terça-feira, 12 de abril de 2016

Quem governa o Brasil? - Luiz Carlos Azedo

• A presidente Dilma Rousseff já não governa: há meses dedica-se à agitação política, na qual repete o mantra de que está sendo vítima de um golpe, que é falso

- Correio Braziliense

O país vive o lusco-fusco entre a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela comissão especial da Câmara, na qual a oposição teve maioria folgada, e a votação do mesmo no plenário da Casa, que somente deve ser concluída no domingo, no qual serão necessários 342 votos favoráveis para aprovação. O Palácio do Planalto precisa mobilizar apenas 172 deputados em seu apoio, para votar contra, se abster na votação ou se ausentar do plenário. Nesse período, o país estará à matroca, desgovernado.

A presidente Dilma Rousseff há meses dedica-se à agitação política, na qual repete o mantra de que está sendo vítima de um golpe de estado, o que não é verdade; se o fosse, já teria decretado estado de sítio, censurado a imprensa e convocado as Forças Armadas. Quanto mais radicaliza o discurso, mais ela se isola politicamente. Na verdade, já não governa. Essa tarefa foi delegada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi nomeado ministro da Casa Civil, mas não tomou posse porque está enrolado na Operação Lava-Jato. Lula articula uma reforma ministerial para evitar a deposição de Dilma.

Uma reforma ministerial faz todo o sentido, uma vez que a crise econômica se agrava, seus efeitos sociais aumentam e as demandas da população em relação a administração crescem, sem serem atendidas, em todos os setores. Saúde, educação, transportes de massa, segurança pública, falta de moradia, uma ciranda de problemas faz com que a recessão, o desemprego e a inflação atinjam ainda mais a população pobre. O gabinete que está sendo montado por Lula, porém, não tem nada a ver com isso, é um leilão fisiológico e patrimonialista de cargos e ministérios.

Quem governa Brasil? O governo é a forma mais concentrada de poder, mesmo quando mergulha rumo ao fundo do poço, arrecada, normatiza e exerce enorme poder de coerção, como já se disse aqui. Lula move mundos e fundos para montar uma espécie de gabinete de sobrevivência. Ninguém sabe o que vai acontecer no domingo. O muro instalado na Esplanada dos Ministérios, porém, é uma imagem que entristece. Qualquer que seja o resultado da votação, mesmo que as grades e o muro sejam retirados, o país estará irremediavelmente dividido entre o vermelho e o verde-amarelo. Essas são as cores da crise.

O ato falho
Uma gravação feita pelo vice-presidente Michel Temer, enviada por engano a um grupo de parlamentares pró-impeachment, deixou-o na maior saia justa. Temer fala como se estivesse na iminência de assumir a Presidência, em razão da hipotética aprovação do pedido de impeachment pela Câmara no domingo. É um discurso dirigido ao Senado, às elites econômicas e à opinião pública, que deveria ser divulgado somente depois da votação, caso a oposição seja vitoriosa. A gravação tem tudo para ser um grande mico, mas acontece que o mandato de Dilma Rousseff subiu no telhado. Quando um governo se desmancha no ar, surgem alternativas de poder
.
Quando acusavam o impeachment de ser um golpe de estado, os governistas invocaram a deposição de João Goulart pelos militares em 1964. Mas essa é uma falsa comparação histórica, porque a situação é completamente diferente: a guerra fria acabou, não existe interferência dos Estados Unidos nessa crise, os militares já avisaram que vão cumprir a Constituição e a Operação Lava-Jato não é um inquérito policial militar no Galeão. A transformação da presidente Dilma numa rainha da Inglaterra, com entrega das rédeas do governo ao ex-presidente Lula e a montagem de uma base parlamentar minoritária no Congresso, também poderia ser chamada de um golpe parlamentarista com sinal trocado. Normalmente, governos parlamentaristas têm maioria congressual.

Mas voltemos ao ato falho de Temer. “A grande missão, a partir deste momento, é a pacificação do país, a reunificação do país, é o que eu repito, o que venho pregando, como responsável por uma parcela da vida pública nacional. Devo dizer também que isso fica para — aconteça o que acontecer no futuro — um governo de salvação nacional e união nacional”, disse Temer. Na avaliação do vice-presidente, sem a “unidade nacional” será “difícil” enfrentar a crise. Ao defender “diálogo” entre os partidos, Temer conclama “à pacificação do país, à unificação do país, porque é chocante — para não dizer tristíssimo — verificar brasileiros controvertendo entre si, disputando ideias e espaços. E quando parte para uma coisa quase física, isto não pode acontecer no nosso país”. De bobo, Temer não tem nada.

Senado não terá como negar decisão da Câmara - Jorge Bastos Moreno

• Vazamento do áudio do vice-presidente Michel Temer fez tremer a base oposicionista

- O Globo

Se a Câmara aprovar, Senado não terá como reverter decisão. Se a Câmara aprovar o impeachment, o Senado não terá condições políticas de negar a continuidade do processo contra a presidente da República, por crime de responsabilidade. A chamada Câmara Alta anda muito em baixa, já que nela habitam importantes atores da LavaJato, a começar pelo seu presidente. Logo, falta-lhe lastro de credibilidade e, principalmente, coragem cívica para o confronto com a outra Casa e com a parcela da sociedade favorável ao impedimento de Dilma Rousseff.

Mesmo considerada pelo próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, outro personagem de Curitiba, como “apenas um rito de passagem, pois o que importa é a votação do plenário”, a decisão da comissão do impeachment terá um peso muito maior do que se pensa na votação de domingo, até porque ela impede moralmente qualquer fechamento de questão contra a matéria, salvo no caso do PT e do seu indefectível coadjuvante PCdoB, mas que dispensam a utilização desse instrumento de disciplina partidária.

O clima exacerbado de ontem na comissão, principalmente a subida de tom do ministro José Eduardo Cardozo e o exasperado discurso do líder do PT, Afonso Florence, revelaram que o governo não dispõe do decantado apoio para barrar o impeachment.

Da mesma forma, a oposição não conseguiu fechar a segunda-feira com os 342 votos que precisa para desalojar a presidente. Espera tê-los ao longo da semana e prevê que eles cheguem a 380.

É preciso que surja até lá um fato novo, capaz de mudar radicalmente os resultados. Dizia-se que, se surgir, esse fato só prejudicaria o governo. Mas, ontem, o vazamento do áudio do vice Michel Temer fez tremer a base oposicionista.

Logo, chegou-se à conclusão de que Temer estava docemente constrangido com o acidente. Entre tantas conveniências do vazamento estava o compromisso do vice, já reafirmado em entrevista ao GLOBO por Moreira Franco, de que, assumindo, não vai acabar com os programas sociais do governo.

É preciso não se esquecer das surpresas das grandes votações, inclusive no impeachment de Collor, como o caso do então deputado Onaireves Moura, que ofereceu um jantar para o presidente às vésperas da votação, e depois dessa última ceia, disse não à permanência do seu comensal.

Sinais de implosão à vista - Lauro Jardim

• O passado cobrou a conta. Dilma é vista pelos políticos como alguém que não cumpre acordos

- O Globo

Os sinais de que o governo Dilma está prestes a implodir. Ogoverno Dilma parece perto de implodir. Os sinais dos últimos dias são evidentes. *As negociações de cargos capitaneadas por Lula não seduziram deputados e lideranças partidárias que farejam carniça de longe.

*A divulgação de parte da delação premiada dos executivos da Andrade Gutierrez na quinta-feira passada mexeu irremediavelmente com os nervos do Planalto.

*As articulações de partidos da base para mudar de lado ganham força nos bastidores.
*E, finalmente, a votação de ontem na comissão do impeachment, com a votação pela aceitação do relatório de Jovair Arantes.

Uma das maiores vitórias do governo no início da semana passada foi criar a sensação de que as negociações comandadas por Lula estavam avançando. Isso é passado. O PP pode não admitir oficialmente, mas está pulando do barco. Assim como o PSD e o PR. Até o líder do PMDB, Leonardo Picciani, e o ministro Celso Pansera, fieis escudeiros de Dilma, preparam o desembarque.

De público, o Palácio do Planalto não admitirá qualquer revés. Continuará a espalhar previsões otimistas para a votação de domingo. É do jogo. Em 1992, 24 horas antes do impedimento de Fernando Collor, Roberto Jefferson, então na linha de frente da tropa de choque do ex-presidente, bradou que, pela contagem do governo, Collor teria 206 votos a seu favor. Teve 38.

Como um governo que tem a caneta das nomeações na mão não consegue êxito num ambiente tão favorável a esse tipo de demanda? A culpa não é de Lula, um político que, reconhecidamente, sabe negociar. Há um outro problema, intransponível, que pode ser resumido assim: o passado cobrou a conta. Dilma é carimbada pelos políticos como alguém que não cumpre acordos. Mesmo com o aval dado por Lula em suas conversas, a turma sedenta por cargos ficou com um pé atrás.

