terça-feira, 29 de setembro de 2015

Hélio Schwartsman - As fatias e a pizza

- Folha de S. Paulo

A decisão do STF de, vá lá, fatiar a operação Lava Jato me parece mais uma oportunidade do que um convite à pizza. É claro que a dispersão das investigações envolve riscos e quase certamente resultará em alguma perda de eficiência, mas não podemos perder de vista o "big picture", isto é, o quadro geral.

O único aspecto positivo da crise é que as instituições, em especial as engrenagens da Justiça, estão se mostrando à altura da tarefa. Caso me perguntassem, na virada do milênio, se eu achava que um dia veria ex-ministros e dirigentes do partido no poder sendo condenados por corrupção, minha resposta seria negativa. Também apostaria que jamais assistiria a grandes empreiteiros sendo presos. Teria perdido dinheiro.

Contar com uma Justiça que não se dobra em demasia ao poder político e econômico de suspeitos e réus é um dos traços que distingue países desenvolvidos de Estados mais bananeiros. É importante, porém, que os eventos como os que eu acabei de descrever sejam fruto de uma cultura institucional disseminada e não apenas de uma conjunção mais ou menos fortuita de policiais, promotores e magistrados acima da média.

É nesse contexto que o fatiamento pode revelar-se uma oportunidade. Operadores do direito que receberem agora algum braço da Lava Jato não terão muito como escapar a uma comparação com o juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba. Imagino que farão tudo para não aparecer na foto como procrastinadores ou mesmo pizzaiolos. Se isso de fato ocorrer, uma pequena e benfazeja revolução cultural terá se espalhado pelo normalmente fossilizado Judiciário brasileiro.

Uma vez que os prejuízos à operação, embora potencialmente graves, não são incontornáveis, penso que vale a pena tentar. A medida, de resto, ajuda a afastar a narrativa paranoica segundo a qual tudo não passa de uma perseguição das elites contra o governo amigo dos pobres.

Vinicius Torres Freire - O pior ainda piora: inflação

• É remota a chance de IPCA perto da meta em 2016, mais uma frente ruim de incerteza

- Folha de S. Paulo

A pretensão de chegar à inflação de 4,5% em 2016 foi praticamente para as cucuias, como quase tudo mais na economia. Não bastassem todas as incertezas, caos, na verdade, abriu-se de vez outra frente de desarranjos sérios.

Em termos simples, a conversa na nova trincheira de desastres diz respeito ao que vai piorar mais: juros, dólar ou inflação? A pergunta é se o Banco Central vai: a) Elevar a taxa de juros (o que aprofunda ou prolonga a recessão e, agora, pode não fazer efeito); b) Intervir no câmbio (segurar o preço ora inflacionário do dólar: improvável); c) Jogar a toalha, esperar que pelo menos meia boca do pacote fiscal meia boca passe (improvável, diz o PMDB) e que seja o que Deus quiser.

Há duas opções restantes, claro. Primeira, o espírito de todos os santos baixa no governo, que apresenta milagrosamente um plano amplo e crível de arrumação de suas contas e de renúncia a bobagens econômicas de outra espécie, tirando o gás de dólar, juros etc. Segunda, credores incrédulos ligam o botão do colapso, com a disparada fatal de câmbio e juros.

Levar a inflação à meta de 4,5% no fim de 2016 sem elevar a taxa básica de juros além do nível atual, 14,25%, era o plano do BC até ao menos a quinta-feira passada, passado remoto, nas novas condições brasileiras.

Na semana passada, o próprio Banco Central previa inflação de 5,3% em 2016, mantida a taxa de juros atual, dólar ali por R$ 3,90 no final do ano etc. Ontem, os economistas que mais costumam acertar previsões, de acordo com o BC, estimavam inflação de 6,4% para 2016.

Previsões costumam estar erradas; não são destino. Mas é o que se tem à mão a fim de calibrar a taxa de juros a fim de evitar alta extra da inflação.

Pode ser que a recessão de 2015-16 seja grande o bastante para evitar altas adicionais de preços. Quer dizer, em termos "pop", só vai ser bom se for ruim.

Só que não.

A expectativas de inflação em alta, como agora, tendem a elevar a inflação. De resto, ainda não há perspectiva de contenção do preço ora inflacionário do dólar.

A economia indexada deve carregar pelo menos parte da inflação de agora para o ano que vem. Isto é, por meio de regras formais ou não, reajustar 2016 pelas altas de 2015. Por exemplo, haverá em 2016 um reajuste de 10% no salário mínimo, aliás letal para prefeituras. Mesmo que não esteja em contrato, as pessoas passam a fazer contas reajustando tudo por "10%".

Pode haver ainda reajustes de preços controlados pelo governo. Não está certo se a conta de luz já pagou todos os efeitos da seca e dos erros de Dilma Rousseff: pode haver mais reajustes extras. Dado o risco de desastre na Petrobras e a falta de dinheiro do governo para socorrê-la, não é absurdo imaginar que virão reajustes de combustíveis.

Note-se que o aumento das estimativas de inflação para 2016 não se deveu à previsão de inflação maior nos preços administrados. O pior pode piorar.

Em um governo crível, seria possível ter uma meta "extraordinária", intermediária, de inflação para 2016, com um plano estrito de redução da meta nos anos seguintes, o que permitiria segurar os juros sem rolo maior. Um governo crível teria plano fiscal para os próximos anos.

Não é o que temos.

O PMDB quer mais – Editorial / O Estado de S. Paulo

Foi um evento condizente com o novo status de independência que o PMDB pretende assumir perante o governo ao qual, no papel, deve apoio. A desenvoltura do vice-presidente Michel Temer ao dar boas-vindas à senadora Marta Suplicy e ao ouvir da ex-petista que é ele quem haverá de “reunificar o País”, numa cerimônia que contou com todos os principais caciques do partido, não deixou muitas dúvidas sobre o caminho que o PMDB já decidiu seguir. Isso significa que, por mais que Dilma Rousseff considere ser possível obter o apoio peemedebista contra o impeachment em troca de mais um punhado de Ministérios, o partido deixa cada vez mais claro que a agonia da presidente não lhe diz respeito, salvo como oportunidade para articular o desfecho político que melhor lhe aprouver – talvez ter candidatura própria em 2018.

No convescote peemedebista, realizado em São Paulo, os militantes, animados pelo locutor, gritavam “um, dois, três, quatro, cinco, mil, Marta e Michel, em São Paulo e no Brasil!”. O grito de guerra resume uma estratégia – com Marta em seus quadros, o PMDB espera conquistar a Prefeitura de São Paulo, tirando do PT aquela que talvez seja sua última cidadela eleitoral capaz de oxigenar o partido sufocado pelas denúncias de corrupção e do desgoverno de Dilma. Já em relação a Temer, trata-se de uma óbvia referência à possibilidade de que ele assuma a Presidência caso Dilma sofra o impeachment, processo cujo andamento depende principalmente do PMDB de Eduardo Cunha.

Ignorado pela presidente na hora em que as decisões mais importantes do governo foram tomadas no segundo mandato, Temer se considera mero observador do colapso de Dilma. Por esse motivo, o vice-presidente da República estava completamente à vontade diante das manifestações explícitas de oposição a Dilma feitas na sua presença, no evento que festejou a filiação de Marta ao PMDB.

Embora Temer tenha dito, em seu discurso, que o PMDB é um partido “de divergências internas quase permanentes, que fazem sua grandeza”, ficou claro ali que os peemedebistas de alto coturno estão razoavelmente alinhados – e que não será oferecendo cargos ao baixo clero da legenda que Dilma conseguirá constranger o PMDB a permanecer a seu lado na defesa de seu mandato.

Ao contrário, o partido já não faz questão nenhuma de parecer governo. No evento, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi explícito ao dizer que “o PMDB tem de ter candidato à Presidência” e que o partido não pode mais “ir a reboque” do PT. Em seguida, sob intensos aplausos, conclamou o PMDB a seguir o exemplo de Marta: “Vamos largar o PT”.

Um tom semelhante, embora menos desabrido que o de Cunha, já havia sido adotado pelo PMDB no mais recente programa do partido exibido na TV. Nele, Temer aparece como personagem central, com porte presidencial, sob o slogan “É hora de reunificar os sonhos”. Em seguida, os principais líderes do partido se sucedem em críticas ao aumento da carga tributária e a outras medidas de Dilma para contornar a crise. E finalmente a apresentadora diz: “Um Brasil que se dizia tão gentil com seus filhos de repente resolve cobrar a conta. Isso dói”.

Esse esforço do PMDB para desconstruir o governo petista, como se a ele não estivesse associado há mais de uma década, teve na filiação de Marta um de seus pontos altos. E ela não decepcionou. Em seu discurso, disse que escolheu trocar o PT pelo PMDB porque “a gente quer um Brasil livre da corrupção, livre das mentiras, livre daqueles que usam a política como meio de obter vantagens pessoais” – como se, ao longo dos mais de 30 anos em que foi petista, ela não tivesse percebido que seu partido havia se transformado numa usina de trambiques.

