quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Renda no Rio é a menor entre as capitais de Sul e Sudeste

• IBGE também mostra que desemprego sobe mais e castiga 9 milhões de pessoas

Lucianne Carneiro - O Globo

A cidade do Rio de Janeiro tem a menor taxa de desemprego das capitais brasileiras, 5,1%, mas o salário médio do carioca é menor do que o dos trabalhadores do Sul e Sudeste do país. Com rendimento médio de 2.676, o Rio está na 8ª posição no ranking, liderado por Vitória, mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do terceiro trimestre, divulgados ontem pelo IBGE.

A pesquisa também mostrou que, de julho a setembro, o desemprego no país subiu para 8,9%, acima dos 8,3% registrados no segundo trimestre e a maior taxa da série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. O total de desempregados chegou 9 milhões de pessoas, 33,9% mais do que no mesmo período de 2014 e 7,5% maior do que no trimestre anterior. O rendimento real (descontado a inflação) ficou em R$ 1.889, 1,2% menor do que no trimestre encerrado em junho.

— A cidade do Rio de Janeiro tem uma população com uma faixa etária mais elevada. Isso pode afetar tanto a taxa de desemprego quanto a renda da população, mas ainda são hipóteses, vamos olhar com mais atenção para esses dados, que são divulgados agora pela primeira vez — diz o gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.

Vitória lidera rendimento
Foi a primeira vez que o IBGE divulgou taxas de desemprego e rendimento de todos os estados brasileiros, 21 regiões metropolitanas e 27 capitais. O maior desemprego foi em Salvador, 16,1%, e a menor renda média, em Belém do Pará, R$ 1.602. Segundo Azeredo, a maior surpresa dos novos dados foi a liderança de Vitória, com renda de R$ 3.782. Em segundo lugar, ficou Brasília com renda de R$ 3.512 — tradicionalmente nos dados da Pnad anual, o Distrito Federal aparecia com a maior renda do país. São Paulo veio em terceiro, com R$ 3.151. Em Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte a renda também supera a do Rio.

Na análise por região, o Sudeste tem a maior renda do país, de R$ 2.189. E é também a região — que responde por quase metade (44%) da força de trabalho do país — que registrou o aumento mais expressivo do desemprego. A taxa passou de 8,3% no segundo trimestre para 9% no terceiro trimestre. Em igual período de 2014, era 6,9%.

— A região Sudeste tem uma representação forte dos setores mais dinâmicos e modernos da economia, aqueles que tem uma reação mais rápida à deterioração da economia. Não é de surpreender que tenha sido ali a maior elevação — diz o pesquisador do Ipea Lauro Ramos.

Os números do IBGE mostram que o total de trabalhadores empregados chegou a 92,090 milhões de pessoas no terceiro trimestre, 121 mil a menos que no segundo trimestre e queda de 179 mil frente ao terceiro trimestre de 2014. A variação é considerada estabilidade, segundo o IBGE, por causa da margem estatística. Para Lauro Ramos, a incapacidade de o mercado de trabalho gerar novas vagas está na origem da expansão do desemprego no país, ainda que haja a influência do aumento da busca por trabalho por quem não estava no mercado.

— A situação do mercado de trabalho é crítica e vemos uma deterioração contínua nos resultados ao longo do ano. Há um retorno de quem estava fora do mercado para buscar vagas, mas existe uma incapacidade de gerar vagas. Como as perspectivas da economia não são nada interessantes, a expectativa para o mercado também não é nada alvissareira — diz Ramos.

Informalidade aumenta 
Mesmo com a redução no total de ocupados, o desemprego foi puxado principalmente pelo aumento da força de trabalho, que inclui tanto quem está trabalhando quanto quem busca vaga. São pessoas que estavam fora do mercado — como jovens, idosos e donas de casa,— e voltam a buscar vagas, pressionando o mercado. Isso ocorre diante da perda de renda e de emprego de outros integrantes da família, especialmente os chefes.

Não foi à toa que milhares de trabalhadores enfrentaram quase 1 km de fila, ontem, para tentar uma vaga na Feira de Emprego do Niterói Shopping. Muitos passaram a madrugada na rua.

— O aumento do desemprego nesta época do ano é especialmente sério. É nesta época que se começa a contratar os trabalhadores temporários do fim do ano. Ainda há queda de rendimento e troca de empregos com carteira assinada pelos trabalhadores por conta própria — afirma o professor da PUC-Rio Gabriel Ulyssea.

O número de trabalhadores por conta própria aumentou 760 mil em um ano (3,5%) e 166 mil (0,8%) em um trimestre. Já total de trabalhadores com carteira assinada caiu 3,4% em um ano, com 1,237 milhão de pessoas a menos. Na comparação com o trimestre anterior, a queda foi de 1,4%, ou quase 500 mil pessoas (494 mil).

Sem os repasses do governo, duas bibliotecas-parque fecham as portas

• Unidades do Centro e de Niterói deixam de funcionar. Outras terão horário reduzido

Giselle Ouchana - O Globo

As bibliotecas-parque da Avenida Presidente Vargas, no Centro, e de Niterói, estão fechadas ao público a partir de hoje. As atividades foram suspensas temporariamente por falta de repasse de verbas pelo governo estadual. A decisão foi tomada ontem à tarde, após uma reunião entre a secretária estadual de Cultura, Eva Doris Rosental, e o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão.

Segundo Ricardo Piquet, presidente do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), organização social responsável pela administração dos espaços, o governo só vai discutir a retomada dos repasses às bibliotecas no próximo dia 10. Por causa da crise financeira, a OS recebeu este ano apenas R$ 9 milhões dos R$ 20 milhões previstos no contrato. Segundo Piquet, os salários dos 150 funcionários das quatro bibliotecas — Centro, Niterói, Rocinha e Manguinhos — foram pagos em dia, mas todos receberam aviso prévio até o dia 23 de dezembro. Se o estado não fizer os repasses, eles serão demitidos.

Os serviços de manutenção e investimentos das bibliotecas, como a compra de novos livros, também deixaram de ser feitos, assim como estão atrasadas contas de energia e do serviço de segurança.

Em nota, a Secretaria de Cultura informou que “em função da readequação financeira do estado, as atividades das bibliotecas-parque serão reestruturadas”. As unidades de Manguinhos e da Rocinha continuarão abertas, mas num horário reduzido. Elas vão funcionar agora de terça a sexta, das 12h às 18h. Até ontem, ficavam abertas de terça a sábado, das 11h às 19h. No Centro do Rio e em Niterói, a devolução de livros não será interrompida.

No Centro, a Biblioteca Parque Estadual, a matriz do projeto, também é usada por grupos de teatro. O espaço passou por uma grande obra de expansão e modernização, que custou R$ 71 milhões. Ontem, três jovens ensaiavam o texto da peça “O tesouro de Chica da Silva", quando souberam do fechamento.

— Aqui é nosso ponto de encontro. Não só nosso, mas de outros grupos também. É uma grande perda — disse Guilherme Paixão, de 24 anos.

Uerj, sem aulas por causa de dívida, tem dia de universidade-fantasma

• No Hospital Pedro Ernesto, residentes entram em greve e faltam materiais

Carina Bacelar - O Globo

Com luzes apagadas, corredores vazios e silenciosos, a Uerj, no Maracanã, viveu ontem seu primeiro dia de aulas suspensas por “estado de insalubridade”, como classificou o reitor Ricardo Vieiralves de Castro. Com o pagamento de outubro atrasado, funcionários terceirizados de segurança e limpeza sumiram. Os poucos estudantes presentes estavam ali por causa de pesquisas e estágios, que desde o começo do mês não são remunerados.

Na falta de alunos, havia recados deixados por eles. Nas paredes da Faculdade de Geografia, bolsistas fixaram cartazes com desabafos. “Tá difícil estudar sem bolsa. Preciso de passagem. Preciso me alimentar. Cadê o dinheiro?”, perguntava um deles. A poucos metros dali, o atendente Carlos Alberto Aragão, de 48 anos, o único do serviço de fotocópia dos cursos de geografia e oceanografia, folheava um livro sem ler o conteúdo das páginas, ao mesmo tempo em que escutava o noticiário esportivo na TV.

— Ficamos parados, né? A gente trabalha para não ficar em casa — lamentou.

Sem aulas, o movimento cai 90%, segundo ele. Como, além de salário, ganha comissão em cima das cópias feitas, o morador do Complexo do Alemão, que tem mulher e três filhos, vê seu rendimento prejudicado.

Bolsa de estudos com pagamento atrasado
Entre os alunos, o sentimento também era de tristeza. Formanda do 10º período de direito, Débora Gaspi, de 23 anos, sentiu-se orgulhosa de ser aprovada para um dos cursos mais tradicionais da universidade. Mas ontem lamentava a suspensão das aulas e a falta de pagamento de sua bolsa de estudos, que recebe por um estágio na Procuradoria da Uerj:

— Imaginei que enfrentaria os problemas de uma faculdade pública, como uma eventual greve, mas não essa sucessão de falta de pagamentos. Graças a Deus, minha família tem condições de me apoiar nessa situação (de atraso na bolsa), mas fico pensando nas pessoas que realmente precisam desse dinheiro.

No Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, vizinho ao campus, residentes se apressavam. Em greve após um mês de pagamento de bolsas atrasado, os 771 médicos em treinamento decidiram fazer um rodízio em que só 30% deles trabalham diariamente. As cirurgias eletivas foram suspensas, assim como a marcação de novos exames, exceto os de raios X. Segundo uma enfermeira que trabalha há 20 anos no hospital e atualmente está lotada na central de materiais, começaram a faltar luvas plásticas e compressas:

— A enfermagem tem se virado. Em vez de manter uma escala diária de 20 cirurgias, reduzimos para um quarto disso. Deu pena semana passada, quando vi vários funcionários da limpeza na fila do banco para pegar empréstimo.

Os terceirizados da empresa Construir, responsáveis pela limpeza da Uerj e do hospital, chegam ao Pedro Ernesto e “só fazem o básico”, como definiu uma funcionária, que pediu anonimato. Tiram o lixo das instalações e limpam os locais onde ficam os leitos. Até materiais de limpeza, como cloro e sacos de lixo, segundo ela, estão em falta.

— Estou contando com a ajuda do meu filho, que também trabalha no hospital. Há boatos de que a empresa dele, outra terceirizada, também vai parar de pagar. Você não pode comprar mais nada, porque não sabe quando vem o pagamento — desabafou.

No Cap-Uerj, professores limpam salas
No Colégio de Aplicação da Uerj (CAp-Uerj), no Rio Comprido, a situação se repete. Seguranças, faxineiros e funcionários de uma empresa de manutenção (a Navele) estão com os salários atrasados. Mesmo assim, seguem trabalhando, em esquema de revezamento, com medo de demissão por justa causa. Os banheiros e lixeiras estão limpos, mas alguns professores precisam fazer a faxina das salas.

— Ontem eu quis fazer uma roda e me sentar no chão com as crianças, mas não pude, por causa da sujeira. Eu passo a vassoura na minha sala, para que ela não fique muito suja — contou uma professora do ensino fundamental, que pediu para não ter o nome publicado. Ela e pelo menos mais 13 professores do CAp, contratados como horistas, estão sem receber desde setembro.

A pesquisa de ponta da universidade também está ameaçada. O sentimento é de incerteza no Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores, coordenado pelo oceanógrafo José Laílson. A maior parte dos projetos depende de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), cujos depósitos de outubro ainda não foram efetuados.

— É uma crise que deixa todo mundo paralisado. Não sofremos os efeitos ainda, mas, se isso perdurar por 15 ou 20 dias, as atividades serão comprometidas — afirmou ele.

A Uerj suspendeu as aulas por uma semana. Sua dívida com duas empresas — de limpeza e segurança — chega a R$ 7,5 milhões.

Base freia adiamento de reajustes salariais

Por Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - A hipótese do adiamento do reajuste do salário mínimo elevou ontem a tensão entre o PT e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A medida, cuja autoria é negada de maneira categórica pelo ministro, voltou a ser discutida nos últimos dias em Brasília.

Tão logo soube da proposta, o presidente do PT, Rui Falcão, telefonou para o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), que desmentiu qualquer decisão sobre o assunto. "Ele [Berzoini] autorizou a dizer que não há nenhuma decisão nesse sentido", disse Falcão. O Valor PRO, serviço de informações em tempo real doValor, apurou, no entanto, que esta é a segunda vez que a proposta é colocada sobre a mesa de discussão do ajuste.

A primeira vez, quando o governo ainda discutia quais as medidas seriam necessárias para fechar as contas de 2016, a proposta foi apresentada pelo ministro Levy, houve uma breve discussão e a presidente Dilma Rousseff, pessoalmente, se posicionou contrária à medida. A política de valorização do salário mínimo é peça-chave no programa do PT. Já com problemas como a impopularidade de Dilma e a Operação Lava-Jato, entre outros, reduzir a renda do trabalhador poderia ser fatal para o partido nas eleições municipais de 2016. No PT, a medida foi apelidada de "pedalada salarial".

O adiamento é uma das propostas para fechar as contas da União em 2016 e tornar possível a obtenção da meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto para o setor público consolidado. O arranjo foi submetido à Casa Civil da Presidência da República, que já consultou alguns líderes da base aliada. Não há consenso, no entanto, também na área econômica sobre as medidas.

O reajuste dos servidores, já adiado de janeiro para agosto, sofreria novo adiamento para dezembro. O reajuste do salário mínimo, que passou a ser feito no dia primeiro de janeiro, seria adiado para primeiro de maio, como era no passado.

O adiamento do reajuste dos servidores federais dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para dezembro do próximo ano representaria uma economia de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões no ano, segundo cálculos de consultores orçamentários do Congresso Nacional obtido pelo Valor PRO.

"Ninguém sabe se isso tem chance de avançar", pondera um técnico da equipe de Levy.

Não há decisão, até porque uma eventual mudança na regra de reajuste do salário mínimo exige uma medida provisória ou um projeto de lei. Nos dois casos, é preciso que os parlamentares aprovem a medida. No caso do reajuste dos servidores, o governo tem que formalizar o aumento num projeto de lei com votação até agosto, data em que houve acordo para a correção.

O Ministério do Planejamento revisou ontem a previsão de retração da economia brasileira de 1,9% para 1,0% do PIB. Uma fonte da área econômica explicou que com a previsão de uma retração maior do PIB, associada à margem apertada para corte de gastos, estava cada vez mais difícil fazer um superávit de 0,7% do PIB no próximo ano. Por essa razão os técnicos estão discutindo todas as fórmulas possíveis, e nelas o adiamento do reajuste do salário mínimo e do funcionalismo público.(Colaboraram Edna Simão e Thiago Resende)

Merval Pereira: Atrás da prova concreta

- O Globo

Antes de representar um atestado de inocência de Lula, as ressalvas quanto a ele feitas pelo juiz Moro na decretação da prisão do pecuarista José Carlos Bumlai significam que ainda não foi possível chegar a uma prova concreta que determine com firmeza o envolvimento de Lula nos fatos apurados, embora ele seja presença frequente nas colaborações premiadas e sujeito oculto nas tramas reveladas.

Mas, como se comenta nos bastidores da Operação Lava-Jato, “Lula é alguém em quem você não pode dar uma mordida na perna. Se sair, tem que ser para engolir”. Há uma norma entre os componentes da operação: só se acusa alguém quando há provas para condená-lo. No caso de Lula, há familiares que estão sendo investigados, pessoas no entorno envolvidas, como Bumlai, sendo provável que as coisas amadureçam em algum momento.

Diante de tudo que tem vindo a público, é bem possível que em algum momento alguém em Curitiba, ou em Brasília, ou na Operação Zelotes, chegue a essa prova concreta. Os investigadores da Lava-Jato estão encontrando mais dificuldades em achar indícios que levem à prisão políticos, que tomam mais precauções.

Uma constatação é que todo mundo deixou rastros, mas vários políticos não deixaram, por isso o grupo de Brasília está penando, tendo dificuldade muito grande para trabalhar, bem maior do que os procuradores em Curitiba. Por isso também a colaboração premiada é muito importante, mas nenhum dos políticos fez acordo até agora. Fala-se que o ex-deputado Pedro Corrêa estaria negociando, mas ainda não fechou.

Os políticos geralmente recebem em espécie, e há mais dificuldade para rastrear o dinheiro. A denúncia tem de ser feita na base de provas circunstanciais, encontros, telefonemas etc. O caso da Operação Passe Livre é típico, a começar pela associação com o passe livre que o pecuarista tinha no Planalto e por ele ter sido fotografado na portaria. Petistas como Paulo Okamotto tentam agora dizer que nunca houve tal permissão, e que Bumlai não era tão amigo assim de Lula.

Bumlai é acusado de ter tomado empréstimo de R$ 12 milhões no banco Schahin e repassado ao PT. Teria tido “a benção de Lula”, segundo João Vaccari ao dono do banco. O empréstimo teria sido perdoado pelo banco, que recebeu, em troca, contrato da Petrobras.

A história desse empréstimo já fora revelada por Marcos Valério em 2012, quando tentou tardia delação premiada no mensalão. Na sua versão, Bumlai teria repassado dinheiro a um empresário de Santo André, Ronan Pinto, para que ele não citasse petistas que estariam envolvidos na morte do então prefeito Celso Daniel, em 2002. “O destino final dos R$ 12 milhões ainda é controverso”, dizem os procuradores. A Receita, porém, diz o site O Antagonista, quebrou o sigilo bancário de Ronan e constatou que ele recebeu empréstimo de R$ 6 milhões na época, para comprar o jornal “Diário do Grande ABC”.