Aos que têm dúvidas sobre como o próprio governo enxerga suas chances para barrar o impeachment, uma evidência. O Planalto trabalha para protelar a votação do dia 17. A oposição, ao contrário, luta para mantê-la. Quem acha que perde, ensina a lógica, quer adiar o processo para uma última tentativa de virar o jogo.

O governo hoje está no chão. A guerra, no entanto, não terminou.

Se derrotado, governo apostará no 4º turno - Ilimar Franco

• O vice Michel Temer quer convencer seu partido que não haverá outra oportunidade

- O Globo

O PMDB unido não deve ser subestimado, ainda mais com o PSDB. OPMDB pode voltar ao poder trinta e dois anos após Tancredo Neves ser eleito presidente da República pelo colégio eleitoral. Novamente, agora sob o comando do vice-presidente Michel Temer, o partido pode voltar ao poder pelas mãos do Congresso, sem se submeter ao voto popular.

O vice Michel Temer está empenhado em convencer seu partido que os peemedebistas podem não ter outra oportunidade para assumir o poder. Sua agenda no Rio ontem teve esse objetivo, unir a sigla para destituir a presidente Dilma. O PMDB unido não deve ser subestimado, sobretudo por sua aliança com o PSDB.

Para fortalecer a defesa do impeachment, Temer tem feito o discurso da união nacional, enquanto seus parceiros da oposição proclamam que Dilma não conseguirá governar mesmo se passar pelo vestibular do impeachment. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já anunciou que nesse caso há nove pedidos de impeachment na gaveta, esperando apenas por sua decisão de aceitá-los.

O governo também antecipa que, derrotado, apostará num quarto turno. O discurso da presidente Dilma que não renunciará, e a denúncia do PT, e da esquerda, que está em curso um golpe no país, indica que o embate será travado durante os 180 dias do julgamento de Dilma pelo Senado. Apostam que essa bandeira pode ganhar ainda mais peso social e ter maior ou menor apelo à medida que a crise econômica continue. Afinal, seu sucessor assumirá com a expectativa de domar a crise. Fora do poder, o PT e seus aliados apostam que o vice Michel Temer também não conseguirá dominar a instabilidade econômica e política. As organizações sociais ligadas à esquerda tentarão dar sua contribuição. Para evitar que isso ocorra, Temer terá que adotar medidas saneadoras, ao sabor do mercado, mas que também representem um alívio à população. Mas sua equipe de governo não sabe ainda como fará isso, pois um dos motivos que levou milhões às ruas foi o desemprego.

Afinal, a população que sai às ruas protestando contra a corrupção não tem compromisso com a agenda do mercado e medidas liberais.

O dia seguinte para Lula e Michel Temer - Raymundo Costa

• A derrubada do impeachment é a 5ª chance do PT

- Valor Econômico

Bem antes da votação, o PT previa ontem perder por cinco a seis votos de diferença na comissão do impeachment, mas considerava ter mais chances no plenário da Câmara dos Deputados. O governo acredita que hoje tem mais que os 171 votos necessários, com tranquilidade. Mas nada indica que chegue assim à votação. Na melhor das contas do Palácio do Planalto, a presidente Dilma escapa do impeachment por algo entre 20 e 30 votos. É pouco e dá alento ao pior cenário pós-impeachment: se Dilma vencer no plenário por vantagem ligeira, a crise continua porque ela não governa, mesmo tendo Lula a tiracolo; se a oposição ganhar o impeachment e ela sair, acende os movimentos sociais.

É o quadro de vésperas de votação da autorização para o julgamento da presidente Dilma Rousseff no Senado. Mas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Michel Temer trabalham para reverter o cenário do caos. Não há uma empreitada mais fácil que a outra. Para o PMDB o impeachment é um atalho para Temer chegar aonde dificilmente chegaria, em condições naturais; para Lula, uma possibilidade para repor o PT no jogo eleitoral de 2018.

Segundo um integrante do grupo palaciano que traça e executa as estratégias para combater o impeachment, a sobrevivência de Dilma deve ser seguida por uma série de ações a ser cuidadosamente embalada como "o início do segundo mandato da Dilma e a 5ª chance do PT" - as outras quatro foram as duas eleições de Lula e as duas de Dilma. É tratado também como "a 3ª chance da Dilma", mas na prática, se houver uma nova oportunidade, ela parece mais com o início de um 3º mandato de Lula - o objetivo do grupo é isolar a presidente.

Dilma não é a culpada de tudo, mas é a grande culpada, do ponto de vista do PT e de Lula, pela situação a que chegou o projeto de poder do partido. Não se trata de conversa para separar Dilma de Lula, como costuma reagir o PT. É fato. A ideia é que o próprio Lula e os ministros Jaques Wagner (chefe de gabinete da Presidência) e o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) façam a contenção da presidente. Para Lula governar um novo governo.

Foi Dilma quem foi atrás de Lula, quando viu que as chances do impeachment no Congresso eram reais. Lula nunca pensou em ser ministro, mas também não disse não à primeira investida. Pesava, é claro, o foro privilegiado que impediria o juiz Sergio Moro de decretar sua prisão. Lula ainda foi aconselhado a responder prontamente, pois se a notícia vazasse não teria outra alternativa a não ser aceitar. Nem deu tempo: no dia seguinte, o convite estava nos jornais. Vazado pela entourage da presidente. A eventual recusa de Lula significaria que até ele abandonara Dilma à própria sorte. Moral da história: Lula e seu grupo podem até pensar na interdição branca da presidente, mas o episódio demonstra que ela também sabe manobrar para conseguir o que quer.

A atual equipe econômica pode ficar por um período de transição, mas será trocada. Esse será o primeiro desafio de Lula: convencer os movimentos sociais que é preciso fazer sacrifício agora para ter chance em 2018. É possível que alguns movimentos aceitem "alguma restrição", segundo um próximo de Lula, mas será preciso virar o disco e falar mais de investimento e menos de ajuste. "A centralidade das ações tem de ser o emprego", diz um dos interlocutores entre Lula e o movimento social.

Discute-se um reajuste do bolsa família. É ideia outra vez usar os bancos públicos para irrigar o crédito, estimular a renovação de 15% da frota nacional de carros e retomar as obras paradas do Minha Casa Minha Vida. "Só não pode ser de pinguinho em pinguinho", mas com alguma escala que dê discurso eleitoral para o PT em 2018. Talvez isso possa satisfazer os movimentos sociais. Talvez não. "Quem está saindo na rua para botar a cara e defender o governo não aceitará o enforcamento depois que não passar o impeachment, nem o Lula segura", diz um petista com amplo trânsito nos movimentos sociais, sindicatos e centrais sindicais.

Lula tem muito para fazer em pouco tempo. O ex-presidente quer reunir com mais frequência e dar mais efetividade ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Também quer mexer na política externa, que foi uma das marcas de seus governos, mas que agora considera "muito acanhada". Enquanto o vice Michel Temer expurgou de seu dicionário a palavra "revanchismo", nos arredores do lulismo se diz que "engana-se quem acha que a Lava-Jato pega o PT e acabou".

Lula tem em mente a reforma política, uma evidência da crise. Mas a reforma de que fala o PT é a mesma que até hoje não conseguiu ganhar espaço algum no Congresso. A reforma não consta dos pontos fundamentais já reconhecidos de um eventual governo Temer: reconstrução nacional; fim da reeleição; não interferência nas eleições municipais; um ministério surpreendente; garantia de que não haverá perseguição política.

Temer promete preparar o terreno e fazer os ajustes necessários para que o governo a ser eleito em 2018 tenha condições efetivas de recuperar o país. Trata-se de uma agenda indigesta, mas o raciocínio é que quem teve 342 votos para fazer o impeachment, terá até os 308 necessários para aprovar uma emenda constitucional.

Para se afugentar de vez o cenário segundo o qual a votação do impeachment não detém a crise, talvez a saída seja um grande acordo. Uma espécie de concertação nacional, só que não há ninguém à vista capaz ou interessado em liderar um processo deste tamanho. Falta alguém como Ulysses Guimarães ou Tancredo Neves.

Num acordo geral para tirar o país da crise, talvez, até a presidente Dilma concordasse em sair, renunciar. Sem um acordo, não sai ninguém. Se tiver o impeachment, pode ser difícil segurar o MST, UNE, MTST, a CUT. Os ânimos estão radicalizados, como pode ser visto em recente reunião do PT, em São Paulo, quando a assembleia se voltou raivosa contra o autor de uma proposta de conversação. O PT está mal, mas vê Lula num patamar melhor que o dos candidatos do PSDB nas pesquisas. Já se Dilma sobrevive, fica contra a vontade da maioria.

Resultado previsível mantém pressão sobre o Planalto - Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

O longo e inútil debate na Comissão Especial do Impeachment acabou com a previsível vitória do relatório que defende a abertura do processo contra Dilma Rousseff por um placar que não permitiu aos partidários do impedimento uma comemoração especialmente efusiva.