Mas agora Marta deve estar aliviada, pois ingressou num partido cujos principais líderes incluem Eduardo Cunha, enrolado na Operação Lava Jato, e Renan Calheiros, que já teve de renunciar à presidência do Senado para não ser cassado por suspeita de corrupção. Além de Jader Barbalho, Luiz Antonio Fleury Filho e outros menos cotados.

CPMF serve para adiar reformas imprescindíveis – Editorial / O Globo

• Dilma traça na ONU panorama róseo da economia, enquanto fica cada vez mais evidente que imposto serve para governo não fazer os devidos cortes nos gastos

Como reza a tradição, a presidente do Brasil fez ontem o pronunciamento de abertura de mais uma Assembleia Geral nas Nações Unidas, a 70ª. Também, como de praxe, não faltaram menções otimistas ao momento que o Brasil passa e às perspectivas para o país.

O cenário econômico visto pela presidente Dilma Rousseff da tribuna da ONU guarda razoável distância da realidade. No diagnóstico da grave crise fiscal, a presidente insistiu em responsabilizar pelas turbulências a crise mundial iniciada em 2008. Trata-se de meia verdade, porque o governo não deixou de ser alertado para o risco de o seu programa voluntarista de aumento dos gastos públicos criar a crise que afinal gerou.

A crise externa não pode ser responsabilizada pelos problemas fiscais, mas sim a forma equivocada e desmedida com que ela foi enfrentada, por meio do tal “novo marco macroeconômico”, acompanhado de um arsenal de ilusionismo estatístico, a tal da “contabilidade criativa”.

Ainda da tribuna da ONU, Dilma se referiu a “uma forte redução de nossas despesas, do gasto de custeio e até de parte do investimento.” Informação incompleta: faltou dizer que, na verdade, a viga mestra do ajuste é a recriação da CPMF, o “imposto do cheque”, gravame criticado em uníssono, e por várias razões: proporcionalmente taxa mais as pessoas de renda baixa; propaga-se em cascata sobre todas as etapas da elaboração de bens e serviços, bem como de qualquer operação financeira. E assim contribui para um razoável acréscimo de custo no sistema produtivo do país — que já enfrenta problemas de competitividade no mundo.

O vice-presidente Michel Temer esteve sexta em São Paulo, num almoço com empresários do comércio, em que disse ser muito pequena a chance de o Congresso aprovar a volta da CPMF. Depois da saída de Temer, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou para encontrar os mesmos empresários, quando repórteres disseram-lhe que Temer havia sido pessimista com relação ao imposto do cheque. Irônico, Levy emendou: “Ótimo, então ele quer a reforma da Previdência”.

Reveladora brincadeira, pois ficou explícito que o governo força a volta do imposto porque não se dispõe a fazer as reformas imprescindíveis para cortar o nó fiscal que asfixia o país. Mesmo só gerando efeitos a médio e longo prazos, a reforma da Previdência, com vistas a acabar com as aposentadorias precoces, mudaria de forma instantânea, para melhor, a percepção do futuro da economia, com reflexos positivos nos juros. Há outras mudanças a fazer, como o fim da indexação pelo salário mínimo de benefícios previdenciários e sociais de forma geral. O grande obstáculo para Dilma executar o que é preciso para acabar com o déficit estrutural nas contas públicas — que cresce sem parar devido a esta indexação — é sua base no PT. Os chamados “movimentos sociais” são bastante beneficiados pela gastança ilimitada, insana. Que não terá desfecho feliz, se nada for feito.

As costas largas do ajuste fiscal – Editorial / O Estado de S. Paulo

É curiosa a lógica dos petistas que, com o argumento de que o ajuste fiscal “prejudica os trabalhadores”, atacam as propostas do governo para colocar suas contas em ordem. Nada prejudica mais a população pobre e os assalariados em geral do que a inflação crescente que corrói os salários e o desemprego que cresce. De uma recessão econômica, apenas os mais ricos têm condições de se proteger – e nem sempre. Para defender os pobres é preciso combater não o ajuste do que está errado, mas os erros que levam à necessidade do ajuste. Atacar as medidas de austeridade em nome dos interesses dos trabalhadores é sinal de miopia ideológica, má-fé ou ignorância.

Pois é exatamente à luta contra o ajuste fiscal que os petistas estão se agarrando, não na tentativa de salvar o governo Dilma, mas a si próprios. Uma entrevista concedida a O Globo por André Singer, ex-porta-voz do presidente Lula, e um documento ontem divulgado pela Fundação Perseu Abramo, criada e mantida pelo PT, escancaram a opção petista pelo caminho mais fácil de um populismo de palanque, adornado por lantejoulas “acadêmicas”, na tentativa de salvar o Brasil das “garras do capitalismo”.

André Singer se refere à “corajosa ofensiva desenvolvimentista de Dilma Rousseff em seu primeiro mandato”, para depois acusá-la de, “ao chamar o ministro Joaquim Levy para a pasta da Fazenda”, entregar os pontos “para aqueles que ela procurou confrontar no primeiro mandato”. Singer atropela o fato de que ao convocar Levy, executivo do Bradesco, Dilma contrariou a sugestão de seu mentor Lula de que nomeasse ministro da Fazenda o próprio presidente daquele banco, Luiz Carlos Trabuco.

Preocupado com o estrago que Dilma estaria causando ao “legado lulista”, Singer entende que ela cometeu o erro de fazer “um movimento para recuperar a confiança da burguesia brasileira e do capital internacional” e, “como resultado, estamos na maior recessão dos últimos 20 anos: o custo social é imenso”. Quer dizer, o País está em crise não porque Dilma foi perdulária e incompetente no primeiro mandato, mas porque não combateu eficazmente a “burguesia brasileira” e o “capital internacional”.

Já o documento divulgado pela Fundação Perseu Abramo tem o sectarismo ideológico de uma cartilha esquerdista sem nenhum compromisso com a realidade: “A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimentos. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social”. A parte que menciona “capturar o Estado” deve ter sido inspirada no projeto de poder do PT, bem como a referência a “apropriar-se da receita pública” trata de um ponto no qual lideranças petistas e aliadas têm feito grande sucesso – mensalão e petrolão que o digam.

O mais inacreditável é que os “especialistas” do “centro de estudos” petista jogam nas costas do ajuste fiscal, que nem está minimamente implementado, a responsabilidade por todos os erros cometidos por Dilma em seu primeiro mandato: “O ajuste fiscal está jogando o País numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento econômico. Mais grave é a regressão no emprego, nos salários, no poder aquisitivo e nas políticas sociais”. O instituto petista despeja ainda sobre as costas largas do ajuste fiscal a responsabilidade por ampliar “a crise política e as ações antidemocráticas e golpistas em curso”.

Para “retirar o País da desastrada austeridade econômica em curso” – como se tudo não se devesse ao esbanjamento do dinheiro público, quando as receitas eram generosas –, os gênios petistas sugerem, entre outras preciosidades “progressistas”, baixar os juros (e deixar a inflação estourar), retirar o custo dos investimentos do cálculo do superávit primário (e arrombar de vez as contas públicas), alterar o calendário de metas da inflação (para manipular os seus efeitos, como se aqui fosse a Argentina) e a regulação do mercado de câmbio (para impedir que o dólar flutue ao sabor do mercado). Só faltou a tigrada que estudou o problema sugerir que o governo acabe com a crise por decreto. Trabalho sério e esforço, nem pensar, que ninguém é de ferro.

Sergio Fausto - Na Venezuela, a hora mais grave

- O Estado de S. Paulo

Com inflação acima de 100% anuais, generalizado desabastecimento de produtos, índices de violência criminal que fazem de Caracas uma das mais perigosas capitais do mundo, a Venezuela está à beira de uma crise humanitária e sob a ameaça de guerra civil. O responsável por esse estado das coisas é o regime chavista. Ele destruiu um país que, sim, era oligárquico e desigual, mas viável e democrático durante quase toda a segunda metade do século 20. E que acolheu não poucos exilados das ditaduras militares que então se espalhavam pela América do Sul.

Na Venezuela, para evitar o pior, há um único e estreito caminho. Ele passa pelas eleições parlamentares marcadas para 6 de dezembro, quando estarão em disputa as 165 cadeiras da Assembleia Nacional. No momento as pesquisas indicam vantagem significativa da oposição.