Os procuradores da Lava-Jato estão aguardando também dados do exterior. Quando o procurador-geral suíço veio ao Brasil, falou que haviam sido identificadas 300 contas brasileiras, mas até agora vieram menos de 20 delas, e as dificuldades se devem ao processo suíço de liberação de contas, demorado.

Todas essas questões emperram as investigações e angustiam os procuradores, que têm de enfrentar as diversas versões espalhadas para prejudicá-las. Querem evitar o que ocorreu na Operação Mãos Limpas na Itália, que teve grande apoio da população, mas o volume de acusações que nunca foram provadas foi suficiente, com o tempo, para tirar o apoio da opinião pública.

Em vez de terem aprovado reformas que evitariam a corrupção, na Itália acabou se assistindo a uma reação do sistema, dos próprios investigados, poderosos e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade. Por isso os procuradores apresentaram as “10 medidas contra a corrupção”, que pretendem apresentar como projeto de iniciativa popular. Já tem quase 700 mil assinaturas, e precisa de 1,5 milhão.

A tensão não permite que deem passo em falso com figuras influentes, mas têm noção de que, se após fatos apurados, delações confirmando relatos distintos, indícios levantados, não tiverem como fazer denúncia contra Lula, será dar a ele atestado de inocência.

Lula sairá desse inferno astral com discurso de que foi investigado, perseguido, e nada contra ele foi encontrado. Os procuradores garantem, porém, que, na hora em que tiverem condições de oferecer acusação formal, oferecerão, sem constrangimentos políticos.

Dora Kramer: Ouro de tolo

- O Estado de S. Paulo

Os procuradores que explicaram as razões da prisão do pecuarista José Carlos Bumlai foram bastante cuidadosos nas referências a possível envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio da Silva nas tramoias do amigo, assim como o juiz Sérgio Moro, ao salientar que não existem provas contra Lula.
Nem por isso descartaram essa hipótese liminarmente, o que significa que a levam em conta e que a citação ao nome do ex-presidente deixou de ser um tabu. Natural que assim seja, pois aos investigadores compete chegar ao topo da cadeia de comando do esquema de corrupção montado para, segundo eles, abastecer os cofres de pessoas jurídicas e os bolsos de pessoas físicas.

Disseram ontem que os empréstimos fraudulentos obtidos por Bumlai, ao que tudo indica, tinham esse objetivo e repetem o método empregado por Marcos Valério de Souza no caso do mensalão. Por esse raciocínio, o pecuarista amigo com passe livre (não por acaso o nome da operação em curso) no Palácio do Planalto à época do governo Lula seria o operador substituto de Valério.
Ainda de acordo com os procuradores, ao menos uma dessas transações foi comprovadamente feita sob os auspícios de Delúbio Soares e José Dirceu à época em que um era tesoureiro do PT e, o outro, chefe da Casa Civil, braço direito do presidente.

De onde tem fundamento a avaliação do atual governo de que a Lava Jato tem por objetivo chegar a Lula. Mas, não a fim de persegui-lo, como prefere enxergar o Planalto, mas com o objetivo de esclarecer se o mandatário supremo do partido e do governo onde tudo se passou tinha, ou não, o domínio dos fatos.

Caso tudo tenha se dado à sua revelia, Lula não tem o que temer. A Lava Jato chegará a ele. Para acusá-lo ou inocentá-lo. Ainda que na última hipótese fique assentado que fez papel de tolo na Presidência.

Responsabilidade moral. Os partidos no Brasil têm, por força da Constituição, caráter nacional. Portanto, não há questões que possam ser consideradas alheias às direções como quer fazer crer a cúpula do PMDB ao tentar tratar dos casos de Eduardo Cunha e do secretário de Governo da prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho, como episódios de natureza pessoal desvinculados do partido.

Da conduta dos indivíduos é que se firma a opinião do público sobre o conjunto, conforme atesta o desgaste do PT. Até agora a Executiva Nacional não se manifestou sobre a situação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

O partido não o defende, mas também não diz o que pensa sobre as denúncias que o cercam, as manobras regimentais para tentar postergar o processo no Conselho de Ética, as versões inverossímeis sobre as acusações ou sobre sua permanência no cargo que tanto repúdio desperta em toda parte. Inclusive na sociedade à qual o PMDB pretende se mostrar como alternativa confiável e competente de governo.

Da mesma forma, o partido faz questão de ignorar o que se passa no Rio de Janeiro, onde ocupa o governo do Estado e a prefeitura da capital. Ali, as autoridades pemedebistas acabam de reafirmar seu apoio à candidatura de um homem violento e, além de tudo, mentiroso. Ao qualificar de “balelas” e “fofocas” as ocorrências de agressão devidamente registradas e comprovadas cometidas por Pedro Paulo, o PMDB fluminense faz opção preferencial pelo machismo e desrespeito à lei.

Se a direção nacional acha que nada disso tem importância e que, principalmente, não tem nada a ver com isso, é porque não está entendendo nada do que se passa a seu redor. Fala em modernização, mas atua de maneira obsoleta.

Bernardo Mello Franco: Amigo em apuros

- Folha de S. Paulo

Os policiais que batizaram a nova fase da Lava Jato não poderiam ser mais explícitos. A expressão Passe Livre resume a desenvoltura com que o pecuarista José Carlos Bumlai circulava pelo Palácio do Planalto durante o governo Lula.

O amigo do ex-presidente foi preso nesta terça-feira. De acordo com o juiz Sérgio Moro, "há prova de seu envolvimento" em crimes de corrupção na Petrobras. A decisão também cita empréstimos fraudulentos e repasses milionários ao PT.

Segundo três delatores da Lava Jato, a trama começou em 2004, quando Bumlai captou R$ 12 milhões com o banco Schahin. O dinheiro, diz Moro, "tinha por destinatário final o Partido dos Trabalhadores". Cinco anos depois, o repasse teria sido quitado com verbas da Petrobras.

A PF investiga ainda empréstimos de R$ 518 milhões do BNDES a empresas de Bumlai. Enquanto o pecuarista era preso em Brasília, policiais recolhiam documentos na sede do banco estatal, no Rio.

A prisão do amigo de Lula não preocupa o governo apenas pelo novo desgaste na imagem do ex-presidente. Os petistas temem que ele se desespere na cadeia e negocie um acordo de delação premiada com os procuradores de Curitiba.

Moro foi cauteloso ao se referir a Lula. Disse que Bumlai usou seu nome "de maneira indevida" e que "não há nenhuma prova" nos autos contra ele. Para os aliados mais céticos do ex-presidente, o pecuarista teria sido preso justamente para ajudar na produção dessas provas.

O juiz da Lava Jato usou uma justificativa curiosa ao determinar a preventiva do empresário. Disse que Bumlai tinha o "comportamento recorrente" de usar a proximidade com Lula para "obter benefícios", e poderia manchar o nome do amigo caso continuasse em liberdade.

"Fatos da espécie teriam o potencial de causar danos não só ao processo, mas também à reputação do ex-presidente", escreveu.

Luiz Carlos Azedo: Passe livre

• Preso por tempo indeterminado, Bumlai é mais um empresário que vai mofar na cadeia, a não ser que recorra à delação premiada. Mas pode não ser o peixe mais graúdo pego na tarrafa

- Correio Braziliense

Ao complementar as explicações sobre esta nova fase, o procurador Carlos Fernando Lima, que lidera as investigações, disse que a comprovação dos fatos envolvendo a Petrobras está adiantada. Ele afirmou que existe claramente uma “vinculação política” nesse primeiro empréstimo com o governo, à época que José Dirceu chefiava Casa Civil. Condenado pelo caso mensalão, o ex-ministro também é réu em ação no âmbito da Lava-Jato e está preso no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba.

O nome dado pela Polícia Federal à 21ª fase da Operação Lava-Jato, que intitula a coluna, parece uma provocação. Faz alusão às prerrogativas de acesso do pecuarista José Carlos Bumlai ao gabinete do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Supostamente, ele teria prioridade de atendimento na portaria principal do Palácio do Planalto, sendo encaminhado ao local de destino, após prévio contato telefônico, em qualquer tempo e qualquer circunstância.

A prisão do amigo do ex-presidente Lula, ontem, em Brasília, onde deveria depor na CPI do BNDES, passou a todos a impressão de que a Operação Lava-Jato fecharia um cerco ao líder petista. Assim foi interpretada pela cúpula do PT, pelo Palácio do Planalto e pela oposição. Mas o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável pela Operação Lava-Jato na primeira instância, prudentemente, desmontou a versão no próprio despacho em que determinou a prisão preventiva de Bumlai.

Disse Moro: “Não há nenhuma prova de que o ex-presidente estivesse de fato envolvido nesses ilícitos, mas o comportamento recorrente do investigado José Carlos Bumlai levanta o natural receio de que o mesmo nome seja de alguma maneira, mas indevidamente, invocado para obstruir ou para interferir na investigação ou na instrução”. Para o magistrado, o pecuarista utilizou “por mais de uma vez e de maneira indevida, do nome e autoridade do ex-presidente” para obter benefícios.