É boa notícia para o Planalto? Não exatamente. O fato de o governo comemorar uma derrota por pouco, torcendo por uma repetição proporcional na votação no plenário da Câmara, mostra o grau de dificuldade da articulação política que sobrou: Lula e a frase "O que você precisa para ficar com a gente?".

Uma vitória alargada, claro, daria o mesmo argumento ilusório para os opositores de Dilma. É tudo questão de "vencer a narrativa", um jargão esquerdista absorvido por todo mundo em Brasília.

Ao fim, o que seria um marco importante da história da crise que vivemos foi suplantado pelo realismo fantástico da crônica política.

O "Zap-zap ao Povo Brasileiro", um dos apelidos jocosos dados ao áudio vazado com o "test-drive" de programa de governo de Michel Temer (PMDB-SP) expôs o vice de forma dramática.

Foi um monumental tiro no pé para sua imagem que, numa sociedade democrática mais aperfeiçoada, dificilmente teria perdão político. Afinal, um vice abertamente treina o discurso comemorativo do impedimento da titular da Presidência.

Há o folclórico no episódio, como Temer dizendo que só falaria "palavras preliminares", a serem ditas "com muita modéstia", após ter sido instado por pessoas impressionadas com a "expressiva" votação pró-impeachment. "Media training" é isso, mas fica feio quando vaza.

Mas estamos no Brasil. Haverá discussões intermináveis sobre o que realmente aconteceu em relação ao vazamento, assim como no malfadado episódio da carta de rompimento com Dilma.

Temer ganhou a alcunha agora pública de "golpista" do Planalto, mas é igualmente fato que o discurso tem acenos para todos: os que temem arrocho, os que querem "sacrifícios", os cansados da carnificina na vida pública.

O texto apela publicamente assim a indecisos na votação na Câmara, que de todo modo já vêm sendo abordados em privado. Parte do terrorismo econômico que o governo vem fazendo diz respeito justamente à ideia da "retirada dos direitos do trabalhador" numa gestão Temer.

Seja como for, o senso comum sugere um dano político grave para Temer, mesmo que não haja necessariamente impacto para o processo de impeachment na Câmara.

O áudio é um passo além das negociações quase públicas que o peemedebista e seus prepostos tocavam.

Se o vice ganhou mais adeptos entre os que o chamam de conspirador ou entre indecisos, o curto tempo até a votação final dirá.

Era da incerteza - Míriam Leitão

- O Globo

Não é uma mera questão contábil, mas um atentado à lei fiscal. A derrota da presidente Dilma Rousseff na Comissão do Impeachment fez o dólar ontem voltar ao ponto em que estava antes da perda do grau de investimento. O que se comemora, no mercado, é que o processo começa a caminhar para um desfecho. Mas há ainda um longo caminho antes da decisão, e o Brasil continuará vivendo a sua era da incerteza.

O Brasil vive um tempo insano em que a qualquer momento aparece um fato novo que empalidece o evento imediatamente anterior. Ontem, quando o país estava de olho na sessão da Comissão do Impeachment, saiu o espantoso áudio do vicepresidente já falando como favas contadas o que ainda é um processo incerto. Michel Temer era apontado como um profissional da política, mas o que ele fez foi de um amadorismo impressionante: sentou-se na cadeira que não lhe pertence, na fase preliminar de um processo que pode ter qualquer desfecho.

O debate na Comissão do Impeachment, enquanto foi racional, deixou clara a resistência do governo em admitir a gravidade do que aconteceu na economia. O país levará anos para se reequilibrar, a dívida pública seguirá uma perigosa trajetória, empregos estão sendo queimados, mas nada disso parece importar a um governo que despreza o ordenamento fiscal do país.

Na sua defesa, o ministro José Eduardo Cardozo chegou a protestar:

— Num país marcado pela corrupção, a presidente vai ser afastada por uma questão contábil?

Na verdade tudo é mais complexo. O que o governo fez até agora foi lutar para que as denúncias de corrupção não sejam consideradas, e por isso as delações da Lava-Jato ficaram de lado. Ainda que os fatos revelados não tenham a ver com qualquer favorecimento pessoal da presidente Dilma, há indícios de dinheiro de superfaturamento de contratos com estatais sustentando a campanha eleitoral. Os governistas disseram que nada há contra a presidente Dilma. A verdade é que existe muitas evidências contra o governo dela, mas nada pode ser analisado no atual processo de impeachment.

O que está sendo verificada é a questão fiscal. A estratégia foi delimitar o terreno a este assunto, e só ao que aconteceu em 2015. Neste ponto se vê uma aliança muito curiosa, porque para o governo é fundamental que prevaleça a decisão de Eduardo Cunha de não admitir que se avalie no processo o que aconteceu no primeiro mandato. Do ponto de vista econômico, em 2014 é que foi feito o grande atentado à Lei de Responsabilidade Fiscal.

O ministro Cardozo disse que os decretos de aumentos de gastos sem autorização do Congresso ocorreram porque houve queda de arrecadação. A verdade é mais completa: houve queda de arrecadação, mas houve também orçamento com premissas falsas e as pedaladas que acabaram de arruinar as contas de 2015.

Em agosto de 2014, a equipe do então ministro Guido Mantega mandou o Orçamento ao Congresso com uma previsão de crescimento do PIB de 3% em 2015. Ou seja, superestimou a receita. Quando se projeta um crescimento maior do que ele será, o governo passa a contar com uma receita que depois não arrecada. A Receita Federal explicou no seu relatório que o principal fator que reduziu a arrecadação foi o custo das desonerações. Elas somaram R$ 103 bilhões.

O ano de 2015 começou com um Orçamento que previa R$ 114 bi de superavit e terminou com um déficit de R$ 120 bilhões. Essa diferença de mais de R$ 230 bilhões é grande demais para ser considerada como resultado apenas de um revés econômico inesperado. O que pesou foram as pedaladas de 2014 pagas no último dia de 2015. A dívida de um ano foi paga no outro. Isso torna um ano ligado ao outro inexoravelmente. A pedalada é o elo perdido entre os dois mandatos.

As questões econômicas são áridas e pouca gente tem na memória a sequência dos eventos. Mas o que trouxe a presidente a este momento foi a demolição sistemática dos princípios fiscais, a conspiração contra a ordem monetária, o golpe nas estatísticas públicas. Hoje a inflação começa a cair, mas batida pela recessão mais profunda e prolongada que o Brasil já viu.

Muitos interesses moveram os 38 votos dados ontem pela admissão do processo de impeachment. Eles foram 58% dos votantes e se isso for reproduzido no plenário não é o suficiente para o processo ser encaminhado ao Senado. A incerteza permanecerá no país.

O legado de Dilma – Editorial / Folha de S. Paulo

Integrantes do governo Dilma Rousseff (PT) mobilizam-se quanto podem para tentar convencer deputados a votar contra o impeachment da presidente. Afora promessas de cargos e emendas, não se imagina quais argumentos possam ser utilizados em favor da atual ocupante do Planalto.

Sua principal vitrine de realizações é a Petrobras. No mostruário, vê-se uma empresa, a maior do Brasil, superendividada e em processo de encolhimento e desmonte, a registrar prejuízos monstruosos.

Como se não bastassem as dívidas que sobrevieram devido a preços tabelados, investimentos equivocados e corrupção, a Petrobras arcou com os custos de um programa de industrialização que a obrigou a adquirir produtos nacionais a preços muito acima do mercado mundial. Somadas, são perdas na casa de centenas de bilhões.

Reportagens desta Folha e do jornal "Valor Econômico" vêm mostrando que desde o início a empresa sabia da inviabilidade dos investimentos na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e no Comperj, polo petroquímico no Rio.

Nas fases cruciais de decisão do investimento, de 2009 a 2012, a própria estatal, em relatórios então sigilosos, indicava que a rentabilidade não superaria as despesas de capital –prejuízo depois elevado pela pilhagem e pelo descontrole de custos.

A dimensão espetacular da destruição na petroleira desvia a atenção de casos de ruína similar em vários setores que conheceram a mão deste governo, marcada por intervenção política rudimentar, incompetência e apego a ideias econômicas ultrapassadas.

A tentativa de baixar a fórceps os preços da energia, em 2012, contribui para que a segunda maior estatal do país, a Eletrobras, tenha prejuízos desde aquele ano.

A manipulação de preços de combustíveis e energia elétrica arruinou a Petrobras e todo o complexo petroleiro, diminuiu o setor de biocombustíveis e desorganizou e endividou o setor elétrico.

A politização da gerência dos fundos de pensão de estatais provocou prejuízos históricos. Além da mera incompetência, tais fundos foram levados a investir em projetos do "Brasil Grande" petista, caso da Sete Brasil ou de Belo Monte –um caso de falência quase certa e outro de prejuízo duradouro.