O governo de Nicolás Maduro tem feito todo o possível para evitar que as urnas revelem o fato de o chavismo ter perdido o apoio da maioria do eleitorado venezuelano. Já nas eleições parlamentares de 2011 a maioria chavista na Assembleia Nacional estava em perigo e só foi conquistada, com alguma folga, por mudanças arbitrárias na legislação eleitoral. Agora, com o espectro da derrota mais nítido que nunca, o governo ampliou o leque de medidas antidemocráticas. Elas incluem o encarceramento de líderes oposicionistas e a inabilitação eleitoral de candidatos da oposição. Isso num contexto de virtual supressão da liberdade de imprensa.

Além das medidas repressivas, o governo chavista toma iniciativas para turvar ainda mais as águas da disputa eleitoral. Nos últimos meses provocou países vizinhos para mobilizar artificialmente sentimentos nacionalistas. Primeiro a Guiana e, depois, a Colômbia. No caso desta, a provocação resultou em deslocamento forçado e desumano de milhares de colombianos residentes do lado venezuelano da fronteira entre os dois países.

Nesse quadro, a pressão internacional é chave, sem trocadilho, para assegurar a realização das eleições parlamentares em condições mínimas de normalidade. As lideranças chavistas estão isoladas e dispostas a se aferrar ao poder, por temor das consequências políticas e judiciais do dia em que não controlarem mais o Estado. Ainda assim, não podem desconsiderar as relações externas da Venezuela. Se, por um lado, vetaram a proposta de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) monitore as eleições, por outro, por pressão na Unasul, não conseguiram seguir indefinidamente na estratégia de protelar a fixação da data do pleito.

Para reduzir as chances de o governo venezuelano perturbar seriamente o processo eleitoral e interferir diretamente nos seus resultados se faz necessária maior pressão internacional. Até aqui apenas um punhado de líderes tomou a iniciativa de denunciar publicamente os crescentes riscos ao pouco que sobra da democracia venezuelana. E só três países latino-americanos, Colômbia, Chile e Uruguai, declararam publicamente sua preocupação com o desenrolar dos acontecimentos na Venezuela. Verdade que também o Parlamento Europeu condenou a violação dos direitos humanos no país.

No entanto, por maior que seja a envergadura moral e política de alguns desses líderes, como Ricardo Lagos, Felipe González e Fernando Henrique Cardoso, por mais significativas que tenham sido as manifestações de Bogotá, Montevidéu e Santiago, a pressão internacional exercida até aqui sobre Caracas é insuficiente diante do que está em jogo e da conhecida natureza do regime chavista, sempre disposto a ultrapassar os limites no exercício do poder. O que está em jogo é nada mais, nada menos que a possibilidade, talvez a última, de pavimentar o caminho de uma transição pacífica para a democracia.

Nesta hora tão Grave é preciso não deixar margem de dúvida a que as lideranças chavistas têm de assegurar condições mínimas de normalidade para as eleições parlamentares, aceitar seus resultados e, não menos importante, preservar os poderes constitucionalmente assegurados à Assembleia Nacional, no caso de uma eventual e provável derrota do governista Partido Socialista Unificado da Venezuela. Se não o fizerem, arcarão com as consequências de transformar a Venezuela e a si próprios em párias da comunidade internacional em geral e da latino-americana em particular. China e Rússia, eles o sabem, já não querem nem podem mais pagar a fatura de um regime falido, cuja única fonte de receitas está escorrendo pelo ralo graças à sua incompetência administrativa e à queda no preço do petróleo.

Ao governo brasileiro, neste momento, cabe cumprir o papel que se exige dele como representante do maior país latino-americano e uma das maiores democracias do mundo. Basta de posições ambivalentes, como a recente abstenção no plenário da OEA, quando foi derrotada por apenas um voto a moção colombiana que solicitava a mediação da Organização para o conflito fronteiriço com a Venezuela.

Fez bem a presidente Dilma em indicar Nelson Jobim como representante do Brasil na comissão da Unasul que acompanhará as eleições de 6 de dezembro. Mas não é suficiente ter um representante qualificado se à comissão não for garantido o acesso aos locais de votação e contagem dos votos. Tão ou mais importante é que ela conte com recursos humanos capacitados para realizar o seu trabalho de verificação da lisura do pleito, incluindo a apuração dos votos. É o mínimo que se pode exigir numa disputa já de si desequilibrada em favor do governo, haja vista o virtual controle oficial sobre as emissoras de rádio e televisão.

É preciso agarrar-se ao fiapo de democracia que resta na Venezuela e não poupar esforços para que a esperança de restabelecê-la plenamente não desapareça sob o tacão de um golpe militar e/ou sob as vítimas de uma guerra civil.

-------------------------
Sergio Fausto é superintendente executivo do IFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP.

Dolores Duran - A noite do meu bem

Fernando Pessoa - Do Livro do Desassossego

"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Vivemos em um pântano. Há um sofrimento grande de não sabermos o que vem por aí, como será o dia de amanhã. Isso leva a cólera, à desesperança, de não ter um caminho válido. Desde as eleições, vivemos entre extremos e, repito, isso é ruim para todo mundo. Há um clima generalizado de desconfiança na sociedade, nas relações entre as pessoas. É necessário uma coalização do que é saudável.
-------------------
Luiz Werneck Vianna, cientista social, PUC-Rio. Entrevista ao jornal O Dia, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 2015.

A pressão aliada pela reforma

A presidente Dilma chega hoje de Nova York com a missão de correr contra o tempo para anunciar a reforma ministerial. Pressionada pelo PMDB, ela deve aumentar a cota do partido para garantir a fidelidade em uma das votações mais importantes do segundo mandato: a manutenção do veto ao aumento do Judiciário, prevista para quarta.

Crise Política – Nas mãos do PMDB

• Dilma chega de NY com desafio de conciliar corte de ministérios com o apetite do aliado

Fernanda Krakovics e Isabel Braga - O Globo

- BRASÍLIA e NOVA YORK- A semana será decisiva para a presidente Dilma Rousseff, que chega de Nova York na noite de hoje e tem como tarefas destravar a reforma ministerial e garantir apoio no Congresso para a manutenção dos vetos ao reajuste do Judiciário e à correção das aposentadorias e pensões pelo salário- mínimo. O desafio agora é conciliar o objetivo anunciado da reforma — corte de dez ministérios — com o apetite do PMDB, que travou o anúncio da reforma, na semana passada. Para acomodar todas as correntes do partido e desfazer o mal- estar com o vice- presidente Michel Temer, Dilma teria que dar à legenda um espaço ainda maior: sete ministérios.

Pelo desenho que está sendo costurado, o espaço do PMDB do Senado seria o de manutenção de Kátia Abreu ( Agricultura) e Eduardo Braga ( Minas e Energia) em seus postos, e a garantia de que Helder Barbalho ( Pesca), filho do senador Jader Barbalho ( PMDB- PA), será transferido para o comando de outra pasta, na hipótese provável de extinção da Pesca. No caso da Câmara, o líder da bancada, Leonardo Picciani ( RJ), insiste que foi a própria presidente Dilma Rousseff quem ofereceu os dois ministérios à bancada.

Ontem, Picciani reforçou que não há qualquer veto do PMDB da Câmara a que Dilma mantenha outros companheiros do partido no Ministério. “Não é fato que a bancada exigiu dois ministérios, este foi um critério definido pela Presidência da República, e isto levei à deliberação, tendo este critério sido aprovado pela ampla maioria da bancada. Noto que a confusão que tenta se estabelecer parte de setores que desejam que a bancada federal do PMDB seja apenas massa de manobra!”, reforçou Picciani pelo Twitter.

“Governo não pode errar”
Dilma demonstra nos bastidores preocupação em manter o vice- presidente em seu entorno e evitar o fortalecimento da tese do impeachment. Ela tentou um acordo para preservar na reforma o ministro Eliseu Padilha, braço- direito de Temer, que hoje ocupa a Secretaria de Aviação Civil com status de ministro. As bancadas do Senado e da Câmara, no entanto, não concordam em ceder espaços já negociados com a presidente. Segundo lideranças do PMDB, Dilma teria oferecido a presidência da Infraero a Padilha, mas isso significaria, na verdade, o rebaixamento do ministro.

Segundo interlocutores do ministro Ricardo Berzoini ( Comunicações), que deverá assumir a articulação política, Dilma deverá concluir a reforma até quinta- feira. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS), afirma que a reforma ministerial é importante para que o governo conquiste a maioria dos votos no Legislativo:

— Essa reforma, o governo não pode errar. Porque é a chance de fidelizar nossa base nos projetos da área da economia que vão tramitar e que são importantes para sair da crise. Espero que a presidente consiga concluir esta semana.

Enquanto tenta equilibrar a necessidade de cortes nos ministérios e de acomodação dos aliados, Dilma também enfrentará votação importante de vetos no Congresso na quarta- feira. Na semana passada, o governo conseguiu manter vetos importantes e que poderiam provocar impacto grande nas contas públicas, mas a apreciação dos dois vetos mais polêmicos foi adiada: o que garante reajustes entre 53% e 78,5% aos servidores do Judiciário, com impacto estimado de R$ 36,2 bilhões em cinco anos; e o que estende a todos os aposentados e pensionistas do INSS reajustes pelo saláriomínimo, que, segundo o governo, provocaria um impacto de R$ 11 bilhões até 2019.