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que Bumlai utilizou contratos firmados na Petrobras para quitar empréstimos junto ao Banco Schahin. O dinheiro seria destinado ao Partido dos Trabalhadores (PT), de acordo com o procurador federal Diogo Castor de Mattos. O principal empréstimo era de R$ 12 milhões e teve o valor elevado para R$ 21 milhões devido aos acréscimos. A dívida, de acordo com o Ministério Público Federal, foi perdoada, e a irregularidade foi mascarada com uma falsa quitação no valor inicial do empréstimo.

Para justificar a falta de pagamento, o banco Schahin efetivou um novo empréstimo em nome de uma empresa do pecuarista. Foi criado um falso contrato entre o empresário e fazendas do grupo Schahin. “Houve uma simulação de contrato de venda de embriões por parte do senhor José Carlos Bumlai para as fazendas de Schahin. Essa operação consistiu basicamente em uma complexa engenharia financeira e resultou no recibo de quitação da dívida”, explicou Mattos.

Para o Ministério Público Federal, a quitação consistiu na vantagem indevida que foi oferecida aos funcionários corruptos da Petrobras em troca do contrato de operação do navio-sonda Vitória 10.000. Além do empréstimo principal, há pelo menos uma dezena de outros empréstimos, no valor de dezenas de milhões de reais, envolvendo pessoas físicas ligadas ao pecuarista. Segundo o procurador, “as diligencias investigativas em relação ao senhor José Carlos Bumlai demonstraram várias operações com suspeitas de lavagem de dinheiro e movimentação de recursos vultuosos em espécies.”

Tarrafa
A impressão é de que a Polícia Federal jogou uma tarrafa ao realizar a Operação Passe Livre, que mobilizou 140 policiais federais e 23 auditores-fiscais, para executar 25 mandados de busca e apreensão, um mandado de prisão preventiva e 6 mandados de condução coercitiva, nas cidades de São Paulo, Lins (SP), Piracicaba (SP), Rio de Janeiro, Campo Grande, Dourados (MS) e Brasília. Uma das operações foi na sede do BNDES no Rio de Janeiro, onde foram apreendidos documentos relativos aos empréstimos concedidos a Bumlai.

A São Fernando Açúcar e Álcool, por exemplo, obteve um contrato de R$ 338 milhões com o BNDES quando já havia um pedido de falência, em 2008. A empresa tem um passivo de cerca de R$ 1 bilhão atualmente, sendo metade com o BNDES. Já a São Fernando Energia conseguiu um empréstimo de R$ 101 milhões quando estava inativa operacionalmente e possuía apenas sete empregados. Preso por tempo indeterminado, Bumlai é mais um empresário que vai mofar na cadeia, a não ser que recorra à delação premiada. Mas pode não ser o peixe mais graúdo pego pela tarrafa.

Eliane Cantanhêde: Terrorismo tupiniquim

- O Estado de S. Paulo

Sinceramente, não sei por onde começar. Pela prisão do amigão do Lula que recebeu milhões do BNDES para uma empresa inativa, aquele que sabe das coisas? Pelo jogo bruto do Eduardo Cunha para se safar no Conselho de Ética? Pela chegada de Mauricio Macri na Argentina para ameaçar a liderança do Brasil na região? Pelos 739 casos de microcefalia provavelmente causados por Zika vírus? Ou pela tragédia pessoal, social, ambiental e econômica do rompimento criminoso da barragem em Mariana?

Some-se a esse rol a crise que corrói o crescimento, produz inflação e gera nove milhões de desempregados e chega-se, assim, a uma constatação dolorosa: é muita tragédia para um país só, num ano só, de uma vez só, às vésperas do Natal, do Ano Novo e das férias escolares (onde não houve meses de greve...). Será que são coisas totalmente isoladas, ou será que há um nexo entre elas?

Mesmo os mais otimistas ou os que têm horror a análises catastrofistas têm de fazer muito esforço para achar – e defender – que está tudo bem e que tudo isso, ao mesmo tempo, é apenas obra do acaso, de uma nuvem carregada, da ira dos deuses ou de uma conjunção pérfida de “fatores externos” – tanto quanto o desastre da economia seria resultado da “crise internacional”.

Quem sabe, tudo não passa de maquinação de uma direita capaz de qualquer coisa para prejudicar o PT, o Lula, o governo Dilma Rousseff e o Brasil? Vai ver estamos sob o ataque de uma espécie de Estado Islâmico tupiniquim que degola a cúpula do partido, uma Al Queda que infiltra o Eduardo Cunha para destruir o governo, um Boko Haram que dizima barragens e prolifera mosquitos Aedes aegypti, uns Jihadistas que manipulam as mentes de procuradores, policiais e juízes, um grupo xiita que elege Mauricio Macri para atacar o bolivarianismo no continente.

Tudo é possível, o que não resolve nada é Lula sair fantasiado de Dom Quixote de La Mancha, apontando sua lança contra inimigos abstratos, quando todas as tragédias são bem concretas. Também não adianta nada a competição entre Lula e Dilma para decidir quem é mais culpado. Lula acusa Dilma de destruir a economia e o seu legado. E Dilma rebate, com um indisfarçável ar de deboche: “A Lava Jato não foi no meu governo...”.

Quando a inflação, o desemprego e a queda de renda batem à porta, a culpa é do estrangeiro, dos países ricos que exportaram a crise para o mundo. Quando o mensalão atinge em cheio o PT, a culpa é do caixa dois e do Joaquim Barbosa, que não foi posto cordialmente no Supremo para fazer esse papelão com o PT. Quando a Lava Jato e a Zelotes se aproximam de Lula e de seus filhos, a culpa é do Sergio Moro e da Polícia Federal. E, claro, em qualquer caso a imprensa é sempre culpada.

Uma coisa, porém, a gente aprende com esse conjunto de crises: não são geladeiras e fogões novinhos em folha nem viagens para a Disney que garantem desenvolvimento, bem estar, saúde, educação, fiscalização e o futuro. E, se não houver uma profunda reforma nas campanhas e na forma de fazer política, o País vai ficar cada vez mais nas mãos dos Eduardo Cunha, as boas intenções serão vencidas pelas tentações e os melhores partidos serão engolidos pelas facilidades.

Quem paga? Os de sempre: o que trabalha, o que estuda, o que tem o azar de morar no caminho das barragens mal fiscalizadas e as grávidas sujeitas às picadas mais cruéis. Ainda bem que as instituições resistem, firmes e fortes. Só elas para nos salvar – inclusive de um incômodo pessimismo.

Máquina de versões. Tal como a Petrobrás fazia lá atrás, quando ainda havia tempo para depurar e salvar a maior companhia brasileira, o BNDES parece estar instalando uma máquina de desmentidos com o objetivo de negar os detalhes para desqualificar o principal. Nada pior para a saúde de pessoas e de empresas do que mascarar os sintomas.

Rosângela Bittar: Um governo no modo improviso

• Palácio não acredita que o impeachment ficou no passado

- Valor Econômico

A remoção, na segunda-feira, da última barraca dos abnegados do impeachment, plantada no gramado em frente ao Congresso, funcionou como a exéquia do pedido de afastamento da presidente Dilma, este ano. As razões pelas quais os políticos de situação e de oposição resolveram salvar esse mandato, por enquanto, foram ficando evidentes ao longo do último mês, mas podem ser resumidas numa única constatação: nem um nem outro grupo conseguiu criar uma alternativa.

Quem chegou mais perto foi Michel Temer, o vice-presidente, portanto a situação, que movimentou-se melhor em todas as direções, conquistou mais força na sociedade e no empresariado, criou um plano de governo para salvar a economia que pudesse ser imediatamente executado ao assumir para um governo de transição. Não se está aqui revelando uma traição, ou alta conspiração, como quis fazer crer o PT, mas apenas o cenário traçado para si por um político responsável que estava no comboio de sustentação do governo mas tinha que saber, por ser o segundo na linha sucessória, o que fazer se o governo não se sustentasse.

Quem roeu a corda da situação foi a oposição que, viu-se quando o impeachment esteve no auge, só queria a alternativa da nova eleição para exercer um mandato completo, e não um mandato tampão, apoiando Temer, o sucessor natural. A oposição chegou a sugerir que se criasse uma regra de disposições transitórias para impedir o vice de, se exercesse a transição, ser candidato em 2018.

Os políticos, que entraram no projeto empurrados pelas ruas, foram perdendo motivação, os empresários colocaram um pé atrás com os altos valores vislumbrados, o fervor do impeachment foi esfriando, até hibernar. Hibernar não significa morrer. O próprio governo não acredita que o impeachment ficou no passado, e tem análises que apontam para o que pode novamente detonar a ameaça.

