivindicou um mandato de cinco anos, sendo que no último indicaria um primeiro- ministro:

— Era razoável. Se você recomeçar o parlamentarismo, bota aí um período que o primeiro- ministro tem estabilidade. Depois, se ele estiver indo mal, você troca numa boa. Se o parlamentarismo prevalecesse, não estaríamos vivendo esta crise. Teria mudado o governo e acabou.

Serra lembrou que, enquanto Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães, José Richa e Nelson Jobim e ele eram favoráveis à proposta, Mário Covas foi contrário.

Críticas ao PT
Perguntado sobre a solução para a crise enfrentada pelo governo da presidente Dilma, Serra foi pessimista:

— Não vejo uma solução atrás da esquina. Se você me pedisse para fazer na ponta do lápis o que tinha que fazer com a economia, a gente poderia até esquematizar, mas trata- se de governo, de processo social, de diferentes poderes. Enfim, há muita coisa indeterminada, indefinida, e um governo fraco. Essa é a verdade. O governo Dilma resultou em um governo fraco, no sentido de fixar propósitos, persegui- los, materializálos e antecipar os acontecimentos. Ele vai sempre atrás daquilo que está acontecendo

Serra criticou os petistas por terem obsessão pelo ex- presidente Fernando Henrique Cardoso:

— Mesmo no programa do PT, que eles fizeram, continuam batendo no Fernando Henrique. Ele é culpado de tudo. É uma coisa absurda.