Nos bastidores, integrantes do PMDB sustentam que, se a reforma ministerial frustrar expectativas, criadas pela própria presidente com a promessa de ministérios, o governo pode ser derrotado.

A negociação direta entre Dilma e Picciani desagradou a Temer, que se sentiu escanteado. Um integrante da cúpula do PMDB ligado ao vice classificou a atuação do Planalto como “amadorismo político” e afirmou que Dilma desautorizou o comando do PMDB ao abrir uma negociação “no varejo”. Aliados de Temer no PMDB também questionam a operação do Planalto lembrando que Picciani apoiou a candidatura de Aécio Neves ( PSDB) à Presidência, no ano passado. E citam o fato de o deputado Manoel Júnior ( PMDB- PB), um dos indicados de Picciani para assumir o Ministério da Saúde, ter defendido que Dilma renunciasse ao mandato em entrevista a um portal de notícias da Paraíba.

— Negociar com alguém que estava ontem com Aécio, dando a volta na direção nacional do partido, é ter base sólida? Nomear para a Saúde alguém que há 15 dias defendia a saída da presidente? — questionou um peemedebista ligado a Temer.

Embora esteja praticamente certa a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres ( SPM), Dilma defendeu ontem ações de seu governo na busca da igualdade de gênero. Ela não quis indicar, no entanto, se Eleonora Menicucci, que participa de sua comitiva, perderá o status de ministra.

— Eu vou pedir à minha querida imprensa brasileira, tenho pouco tempo e tenho que falar sobre isso que foi lançado — disse Dilma logo após ter terminado sua apresentação sobre as metas climáticas que anunciara em seu discurso durante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós- 2015: — Eu vou insistir, eu não vou responder nada a respeito das mudanças na minha reforma administrativa. (Colaboraram Geralda Doca, Henrique Gomes Batista ( correspondente) e Catarina Alencastro ( enviada especial))

Com apoio de ministros, Kassab faz nova ofensiva para esvaziar PMDB

Kassab faz nova ofensiva para rivalizar com PMDB

• Ministro tenta criar partido também para esvaziar oposição e impeachment

• Ex-prefeito conta com a ajuda de ministros para aprovar nova sigla que quer abrigar até 28 deputados na terça

Ranier Bragon, Gustavo Uribe, Natuza Nery e Márcio Falcão - Folha de S. Paulo 

BRASÍLIA - Com o apoio do primeiro escalão de Dilma Rousseff, o ministro Gilberto Kassab (Cidades) patrocina nesta semana a última tentativa de recriar o Partido Liberal, legenda cujo objetivo é formar um bloco governista para rivalizar com o PMDB, além de esvaziar a oposição e o movimento pró-impeachment.

A pedido do ex-prefeito de São Paulo, integrantes do Palácio do Planalto adiaram a publicação da sanção presidencial à reforma política aprovada pelo Congresso.

Caso saísse no Diário Oficial na sexta (25), como esperado, a medida jogaria por terra os planos de Kassab de levar até 28 deputados federais para a nova sigla.

A movimentação de bastidores do ministro das Cidades, hoje um dos mais fiéis aliados de Dilma, começou logo após a reeleição da petista, no ano passado.

Incomodado com o poder do PMDB na coalizão –é o maior partido aliado a Dilma–, o Palácio do Planalto deu sinal verde a Kassab e a Cid Gomes (que viria a ser ministro da Educação) para tentar criar um polo alternativo.

Sempre negando publicamente estar ligado à operação, Kassab começou, por meio de aliados, a tentativa de recriar o Partido Liberal. O intuito era atrair deputados federais da oposição e do PMDB para a nova sigla e, depois, fundi-la com o PSD (o atual partido que Kassab comanda), superando em tamanho os peemedebistas. Hoje o PMDB tem 66 deputados federais; o PSD, 34.

A ação, porém, esbarrou na derrota do governo para Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que em fevereiro assumiu a presidência da Câmara dos Deputados e, desde então, trabalha para minar os planos de Kassab e denunciar publicamente a tentativa do Planalto de alvejar o parceiro PMDB.

Articulação
O último revés do ex-prefeito ocorreu no começo de agosto, quando o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou o pedido de registro do PL. São necessárias cerca de 487 mil assinaturas de eleitores para que um partido seja criado, mas o PL só apresentou na ocasião 167 mil.

A partir de então, Kassab articulou reação. O PL entrou com recurso em setembro e entregou ao tribunal uma papelada em que afirma estarem as assinaturas faltantes.

O TSE encaminhou o recurso para que o Ministério Público dê parecer e, segundo Kassab disse a colegas da Esplanada, aprovará a recriação do PL nesta terça (29).

Segundo relato de dois auxiliares de Dilma Rousseff, Kassab pediu aos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Comunicações), em reunião no Palácio da Alvorada na quinta (24), que eles suspendessem a publicação, marcada para o dia seguinte, da sanção presidencial à reforma política.

Àquela altura, Dilma voava para Nova York e havia deixado a sanção pronta. Kassab não a queria publicada na sexta porque ela coloca na lei que deputados federais só podem mudar de partido sem risco de perder o mandato no sétimo mês anterior às eleições –a próxima janela do troca-troca só se abriria em março de 2016.

Até a sanção ser publicada, continua valendo a resolução do TSE que permite a migração para novas legendas nos 30 dias posteriores à sua criação.

Compromissos
Segundo promessa de Kassab a Mercadante e Berzoini, ele já tem prontas e assinadas a filiação ao PL de 25 a 28 deputados federais de siglas como PV, DEM, PSB e PMDB, ação que seria concretizada ainda na terça (29), após eventual aval do TSE ao PL.

Caso chegue ao número máximo prometido, além de esvaziar a oposição o ex-prefeito reuniria 62 deputados na aliança PSD-PL, quase o mesmo tamanho do PMDB (66). O ministro das Cidades argumentou que essa operação é, em sua visão, essencial no momento em que a oposição tenta deflagrar processo de impeachment, com apoio de alas do PMDB.

Impedimento
Apesar de ocupar a vice-presidência, com Michel Temer, e ministérios, o PMDB abriga rebelados em sua base, como Cunha, e ameaça declarar independência do governo em novembro próximo.

Pelo acordo traçado no Alvorada, a sanção só será publicada na quarta (30), último dia do prazo. Porém, a Dilma e ministros estariam sofrendo pressão do PMDB para que ela saísse já nesta segunda (28) para parrar a articulação do ministro.

O impasse tem potencial de elevar a temperatura da crise em uma semana em que o governo quer fechar a reforma ministerial e melhorar sua relação com o PMDB.

Ainda de acordo com auxiliares de Dilma ouvidos pela Folha, Kassab está prometendo aos deputados dispostos a ingressar no PL controle sobre o partido em seus redutos, além de coligação com o PSD na campanha de 2016, o que daria mais tempo de TV para os candidatos.

Em sua decisão sobre a reforma política, Dilma decidiu vetar apenas o ponto que permite o financiamento empresarial de partidos políticos. Ela seguiu decisão do STF (Supremo Tribunal Federal)que considerou a prática inconstitucional.

Rebu governista a saga do PL
Kassab causa tumulto na coalizão de Dilma Rousseff ao tentar criar polo alternativo ao PMDB

O início
Após a reeleição de Dilma Rousseff, os ministros Gilberto Kassab (Cidades), do PSD, e Cid Gomes (Educação), então no Pros, lideram nos bastidores a tentativa de criar um bloco para rivalizar com o PMDB na coalizão governista

O método
Aliados de Kassab articulam a recriação do PL (Partido Liberal), com o objetivo de futura fusão ao PSD do ministro das Cidades

Tropeço
Em agosto deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou o pedido de registro do PL, que só apresentou ao tribunal 167 mil das cerca de 487 mil assinaturas de eleitores necessárias para a criação de um partido

A reação
O PL recorreu em setembro, entregou ao TSE o que diz serem assinaturas faltantes e pede que o tribunal reconsidere sua decisão

Desafios da reforma à espera de Dilma

Por Andrea Jubé - Valor Econômico

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff volta hoje a Brasília com o desafio de desfazer os nós de uma reforma imbricada, que ampliou a turbulência na base e levou mais insatisfação aos aliados. Em uma semana de conversas, ela se indispôs com PMDB, PT e PTB. Dilma tem sido pressionada a arbitrar o imbróglio com os peemedebistas, a quem prometeu duas nomeações para os deputados, para depois recuar. Ela foi aconselhada a adiar o anúncio para depois da análise dos vetos presidenciais, agendada para quarta-feira.