A Operação Lava-Jato e suas surpresas estão em primeiro lugar. Os tremores de alta escala sentidos ontem no Palácio do Planalto após a prisão de José Carlos Bumlai, o amigo do ex-presidente Lula metido no circuito BNDES-PT-plataformas- frigoríficos, foram exemplo dos alertas de auxiliares da presidente a respeito do poder dessa investigação para fazer novos estragos. Uma declaração do sócio do ex-presidente Lula, aquele que sempre cuidou de suas finanças, Paulo Okamotto, causou também arrepios nas hostes governistas. Ele disse que "Lula não será preso". Frase inimaginável, mesmo na negativa, há bem pouco tempo.

A crise econômica e a deprimente onda de desemprego formam outro conjunto de alavancas para destravar o assunto, recolocando-o de volta na mesa política. Também nesse caso, como na Lava-Jato, a presidente Dilma e sua equipe colaboram para que não se clareie nunca o cenário. O Congresso já havia votado a grande maioria dos projetos do ajuste fiscal, mantido os vetos presidenciais, faltando apenas finalizar a DRU e a repatriação, ambas na reta de conclusão, quando foi atropelado novamente pela imposição da CPMF, com mobilização de prefeitos, governadores e campanha de publicidade em elaboração para ser inoculada em corações e mentes. A presidente, já senhora de si, passou a também falar a linguagem de Joaquim Levy, ressaltando como é irrisória essa contribuição "que não é para o gasto, é para o crescimento".

É o governo o responsável pela interrupção das votações, que seguiam em bom ritmo, e por embolar de novo a pauta do Congresso.

O ministro da Fazenda, que passou uma semana em beatitude, com um discurso otimista do crescimento, voltou a atacar e culpar deputados e senadores, a ameaçar com aumento de mais impostos, a criar um cenário mais negro que a fantasia. Como estará Levy semana que vem? Qual será seu discurso? Os próprios aliados estão abrandando os argumentos de Levy. Dizem que o governo tem alternativas, sim, mas não quer lançá-las agora para não reduzir a pressão pelo imposto da transação.

Esses dois cenários, o da política, com a Lava-Jato, e o da economia, com o desemprego e o discurso errático das autoridades, têm o poder de fazer o tema voltar. Não, porém, este ano, não dá mais tempo. Se ocorrer, segundo as previsões, será por volta de março ou abril.

Muito bem, digamos que Dilma, neste momento, tenha ganho de Natal antecipado três anos de mandato que estavam praticamente perdidos por volta de fim de setembro e meados de outubro, quando o medo do impeachment provocou reações e mudanças de comportamento, inclusive, com relação à saga de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, que resiste a entregar seu cargo pela renúncia, da mesma forma que Dilma se recusou a entregar o seu.

O que fará com isso? Não se sabe para quê a presidente faz tanta questão dos três anos, como não se sabia para quê queria os quatro, vez que não apresentou um programa de governo e os projetos soltos que prometeu executar mudaram quando chegou ao cargo.

A equipe da presidente, embora se mostre surpresa com a dúvida sobre para quê Dilma quer mais três anos de mandato, pensa e reflete sobre as questão. Diz: ela vai fazer política, para aprovar questões de interesse do governo no Congresso, vai retomar as concessões, adotar medidas que não sejam de ajuste, mas de crescimento, enfim, governar o dia a dia.

Dilma, contam próximos, está aos poucos retomando o comportamento pré-onda do impeachment. É aí que a ameaça pode voltar, independentemente de quem esteja na presidência da Câmara.

Ainda está para ser contada a verdadeira história do apoio da cúpula do PMDB do Rio à candidatura de Pedro Paulo, denunciado por surrar a ex-mulher, à sucessão de Eduardo Paes. O que causou mais arregalos e franzidos recentes, em Brasília, não foi o que disse o prefeito, cuja defesa do candidato já era e continua inexplicável, mas foi a declaração do governador Pezão, de quem se esperava menor envolvimento emocional com o caso. Ele considerou os três registros de ocorrência na polícia "fofocas" de rivais de campanha. Uma tática totalmente petista. "Se quiserem ir para o pau, nós vamos para o pau".

Elio Gaspari: O Mercosul melhora sem a Venezuela

• A virada política da Argentina levará o comissariado a repensar a excentricidade de sua diplomacia

- O Globo

A vitória de Mauricio Macri na Argentina ajudará o Brasil a sair da encrenca da diplomacia Fla-Flu inaugurada por Lula e parcialmente congelada pela doutora Dilma. Quem quiser pode achar que no domingo houve apenas uma vitória da direita, mas o que sucedeu foi o velho e bom exercício da alternância no poder. Depois de 12 anos de governo do casal Kirchner, com o país em crise, empesteado por roubalheiras, venceu a oposição. Se essa hipótese não existisse, seria o caso de se admitir que uma aliança que se diz de esquerda jamais pode ser desalojada do palácio. É o raciocínio bolivariano, vigente na Venezuela.

Macri, ex-presidente do Boca Juniors, entrou em campo com uma agenda diplomática agressiva. Quer acelerar as negociações de um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (o que é bom para o Brasil) e negociar a aproximação com o Tratado Transpacífico, formado por 12 países, entre os quais Estados Unidos, Japão, Austrália, Chile, Colômbia, México e Peru (o que pode ser inevitável para o Brasil). Esquentando a agenda, quer afastar a Venezuela do Mercosul, sustentando que o governo de Nicolás Maduro viola a cláusula democrática do bloco.

A solidariedade que o comissariado dá ao bolivarianismo é uma pedra no sapato da diplomacia brasileira. Em 2012, quando o presidente do Paraguai foi deposto pelo Congresso, a doutora Dilma meteu-se numa estudantada, excluindo o novo governo do Mercosul. Deu em nada e, discretamente, ele foi readmitido. O precedente ampara a exclusão da Venezuela. Sem Nicolás Maduro e sua Polícia Nacional Bolivariana, o Mercosul melhora.

Esse caminho agrada ao governo dos Estados Unidos, que cozinha o bolivarianismo na crise econômica em que está a Venezuela. Lá faltam fraldas e sabão em pó nos supermercados e abundam oposicionistas na cadeia.

É comum que a Argentina e os Estados Unidos dancem o mesmo tango. Em 1976, quando o almirante-chanceler argentino disse ao secretário de Estado Henry Kissinger que o terrorismo era o maior problema do país, ele aconselhou: “Se há coisas a serem feitas, façam-nas rapidamente, mas voltem depressa à normalidade”. Morreram cerca de 30 mil pessoas. Restabelecida a democracia, o chanceler Guido di Tella anunciou que seu país deveria ter “relações carnais” com os Estados Unidos. Teve-as, dolarizou a economia e, anos depois, o Fundo Monetário Internacional cortou o oxigênio do governo de Fernando de la Rúa, levando-o a fugir do palácio.

Macri entrou em campo com o pique de um centroavante, à la Lula. À primeira vista, será um campeão, mas diplomacia e futebol são coisas diferentes, e sua chegada chega a ser um presente para o Brasil.

Como? Seguindo o exemplo e o ensinamento do Barão do Rio Branco. Em 1895, ele era apenas um cônsul em Liverpool e negociou uma questão de limites com a Argentina, arbitrada pelo presidente americano Grover Cleveland. Ganhou, dando a Pindorama metade do que hoje é o Estado de Santa Catarina, mais um pedaço do Paraná. Triunfo total, mas, em vez de vir para o Rio, onde seria festejado como um campeão, voltou para Liverpool e explicou: “Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias”.

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Elio Gaspari é jornalista

Sergio Amaral: O efeito Macri

- O Estado de S. Paulo

A vitória de Mauricio Macri trará modificações profundas na Argentina, tanto no plano interno quanto no internacional. Na verdade, os programas de governo anunciados por Macri e por Daniel Scioli durante a campanha se assemelham. O que os distingue estará provavelmente na determinação da coligação Cambiemosde respeitar a democracia, a liberdade de imprensa e os direitos humanos. E em abrir a economia, reduzir a intervenção do Estado, dar mais autonomia ao Banco Central, restaurar a credibilidade das estatísticas, liberar o câmbio e os preços.

No plano externo, a negociação com os credores e a liberalização do comércio preparam o caminho para a reintegração da Argentina à economia mundial, com repercussões positivas para as relações com o Brasil, mediante a progressiva retirada das restrições às importações e dos impostos e registros de exportação. Macri tem sido claro no seu propósito de dar prioridade às relações com o Brasil e de concluir as negociações do Mercosul com a União Europeia, no âmbito de uma reorientação das relações diplomáticas em favor dos Estados Unidos e da Europa.

Na América do Sul a mudança promete ser maior. Segundo alguns de seus colaboradores próximos, Macri promoverá a ampliação das relações com a Aliança do Pacífico, em detrimento dos laços que Cristina Kirchner manteve com a Aliança Bolivariana. No caso da Venezuela, a diferença seria ainda mais nítida, pois o presidente eleito estaria disposto a invocar a cláusula democrática do Mercosul na hipótese de fraude nas próximas eleições venezuelanas.