Os leilões de concessão de infraestrutura foram prejudicados e chegaram quase ao fim em 2013, dadas as tentativas canhestras do governo de controlar a rentabilidade dos empreendimentos e a barafunda das normas regulatórias. Perdeu-se então uma chance restante de conter a desaceleração econômica, que começava.

Não se sabe quando nem de que forma terminará o governo Dilma Rousseff, mas já se sabe que a presidente deixará um legado histórico de destruição incomparável.

A força do populismo – Editorial / O Estado de S. Paulo

A ideia de que existem soluções fáceis para os problemas da economia e de que basta ao governo ter vontade para que os pobres sejam conduzidos ao paraíso da classe média já deveria estar inapelavelmente desmoralizada. Afinal, o que não faltam são evidências de que essa irresponsabilidade populista, grande marca dos governos petistas, arruinou a economia nacional e, como consequência, anulou os eventuais ganhos que os pobres possam ter obtido, além de ter lhes comprometido o futuro. 

No entanto, quando se observa que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda aparece com cerca de 20% das intenções de voto para presidente e teve seu nome citado espontaneamente por 40% como “o melhor presidente da história do Brasil”, conforme pesquisa do Datafolha, constata-se que resiste, em parte da sociedade brasileira, um certo pensamento mágico, que atribui ao chefão petista a capacidade de transformar os fatos pela simples expressão de seu desejo.

Apenas o inegável talento de Lula não basta para explicar a sobrevida desse pensamento. Contribui para fortalecê-lo a incapacidade da oposição de expor aos eleitores o embuste lulopetista, segundo o qual “nunca antes na história deste país” os pobres foram tão valorizados e que “eles” – os que não votam no PT – “durante 500 anos não souberam cuidar desse povo”, conforme discursou Lula dia desses.

Graças à fraqueza da oposição, sustenta-se a mensagem de que foram os petistas – Lula à frente – os responsáveis por redimir os pobres, pela simples razão de que o PT detém o monopólio da sensibilidade social. Por esse motivo, os eleitores mais suscetíveis à demagogia petista continuam a atribuir apenas a Lula e ao PT os ganhos que, na verdade, só foram possíveis graças à estabilização da economia – uma conquista de todos os brasileiros, a partir do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal, medidas contra as quais, é bom que se frise, os petistas lutaram com unhas e dentes.

O principal ativo lulopetista está, portanto, na crença de uma parte dos brasileiros de que os recursos do Estado são infinitos e de que todos têm direito a acumular cada vez mais benefícios às expensas do erário. É nesse atraso que Lula e a tigrada apostam para permanecer no poder.

Assim, Lula já mandou espalhar que, caso o impeachment não prospere, o governo será “refundado” em bases ainda mais populistas. Conforme noticiou o Estado, o chefão petista é o autor de um plano de “sobrevivência” da presidente Dilma Rousseff que inclui aumentar o Bolsa Família, expandir a oferta de crédito e investir em construção civil para gerar empregos. Ou seja, tudo o que Lula tem a oferecer ao País é a recauchutagem de um programa de governo já desacreditado pelo cotidiano desastroso da economia. O desemprego crescente, a inflação que só cai em razão da brutal recessão e a perda de confiança em todos os setores da economia são resultado direto das mesmas apostas erradas que Lula pretende agora dobrar.

Mas nada disso parece importar, nem para Lula nem para seus fanáticos simpatizantes. Lula acha que Dilma deve adotar imediatamente medidas que, em suas palavras, “ponham dinheiro na mão do pobre”, isto é, que façam com que as classes menos favorecidas tenham a sensação de que recuperaram poder de compra. “Deem para a gente seis meses de paciência e vamos provar que este país vai voltar a ser o País da alegria”, prometeu Lula no mês passado.

É preocupante que ainda haja quem acredite nessa impostura, mas as pesquisas estão aí para provar que o Brasil, embora tenha avançado muito, permanece vulnerável a esse tipo de discurso irresponsável. É por essa razão que se tornou imperativa a construção de uma oposição mais ativa e aguerrida, que não tenha medo de assumir a ingrata tarefa de convencer os brasileiros de que o ilusionismo populista como o de Lula condenará o País ao atraso crônico se não for desde já abandonado.

 Deve ficar claro para os eleitores que a única saída para o Brasil é austeridade e trabalho duro, com o sacrifício de todos, para reequilibrar as contas, recuperar a confiança e realizar as reformas que racionalizem os gastos do Estado.

Só assim haverá a verdadeira justiça social, sustentável e permanente, e não a miragem oferecida por algum mágico de fancaria.

Dentro da Lei, dentro da Constituição - Editorial

• O país vive a sua maior crise política desde a redemocratização, as paixões estão à flor da pele, mas ninguém vislumbra uma saída que seja à margem da Carta

• É importante que o desfecho do impeachment, seja qual for, venha com rapidez, porque o tempo corre contra um país paralisado já há quase um ano e meio

O país vive a maior crise política desde a redemocratização, as paixões estão à flor da pele, a radicalização é enorme, mas a boa notícia é que ninguém, em sã consciência, vislumbra o risco de uma saída à margem da Constituição. Mais uma prova da maturidade da nossa democracia, já com 28 anos ininterruptos sem curtos-circuitos institucionais. OBrasil vive hoje a sua maior crise política desde a redemocratização. Embora pesquisas mostrem que mais de 60% da população apoiam o impeachment, 33% defendem a presidente Dilma Rousseff.

E isso tem levado a uma intensa luta política, com expressões de intolerância de parte a parte, o que não se viu durante o processo de afastamento de outro presidente, Fernando Collor de Mello. As paixões estão à flor da pele, o radicalismo é enorme, mas a boa notícia é que ninguém, em sã consciência, apesar de slogans meramente retóricos, vislumbra o risco de uma saída à margem da Constituição. Não há prova maior de maturidade de nossa democracia, já com 28 anos ininterruptos sem rupturas institucionais, no estado democrático de direito.

O jornalismo profissional, demonstrando mais uma vez sua excelência, tem publicado livre e destemidamente tudo o que diz respeito ao que já pode ser rotulado como o maior esquema de corrupção que vitimou o Brasil.

Em muitos casos, está à frente das investigações, escancarando o que de errado foi feito neste país. Age, assim, sob a proteção da Constituição, que garante ampla liberdade de imprensa.

A Polícia Federal e o Ministério Público têm investigado tudo, também como assegura a Constituição, sob estreita supervisão do Supremo Tribunal Federal, a quem as partes recorrem toda vez que imaginam que seus direitos estão sendo lesados. A Justiça, em todas as suas instâncias, tem agido com espírito republicano.

O Tribunal de Contas da União, também cumprindo seu papel constitucional, tem examinado as contas da presidente e denunciado irregularidades gravíssimas que explicam, em grande medida, a terrível crise econômica por que passa o país. Os números frios atestam com clareza.

É um quadro de uma dramaticidade ímpar, cuja origem e desenvolvimento não podem deixar de ser atribuídos tanto à ação quanto à inação da presidente Dilma Rousseff. Diante dele, cidadãos, como assegura a Constituição, têm tido livre acesso ao Congresso para denunciar o que consideram crimes de responsabilidade da presidente e pedir a abertura de processos de impeachment.

A Câmara aceitou até aqui um deles, porque considerou que preenchia os requisitos formais. Quando tentou estabelecer um rito próprio ao impeachment, foi corrigida pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou que o rito deveria seguir a jurisprudência constitucional daquela Corte.

Agora, cabe à Câmara, e somente à Câmara, decidir se as denúncias descritas no pedido de impeachment devem ser levadas a julgamento pelo Senado. O relator decidiu que sim, e foi seguido pela maioria da comissão formada para julgar a admissibilidade do processo — 38 votos a favor e 27 contra o impeachment.

Nos próximos dias, todos os deputados federais, por maioria qualificada, decidirão se concordam com essa decisão. Eles são os legítimos representantes do povo brasileiro, aqueles a quem a Constituição incumbiu dessa tarefa. E os brasileiros respeitarão sua decisão, seja qual for, porque é isso o que exige a nossa Constituição. Simples assim.

Se o pedido de abertura do processo de impeachment vier a ser aprovado, em sessão inicialmente prevista para o final de semana, o julgamento de Dilma caberá ao Senado, sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Sempre conforme o roteiro estabelecido pela própria Corte e a Constituição.

Espera-se, agora, que as ameaças feitas por diversas vezes pelo advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, de recorrer ao Judiciário (STF) sempre que considerar que direitos da presidente estejam sendo desrespeitados, não se confirmem. É certo que a defesa tem absoluto lastro legal para usar de todos os recursos previstos em lei, e a qualquer momento que assim considerar necessário. Mas, na crise grave por que passa o país, deve ser levado em consideração por todos, oposição e situação, que o tempo conspira contra a nação.