Antes de viajar, deixou o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, articulador político, incumbido de resolver o impasse em torno do grupo mais próximo ao vice-presidente Michel Temer: a manutenção de Eliseu Padilha na Aviação Civil e a acomodação de Hélder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), em outra pasta. Hélder comanda a Secretaria da Pesca, que será incorporada ao Ministério da Agricultura.

O PMDB, contudo, impõe a Dilma a solução da celeuma. Caberia a ela a "escolha de Sofia", entre a permanência de Padilha, contemplando Temer, de Hélder, atendendo o Senado, ou assegurando dois ministérios aos deputados. Aos interlocutores, o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), relatou que Dilma lhe ofereceu o Ministério da Saúde e a nova pasta de infraestrutura, batizada de "Aerobarco". Picciani advertiu o Planalto que não aceitará uma ou outra pasta - Portos ou Aviação - e ameaça retirar as indicações.

Dilma está entre a cruz e a espada, encurralada por três alas do PMDB, sem poder renunciar a nenhuma delas, sobretudo às vésperas da votação do veto mais polêmico: o do reajuste dos servidores do Poder Judiciário, com impacto estimado em R$ 36,2 bilhões em quatro anos. Somente nos próximos dois anos, o Ministério do Planejamento calcula que o aumento implique um rombo de R$ 6,8 bilhões.

O desfecho do impasse com o PMDB será decisivo no resultado dessa votação. Dilma não está disposta a contemplar o aliado com sete ministérios, mas a equação de seis pastas não fecha. Ao afastar Edinho Araújo dos Portos, da cota pessoal de Michel Temer, Dilma desagrada o vice. Se decidir afastar Eliseu Padilha do primeiro escalão, agrava o confronto com o PMDB orgânico. De outro lado, terá de lidar com a insatisfação da bancada da Câmara. Os petistas alegam que a Saúde é o maior orçamento da Esplanada, estimado em R$ 111 bilhões, e vale "três ministérios", argumento que os deputados rechaçam. E são eles os responsáveis por deflagrar, ou não, o impeachment. Em outra ponta, desalojar Hélder implica desagradar Jader e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O apoio do Senado tem sido fundamental ao Planalto na manutenção dos vetos.

Com outros aliados, Dilma também fez gestos desastrados. Ofereceu na surdina o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) aos senadores do PMDB, que reivindicaram a pasta da Integração Nacional. Depois, teve de dar explicações ao PTB do atual ministro Armando Monteiro Neto, alegando um "mal entendido". Armando é considerado um nome da cota pessoal de Dilma e até do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é próximo. Tem trânsito com empresários, mas não teria votos na bancada. "O ministro nos representa", rebateu ao Valor o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO).

Na seara do PT, a presidente ainda precisa definir o destino dos ministros Carlos Gabas, da Previdência Social, e Tereza Campello, do Desenvolvimento Social. A Previdência vai se fundir ao Ministério do Trabalho, mas não está confirmado que Gabas, do PT orgânico, será o titular da nova pasta. De igual forma, cogita-se a fusão do MDS, de Tereza, com o Desenvolvimento Agrário, de Patrus Ananias. Dilma gosta de Tereza, mas ela não tem votos no Congresso. As mudanças no segundo escalão abriram mais fissuras. PP e PMDB estão descontentes com a possível fusão da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), que o primeiro acabou de herdar dos petistas, com o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), núcleo de poder dos peemedebistas.

PMDB pode se tornar o algoz de Dilma em impeachment

• Partido adota discurso de independência para não se indispor com os descontentes com a petista

Tâmara Teixeira – O Tempo (MG)

Engana-se quem pensa que o possível impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) depende apenas da oposição. A abertura do processo na Câmara dos Deputados está muito mais nas mãos do PMDB, partido aliado ao governo e detentor da vice-Presidência da República. Na prática, apontam governistas, oposicionistas e analistas, a maior ameaça à petista depende do tamanho da adesão dos peemedebistas ao processo.

O Tempo conversou com membros da bancada mineira na Câmara, e as declarações refletem o sentimento majoritário da sigla: não apoia, agora, a saída de Dilma, mas não garante a mesma posição caso o Tribunal de Contas da União (TCU) reprove as contas de 2014 da presidente, o que pode desencadear o processo de afastamento.

Em tese, os peemedebistas dizem ser contra o impeachment e adotam um discurso – aparentemente ensaiado – de que trabalham pelos interesses do Brasil, com a preocupação de que a situação política e econômica do país possa se deteriorar ainda mais com um processo de ruptura. “Não sou a favor no momento. Não há motivo jurídico. Existem expressões da oposição e até de colegas dizendo que querem acabar com o governo, mas é precipitado. Se isso acontece, traz instabilidade ao mercado”, diz Newton Cardoso Jr.

Cunha descarta eventual retorno da CPMF antes de julho de 2016

• Presidente da Câmara volta a dizer que defenderá saída do PMDB do governo

- O Globo

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse em programa de TV exibido na noite de ontem que considera “impossível” que uma eventual volta da CPMF — imposto proposto pelo governo federal para tentar reequilibrar as contas do país — aconteça antes de julho de 2016.

Em entrevista ao colunista do GLOBO Jorge Bastos Moreno, no programa “Preto no Branco”, do Canal Brasil, Cunha detalhou o caminho que a proposta terá que trilhar e, abrindo fogo contra o governo Dilma, com quem está rompido, destacou que, se a medida fosse aprovada pela Câmara e pelo Senado, só passaria a vigorar no segundo semestre de 2016, tendo, portanto, efeito nulo sobre o Orçamento enviado ao Congresso com déficit de R$ 30,5 bilhões.

Cunha também disse que o pacote fiscal proposto pelo governo “peca” por não mostrar os cortes que serão feitos na administração federal e por tentar impor a volta de um imposto que foi rejeitado em 2007:

— ( Trata- se de) Uma contribuição perniciosa porque atua em cascata na economia... — afirmou Cunha. — Quando você tem um produto, você paga, mas esse produto também pagou ( CPMF) na etapa anterior e assim sucessivamente, sem poder descontar. Não é um imposto cumulativo que permite deduzir a atividade anterior. Então, ele incide várias vezes em uma etapa de produção.

Cunha ainda considera “muito pouco provável” que o Congresso aprove a volta do tributo. Segundo ele, o aumento do imposto de renda numa determinada faixa e até o adiamento do pagamento de servidores podem passar, mas isso não deve ocorrer com a CPMF.

Na mesma entrevista, o peemedebista explicou que no congresso que o PMDB fará no dia 15 de novembro, ele defenderá abertamente que o partido saia de uma vez do governo petista. Ao comentar o pedido de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo, Cunha voltou a citar o regimento da Casa para defender que o mandato da presidente não está em suas mãos.

— Tenho duas decisões a proferir. Se eu aceitar ( o pedido), está instaurado o processo, que vai demandar uma comissão especial, com prazo de defesa e, depois, vai ter o parecer votado da comissão. Esse parecer vai a plenário e tem que ter dois terços de votos para se iniciar. Iniciando- se o processo tem o afastamento e a matéria vai para o Senado para julgamento. A segunda opção é recusar, mas óbvio que qualquer decisão do presidente da Câmara cabe recurso. E esse recurso é levado ao plenário.

Ao ser questionado sobre seu envolvimento na Lava- Jato, Cunha manteve a posição de que só foi envolvido no caso por ação do governo federal.

— Nas 85 páginas de denúncias que estão lá... Já tive oportunidade de me expressar publicamente, não tem elemento nenhum de prova contra mim — afirmou.

Dilma precisa ouvir 'profissionais do PMDB'

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff achou que, no começo desta semana, já teria pronta sua reforma ministerial. Achou que bastava oferecer meia dúzia de boas pastas ao PMDB para adquirir o apoio do maior partido no Congresso. Assim, o impeachment perderia força e ela teria condições mínimas para aprovar seu pacote de ajuste fiscal. Ledo engano. Com o PMDB, nada é tão fácil, nem tão claro.

Questionada por Dilma sobre a reforma, a cúpula do PMDB disse - ao menos oficialmente - que abria mão de fazer indicações. O vice-presidente Michel Temer e os presidentes Renan Calheiros, do Senado, e Eduardo Cunha, da Câmara, pediram que ela negociasse diretamente com os líderes das bancadas no Congresso. No caso, Eunício Oliveira (Senado) e Leonardo Picciani (Câmara).

E assim foi feito. Sabendo que mudanças sempre geram atritos, Eunício foi mais esperto e pediu para manter os atuais ministros Kátia Abreu (Agricultura) e Eduardo Braga (Minas e Energia), ambos licenciados do Senado. Já o jovem Picciani, de 35 anos, cometeu o erro de indicar um deputado da sua bancada para o lugar de Eliseu Padilha (Aviação Civil), fiel aliado de Temer. Foi o que bastou para emperrar a reforma. Nem o vice nem o resto do comando do PMDB aceita perder poder.