Como ficam as relações com o Brasil e com o Mercosul após a vitória daCambiemos? Existe uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está na expectativa de que Brasil e Argentina logrem acertar o passo de suas políticas macroeconômicas e forjar uma visão convergente sobre o Mercosul, de modo a recolocar o grupo sub-regional nas bases em que foi concebido, ou seja, uma integração de democracias e de economias mercado, e ser um dos motores da integração regional sul-americana.

Nos últimos anos a Argentina tem sido percebida por diferentes setores da sociedade e do próprio governo brasileiros, com certa razão, como um entrave ao avanço do Mercosul. A partir da eleição do último domingo, a Argentina deverá mudar, de modo compatível com o fortalecimento do grupo sub-regional.

O desafio está em saber se o Brasil estará preparado para acompanhar a Argentina nessas transformações ou se passará a representar um óbice à reestruturação do Mercosul. Como vislumbrar uma coordenação de políticas econômicas se o Brasil nem sequer consegue adotar as medidas para a restauração do equilíbrio fiscal e para a redução dos custos de produção? Em vez de mais sincronia entre nossas economias, corremos o risco de assistir a uma inversão de papéis: a Argentina tomará a dianteira, enquanto o Brasil relutará em seguir atrás.

Será difícil ressuscitar a negociação com a União Europeia. Depois de muito esperar que o Mercosul apresentasse uma lista comum de ofertas, Bruxelas voltou seus interesses e seu esforço negociador para um desafio maior: a negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP em inglês). Estaria agora, com a eleição de Macri, disposta a retomar a negociação com o Mercosul? Esperemos que sim.

Se o acordo com a União Europeia talvez volte a ser viável, uma negociação com a Aliança do Pacífico parece distante. Não se trata de discutir acordos bilaterais de livre-comércio entre países da costa do Atlântico e do Pacífico. Isso, na pratica, já existe há vários anos. A Aliança do Pacífico é mais do que isso. Não visa apenas à eliminação de barreiras na fronteira, mas à progressiva harmonização de políticas econômicas em vários setores, como comércio, investimento, indústria e propriedade intelectual, para promover maior integração entre as economias e prepará-las, como fez, para um passo mais ambicioso, a Parceria Transpacífica (TPP) para o comércio, assinada recentemente. Com as mudanças que Macri tenciona introduzir na economia, é possível que a Argentina se capacite para caminhar nessa direção. No momento, o Brasil dificilmente terá condições para fazê-lo. Não consegue enxergar além da crise em que se encontra para poder cogitar de objetivos mais ambiciosos para a integração de sua indústria às grandes cadeias produtivas, uma precondição para agregar mais valor aos produtos de exportação.

O enunciado das medidas propostas pela coligação Cambiemos não pode ignorar as dificuldades para implantar um programa econômico dessa magnitude. A primeira delas está na fragilidade da própria coligação e de sua representação no Congresso. A segunda estará nos riscos da transição e da simultaneidade das medidas de impacto sobre a economia.

De todo modo, a eleição de Mauricio Macri é mais do que uma mudança de governo. Será possivelmente o ajustamento do projeto nacional argentino às novas realidades do mundo contemporâneo e uma resposta ao fracasso das políticas econômicas do kirchnerismo e a iniciativas no campo externo que levaram ao isolamento da Argentina. Nesse sentido, poderá ter um efeito positivo para a renovação das relações com o Brasil, na reconstrução do Mercosul e na busca de uma convergência, em vez de divisão, na América do Sul.

Esta é uma oportunidade e, ao mesmo tempo, um dilema para o Brasil. De que lado queremos estar? Do lado da renovação do Mercosul, juntamente com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, buscando construir mais convergências com a Aliança do Pacífico? Exercer uma liderança que nossos vizinhos esperam de nós, ou nos resignarmos ao isolamento em nossa própria região, na companhia da Venezuela de Nicolás Maduro?
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Sergio Amaral é diplomata, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Vinicius Torres Freire: O Brasil estuporado

- Folha de S. Paulo

Fora da porta da cadeia, o Brasil parou. Das elites políticas e econômicas ao povo, o país vive em estado de estupor. Quem tem poder parece insensível à degradação; "a rua" parece incapaz de reações. O imobilismo encomenda para 2016 uma crise tão grande como a de 2015, provavelmente maior no que diz respeito ao desemprego e aos salários.

Estamos à espera do quê? De revolta? Ou vamos deslizar calados para um oceano de desgraça, tal como a lama da mineradora, aquela tristeza revoltante que escorreu do rio para o mar, sem que se fizessem muito mais do que muxoxos, além das indignações particulares?

Ontem soubemos de mais degradação do trabalho, pela nova pesquisa do IBGE, a Pnad Contínua. Pelos indícios, 2016 será pior. Nem seria razoável esperar que viesse a ser diferente, pois o mercado de trabalho reage com defasagem a outras pioras da economia. Mas as elites governantes não demonstram nem preocupação de atenuar o drama.

O número de pessoas empregadas na melhor das hipóteses deverá ficar estagnado em 2015. No trimestre encerrado em setembro, era 0,2% menor que no período equivalente do ano passado. Como a Pnad Contínua é recente, com dados desde 2012, não é possível fazer comparações com outros períodos de desgraça. Uma pesquisa algo similar, a Pnad anual, mostra que não houve regressão do número de ocupados pelo menos desde 2001, ao contrário (não é preciso lembrar que houve crise ruim até 2003).

A mesma Pnad anual mostra que o salário médio cresceu em média 4,5% de 2005 a 2013, os "anos dourados" dos governos petistas nesse quesito. Pela Pnad Contínua, o salário médio ainda cresceu 3,3% em 2013, 1,1% em 2014 e por ora está estagnado em 2015.

O número de pessoas que procura trabalho mas não encontra cresceu mais de 33%, na média nacional. Nos maiores Estados, onde vivem 80% dos brasileiros, a população desempregada cresce entre 20% e 50%, grave mesmo em regiões onde a crise ainda é menos forte.

Mais gente procura trabalho por causa de baixas de salário ou desemprego na família: a inflação come os rendimentos, os empregos novos pagam menos. O desemprego cresce mais entre os mais jovens, vários à margem do mercado de trabalho quando os dias eram melhores. Entre os jovens adultos (18 a 24 anos), a taxa de desemprego passou de 14% em 2014 para quase 20% neste ano.

Não há sinais de esperança. A crise é mais acelerada nas regiões metropolitanas maiores e no Sudeste, que dominam a economia e devem arrastar o restante do país. Se por mais não fosse, o tamanho da produção no ano (do PIB) que vem vai diminuir de novo em 2016.

O trabalho se torna mais precário (mais gente faz bicos). A taxa nacional de desemprego subiu de 6,8% em 2014 para 8,9% neste ano. Esta é a média. Em Salvador, o desemprego, habitualmente mais alto, já foi a mais de 16%. A taxa média nacional deve chegar a 10% em 2016, segundo estimativas de economistas mais ponderados e certeiros.

Pode ser pior: não há governo, não há decisão do Congresso, não há propriamente política econômica e a elite política prepara-se para tirar férias e voltar a sua guerrinha particular sórdida depois do Carnaval.

Míriam Leitão:Bagunça fiscal

- O Globo

No governo ou fora dele, ninguém sabe ao certo para onde estão indo as contas públicas. Em 2015, o rombo, como já se sabe, pode chegar a R$ 120 bilhões. Para 2016, o Congresso recebeu aquele orçamento com déficit e tenta encontrar formas de aprovar um conjunto com equilíbrio sem contar com a CPMF. Enquanto isso, as projeções de recessão aumentam, o que significa uma arrecadação menor.

O governo contava com recursos da repatriação de capital não declarado no exterior. A Câmara alterou o projeto, abrindo várias brechas pelas quais poderia passar dinheiro ilegal. Isso foi em parte corrigido pelo esforço de alguns parlamentares. Mas foi tirada do texto a proposta de que o dinheiro financiasse um fundo para ajudar na negociação da reforma do ICMS. Assim, uma ideia importante e que ajudaria uma reforma necessária foi abandonada.

A CPMF inicialmente seria temporária e para financiar a travessia desse atoleiro fiscal. O governo retirou a proposta, depois voltou com ela com um percentual menor, mas com a ideia inaceitável de que o dinheiro fosse usado para cobrir rombo da Previdência. Ora, para isso deveria ser feita uma reforma da Previdência.

O governo não fez a reforma como deveria fazer e aprovou o projeto do 85/95 progressivo que nada resolve e aumenta um gasto que já estava subindo de forma exponencial. O déficit da Previdência cresceu por problemas conjunturais, como a queda da arrecadação. Também há fatores estruturais, como o aumento acelerado da população com mais de 60 anos. Depois de aprovar a reforma errada, foi criada uma comissão para apresentar a proposta de outra reforma. A comissão deixou de se reunir, e o governo continua dizendo que fará a proposta. Fica difícil entender o que se quer no meio dessas idas e vindas.