Seja qual for o desfecho do processo de impeachment, ele precisa vir o mais rapidamente possível. O somatório da crise política com a crise econômica, semeada em parte durante uma campanha eleitoral em que a presidente vendeu um futuro fantasioso, apenas para conquistar a reeleição — enquanto aprofundava os equívocos do “novo marco macroeconômico” —, paralisa o país há quase um ano e meio. E projeta um indevassável horizonte de incertezas.

A inflação que fugiu ao controle, em 2015, com a consequente retração do consumo, e o mergulho em parafuso da produção nas fábricas geram um quadro social insustentável.

As próprias conquistas sociais tão alardeadas como patrimônio privado pelo PT estão se dissolvendo diante de um desemprego que avança hoje a taxas de dois dígitos, agravado por uma inflação em queda, mas ainda muito elevada, acima do limite da meta, de 6,5%.

Como em boa medida as decisões dos agentes de mercado, inclusive consumidores, se constroem a partir de expectativas, e, como elas continuam muito negativas com relação ao Brasil, a crise tem conseguido se projetar para a frente, num círculo vicioso cujo desfecho pode ser ainda mais dramático.

Romper o impasse político do impeachment é o passo que precisa ser dado no Congresso. Não que seja uma solução mágica. A votação final do impeachment, no Senado, independentemente do resultado, não será o desfecho da crise. Deve-se ser realista.

Em qualquer hipótese, ela deverá persistir. Pode-se lamentar esse prognóstico, mas não temê-lo. Porque a Constituição continuará a indicar o caminho para a superação dos males que afligem os brasileiros.

Já se foi o tempo em que este país apelava para soluções heterodoxas e inconstitucionais, como a adoção do parlamentarismo para evitar a posse de Jango na Presidência, ou a soluções de força, como o golpe militar que o apeou do poder e tantos males trouxe à nação.

Por esse motivo, não faz sentido o chamamento para eleições antecipadas, a menos que isso seja a consequência constitucional de julgamento de processos em curso no Tribunal Superior Eleitoral, onde tramitam acusações sobre a origem de recursos da campanha de Dilma. O Brasil está maduro. Fora da Constituição, não há saída. O caminho pode ser tortuoso, sofrido, trazer sacrifícios extras, mas será a nossa Lei Maior, e apenas ela, que nos conduzirá à superação dessa grave crise que paralisa o país.

O sim, o não e o mesmo - Arnaldo Jabor

- O Estado de S. Paulo

-Quem é você ? – gritou Dilma.

– Eu sou o Mesmo! – respondeu uma voz do fundo do Alvorada.

A voz partia de uma névoa escura, uma aparição que tinha vagos contornos humanos, rostos, bigodes, barrigas e gravatas de políticos brilhavam na viscosidade da gelatina, que flutuava no infinito salão do palácio.

– É tarde da noite, não há ninguém aqui! Quem é você? – berrou com todo o pulmão, mas a criadagem, acostumada a seus gritos, não se moveu da cozinha.

A presidente achou que era um pesadelo. A voz adivinhou:

– Eu não sou sonho. Sempre estive aqui, esperando. Sou paciente. Eu sou a essência do Brasil, presidenta. Eu sou aquilo que nunca muda, debaixo de todas as mudanças. Por isso, sou o Mesmo.

Eu sou o erro brasileiro dissimulado, a paralisia eterna que segura o País. Estou em todas.

Quando o Jânio Quadros tomou um porre, pegou o boné e foi embora, eu estava ali na sua psicopatia, estava ali no uísque dele, estimulando-o a renunciar. E ele se foi.

“Eu fi-lo porque qui-lo” – assim ele falava. Eu estava até na caspa dele espargida pelos ombros.

– Mas eu lutei contra a ditadura...

– Sim. Mas em 63 eu não estava na ingênua coragem que animava vocês todos, presidente/a. Eu morava mesmo era na absurda esperança de que iam derrotar o Exército só com espingardas de chumbo; eu estava também na lerdeza triste e coxa de João Goulart, querendo escapar de sua missão “revolucionária”.

Na ditadura, eles nunca sabiam onde eu estava. Eu não estava numa certa decência, que o Castelo Branco tinha; eu estava em sua feiura, na sua corcundinha. Depois, eu estava na extraordinária burrice de Costa e Silva ou na gargalhada perua de d. Iolanda, sua primeira-dama.

Nunca estou onde pensam. Eu não estava na sinistra perversidade do Médici, que abriu as portas para a tortura. Não. Eu estava escondido no seu amor pelo Flamengo, em sua fama de bom pai, eu era sua ilusão de que salvaria a Pátria; depois, eu estava na honradez burra do Geisel, que não ouvia ninguém e que, só em usinas atômicas, jogou fora 30 bilhões de dólares; eu estava nos colhões do Figueiredo, em sua sunguinha atlética, em seus cavalos que, para ele, cheiravam melhor que o povo.

– Mas você quer o que de mim?

– Nada. Eu não quero nada. Vocês é que voltam sempre a mim, me habitam, desembocam em mim, entende? Eu nunca estou nas dúvidas. Estou sempre nas certezas.

Por exemplo, quando o Lula lhe nomeou sucessora, eu entendi que ele não nomearia um homem para ficar na cadeira até sua volta, como está acontecendo agora. Eu não estava nos 80% de ibope que ele tinha. Eu estava em seu narcisismo machista, eu estava em seu deslumbramento consigo mesmo, eu estava no dedo que lhe faltava, eu estava na aura de santo que o povão lhe pespegou, sem perceber seu tremendo egoísmo. Eu sempre estou no óbvio, que ninguém vê.

Quando você foi nomeada, eu não estava nas palavras nobres que você usou:

“Venceremos a miséria, a estagnação”. Não. Eu estava nas suas pausas malfeitas, em seus erros de concordância, em seus gaguejos.

Aliás, eu é que sugeri que você se autonomeasse “presidenta”. Eu vi naquele ‘A’, de presidenta, o erro proposital, o indício do populismo gramatical para envolver mais o povo em sua ignorância.

Dilma tremia diante da nuvem viscosa, que se esgarçou numa grande tela onde apareceu aquela antiga foto de jovem guerrilheira de óculos, heroica e orgulhosa, diante de uma junta militar.

– Mas veja o meu passado... – apontou Dilma.

– Adivinhe onde estava eu, nesta foto, presidente/a? Eu não estava na sua coragem juvenil. Eu estava na mesa onde oficiais do Exército tapavam o rosto para não serem reconhecidos no futuro. Pois eu estava ali, nas caras tapadas dos milicos.

Repare bem na foto antiga.

A foto se moveu e, sob o rosto tapado dos milicos, surgiu a carantonha bicuda do Cunha e o suave cinismo de Renan.

– Viu, presidenta? Eu sou o Mesmo, no presente, passado e futuro.

– Você pôs o micróbio na barriga do Tancredo!

– Imagina se eu ia fazer uma coisa dessas... Eu morava na incompetência do Hospital de Base, nos equipamentos arcaicos, no deslumbramento messiânico dos médicos.

– E quando entrou o Sarney? – perguntou Dilma.

– Esse foi meu grande e eterno aliado. Eu sempre morei no bolso do jaquetão dele e ele nunca me decepcionou.

– E o Collor?

– Bem, presidente/a, quando ele entrou, me inquietei. Ele parecia uma coisa nova, que me superava. Era inesperado, confesso... Mas logo eu vi a Casa da Dinda e um Lamborghini amarelo no futuro, vi a inflação bater 2.000% e sosseguei. Eu estava no seu saco roxo, que empalideceu. Eu estava na insânia que luzia em seus olhos.

– Mas onde é que eu errei? (Ao longe, batiam panelas...)

– Achando que estava certa, sempre. Eu, o Mesmo, estava na sua frenética vontade de mudar o mundo. Mas não era por generosidade – era pela onipotência de ver uma sociedade obediente, gerida por um Estado superpoderoso. Na verdade, quando a senhora entrou, eu também fiquei inquieto. A senhora começou a faxinar ministérios, demitindo corruptos, mas, quando aquele ministro do PDT, com cara de hipopótamo, disse que “lhe amava” e lhe beijou a mão numa ridícula reverência, eu me aliviei: eu, o Mesmo, estava ali de novo. Sei de tudo. Acompanho a senhora até hoje, na garupa de sua bicicleta. Aliás, como é triste vê-la pedalando na solidão de Brasília, com seu capacete de frango da Sadia.

– E, me diga, vai haver impeachment ou não?

– Tanto faz, presidenta..., eu estarei ali, entre o sim e o não, eu estarei nos votos comprados pelo Lula, eu estarei na mediocridade dos que vão lhe condenar ou na mediocridade dos que vão lhe absolver.

– Mas, afinal, quem é você?

– Sou uma espécie de PMDB transcendental. Não sou nem a burguesia nem a elite; sou a pasta essencial de que somos feitos. Sou a história fixa do Brasil. Tenho a grandeza da vista curta, a beleza dos interesses mesquinhos, a sabedoria dos porcos e dos roedores. Tenho essa sabedoria, enquanto vocês se gastam em esperanças. Eu não sou a mosca na sopa. Eu sou a sopa.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Opinião do dia – Raimundo Santos

É preciso insistir neste ponto dos protagonistas lúcidos: as esquerdas foram chamadas a posicionar-se como “esquerda positiva” em situações complexas. Citemos exemplos: elas atuaram responsavelmente após o suicídio de Getúlio, durante o governo de JK, na posse do vice-presidente João Goulart, embora durante o seu governo tivessem postura ambivalente em relação ao processo de reformismo político sob o regime democrático proposto nesse tempo. Mesmo em meio a divisões internas, parte das esquerdas militantes, mais especificamente o PCB, foi resoluta ao colocar no centro da resistência ao regime de 1964 a luta pelas liberdades democráticas, retificando a indecisão dos anos de Goulart. Estas esquerdas tiveram papel decisivo na frente democrática contra a ditadura liderada pelo MDB.

Hoje, estamos no limiar de uma transição para seguir adiante no caminho da Constituição de 1988 - e seus marcos progamáticos. As esquerdas estão chamadas, neste momento, a darem contribuição construtiva.
----------------------------------
Raimundo Santos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e organizador (e autor do ensaio introdutório) da coletânea O marxismo político de Armênio Guedes (Brasília: Fundação Astrogildo Pereira, dez. 2012). Entrevista concedida ao jornal Rural Semanal, 08/04/2016

Planalto concentra força na votação em plenário

• Derrota hoje na comissão da Câmara é dada como certa pelo governo

Ministros e o ex-presidente Lula vão intensificar negociações junto a parlamentares para tentar conseguir os 172 votos necessários à derrubada do impedimento de Dilma no próximo fim de semana

O governo acredita ser muito difícil evitar hoje a aprovação do parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO) pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff, na comissão do impeachment. Por isso, decidiu apostar todas as fichas nas articulações para conseguir os 172 votos necessários a um resultado favorável no plenário da Câmara, no próximo fim de semana. Levantamento do GLOBO mostra que, dos 65 integrantes da comissão, 34 estão a favor do impeachment, 21 são contrários e dez continuam indecisos. O ex-presidente Lula e ministros retomarão encontros com dirigentes de vários partidos e com parlamentares para negociar os apoios. A oposição, por sua vez, espera uma boa margem de votos hoje para criar uma “onda” pelo impedimento de Dilma.

Decisão é no plenário

• Governo já conta com derrota hoje na comissão e trabalha para virar o jogo até domingo

Eduardo Bresciani, Isabel Braga, Maria Lima, Simone Iglesias - O Globo

-BRASÍLIA- Já dando como certa a aprovação hoje, na comissão do impeachment, do parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que recomenda o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o governo vai intensificar suas ações para garantir um resultado favorável na votação do tema pelo plenário da Câmara, neste fim de semana. O ex-presidente Lula já articulou encontros com dirigentes de diversos partidos ao longo da semana em Brasília, e os ministros vão reforçar as negociações com parlamentares na busca dos votos necessários.

Embora a votação na comissão do impeachment já seja considerada perdida, os governistas ressaltam que terão mais de um terço dos votos, percentual de que precisam no plenário para manter Dilma no cargo. A avaliação do Planalto é a de que, desde a indicação dos parlamentares para a comissão, já havia um resultado de “cartas marcadas”. Por essa percepção, Dilma e Lula definiram que o melhor seria apostar na votação do plenário, porque o governo teria mais tempo para negociar com os partidos da base aliada. Para conseguir acordos com os parlamentares, o governo vem trabalhando na liberação de demandas represadas, como cargos de segundo e terceiro escalão.

— A comissão (do impeachment) foi escolhida contra o governo, já era esperado. Ainda há um fio de esperança, mas o importante é a votação no plenário — diz o deputado Vicente Cândido (PT-SP), membro titular da comissão.

Lula passou o fim de semana com a família, em São Paulo, e volta à carga a partir de hoje, mantendo a estratégia de negociações no varejo e também com os presidentes de partidos, para tentar uma margem de votos segura no plenário, onde o quadro ainda está indefinido. Lula pediu para se encontrar com o presidente do PSB, Carlos Siqueira, mas a Executiva do partido se reúne hoje pela manhã e deve oficializar o apoio ao impeachment na comissão e no plenário.

— O ideal para nós seria haver novas eleições, mas não há essa previsão constitucional no momento, e não podemos mais admitir que a paralisia do governo continue provocando efeitos cada dia mais danosos ao país. Estamos sendo empurrados para o impeachment. Esperamos muito tempo que a presidente Dilma pudesse ter as condições para governar, e ela não alcançou essas condições — disse Siqueira.

Dos 65 titulares da comissão, 34 declararam ao GLOBO voto a favor do parecer do relator. A oposição diz que pode conquistar mais adesões entre os dez indecisos. São 21 os que se disseram contrários ao impeachment, e mesmo os oposicionistas acreditam que ao menos metade dos indecisos deverá reforçar a ala governista. Na véspera da votação na comissão, a presidente Dilma ficou recolhida no Planalto.

A oposição deseja ampliar a margem de votos em busca de criar uma “onda” para a decisão final no plenário. A avaliação dos favoráveis ao impeachment é que o resultado de hoje será um indicativo de sucesso para as próximas fases

— Estamos trabalhando por etapas. Primeiro, queremos consagrar a vitória (na comissão) e ampliar a margem. Se conseguirmos colocá-los abaixo de 30 votos, é sinal interessante. Tem que considerar que os governistas ficaram inconformados com a chapa avulsa, venceram no Supremo, e essa seria a comissão deles. E, ainda assim, perder por uma diferença boa dá uma impulsionada grande para os movimentos que acontecerão terça, quarta e quinta. O vento sopra favoravelmente — avalia o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA).

PMDB de Temer atua intensamente
Para o coordenador do comitê pró-impeachment, deputado Mendonça Filho (DEM-PE), a pesquisa Datafolha que também mostra rejeição ao vice Michel Temer não interfere no cenário político:

— A saída constitucional é essa. Qualquer saída de ruptura ou de criatividade constitucional é péssima para o país. Então, esse dado tem zero reflexo na nossa decisão.

Na cúpula do PMDB, cada um recebeu uma missão para a reta final. Temer está em São Paulo muito ativo, conversando com políticos e setores da sociedade civil. O foco de seus aliados é no PP e no PSD, de onde se espera um “efeito manada”. Nas negociações, a barganha fica explícita.

— Ninguém é ingênuo. Nas conversas querem saber: “Como vai ser o governo de vocês? Vamos participar?”. A resposta é genérica, explicamos que na situação atual, para reerguer o país, vamos precisar da ajuda de todos. Eles estão recebendo um cheque pré-datado de Dilma, sem fundos, e querem saber se temos condições de cobrir — diz um dos peemedebistas que participam das conversas.

Temer e seu entorno acreditam que no plenário deve se repetir o que ocorreu no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, e vai imperar o instinto de sobrevivência. A estratégia de Romero Jucá, presidente em exercício do PMDB, é amarrar todo o partido para o plenário, inclusive o grupo de Leonardo Picciani, pró-governo.

— Vamos construir essa circunstância tendo como mote a unidade. A ideia é ele alegar que as circunstâncias do partido não lhe deram alternativa que não fosse apoiar o impeachment — diz um cacique do PMDB.

No PP, enquanto o presidente do partido, Ciro Nogueira (PI), tenta segurar uma posição a favor do governo, os diretórios regionais começam a definir apoios ao impeachment. Já são nove os diretórios com decisões formais nessa direção.

Pré-candidatos a prefeito são os mais cobrados

• Deputados da comissão especial recebem todo dia dezenas de e-mails, telefonemas e mensagens de WhatsApp

Isabel Braga, Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- A pressão para um posicionamento sobre o impeachment afeta, de forma mais intensa, um grupo de deputados: os que pretendem disputar as eleições municipais deste ano. Na comissão do impeachment, estão nesta situação deputados que até ontem, véspera da votação, ainda se declaravam indefinidos, como é o caso de Valtenir Pereira (PMDB-MT), Bebeto (PSB-BA), Aliel Machado (Rede-PR) e Washington Reis (PMDB-RJ). Hoje é o dia de descer do muro.

Assim como todos os deputados que aparecem como indecisos ou contra o impeachment, os pré-candidatos têm sido bombardeados diariamente com e-mails, telefonemas e mensagens via WhatsApp, ampliando o dilema dos parlamentares. Em sua maioria, as mensagens e os telefonemas pedem para que o deputado vote a favor do impeachment, mas os eleitores contra o impedimento também têm se manifestado. E não se limitam a pressionar os deputados de seus estados. Segundo os deputados, a maioria das mensagens é de São Paulo e de estados do Sul.

Valtenir Pereira mostra o celular pessoal — que foi divulgado nas redes sociais por movimentos pró-impeachment — inundado por mensagens. Muitas são agressivas e intimidatórias, mas há quem tente ganhar o deputado pelo convencimento, tanto a favor quanto contra o impedimento. Numa das mensagens, uma terapeuta de São Paulo tenta convencê-lo da importância do voto a favor do impeachment e, como forma de estimulá-lo, diz que tem familiares no estado, que pensa em mudar para a cidade e que sabe que ele é muito “querido em Campo Grande”.

— Ela erra o meu estado, o Mato Grosso! Campo Grande é Mato Grosso do Sul, e sou pré-candidato a prefeito de Cuiabá. A abordagem foi serena, mas ela nem me conhece! Leio todas as mensagens, mas as pessoas precisam ver que o que está em jogo exige responsabilidade grande dos parlamentares. Não vou tomar uma decisão com visão eleitoreira. Não dá para misturar a questão eleitoral com o impeachment — disse Valtenir.

Além da ação dos militantes a favor e contra o impeachment, os pré-candidatos a prefeito também sofrem pressão de suas bases e de partidos envolvidos na negociação política. Bebeto (PSB), por exemplo, é pré-candidato a prefeito em Ilhéus (BA) e costura uma aliança com PMDB, PSDB e DEM. Parlamentares da oposição afirmam que, caso ele votasse contra o impeachment, poderia ter problemas na sua base eleitoral.

Bebeto reconhece que, a depender do seu voto, “pode ter variação” nas alianças que busca. Acredita, porém, que como as eleições são municipais a realidade da cidade se impõe às questões nacionais. Ele ressalta ainda que na sua cidade há uma divisão total sobre o tema do impeachment.

— Fizeram uma pesquisa aqui sobre o impeachment, e na nossa cidade está meio a meio. Isso se reflete também em outras cidades da Bahia e do Nordeste. Seja qual for a decisão, será polêmica e criticada — diz Bebeto.

O deputado do PSB afirma que continua “indeciso” e que espera o posicionamento oficial do seu partido para anunciar sua decisão. Caso o partido feche questão pelo impeachment, ele deve acompanhar. Na hipótese de não haver uma decisão definitiva da legenda, o deputado faz suspense sobre que rumo tomaria.

— Se eu adianto uma posição, e a Executiva fecha questão, vou ter de seguir o que for adotado lá. Se permanecer que o juízo será de cada deputado, minha decisão pode ser outra. Então, é um momento de temperança, de se distanciar da emoção, julgar o fato como ele é — diz Bebeto.

Outro que vive um grande dilema é o deputado de primeiro mandato Aliel Machado (Rede), que sonha em ser candidato em Ponta Grossa, no Paraná, estado do juiz Sérgio Moro. Apesar de não ser aliado do governo Dilma, ele também não gostaria de contribuir para que Michel Temer assumisse a Presidência. Repete que, para ele, nem Dilma, nem Temer, e que o melhor seria mesmo haver novas eleições. No estado dele, no entanto, a maioria dos eleitores tem se manifestado a favor do impeachment.

PT tenta evitar que revés em comissão contamine plenário

Governo teme que derrota nesta segunda amplie isolamento político de Dilma

• Planalto avalia que eventual revés por larga margem pode aumentar percepção de fraqueza da presidente e contaminar plenário

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas da votação do parecer pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Comissão Especial, Brasília teve um fim de semana de reuniões estratégicas. A base governista se concentrou em buscar votos para evitar uma derrota expressiva nesta segunda na comissão. Se isso ocorrer, avaliam governistas, poderá ampliar a percepção de fraqueza e de isolamento político da presidente Dilma.

Na outra ponta, a oposição avalia que uma boa vitória na comissão, aliada aos eventos da semana passada decorrentes da Operação Lava Jato, lhe dará fôlego nesta semana decisiva.

De acordo com o Placar do Impeachment, do Estado, ao menos 35 dos 65 deputados da comissão, que se reúne a partir das 10h desta segunda, se declaram favoráveis ao impeachment. É necessária maioria simples.

Por isso, a expectativa da oposição e do governo é de que o impeachment comece a ser votado em plenário na sexta-feira. A votação deverá terminar no domingo. São necessários 342 votos dos 513 deputados para o impeachment ser aprovado.

A oposição acredita que o momento é favorável para o impedimento e que o placar na comissão vai variar entre 35 e 39 votos pelo afastamento de um total de 65 membros. Já os aliados da presidente afirmam que, se houver derrota na comissão, será por uma margem de no máximo dois votos. O Planalto busca no mínimo 30 votos favoráveis. “Será um placar apertado”, previu o vice-líder do governo, deputado Paulo Teixeira (PT-SP). “Isso é um jogo de dois tempos. Vai ser por um placar apertado, mas vamos perder ganhando”, disse o vice-líder do governo, Silvio Costa (PT do B-PE).

O governo já começou a semana com algumas pequenas vitórias que, avaliam, ajudará a obter essa margem apertada de votos hoje. O presidente da comissão especial, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), decidiu que não haverá chamada nominal, o que faz com que os votantes se manifestem apenas por meio do painel eletrônico.

A oposição avaliava que a votação nominal pressionaria, sob os holofotes da oposição, os deputados a votar contra o governo. Após uma rápida conversa com o advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, que ligou para confirmar presença na sessão desta segunda-feira, Rosso - que tendia a acatar o pedido da oposição para chamada um a um - consultou o regimento e concluiu que a solicitação da oposição só poderia ser acatada se o painel estivesse indisponível.

Além disso, foi antecipada a estratégia do governo para o plenário sobre os ausentes. Se a oposição trabalha apenas para convencer os deputados a votar “sim” ao impeachment, os aliados do Planalto orientam os colegas a não comparecer à sessão, se abster ou votar não. Na comissão, o deputado Washington Reis (PMDB-RJ) - que integra o grupo dos oito que se declaram indecisos - faltará porque está internado com a gripe H1N1. Reis disse ao Estado ontem que em seu lugar votará Marx Beltrão (PMDB-AL), aliado do governo. A ausência de Reis foi um dos temas da reunião da oposição, que tentará garantir o voto de um suplente pró-impeachment. “A gente vai ter de correr para ver o suplente”, comentou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Rosso já decidiu que só votará o suplente do bloco que registrar presença primeiro.

Outro integrante da comissão, Valtenir Pereira (PMDB-MT) se declarava até a véspera da votação como “indefinido” por ter dúvidas sobre o conteúdo do relatório. “Há uma forçação de barra no relatório e no pedido de impeachment”, argumenta. Ele disse que não faltará na sessão e que, se não decidir até a hora da votação, optará por se abster e tomar uma posição só em plenário.

Entre os oposicionistas, o cenário político da semana é visto com otimismo. “Estamos em ascensão”, comemorou o líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA). A divulgação de trechos da delação premiada do ex-executivo da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo foi um dos fatores que teriam ajudado a convencer parlamentares indecisos a defender o afastamento.
O parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendando a anulação da nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil também contribuiu. “Estamos muito animados”, disse o deputado Mendonça Filho (DEM-PE).

Marina defende Rede a favor do afastamento

• Ex-senadora e líder do partido afirmou, porém, que haverá liberdade de votação no plenário. Para ela, só o PT está unido

Altamiro Silva Junior – O Estado de S. Paulo

CHICAGO - A ex-senadora e líder da Rede Sustentabilidade, Marina Silva, defendeu anteontem que seu partido vote a favor do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Apesar disso, Marina afirmou que haverá liberdade de votação no plenário.

Em rápida entrevista a jornalistas antes de fazer palestra em Chicago (EUA), na noite de sábado, Marina Silva também pediu urgência ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a chapa que elegeu a presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer seja cassada.

No início da semana, a candidata à Presidência derrotada na última eleição afirmou que o processo de impeachment “cumpre com a legalidade, mas não com a finalidade”. Para ela, a saída de Dilma e Temer via TSE “é o caminho ético”.

Naquela oportunidade, a Rede ainda não havia declarado um posicionamento sobre o processo de impedimento da presidente na Câmara. Hoje,a posição favorável ao impeachment foi oficializada por Marina.

Questionada sobre a divisão de seu partido para a votação do impeachment de Dilma, Marina disse que “talvez só o PT hoje esteja unido” e que o PSDB está completamente desunido. “Trabalhamos com um consenso progressivo”, disse ela.

A ex-senadora afirmou também que, no plenário da Câmara, a tendência é que a bancada seja liberada, mas ela, pessoalmente, defende o voto a favor do impeachment. “O meu entendimento é que o impeachment não se fabrica, ele se explicita do ponto de vista político.

Quanto mais ele se explicita, mais a necessidade de julgamento do TSE”, disse ela aos jornalistas. “A minha posição é que o partido decida pela admissibilidade do impeachment e pela liberação da bancada no voto no plenário”, afirmou.

Pesquisa. Questionada sobre a pesquisa do Datafolha para a corrida presidencial de 2018, que mostra Marina na liderança junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-senadora disse que “pesquisas são registros do momento” e que “não fica ligada ”a esses levantamentos. “A gente está vivendo uma das piores crises do nosso país e eu acho que o mais importante é ficar atento ao que a população está dizendo em relação àquilo que ela não quer”, disse Marina. “E o que ela não quer é inflação alta, não quer essa corrupção, não quer juros altos, não quer a falta de perspectiva e de esperança. A sociedade está dizendo fartamente.”

Marina fez palestra em evento da Universidade de Chicago, que reuniu 300 pessoas e foi organizado pela Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior (Brasa, na sigla em inglês). Ela falou da necessidade de combate à corrupção e de sustentabilidade.

‘Novas eleições agora seriam um golpe’

Entrevista. Pedro Taques, governador de Mato Grosso (PSDB)

• Para o governador, a alternativa - já defendida pelo PSDB - seria ‘fugir do que está previsto na Constituição’

Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

O governador de Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), afirma que a realização de novas eleições por causa da crise política seria “um golpe”. “Isso seria fugir do que está previsto na Constituição”, disse ele. Leia a entrevista do governador ao Estado.

• Na sexta-feira as principais lideranças do PSDB se reuniram no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Há algum simbolismo nisso?

Há um simbolismo no sentido de mostrar que Brasília, neste momento, infelizmente virou um balcão de negócios. O governo está comprando apoios, como a imprensa tem noticiado todos os dias. Mostramos a unidade nacional do partido no maior Estado do Brasil.
O sr. sabe de alguma evidência de que o governo compra votos?
Os próprios deputados que participaram da reunião de sexta-feira fizeram relatos nesse sentido.

• O PSDB também apostava na realização de novas eleições, mas mudou o discurso. O que aconteceu?

Sou absolutamente contra a realização de novas eleições agora. Isso seria fugir do que está previsto na Constituição. Novas eleições agora seriam um golpe. Aí sim seria golpe. Já o crime de responsabilidade está previsto no artigo 85. Quando a presidente da República, independentemente do sexo ou do partido, ofende princípios republicanos, isso é crime de responsabilidade. Não vivemos em um parlamentarismo. Nesse regime, quando há uma crise ou desconfiança em relação a presidente, como acontece hoje, se antecipam as eleições.

• O sr. defende a entrada do PSDB em um novo governo de Michel Temer?

Como o maior partido de oposição, o PSDB não pode ficar fora das discussões. Mas isso não significa a necessidade de participação dos nossos quadros organicamente no futuro governo no pós-impeachment. Não estamos discutindo cargos, mas o futuro do Brasil.

• Faz objeção a participação de tucanos no Ministério de eventual governo Temer?

Essa é uma questão que tem de ser definida no âmbito do partido, e quem fala pelo PSDB é o (senador e presidente do PSDB) Aécio Neves. Mas eu não defendo a participação de pessoas e o debate sobre cargos. Esse não é o nível de discussão que o PSDB deseja. Defendo o impeachment e fui o primeiro governador a defender isso. No pós-impeachment precisamos de um governo de reconciliação nacional. Defendo que não ocorra a participação dos quadros do PSDB no governo.

• Em que instância essa decisão será tomada?

Na Executiva do partido, onde todos terão direito a voz e poderão se manifestar. O PSDB é um partido democrático, que inclusive faz eleições internas.

• Como fica o ajuste fiscal se não houver impeachment?

Para qualquer reforma é preciso credibilidade. Infelizmente, o governo, além de perder a credibilidade, perdeu a confiança dos agentes políticos e das forças da sociedade. O atual governo não tem capacidade para fazer qualquer ajuste. Não fizeram isso em 13 anos.

• O PSDB subiu e baixou o tom sobre impeachment várias vezes. A estratégia foi errática?

Eu sempre defendi o impeachment, mas o PSDB não é um partido com uma posição. Neste momento, porém, nós precisamos de unidade de pensamento. Hoje 100% dos partido é favorável ao impeachment.

• O fato de Aécio ter sido citado em delações da Lava Jato compromete a liderança dele?

O fato de alguém ser citado em uma delação não significa absolutamente que seja investigado ou culpado. Juridicamente a delação só se concretiza quando ela se comprova.

• Como procurador, como avalia o episódio das escutas que flagraram diálogos entre Dilma e Lula? Houve abuso do juiz Sérgio Moro?

Eu quero parabenizar o juiz Sérgio Moro e os demais membros da força-tarefa (da Lava Jato). A interceptação telefônica foi absolutamente legal.

• O Ministério Público age da mesma forma quando se trata de PT e PSDB?

O Ministério Público não é situação nem oposição. Ele é Constituição.

• O que o sr. achou da pesquisa Datafolha que aponta queda nas intenções de voto nos presidenciáveis tucanos e traz Lula na liderança em 2018?

Lula está em campanha e o Palácio do Planalto é comitê eleitoral dele.

Moreira: PMDB vai manter ações sociais

Entrevista Moreira Franco

Político mais ligado ao vice-presidente Michel Temer, Moreira Franco diz a Jorge Bastos Moreno que a disputa agora é entre o peemedebista e Dilma, e que, se a “vitória” for de Temer, o PMDB vai manter programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Fies. O que está em jogo neste momento?

A disputa agora é entre Dilma e Temer

• A uma semana da votação do impeachment no plenário da Câmara, Moreira Franco, o político mais ligado ao vice-presidente da República, assume que a disputa agora é entre Dilma Rousseff e Michel Temer. Apesar de estabelecer essa divisão, Moreira reconhece que nenhuma das partes conseguirá governar, sem um amplo entendimento que tire o país da atual crise econômica. E, pela primeira vez anuncia que, no caso da “vitória de Temer, o PMDB vai manter os programas dos governos do PT, como Bolsa Família, Minha Casa minha Vidae Pronatec.
• O que está em jogo neste momento?

A oportunidade de mudar os rumos da economia, de estancar a crise social e de recuperar a capacidade de governar da máquina federal, dos estados e dos municípios. É o que sustenta a disputa entre Dilma e o Brasil. Para ganhar, Temer tem que ter o voto de 2/3 do eleitorado (deputados federais) e não só maioria simples; Dilma só tem que evitar que este número seja alcançado. É uma disputa desigual.

• Por que a existência desta disputa?

O que há é uma imposição constitucional sob regras definidas pelo STF, o processo de impeachment foi aberto na Câmara. As razões decorrem porque, além da manipulação exagerada de verbas orçamentárias e da maquiagem fiscal, o governo está inviabilizando a economia do país, os governos municipais e estaduais e as esperanças da nação de ter garantidos tranquilidade e crescimento. Hoje, 285 brasileiros perdem o emprego por hora, os 40 milhões que melhoraram de vida já perderam as conquistas obtidas, a inflação cresce e os juros sobem, a produção cai, e milhares de empresas fecham as suas portas. Não há segurança jurídica, credibilidade nem propostas do governo para tirar o país da crise. Ao contrário, para evitar o impeachment ele aumenta os gastos e compromete o futuro do país.

• Não é traição o vice disputar com a titular?

Não. Essa disputa está definida na Constituição Federal, é pois respeitá-la. Antes da decisão da Câmara e do STF sobre a instalação e os seus ritos, não houve nenhuma ação, palavra ou gesto do Temer que o envolvesse neste processo. Ele fez questão de manter seu papel institucional com rigor. Mesmo com o PMDB, e ele é o seu presidente, tendo manifestado sua inconformidade com os rumos que o governo dava à gestão econômica, financeira e administrativa do país.

• Dilma tem o controle da máquina pública — cargos e verbas —, e Temer, não. A luta pela conquista de votos para a votação do impeachment não é desigual?

Exageradamente desigual, e digo isso porque o governo intensificou as trocas de cargos e a liberação de verbas para conquistar voto ou ausência de deputado no plenário da Câmara. Mas a opinião pública está atenta, acompanha as atitudes políticas do deputado. O governo tem a oposição da nação, e, como doutor Ulysses dizia, “quando o Brasil quer o Brasil muda”. O Brasil quer, e a Câmara jamais se colocou em confronto com a nação. Quando das Diretas, ela consertou sua trajetória logo depois, elegendo doutor Tancredo indiretamente contra a vontade do governo. Não adianta, o jogo está jogado.

• O senhor concorda que quem quer que ganhe esta disputa não governará só?

Concordo. Só com a pacificação do país e a unificação de sua maioria em torno do desafio de atravessar a ponte que nos tire da mais grave crise econômica de nossa História, como tem sido pregado constantemente pelo Temer, nós evitaremos o sacrifício social de mais de 40 milhões de brasileiros que não resistem a uma recessão prolongada, como a que estamos vivendo. O governo federal precisa manter os programas sociais como Bolsa Família, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Fies, hoje quase paralisados por falta de recursos financeiros. A criação das condições para retomarmos o crescimento impõe capacidade e gosto pelo diálogo e o entendimento com o Congresso e com a sociedade. E entre Dilma e Temer, a história recente nos mostra que só Temer tem esses atributos.