"Dilma não aprendeu a lidar com os profissionais do partido", disse um integrante da cúpula da sigla. Segundo esse mesmo peemedebista, Picciani ainda faz parte do time de amadores. Os recados já foram dados. No sábado, 26, em discurso no seu ato de sua filiação ao PMDB, a senadora Marta Suplicy (SP) foi enfática com Picciani: "Ouça os mais velhos".

É o que Dilma também deve fazer quando voltar dos Estados Unidos nesta segunda-feira, 28. Só assim a reforma sai do papel para a presidente ter algum alento.

Na TV, programa do PSDB amplia tom contra PT

• Em propaganda que vai ao ar hoje, tucanos centram na crise econômica e criticam propostas como a CPMF

Renata Mariz - O Globo

- BRASÍLIA- Com o mote “Oposição a favor do Brasil”, o novo programa do PSDB que vai ao ar hoje traz duras críticas ao governo, centra na crise econômica vivida pelo país e enfatiza que o partido quer colaborar na busca de soluções. O tom do vídeo de 10 minutos é uma espécie de resposta a críticas que os tucanos vêm recebendo de fazer oposição apenas para enfraquecer o governo. Na última terça- feira, a bancada do PSDB na Câmara votou em bloco pela derrubada do veto ao fator previdenciário, o que ampliaria os gastos públicos. O veto foi mantido.

“Não somos nem jamais seremos oposição ao Brasil”, enfatiza o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, no vídeo, acrescentando que, “se o governo quiser trazer de volta o imposto do cheque, nós seremos contra, mas, se esse mesmo governo quiser reduzir os impostos sobre a folha de pagamento para que as empresas parem de demitir, nós seremos a favor”.

Além de Aécio, o ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra ( SP) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aparecem no programa fazendo duras críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff.

FH diz que a “gestão da Dilma está derretendo”, porque ela “paga pela herança maldita que o Lula deixou”. O ex- presidente cobra “grandeza” de Dilma, que, segundo ele, deveria “pensar no que é melhor para o Brasil, e não para o PT”.

Alckmin critica as medidas econômicas tomadas pelo governo para aplacar a crise. Segundo ele, o aumento de impostos e de juros piora o “drama do desemprego” no país. Para Serra, o PT só pensou em “ganhar a reeleição”. O senador prega que “está na hora de o PT pagar pelos próprios erros”.

Reforçando a mensagem de que o PSDB tem responsabilidade com o país, apesar de ser oposição ao governo, Aécio ressalta que a luta a ser feita será “dentro das regras democráticas”. Ele afirma ainda que a situação vai melhorar quando a “verdade substituir a mentira e a competência voltar a conduzir os destinos do país”.

O programa traz cenas de pessoas falando sobre os problemas vividos com a crise econômica, como contas atrasadas e até falta do que comer. As mulheres são colocadas em posição de destaque como responsáveis por fazer o orçamento da família render mais. Uma das entrevistadas, ao falar de Dilma, dispara: “Eu votei nela e me arrependo”. Outra diz que “falar na nossa presidente Dilma é falar de tristeza”.

Em outro trecho, entre faixas com dizeres como “Xô, mentira”, um grupo de jovens sorridentes aparece em passeata batucando o Hino Nacional em panelas. A cena é uma referência aos panelaços feitos pela população, como forma de protesto, durante pronunciamentos recentes da presidente Dilma na televisão.

FHC diz que Dilma paga por 'herança maldita' de Lula

• Comentário do ex-presidente será veiculado nesta segunda-feira, 28, em programa partidário do PSDB na TV aberta

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O programa nacional do PSDB que vai ao ar na noite desta segunda-feira, 28, faz duras críticas ao PT e ao governo da presidente Dilma Rousseff. Num dos trechos mais fortes, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que Dilma está pagando pela "herança maldita" deixada pelo antecessor Luiz Inácio Lula da Silva.

"A economia vai muito mal e a presidente é refém de uma base de sustentação no Congresso que, a cada dia, é mais do tipo toma-lá-dá-cá. Ela está pagando pela herança maldita que o Lula deixou", diz FHC.

A expressão "herança maldita" foi cunhada por petistas que diziam que Lula havia recebido das mãos do tucano, em 2003, um País cheio de problemas, como a inflação alta e o baixo crescimento. Foi a primeira vez que FHC usou a mesma frase para se referir ao governo do ex-presidente petista.

Na propaganda, o tucano também afirma que o PT, que prometia "o céu ao povo", agora "oferece o inferno da crise e do desemprego". "Está na hora de a presidente ter grandeza e pensar no que é melhor para o Brasil, e não para o PT", diz o tucano.

Nos últimos meses, FHC tem aumentado o tom contra a presidente. Em agosto, ele usou o seu perfil no Facebook para sugerir a renúncia de Dilma, que classificou também como um "gesto de grandeza". A declaração foi feita um dia após líderes do partido terem participado de manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas em diversas cidades.

Esta semana, diante da disparada da cotação do dólar, FHC afirmou que o PT estava "mordendo a língua de tanto que disse que recebeu um governo quebrado em 2002". O tucano também criticou a reforma administrativa negociada por Dilma, e disse que a presidente estava fazendo um "pacto com o demônio" para tentar salvar seu governo ao oferecer novos ministérios, como o da Saúde, para o PMDB.

Presidente nacional do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), é outro protagonista da peça. Diante da iniciativa de setores do partido de pedir o impeachment de Dilma, ele afirmou que a legenda vai agir sempre "dentro das regras democráticas".

O tucano também disse que o partido é contra a volta da CPMF, mas que não se furtaria a ajudar a presidente caso o governo adotasse uma agenda a favor da retomada do crescimento e não do aumento de impostos.

"Oposição sim, nós somos oposição a esse governo. Mas nós não somos nem jamais seremos oposição ao Brasil. Aquilo que entendermos ser necessário para melhorar a vida das pessoas, para melhorar a sua vida, nós faremos", disse Aécio.

O mote, que vem sendo explorado pelo PSDB, de que Dilma mentiu para a população, também está presente na peça. Em sua fala, o senador José Serra (SP) afirma que o governo foi alertado da crise, mas ignorou a gravidade da situação para vencer as eleições.

"Nós avisamos: está entrando água no barco, pode afundar. Mas o PT se fez de surdo e não cuidou de prevenir a crise. Só pensou em ganhar a reeleição. Os brasileiros não podem mais pagar a conta dessa incompetência do PT. Eu acho que está na hora de o PT pagar pelos seus próprios erros", disse.
O governador Geraldo Alckmin também participou da propaganda. Trechos da peça foram antecipados neste domingo pela Globo News.

Fundação do PT critica ajuste da presidente Dilma em documento

Mônica Bergamo – Folha de S. Paulo

A Fundação Perseu Abramo, centro de estudos criado e mantido pelo PT, divulga nesta segunda-feira (28) um documento com duras críticas à política econômica do governo de Dilma Rousseff.

No primeiro volume do estudo "Por Um Brasil Justo e Democrático", que é assinado também por outras cinco entidades, o texto diz que as iniciativas do governo estão jogando o país em uma recessão e que elas interessam a banqueiros e a fundos de investimento.

A fundação é presidida por Marcio Pochmann, que presidiu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) até 2012, é próximo do ex-presidente Lula e um dos economistas mais influentes do PT.

De acordo com dirigentes do partido, embora não seja assinado pela legenda, o documento expressa a opinião da maioria da agremiação.

"A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social", afirma o documento.

O texto continua: "O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, salários, no poder aquisitivos e nas políticas sociais".

Segundo as entidades, o pacote fiscal deteriora o ambiente econômico e social, o que enfraquece o governo e "amplifica a crise política e as ações antidemocráticas e golpistas em curso".

O trabalho, que teve a participação de uma centena de especialistas, será lançado em um evento em São Paulo para o qual foram convidados sindicalistas, movimentos sociais e "personalidades do campo progressista", segundo o convite.

O documento acusa os apoiadores do plano proposto por Dilma de quererem fazer regredir os avanços sociais da Constituição.

Sugestões
Entre as propostas sugeridas no documento para "retirar o país da desastrada austeridade econômica em curso" estão a baixa dos juros, a retirada dos investimentos do cálculo de superavit primário, a alteração do calendário do regime de metas de inflação e a regulação do mercado de câmbio.

Os signatários defendem ainda o que chamam de duplo mandato para o Banco Central. Em vez de ter como objetivo apenas a estabilidade dos preços, a instituição deveria ter como meta também a manutenção do nível de emprego.

O texto defende a "expansão do mercado interno de consumo de massas" e chama a atenção para os cortes realizados pelo governo.