O relator do Orçamento disse que vai propor um aumento da Cide, mas na equipe econômica se teme que isso reduza mais as receitas da combalida Petrobras, aumentando o consumo de álcool. A Cide provoca um aumento mais imediato na inflação, se for comparada com outros impostos. Permite também uma elevação mais rápida da arrecadação.

O que se especula no mercado é que o governo terá que, de alguma forma, capitalizar a Petrobras. Já houve, inclusive, pressão para que a Cide fosse usada para socorrer a empresa, o que seria um absurdo e total desvirtuamento do imposto, cuja única qualidade seria a de taxar combustível fóssil, como é tendência no mundo.

O ministro Joaquim Levy falou em evento no Rio que o Brasil precisa ser ambicioso. Ainda que ele não tenha qualificado o que quis dizer com ambição, o país precisa realmente de ter um projeto para sair do buraco em que se encontra. Isso se faz com reformas estruturais e com um plano coerente. Não faria sentido adotar a ideia defendida por alguns integrantes do governo de ampliar de novo o crédito para incentivar o consumo. Isso já foi tentado e deixou famílias endividadas, e o Tesouro com o custo do crescimento do crédito subsidiado para as empresas.

O tamanho do buraco nas contas públicas não pode ser dimensionado porque o Brasil continua afundando. O próprio Ministério do Planejamento que achava que no ano que vem o PIB ficaria em 0,2% positivo acha agora que será 1,9% negativo. O tamanho da receita que se consegue em um cenário é totalmente diferente do outro. A consulta feita pelo Banco Central junto às instituições financeiras mostra que essa previsão está piorando a cada semana. Já está em -2% de recessão para 2016. O economista-chefe para América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, prevê 3% de recessão no ano que vem com inflação de 8%. Para 2015, o governo prevê 3,3% de queda com inflação de 9,99%, para não dizer que será 10%. Esta é a primeira vez desde 1930 em que o Brasil terá dois anos consecutivos de contração na atividade.

O cenário é muito ruim. Inflação de 10%, recessão de 3% por dois anos seguidos e falta de clareza sobre qual será o rombo fiscal nestes dois anos. Diante disso, o governo não tem um conjunto coerente de ideias para tirar o país da crise, bombardeia as poucas propostas que surgem e defende projetos como o da legalização do jogo ou vender dívida ativa, que pode levar a ganhos extraordinários para intermediários. E nisso o país continua nessa bagunça fiscal.

Suando frio- Editorial / O Estado de S. Paulo

O pecuarista José Carlos Bumlai é amigo do ex-presidente Lula. Mais do que amigo: quando Lula ainda era presidente, Bumlai foi uma das raras pessoas autorizadas a entrar no gabinete do chefão petista “em qualquer tempo e circunstância”, conforme dizia um aviso colocado na portaria principal do Planalto. Assim, a prisão desse empresário, na manhã de ontem, no âmbito da Operação Lava Jato, tem todos os predicados para, no mínimo, embaraçar Lula.

O próprio nome da ação da Polícia Federal, “Passe Livre”, diz tudo: trata-se de uma referência explícita ao amplo acesso que Bumlai tinha a Lula quando o petista mandava no País. E os motivos que levaram as autoridades a prender o pecuarista indicam que, cedo ou tarde, Lula terá de dar explicações mais convincentes a respeito dos volumosos escândalos de corrupção em seu governo, dos quais Bumlai é um dos pivôs, em vez de simplesmente atribuí-los a uma perseguição da imprensa ou à perfídia de magistrados mal-intencionados, como tem feito há anos.

Mais do que isso: a Polícia Federal suspeita que Bumlai possa ter alguma ligação com o escândalo do mensalão, dando força à conjectura de que o esquema de rapinagem do Estado é um só, com diferentes ramificações. No caso específico do pecuarista, elas incluiriam até mesmo o pagamento de suborno para calar um chantagista que teria ameaçado Lula no caso do assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em 2002.

Bumlai foi preso em Brasília sob a acusação de ter participado de um esquema para fraudar a licitação para a contratação de um navio-sonda da Petrobrás. Ele foi citado por vários delatores do escândalo da estatal. Segundo os depoimentos, Bumlai tomou um empréstimo de R$ 12 milhões do Banco Schahin em 2004. Esse dinheiro nunca foi devolvido ao banco, que tampouco se esforçou para cobrá-lo. Os recursos, aponta a investigação da Lava Jato, teriam sido encaminhados ao PT, conforme teria dito o próprio Bumlai aos executivos do banco na ocasião. Salim Schahin, um dos donos do banco, disse à Justiça que, segundo Bumlai, “havia uma necessidade do PT que precisava ser resolvida de maneira urgente”.

O banco aceitou a transação porque abriria oportunidade de negócios dentro do governo petista para o Grupo Schahin, conforme declarou o próprio Salim, que mencionou ter recebido visitas de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, e de Marcos Valério, operador do mensalão, além de ter feito contato com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro petista preso na Lava Jato. O ex-ministro José Dirceu também foi citado.

O tal negócio esperado pelo grupo logo apareceu: em janeiro de 2009, Schahin ganhou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar o navio-sonda Vitória 10000. Um dia antes, o empréstimo que o banco havia feito a Bumlai foi “quitado” com a simulação de um repasse de embriões de gado de elite, no valor de R$ 12 milhões, para empresas agropecuárias do Grupo Schahin.

No despacho em que ordenou a prisão de Bumlai, o juiz Sergio Moro chamou a atenção para as diversas inconsistências dessa transação, a começar pelo fato de que o empréstimo foi concedido tendo como garantia apenas uma nota promissória. Além disso, ao longo de cinco anos o banco não tratou de executar a dívida e aceitou a quitação pelos mesmos R$ 12 milhões, sem cobrança de juros. A fraude é evidente.

Bumlai parece ser apenas o elo de um esquema de ramificações cuja extensão ainda é desconhecida. Certamente, muitos detalhes ainda emergirão à medida que outros depoimentos forem tomados. E há a expectativa, natural, sobre o que o próprio pecuarista possa falar, especialmente em relação a Lula. O juiz Sergio Moro afirma que, por enquanto, “não há nenhuma prova” de que o ex-presidente esteja “envolvido nesses ilícitos”.

É um bom sinal que a Justiça, em meio a tantas evidências do assalto promovido por petistas aos cofres públicos, tenha o cuidado de salientar que nada há contra Lula. Mas será compreensível se o ex-presidente passar as próximas noites em claro.

Casuarina - Rio Antigo

Vinicius de Moraes: Ela é carioca

Ela é carioca, ela é carioca
Basta o jeitinho dela andar
Nem ninguém tem carinho assim para dar
Eu vejo na cor dos seus olhos
As noites do Rio ao luar
Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu
Vejo o mesmo mar

Ela é meu amor, só me vê a mim
A mim que vivi para encontrar
Na luz do seu olhar
A paz que sonhei
Só sei que sou louco por ela
E pra mim ela é linda demais
E além do mais
Ela é carioca, ela é carioca

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Opinião do dia: Sérgio Moro

Não vai ser a Lava-Jato que vai resolver os problemas da corrupção no Brasil, não vou ser eu, não foi a Ação Penal 470 (conhecida como ação do mensalão); é o que nós, como cidadãos, vamos fazer a partir de agora. E para isso precisamos ter uma melhora nas instituições e eu, sinceramente, não vejo isso acontecendo de maneira nenhuma.
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Sérgio Moro, ‘Lava-Jato é voz pregando no deserto’, O Globo, 24 de novembro de 2015.

'Se tivesse visão de Brasil, Cunha renunciaria', diz FHC

Reynaldo Turollo Jr., Thais Arbex – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu nesta segunda-feira (23) que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), renuncie ao cargo.

"Se ele tivesse um pouco mais de visão de Brasil renunciaria ao cargo", mas, "não tendo, vai ter que ser renunciado".

FHC disse que Cunha "não tem mais condições morais nem políticas" de continuar à frente da Câmara. A declaração foi mais dura do que a do último dia 10, quando o tucano abordou o tema com cuidado e disse, após um evento em seu instituto, que "o afastamento se dá depois que é culpado, antes, não".

O ex-presidente participou de um seminário promovido pelo Instituto Teotônio Vilela, fundação do PSDB, sobre meio ambiente e sustentabilidade.

O senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, também esteve no encontro e afirmou que o partido "já externou" sua posição no "Conselho de Ética e no plenário da Câmara".

Aécio voltou a defender o afastamento de Cunha, mas não disse que medidas seu partido vai adotar.

"A palavra do PSDB desde lá de trás foi muito clara: o presidente não tem mais condições de conduzir a Câmara dos Deputados. O instrumento [para afastá-lo], se será uma ação junto à PGR [Procuradoria-Geral da República] ou obstrução das votações, nossas lideranças na Câmara estão discutindo com os partidos aliados."

Partido aliado do PSDB, o PPS já afirmou que vai ingressar com um mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo o afastamento de Cunha da Presidência da Câmara. Integrantes da Rede, partido de Marina Silva, também prometeram ingressar com uma representação semelhante.

Rompimento
Os tucanos romperam com Cunha no início deste mês, por considerarem insatisfatórias as explicações do peemedebista cobre contas que ele manteve na Suíça, suspeitas de terem sido irrigadas com recursos desviados da Petrobras, conforme investigação do Ministério Público Federal.

Na última quinta (19), pela primeira vez desde que assumiu o comando da Câmara, Cunha teve sua atuação questionada em plenário de forma mais dura, com críticas nos microfones e uma debandada de cerca de cem deputados, o que acabou derrubando a sessão que ele presidia por falta de quorum.

Anteriormente, o PSDB vinha dando sustentação a Cunha por acreditar que o deputado levaria adiante o processo de impeachment da presidente da Dilma Rousseff –que vem dando sinais de arrefecimento.

Para FHC, Aécio é quem vai resolver problemas do País

• Em evento do PSDB, ex-presidente tucano afirmou que condução política, é maior dificuldade do Brasil e não economia; Aécio e Alckmin vêm trabalhando nos bastidores da legenda para se colocarem como alternativa à gestão petista no governo federal

Elizabeth Lopes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Em evento promovido nesta segunda-feira, 23, pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV), braço de formulação política do PSDB, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso criticou a falta de uma agenda que tire o País do atual cenário de crise. Sem citar nominalmente a presidente Dilma Rousseff (PT), o ex-presidente tucano disse: "Se o chefe do Executivo não se empenha, as coisas não andam, se não há agenda, as coisas não funcionam." E, virando-se para o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que estava sentado ao seu lado na mesa principal do evento, disse: "Quem tem que resolver tudo isso é o Aécio", numa referência à sucessão da presidente Dilma Rousseff.

O evento, cujo tema são os caminhos para o Brasil na área da sustentabilidade e do meio ambiente, contou também com a participação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que também vem se colocando como virtual candidato tucano à sucessão presidencial. Por questões de agenda, Alckmin participou rapidamente da abertura do seminário e deixou o local antes do afago feito por Fernando Henrique a Aécio Neves. Tanto Aécio quanto Alckmin vêm trabalhando intensamente nos bastidores da legenda para se colocarem como alternativa à gestão petista no âmbito federal. No momento, Aécio detém a maior parcela de apoio nos diretórios da legenda em todo o País, mas Alckmin costura a adesão de outras legendas, como o PSB de seu vice governador Márcio França.

Em sua explanação, FHC disse que os problemas políticos do Brasil hoje são muito maiores do que os da economia. "Não sou tão pessimista assim, temos uma base econômica e tecnológica que permite vislumbrar um futuro maior. A condução política é que é o problema, muito maior do que a economia."

Também presente ao evento, o ex-secretário Municipal de Meio do Meio Ambiente de São Paulo e candidato do Partido Verde derrotado nas eleições de 2014, Eduardo Jorge, falou sobre a tragédia ocorrida em Marina, Minas Gerais. "É um caso gravíssimo, que ocorre num momento em que o Brasil está sem governo em Brasília", criticou. A exemplo de Aécio, ele disse que as empresas devem ser responsabilizadas pelo desastre e que, se houvesse governo no Brasil, as pessoas e o meio ambiente seriam tratados adequadamente.

Aécio critica governo e diz que oposição vai ajudar a enxergar 'luz no fim do túnel'

• Presidente do PSDB sinaliza que sigla vai passar a ser mais propositivo em sua atuação no Congresso Nacional

Elizabeth Lopes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - A poucos dias do início da 21ª Conferência do Clima, em Paris, o Instituto Teotônio Vilela (ITV), braço de formulação política do PSDB, realiza, na manhã desta segunda-feira, 23, o seminário "Caminhos para o Brasil - Meio Ambiente e Sustentabilidade". No discurso de abertura, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), virtual candidato à sucessão de Dilma Rousseff, disse que, mesmo sendo de oposição, seu partido não vai deixar de contribuir "de forma vigorosa" para o avanço da legislação que afeta a vida das pessoas, em discussões no Congresso Nacional.

Utilizando a mesma expressão que Dilma usou há algum tempo, o tucano disse ainda que só dessa maneira será possível enxergar a luz no fim do túnel da grave crise que afeta várias áreas do País. "Podem ter certeza que o maior partido de oposição, o PSDB, vai contribuir de forma vigorosa para que, pelo menos, possamos enxergar a luz no fim do túnel".

A declaração de Aécio vai na mesma linha do "puxão de orelhas" que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também virtual candidato do PSDB à sucessão de Dilma, deu, na semana passada, na bancada tucana na Câmara dos Deputados. Alckmin criticou a forma como seu partido votou no Congresso Nacional, pela derrubada do veto presidencial ao reajuste do Judiciário, que criaria despesas adicionais aos cofres públicos de cerca de R$ 36 bilhões. O veto acabou mantido, mas 45 dos 51 deputados do PSDB votaram a favor da derrubada - apenas dois dos tucanos presentes votaram pela manutenção do veto. Na avaliação do governador, seu partido votou errado nessa questão.

A bancada já havia sido criticada por lideranças da sigla como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em outras ocasiões, como no caso do voto pelo fim do fator previdenciário, criado durante o governo tucano.

O mineiro Aécio Neves falou ainda da tragédia que atingiu a cidade de Mariana, dizendo que causa indignação essa tragédia "sem precedentes". O senador, que governou o Estado por sete anos, inclusive no período em que a obra foi aprovada, avaliou que, se o governo tivesse se empenhado na aprovação do Novo Código de Mineração, desastres como este poderiam ser evitados. "(O código) Não avançou por culpa do (atual) governo. Vivemos um presidencialismo monárquico, não se avança nas reformas prioritárias ao País."

Além de Aécio, o evento conta com a participação de FHC, Alckmin, do senador Aloysio Nunes Ferreira, do presidente do ITV, José Aníbal, de especialistas no setor, como José Goldemberg e Luiz Gylvan Meira Filho, do secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Carlos Klink, dentre outros. Em sua fala, o senador aproveitou ainda para criticar a política energética do governo Dilma, classificando de "crime" o desestímulo à produção de etanol pelo que chamou de "populismo tarifário do governo petista".

Para Aécio, candidato derrotado nas eleições presidenciais de outubro do ano passado, além da tragédia ocorrida em Mariana, há uma preocupação em curso por causa da tragédia cotidiana que ocorre nas áreas mineradoras do País, "com problemas sociais de enorme dimensão". Para Aécio, é preciso que as empresas assumam sua responsabilidade e informou que o PSDB está se empenhando no Congresso para que a multas do Ibama sejam encaminhadas diretamente para as famílias atingidas pela tragédia e para a recomposição da economia local. O senador fez questão de dizer que visitou o local imediatamente, num contraponto à presidente Dilma, que só foi à região da tragédia uma semana depois.

Discussão sobre impeachment de Dilma 'mudou de data', diz Alckmin

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na avaliação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), os que acreditam que a discussão sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi enterrada estão errados em sua avaliação.

"Acho que o impeachment não enfraqueceu, mudou a data. O que poderia ter sido feito esse ano vai ser feito depois da Páscoa, em razão do rito que foi estabelecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e em razão da crise do presidente da Câmara [Eduardo Cunha, do PMDB]", disse.

Alckmin falou sobre o assunto em entrevista ao programa "Canal Livre", exibido pela Band na madrugada desta segunda-feira (23). Em uma fala mais direta que a habitual, Alckmin chegou a comparar o cenário atual ao que precedeu a queda do ex-presidente Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990.

"O Collor ninguém acreditava que podia ter [impeachment]. Eu vi. Em 30 dias, mudou tudo", afirmou. Para Alckmin, a partir do momento que um processo de afastamento é deflagrado, seu desfecho é imprevisível.

O governador disse ainda que "pessoalmente tem uma impressão de seriedade" da presidente Dilma, mas que o impeachment não se trata disso. "Quando se fala de crime de responsabilidade, não é que a pessoa botou no bolso. Pode aparecer, uai."

Alckmin citou como exemplo a condenação do TCU (Tribunal de Contas da União) das contas apresentadas pelo governo no ano de 2014, ato considerado o principal flanco dos que pregam que a petista infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O governador avaliou ainda que, seja pela via do impeachment ou pela decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre o financiamento da campanha da presidente em 2014, é importante que o país encerre esses questionamentos sobre a presidente.

"O Brasil não aguenta mais um ano parado", afirmou.

Michel Temer
Alckmin disse ainda que, na hipótese de afastamento da presidente, o PSDB não precisaria participar de um eventual governo Michel Temer para colaborar com a recuperação do país.

"É preciso separar o interesse partidário do interesse nacional. Uma coisa é votar corretamente, e não precisa participar de governo para isso", avaliou.

O tucano defendeu ainda o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

"Acho que tem que se afastar. Não se afastando, cabe ao Conselho de Ética decidir. Os trâmites estão acontecendo", disse.