Mercado vê mais inflação e economia mais retraída neste ano e em 2016

• Inflação de 9,5% e queda do PIB de 2,8% em 2015

Por Ana Conceição - Valor Econômico

SÃO PAULO - Os analistas do mercado financeiro veem uma inflação ainda mais alta neste ano e no próximo e elevaram pela segunda semana consecutiva a previsão para o juro básico da economia em 2016, de acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC).

Câmbio mais depreciado e aumento mais intenso nos preços administrados estão por trás da deterioração das expectativas de inflação. Ao mesmo tempo, os analistas esperam uma recessão econômica ainda pior.

As previsões para o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deram um salto. A mediana das estimativas para 2015 saiu de 9,34% para 9,46% de alta. Em 12 meses, avançou de 5,82% para 6,05%. Para 2016, passou de 5,70% para 5,87% de avanço.

Esse movimento segue o aumento da mediana para o dólar ao fim deste ano, de R$ 3,86 para R$ 3,95. A estimativa para o fim de 2016 seguiu em R$ 4. Na semana passada, em meio a um mercado extremamente nervoso com as incertezas no país, o dólar disparou e superou R$ 4,20. A moeda devolveu parte da alta na quinta-feira, após uma atuação conjunta do BC e Tesouro no mercado. Numa atitude incomum, o presidente do BC, Alexandre Tombini, aproveitou a entrevista de apresentação do Relatório Trimestral de Inflação para passar dois recados: o BC vai garantir a funcionalidade do mercado de câmbio e não sancionará o aperto monetário implícito nos contratos de juros.

No Focus, o mercado manteve a expectativa para a taxa Selic neste ano em 14,25%, nível atual, mas ampliou pela segunda semana consecutiva a mediana para o fim de 2016, de 12,25% para 12,50%.

O boletim mostra ainda uma alta adicional na previsão dos preços administrados, que passou de 15,20% para 15,50% neste ano e de 5,91% para 5,92% no ano que vem.

Para os analistas Top 5, a inflação de 2016 vai chegar bem perto do teto da meta, de 6,5% - a mediana de médio prazo das estimativas para o avanço no IPCA saiu de 5,98% para 6,46%. Para este ano, a previsão passou de 9,37% para 9,61% de aumento. Esse grupo não mexeu, contudo, na previsão para a Selic, que ficou em 14,25% e 12,38% em 2015 e 2016, respectivamente.

Atividade
As previsões para a atividade também pioraram no Focus. A estimativa para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano passou de contração de 2,70% para recuo de 2,80% e para o próximo, de queda de 0,80% para decréscimo de 1%. Na quinta-feira passada, o BC estimou que a economia brasileira deve recuar 2,7% neste ano.

A produção industrial também foi revista, de declínio de 6,45% para diminuição de 6,65% neste calendário e de elevação de 0,20% para baixa de 0,60%

Senado retoma discussão sobre doações de empresas

• Líder do PMDB diz que vai liberar bancada para votar emenda constitucional, depois de votação do Supremo

Isabel Braga - O Globo

- BRASÍLIA- Se depender do PMDB, a Proposta de Emenda Constitucional ( PEC) da reforma política, que, entre outros pontos, constitucionaliza a doação de empresas a campanhas, poderá ser votada esta semana no Senado. É o que afirma o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira ( CE). Ao GLOBO, o líder informou que vai liberar a bancada. Os parlamentares favoráveis à tese do financiamento privado buscam garantir pelo menos 49 votos para aprovar esse ponto antes de 2 de outubro, na tentativa de garantir que a doação empresarial seja válida para as eleições de 2016. Há duas semanas, o STF considerou a doação de empresas inconstitucional.

— Se depender do PMDB, está liberado, votamos esta semana. O Supremo só proibiu a doação de empresa e, mesmo inconscientemente, transferiu o poder de financiamento para as mãos de quem está exercendo o poder. Isso desequilibra qualquer eleição. Por esse motivo, revi minha posição e libero o trâmite da PEC. Sou contra financiamento, voto contra, mas libero minha bancada — justificou Eunício Oliveira.

Ele explicou que vinha segurando a votação por discordar da chamada “janela da infidelidade” incluída pela Câmara na reforma, que abre prazo de 30 dias para o troca- troca partidário sem que isso signifique perda de mandato. Porém, para o senador, a decisão do TSE, que liberou a criação da Rede Sustentabilidade e pode autorizar outros partidos, deixa em desvantagem os partidos já existentes:

— O troca- troca é maléfico, mas tendo em vista que o TSE, talvez achando pouco 32 partidos, liberou outros novos, não acho justo que DEM, PMDB, PSDB e outros não possam também receber parlamentares.

Segundo Eunício, os presidentes do PSDB, Aécio Neves ( MG) e do DEM, José Agripino ( RN), o procuraram e fizeram apelo para votar a emenda no Senado.

A PEC da reforma política é polêmica, pois , além da constitucionalização da doação de empresas e da janela para troca de partidos, também acaba com o instituto da reeleição para cargos executivos. Até a última sexta, a decisão dos líderes no Senado era de adiar a votação da PEC da reforma política e o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), nem incluiu a emenda na pauta de votações. A decisão, no entanto, poderá ser revista se a maioria dos líderes quiser votar.

( Colaborou Renata Mariz)

Para Romero Jucá, eleições de 2016 são uma incógnita

• Senador diz que, como está, apenas milionários poderão fazer campanha

- O Globo

- BRASÍLIA- Para o relator da reforma política no Senado, senador Romero Jucá ( PMDB- RR), o ideal é que a PEC da reforma política seja votada esta semana pelo plenário da Casa. Jucá também considera muito importante que, na sessão de quarta- feira do Congresso Nacional, seja incluído na pauta e derrubado o veto da presidente Dilma Rousseff ao item do projeto da minirreforma política que regulamenta a doação de empresas. Entre outros pontos, o projeto regulamenta as doações e fixa um teto de R$ 20 milhões para as contribuições das empresas, mas esse ponto foi vetado pela presidente.

— A eleição municipal do próximo ano é uma incógnita. Do jeito que ficou, só os milionários e quem tem a máquina pública poderão fazer campanha. Temos que votar as duas coisas. A PEC define a constitucionalidade da doação de empresas e o trecho do projeto vetado pela presidente Dilma regulamenta a doação de empresas — disse Jucá.

Segundo o senador peemedebista, ainda não dá para saber se a doação de empresas irá obter os 49 votos necessários, mas é preciso que a votação seja encarada pela Casa. Entretanto, mesmo na hipótese de aprovação da PEC, não haveria garantia de que as doações de empresas sejam consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ( STF).

O presidente do STF, Ricardo Lewandovski, e o ministro Luiz Fux, já deram declarações ou sinalizaram que nem mesmo uma emenda constitucional derrubaria o entendimento da Corte de que essas doações ferem a Constituição.

Segundo Lewandovski, a decisão do Supremo se baseou em "grandes princípios constitucionais" que podem ser considerados "cláusulas pétreas". Ele destacou a existência de “precedentes em que o Supremo considerou inconstitucionais emendas à Constituição que conflitam com cláusulas pétreas". O ministro Luiz Fux seguiu a mesma linha em suas declarações:

— Só relembro que o STF já declarou a inconstitucionalidade de emendas constitucionais. Eu relembro a última, que foi a dos precatórios — declarou Fux, por ocasião do julgamento da lei que autoriza as doações.

Para os parlamentares, entretanto, essa é uma questão para ser discutida posteriormente à aprovação da PEC e os outros ministros do Supremo teriam que se posicionar. A inconstitucionalidade da lei atual foi decidida com oito votos a favor e três contrários no Supremo.

2/3 de doações a PT, PSDB e PMDB vêm de empresas

De cada R$ 3 recebidos por PT, PSDB e PMDB, R$ 2 são pagos por empresas

• Levantamento do ‘Estadão Dados’ mostra que, entre 2010 e 2014, os diretórios nacionais dos três maiores partidos do País receberam R$ 2 bilhões de pessoas jurídicas

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Principal combustível das campanhas eleitorais no Brasil, as contribuições financeiras de empresas também são as maiores responsáveis pelo custeio das máquinas dos grandes partidos. Somados, os diretórios nacionais do PT, do PMDB e do PSDB receberam R$ 2 bilhões em doações de pessoas jurídicas entre 2010 e 2014, em valores atualizados pela inflação. Isso representa dois terços de tudo o que entrou nos cofres das três legendas naquele período de cinco anos.

Essa fonte de receitas está prestes a secar. No dia 17, o Supremo Tribunal Federal não apenas decidiu que o financiamento empresarial de campanhas é inconstitucional, mas também derrubou os artigos da Lei dos Partidos Políticos que permitem contribuições privadas às legendas.

Com essa permissão legal, os tesoureiros dos partidos vinham arrecadando recursos de empresas mesmo em anos não eleitorais. Em 2011 e 2013, por exemplo, nada menos que R$ 205 milhões foram doados às três maiores legendas do País.

As prestações de contas entregues à Justiça Eleitoral mostram que os partidos usam parte dos recursos recebidos de pessoas jurídicas para custear pagamento de salários, aluguéis de imóveis, viagens de dirigentes, material de consumo e até despesas com advogados.

Mas o dinheiro que financia campanhas também transita pelas contas das legendas, e não só pelos comitês eleitorais. Nos anos em que os eleitores vão às urnas, os três maiores partidos recebem de pessoas jurídicas, em média, seis vezes mais do que em anos não eleitorais.

No ano seguinte ao de uma eleição, os recursos doados às legendas também podem servir para pagar dívidas de campanhas - o que constitui uma modalidade indireta de financiamento eleitoral, que não aparece nas prestações de contas dos candidatos.

Em 2013, por exemplo, o PT nacional enviou R$ 67,5 milhões, em valores atualizados, para centenas de diretórios municipais do partido. No ano anterior, esses diretórios haviam custeado as campanhas dos candidatos a prefeito, e muitos terminaram a tarefa endividados.

Não há como contabilizar quanto dos recursos usados pelo PT nacional para irrigar suas instâncias municipais veio de empresas, nem a identidade dos doadores. A prestação de contas indica apenas que esse dinheiro não saiu do Fundo Partidário, mas do caixa intitulado “outros recursos” - onde entram doações de empresas e pessoas físicas, contribuições de filiados e outras fontes menores.

Ou seja, uma empresa que fez uma doação ao PT em 2013 pode ter contribuído indiretamente para pagar a campanha de um candidato do partido em 2012, sem que isso aparecesse na contabilidade do candidato - trata-se de mais de uma modalidade de “doação oculta”, em que o vínculo entre financiador e financiado fica invisível. Para complicar ainda mais esse rastreamento, as prestações de contas das doações recebidas em 2013 só foram feitas em 2014 - dois anos depois da eleição municipal.

O PSDB também fez repasses a diretórios municipais em 2013, mas em volume bem menor: pouco mais de R$ 1 milhão.

Contabilidade. Para avaliar o peso das contribuições empresariais no financiamento dos partidos, o Estadão Dados analisou as prestações de contas do PT, do PMDB e do PSDB desde 2010. Foram contabilizados apenas os recursos recebidos pelos diretórios nacionais - empresas também podem doar diretamente a candidatos ou às instâncias estaduais e municipais das legendas, mas nem todas têm suas prestações de contas publicadas.

No total, os três maiores partidos arrecadaram quase R$ 3 bilhões de 2010 a 2015. Além dos R$ 2 bilhões oriundos de empresas, a segunda fonte mais importante foi o Fundo Partidário, formado por recursos públicos: R$ 743 milhões, o equivalente a 25% do total.

As doações de pessoas físicas para os três partidos somaram cerca de R$ 47 milhões - apenas 1,6% do total das receitas.

Na divisão por partidos, o PT foi o principal beneficiário das doações das empresas: recebeu R$ 967 milhões, ou 48% do total. Em segundo lugar, apesar de não ter lançado candidato a presidente em 2010 e em 2014, aparece o PMDB, com R$ 539 milhões (27%). A seguir vem o PSDB, com R$ 498 milhões (25%).

As prestações de contas do PT estão assinadas pelo ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que está preso. Ele foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro - investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, no âmbito da Operação Lava Jato, indicaram que propinas de empreiteiras eram canalizadas ao partido na forma de doações oficiais.


Recessão empurra classe média para trabalho autônomo

• Modalidade já representa 20% da população ocupada e inclui mão de obra mais qualificada atrás de renda

Classe média reforça trabalho autônomo

• Brasileiros mais qualificados perdem vaga e buscam renda alternativa, mesmo com ganhos mensais menores

• Da população ocupada, 19,8% trabalham por conta própria, o maior patamar desde dezembro de 2006

Joana Cunha e Álvaro Fagundes – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com o aumento das demissões (quase 1 milhão de vagas foram perdidas nos últimos 12 meses) e a dificuldade de conseguir um novo emprego com carteira assinada, o brasileiro está recorrendo cada vez mais ao trabalho por conta própria.

Em agosto, 19,8% da população ocupada se enquadrou nessa modalidade, o maior patamar desde dezembro de 2006, o equivalente a 4,5 milhões de trabalhadores. Um ano antes, essa participação era de 19%, e, em agosto de 2013, de 17,9%, segundo dados do IBGE das seis principais regiões metropolitanas.

Nos anos anteriores, o mercado de trabalho vivia um boom da carteira assinada, acompanhada de um avanço do rendimento do trabalhador, o que apoiou o período de crescimento da economia brasileira alavancado pelo consumo das famílias.

Esse cenário, com a recessão, acabou. "Estão acontecendo mudanças expressivas no mercado de trabalho. A forma de inserção está mudando", afirma Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE.

Essas mudanças se traduzem no funcionário da indústria de calçado que foi mandado embora e passou a consertar sapato em casa ou no engenheiro que também perdeu lugar e virou consultor.

Grande parte tem entre 25 e 49 anos, sustenta a família e não pode ficar parada em casa esperando uma nova oportunidade com carteira assinada. Ou seja, neste momento de crise, a renda é mais importante que benefícios como 13º salário e férias.

Muitos partem para atividades ligadas ao comércio, como a revenda de cosméticos ou alimentos, explica Azeredo, do IBGE.

Rendimento
Outra face deste novo modelo de inserção no trabalho aparece na renda.

Na média, o grupo dos que trabalham por conta própria tem sentido uma queda menor no rendimento real que os trabalhadores do setor privado com acesso aos direitos trabalhistas. Em agosto, os primeiros tiveram queda de 1,7%, metade da sentida pelos empregados com carteira assinada.

A explicação, porém, não é necessariamente positiva. Um dos possíveis motivos é a entrada de pessoas com maior qualificação, como advogados e engenheiros, no grupo do conta própria, que levantaram a média dos rendimentos –ainda que esses profissionais possam estar ganhando menos que quando eram empregados.

Naercio Menezes Filho, do Insper, ressalva que "ainda é cedo para verificar uma transformação radical no mercado de trabalho". Melhores conclusões a respeito dos reflexos da atual desocupação ficarão mais claros a partir do ano que vem, diz.

Aécio Neves - Oportunidade

- Folha de S. Paulo

A sociedade brasileira precisa estar atenta a uma iniciativa de grande valor que está em discussão no Congresso: o Projeto de Lei 555, que trata da Lei de Responsabilidade das Estatais e está na ordem do dia para ser votado no Senado Federal.

Quem acompanha os escândalos financeiros envolvendo nossas estatais perceberá que a proposta pode significar o começo de uma revolução silenciosa e transformadora nas relações entre elas e seu controlador –o governo.

A questão central é que a atual Lei das Sociedades Anônimas estabelece que o controlador –o governo, portanto– "poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação", o que tem garantido salvo-conduto para a realização de verdadeiras atrocidades gerenciais, como as observadas nos últimos anos na Petrobras, Eletrobras e Correios, entre outras.

Como o legislador nunca se preocupou em decidir o que vem a ser "interesse público", tudo ou quase tudo é permitido. O que se propõe agora é definir o que pode ser considerado como interesse público, e a forma com que a manifestação do mesmo se dá –através de explicitação de contrato entre o controlador e a empresa.

O contrato deverá determinar a remuneração da empresa pela execução do projeto de interesse público, além de obrigar o pagamento dos serviços pelo controlador, com a necessária previsão orçamentária.

A prestação de contas inclui não somente o monitoramento periódico da execução financeira, mas a verificação se o projeto atendeu ao interesse público que justificou sua existência. Há ainda um substancial aperfeiçoamento dos instrumentos de prestação de contas, com reforços do papel do conselho fiscal e da criação de comitê de auditoria, vinculado ao conselho de administração.

Mas quem aprovará esse contrato que dirá o que é e o que não é interesse público? O conselho de administração da estatal. E é neste ponto que o projeto de lei contém outro marco importante. Pelo menos 20% da composição dos conselhos –quase sempre capturados por interesses políticos e ocupados por ministros e apadrinhados– passarão a contar com conselheiros independentes, profissionais com pelo menos 10 anos de experiência e sem vínculos com partidos, sindicatos ou com o controlador.

Processos galvanizadores que resultam em transformações da sociedade, com efeitos de longo prazo, muitas vezes precisam de uma conjuntura crítica, como a atual, para se tornarem realidade.

O Brasil cansou de decisões paliativas que, na maioria das vezes, apenas adiam a solução do problema. Neste caso da governança das estatais, temos uma oportunidade real de fazer uma revolução em favor da transparência e da eficiência.
---------------------
Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB