domingo, 27 de outubro de 2019

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Depois de uma tempestade perfeita, não há certeza de bonança. Sem adequada correção dos estragos, a crise espalhará seus venenos pelo sistema, que já anda bastante abalado. Tempestades desse tipo, porém, podem trazer alguma depuração, como janelas de oportunidade que permitam às pessoas enxergar o mundo com mais generosidade e cuidado.

É para onde devem estar a olhar os democratas.


*Professor titular de teoria política da Unesp. ‘Tempestade perfeita’, O Estado de S. Paulo, 26/10/2019.

Janio de Freitas - Sozinho e empesteado

- Folha de S. Paulo

O isolamento que se prenuncia é o que Bolsonaro não percebe

A festa da direita está chegando ao fim. "O mundo se vira para a direita" veio a ser uma ideia que encobriu todo o planeta. E trouxe uma onda de voracidade material e prepotência antissocial projetadas como um ódio sem razão nem controle. Nada sugeria essa irrupção: os ricos continuavam se fazendo mais ricos, o fantasma do comunismo destruíra-se, as guerras eram o de sempre. Onde o desejo de menos injustiça social chegara ao poder, não houve um só caso de cobrança à riqueza particular por seu débito humanitário. No entanto, a onda veio, voraz e feroz, planejada por teorias econômicas forjadas (nos dois sentidos da palavra) onde maiores são a riqueza e seu poder.

O refluxo da onda diz respeito ao Brasil de modo particular. Com referências diretas e indiretas ao risco de "contaminação", Bolsonaro mostra o mesmo medo disseminado no poder empresarial pelo levante do povo chileno. Bem de acordo com sua capacidade de compreensão, ao mesmo tempo ele ameaça isolar a Argentina se a direita lá perder a presidência. E faz dessa eleição o pretexto para retirar o Brasil do Mercosul —intenção, na verdade, já exposta como candidato e adequada a reiterado desejo de Trump.

O isolamento que se prenuncia é, porém, o que Bolsonaro não percebe. No Chile, Sebastián Piñera, de centro-direita, se afasta do Brasil de Bolsonaro, forçado a abandonar suas políticas afinadas só com o capital, estopins da explosão agressiva que o surpreendeu. O plano de aproximar o Brasil mais de Uruguai e Paraguai, para isolar a Argentina, revela desinformação patética: neste domingo mesmo, os uruguaios devem eleger Daniel Martínez, definido como "o oposto de Bolsonaro".

Bruno Boghossian – Culpar para confundir

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro dá sinais contra punição a responsáveis por crimes ao meio ambiente

Quando a barragem da Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro, o vice Hamilton Mourão afirmou que a conta do desastre não era do governo. "Nós assumimos faz 30 dias", argumentou. Era verdade. Depois, Jair Bolsonaro sobrevoou a região de helicóptero e declarou que trabalharia para "cobrar justiça".

O novo governo não teve lá muito incômodo naquele primeiro megadesastre ambiental, principalmente porque havia um responsável óbvio, a mineradora. Numa entrevista de rádio, o presidente destacou que "a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver" com sua gestão.

A busca por culpados funciona como válvula de escape para Bolsonaro nessa área. Um desavisado poderia se impressionar com um aparente esforço para aplicar punições em crimes do tipo, mas o festival de invencionices do governo mostra que o interesse é só confundir.

Hélio Schwartsman - Escrito nas estrelas

- Folha de S. Paulo

O que há de tão especial no instante do nascimento?

Deu na revista The New Yorker que a astrologia está em alta. A geração millennial não vê problemas em crer simultaneamente na influência dos astros sobre nossas vidas e na ciência. Quase 30% dos norte-americanos acreditam em astrologia, e o setor de serviços místicos já movimenta US$ 2,2 bilhões anuais no país.

Como liberal autêntico, não quero impedir ninguém de fazer o que deseja. A astrologia, assim como a religião, a poesia, a filatelia, a pornografia e o uso de drogas, é fonte legítima de prazer para os apreciadores. Mas, ao contrário dos millennials, eu vejo um problema em sustentar, na esfera pública, que ciência e astrologia são compatíveis.

Uma das funções da ciência é justamente a de retirar do radar da sociedade ideias equivocadas. Foi assim que aposentamos a teoria dos miasmas ou o uso de metais pesados para tratar doenças.

João Gualberto Vasconcellos* - Raízes do autoritarismo brasileiro

- Folha de S. Paulo

Coronelismo moderno se dá em meio às redes sociais

Os grandes personagens que têm animado nossa vida política estão profundamente mergulhados em um imaginário social excludente, masculino e alicerçado na legitimação da desigualdade. O mais paradigmático desses personagens talvez seja o coronel.

Não seria exagero dizer que, mesmo nos dias atuais, o sistema político brasileiro foi capaz de aprofundar algumas das estruturas mais perversas do coronelismo, a partir do personalismo e de padrões autoritários de comportamento gerados nesse longo processo histórico.

Afinal, a cultura brasileira ainda é rica nas características gestadas em todo o nosso processo social e histórico, tendo o coronel como figura chave do mandonismo brasileiro e um ator central na estrutura do poder. Tão grande foi o seu papel na construção de nosso imaginário social que ele se transformou numa espécie de “mestre da significação”.

Como a instituição imaginária que gerou nosso processo político muito antes do advento da República, o coronel foi instituinte do processo político brasileiro —ou seja, seus padrões de comportamento no poder moldaram nossas instituições, abortando em muitos aspectos nosso processo democrático.

Vinicius Torres Freire – O Mercosul está a beira da morte?

- Folha de S. Paulo

Governo quer acordos e comércio mais livre, mas não quer nem pode explodir o bloco

O governo quer apressar acordos comerciais com Estados Unidos e Japão. Quer tirar o Mercosul da “estagnação”. Isto é, apressar a integração econômica do bloco e facilitar tratados com outras partes, países e blocos.

Isto posto, as notícias sobre um grande corte de impostos de importação e a morte do Mercosul são exageradas. O Brasil não pode explodir o bloco, por motivos jurídicos, políticos e econômicos —até pode, mas seria uma besteira desastrosa. Por fim, o Mercosul não é apenas comércio.

Qual então o motivo do zunzum sobre tarifas e de rompimento, além dos ruídos provocados pelas declarações de Jair Bolsonaro sobre a Argentina?

Há de fato grande animação com a perspectiva de um tratado com os EUA. Tanta que uma baliza do calendário desse acordo é o vencimento da “Trade Promotion Authority” (TPA) do presidente americano, em julho de 2021.

Elio Gaspari* - Madame Natasha pede compostura verbal

- Folha de S. Paulo | O Globo

A boa senhora recomenda que os bolsonaristas evitem a cloaca do idioma

Madame Natasha tem opiniões políticas e não as revela, até porque quase sempre estão erradas. Ela zela pelo idioma e pela compostura no seu uso. Natasha acompanhou a campanha eleitoral do ano passado e convenceu-se de que Jair Bolsonaro e seus seguidores apresentavam-se como paladinos da lei, da ordem, da moralidade e dos bons costumes.

Neste mês de outubro, ela colecionou falas de alguns poderosos e assombrou-se com o que viu. Coisas que não se dizem numa casa de família e que nunca se ouviram na política brasileira.

Quem puxou o desfile da incontinência foi o presidente. Falando a um grupo de garimpeiros, Bolsonaro disse que "o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério". Dias depois, quando um cidadão perguntou-lhe onde estava seu amigo Fabrício Queiroz, o doutor respondeu: "Tá com tua mãe".

Bernardo Mello Franco - A escolha do pastor

- O Globo

O governo entregou a Casa de Rui Barbosa a uma afilhada do pastor Feliciano. Ela promete “humanizar” a instituição: “Lá é mais que uma casa, é um lar”

A Casa de Rui Barbosa vai começara semana comum anova presidente. Os servidores haviam indicado a filóloga Raquel Valença, que dedicou 33 anos à fundação. O governo preferiu nomear Letícia Dornelles, escolhida pelo deputado Marco Feliciano.

A afilhada do pastor tem planos imodestos. Autora de novelas do SBT e da Record, quer ser conhecida como “embaixadora da cultura no Rio”. “Queriam achar uma função pra mim em Brasília. Aí eu falei: ‘Não, deixa eu ficar no Rio’.

A fundação foi o que encontramos para eu poder ajudar”, ela me explicou, na sexta-feira. Letícia vai cuidar de uma instituição nonagenária, que guarda os arquivos do jurista baiano e de grandes escritores. Ela se disse animada com o desafio. “O Carlos Drummond de Andrade foi meu vizinho, então eu tenho um amor por ele que você não tem noção. É afeto mesmo, sabe?”, empolgou-se.

A nova dirigente também é escritora. Assinou obras como “Como enlouquecerem dez lições” e “As a venturas de Patrick na fazenda”, inspirada no filho de 9 anos. Além disso, foi repórter de TV e roteirista dos humorísticos “Partiu Shopping” e “Treme Treme”.

Em janeiro, ela entrou nora dardo governo ao defender o presidente no Facebook. “O Carlos Bolsonaro repostou e o texto viralizou”, orgulha-se. Depois disso, ela virou uma conselheira informal do poder. “Converso com algumas pessoas, dou ideias. Às vezes fico triste com alguma coisa que acontece e falo: ‘Poxa, gente, não faz isso...’”, contou. Letícia promete “humanizar” a Casa Rui

Ricardo Rangel* - Banzai! Banzai! Banzai!

- O Globo

É bom Eduardo pacificar o partido rapidamente: se Joice e Waldir depuserem na fúria em que estão, o estrago pode ser grande

‘A crise viajou”, dizia FHC quando Sarney saía do país. Hoje o presidente viaja, mas deixa os filhos, e leva o twitter, de modo que a balbúrdia no PSL prossegue. Do outro lado do mundo, Bolsonaro virou o jogo e emplacou o filho líder do partido. No dia seguinte, bradou “Banzai! Banzai! Banzai!” num tuíte.

“Banzai” é uma interjeição que significa “dez mil anos” e costuma ser usada como saudação ao imperador ou como grito de guerra desesperado — como faziam os kamikazes na Segunda Guerra. Não ficou claro por que Bolsonaro a empregou três vezes. Talvez, além de saudar Naruhito, tenha declarado dois ataques desesperados, a Luciano Bivar e ao peixe cru.

O peixe cru venceu, e o presidente retirou-se, derrotado, para comer miojo no quarto do hotel. A saudação a Naruhito foi pelo ralo depois de Bolsonaro contar que preferiu miojo ao banquete (a vingança nipônica foi instantânea como o macarrão: miojo, uma versão vagabunda, para quem não tem dinheiro nem paladar, do “lamen”, é invenção de japonês). Quanto a Bivar, ninguém sabe no que vai dar.

Ou, vai ver, Bolsonaro confundiu “Banzai!” com “Tora! Tora! Tora!”, o código usado pelos japoneses para avisar do sucesso do traiçoeiro bombardeio a Pearl Harbor (“tora” significa “ataque relâmpago”), e estava comemorando o ataque relâmpago e traiçoeiro (segundo os bivaristas) que instalou Zero Três na liderança. Jair revelou que a tarefa do herdeiro é “pacificar” o PSL.

“Para o bem do povo e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”, anunciou, da tribuna, o príncipe-regente, digo, deputado. Magnânimo, Eduardo abriu mão da mais alta colocação diplomática do país para tornar-se líder do PSL — posto que, como se sabe, é importantíssimo para a República.

Ascânio Seleme - Eles não ouvem alegações finais

- O Globo

Ministros do Supremo já chegam ao plenário com seus votos redigidos e convicção formada

Os advogados falam, gesticulam, dão ênfase em trechos do discurso, rogam, apelam, tentam arrebatar, se exaltam. Do outro lado, os ministros do Supremo que estão prestes a julgar as questões daqueles advogados leem documentos, manipulam papéis, consultam seus celulares e laptops, conversam entre si ou com seus capinhas. Nenhum presta a mínima atenção ao que dizem os advogados que estão ali apresentando o último apelo em favor das suas causas. Tampouco dão bola para o que dizem os representantes do Ministério Público ou da Advocacia-Geral da União nas suas considerações derradeiras. Os ministros já chegam ao plenário com seus votos redigidos, com sua convicção formada.

Quer dizer, não têm serventia as alegações finais da defesa ou da acusação de uma matéria quando ela é julgada no Supremo Tribunal Federal. Por isso, diante da absoluta falta de atenção que dão a homens e mulheres que se esgoelam diante deles na hora da decisão, não faz muito sentido os ministros terem entendido há algumas semanas que os delatados têm o direito de apresentar alegações depois de o delator apresentar as suas. Se essas alegações forem feitas diante dos ministros do Supremo vão valer nada. O fato é que o entendimento dos ministros, como se sabe, pode colocar na rua 5 mil presos, quase todos condenados por corrupção ativa ou passiva, muitos da Operação Lava-Jato.

Míriam Leitão - As tragédias e o povo brasileiro

- O Globo

Com bravura, o povo do Nordeste tem acudido suas praias e resgatado o litoral. A dedicação dos voluntários comove e assusta pelos riscos que correm

Que brava gente é esta que vai para as praias como se fosse para a guerra e luta com as mãos contra o ataque de um óleo espesso e grudento e tóxico. E limpa tudo o que pode até ver a areia limpa, e volta no dia seguinte disposta a novas batalhas porque mais sujeira pode chegar do mar. O mar que normalmente traz a água boa do banho, o peixe, a onda do surfista, o ganho do jangadeiro, do pescador, do dono da pousada e esse horizonte aberto que alonga e descansa o olhar.

Quando o pior aconteceu, e o petróleo começou a desembarcar em ondas sucessivas em 238 praias, em 2.250 quilômetros do litoral, quem primeiro acudiu o Nordeste foi seu povo. O governo tardou, se confundiu, errou, não teve a real dimensão da gravidade do caso. O ministro do Meio Ambiente, como sempre, fugiu da verdade. Ele parece não conviver bem com ela. No máximo aceita uma meia verdade, um fato editado, um número mal contado. Sua predileção é pela procura de inimigos imaginários. É intenso o seu esforço para desfazer a razão do cargo que imerecidamente ocupa.

O país passou os últimos dias vendo em todos os jornais, telejornais, revistas, os relatos, as imagens e as entrevistas com inúmeras pessoas que estão espalhadas em todas as praias, trabalhando sem remuneração, sem cargo, sem adicional, sem proteção, arrancando o mal que se espalha, impregna, gruda, mata a fauna, sufoca a natureza. São os perigosos hidrocarbonetos, energia fóssil, da qual o mundo talvez um dia se livre, se não for tarde demais.

Dorrit Harazim - O arco da memória

- O Globo

Queda do Muro de Berlim merece ser celebrada agora e sempre, sem reservas, como momento da história em que foi estupendo estar vivo

Hoje tem eleições presidenciais na vizinha Argentina. Coisa grande a ser acompanhada com lupa em Brasília e Washington, pelo FMI e em Pequim. Também tem a votação no Uruguai, onde a escolha do novo chefe da nação dirá se a década e meia de hegemonia da Frente Ampla de esquerda conseguirá se manter no poder. E tem eleições regionais na Turíngia.

E daí?

A Turíngia, estado federal da Alemanha fincado no centro geográfico do país, tem pouco mais de 2,1 milhões de habitantes. Ali se cultuam filhos da terra como Lutero, Goethe e Bach, castelos medievais e nostalgias de tempos melhores. A eleição deste domingo apontará se a região continuará a ser o único dos 16 estados da República Federativa Alemã ainda governado pelo partido Die Linke (A Esquerda), ou se o eleitor dará preferência à cada vez mais vitaminada extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha). Em tempos normais a votação sumiria no noticiário global. Exceto que o passado da Turíngia não é banal: foi ali que o partido nazista obteve a sua primeira vitória eleitoral 90 anos atrás.

Estamos às vésperas das comemorações pelos 30 anos da queda do Muro de Berlim, que a cidade começará a festejar no próximo dia 4 com eventos de semana inteira e apoteose no sábado 9 de novembro, data em que a muralha física da Guerra Fria começou a ruir. É nesse contexto que a eleição na Turíngia adquire simbolismo extra.

Passadas três décadas desde 1989, a história, o significado e o legado da Berlim partida durante 28 anos continuam a afetar o país inteiro e exigir revisão contínua. O Muro se soma ao Holocausto como parte essencial da memória coletiva e da complexa identidade alemã, tema central do recém-lançado “After the Berlin Wall: Memory and the Making of the New Germany, 1989 to Present”, da americana Hope M. Harrison, historiadora da George Washington University.

Vera Magalhães - Chile: modos de ler

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro vê conspiração da esquerda, mas deveria ouvir outros recados

Jair Bolsonaro e seu entorno passaram a semana a gritar: “É o Foro de São Paulo!”, “é a esquerda”, “é terrorismo!”, apressados em fazer uma leitura rápida, e sempre eivada de ideologia binária, da convulsão política e social do Chile, da reação boliviana a mais uma eleição de Evo Morales e à iminência de volta do kirchnerismo ao poder na Argentina. Como se os três vizinhos fossem um monólito social, político e econômico em que não vigorassem realidades próprias.

O inimigo comum e facilmente rotulável serve a alguns propósitos, todos eles obscurantistas e que carregam aquela tentação autoritária subjacente à essência do bolsonarismo. Gritar pelo risco de volta da esquerda ao poder, usando como combustível, além do quadro no continente, a possibilidade de o espantalho-mor, Lula, ser solto a partir da decisão que o Supremo Tribunal Federal está para tomar em relação à prisão após condenação em segunda instância, ajuda a manter a tropa histérica, que andava meio dispersa e desconfiada, de novo mobilizada.

Alertar as Forças Armadas para que estejam a postos caso o perigo comunista se aproxime de Terra Brasilis fecha o quadro da leitura conveniente, e caolha, do que acontece nos nossos vizinhos. Mesmo para o sucesso do governo nas próximas e necessárias iniciativas na seara econômica seria conveniente abrir a grande angular e tentar enxergar para além da paranoia.

O caso chileno é emblemático de algo que uma parcela mais radical do pensamento liberal insiste em minimizar: desigualdade de renda é, sim, uma preocupação que deve estar no horizonte do capitalismo, sob pena de cada vez mais movimentos de inconformismo social brotarem, aparentemente do nada, em nações que estavam cumprindo os manuais de austeridade fiscal, abertura comercial e todas as demais práticas virtuosas do receituário econômico.

Luiz Carlos Azedo - Coringas e Bacuraus

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O preceito de que para se construir algo é preciso destruir o sistema preexistente é perigoso. Combina tanto com o ultraliberalismo de direita quanto com o radicalismo de ultraesquerda

O tema da violência absurda e brutal no cinema de Hollywood faz parte da política de exportação do americanismo, dos antigos filmes de caubóis aos modernos blockbusters de inspiração noir à la Quentin Tarantino. Os ingredientes do modo de vida americano — do sonho de ascensão social à justiça pelas próprias mãos —, estão todos lá e vão acompanhando as mudanças dos tempos, mas sempre preservando o espírito do “self-made man”. O filme Coringa é uma encarnação desse espírito com sinal trocado. Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é um palhaço com problemas psicológicos que toda semana precisa comparecer a uma agente social, devido aos seus problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal ao assédio moral de três jovens embriagados e os mata em pleno metrô. Os assassinatos catalisam um movimento popular contra a elite de Gotham City.

Nos Estados Unidos, houve uma grande polêmica sobre o filme, por causa de seu paralelo com o atentado de Aurora, em 2012, quando um sujeito se dizendo o Coringa, usando uma máscara de gás, entrou numa sessão de cinema e disparou a esmo rajadas de uma AR-15, matando 12 pessoas e ferindo outras 70. Famílias das vítimas resolveram protestar, o que obrigou a Warner Bros a divulgar uma nota na qual se defende, dizendo que um de seus papéis é provocar conversas difíceis sobre questões complexas: “Violência com armas de fogo é uma questão crítica na nossa sociedade. Nem o personagem ficcional Coringa, nem o filme são um apoio à violência no mundo real”.

Diante das críticas, o diretor Todd Phillips apelou ao público para que tirasse suas próprias conclusões. “O filme trata da falta de amor, trauma da infância e falta de compaixão no mundo. Acredito que as pessoas conseguem aguentar essa mensagem.” No embalo, disparou contra os críticos: “Para mim, a arte pode ser complicada e, às vezes, a arte é feita para ser complicada. Se você quer arte descomplicada, talvez você deva ter aulas de caligrafia, mas fazer cinema é sempre uma arte complicada”. Pura verdade.

Bolívar Lamounier* - Do cabrito montês aos políticos do Planalto

- O Estado de S.Paulo

O momento atual é apenas a largada para superarmos o legado nefasto da dra. Dilma

Acho que nós, brasileiros, temos algum parentesco com o Capra ibex, aquele cabrito montês que se equilibra notavelmente na beira de estreitos penhascos, a centenas de metros de altitude.

De hora em hora ele se detém para deglutir uma moitinha de capim, tudo na maior tranquilidade. Típico das montanhas da Europa, ele de vez em quando dá uma olhada lá para baixo e nem se toca. Na remota hipótese de cair lá embaixo, ele saberá cair com jeito, bastando-lhe sacudir-se um pouco para tirar a poeira.

Como povo, o que nos torna iguaizinhos ao veado montês é a nossa tranquilidade. Nós também não esquentamos a cabeça por pouca coisa. Veja-se a vida em Brasília. Os políticos ficam lá se divertindo com a política, às vezes praticando o saudável esporte do xingamento mútuo ou especulando sobre aquelas formas fósseis que designam como esquerda e direita. Não precisam se preocupar muito com a alimentação, uma vez que no Planalto o capim é farto. E, claro, não temem a vertigem de áreas altas, que lá não existem.

Vertigem sentiriam se o pensamento deles se voltasse intensamente para o futuro, perscrutando-o com atenção. Nas raras ocasiões em que lhes ocorre pensar no longo prazo, esfregam os olhos, botam grossos óculos e nada enxergam que deva preocupá-los. Nada que lhes desvie a atenção das candentes questões da vida brasiliense: quem gravou quem, quem vai acompanhar o presidente da República em sua próxima viagem ao exterior, que cargos podem tentar obter para parentes. Maravilha! Isso é que é país.

Não precisamos perscrutar o futuro e podemos até esquecer o passado, que por definição já passou. Ocasionalmente eles se lembram de que, muitas décadas atrás, a natureza brasiliense apenas abrigava umas inofensivas jiboias. Depois apareceram umas jararacas, e um dia – ah, dessa, todos se lembram, tenho certeza –, bem, um dia apareceu uma enorme sucuri. Um bicho tão grande que até montou um “departamento de operações estruturadas”, uma seção inteira para gerir as suas relações institucionais com o meio político e com as empresas estatais. Mas isso também passou, porque para escalar as instâncias recursais da Justiça basta um advogado bem remunerado.

Arminio Fraga* - Falta muito

- Folha de S. Paulo

Há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração

Há muitos anos o Chile vem exibindo crescimento sustentável, democracia plena e alternância de poder. O Consenso de Washington no final das contas parecia ter dado certo. Sob muitos aspectos deu.

Mas, na sexta-feira (18), os protestos que se iniciaram em 6 de outubro se transformaram em uma onda de violência que tomou conta de Santiago. O presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e acionou o Exército para controlar os manifestantes. No final, morreram 18 pessoas.

Assim como no Brasil, a desigualdade lá continua alta e há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração.

O caso reforça a tese de que crescimento e equidade precisam caminhar juntos, sob pena de inviabilizar politicamente qualquer estratégia de desenvolvimento. Não podemos nos esquecer de 2013.

Passados 10 meses de governo Bolsonaro e mais de três anos de agenda econômica reformista, cabe um breve balanço do que vem sendo feito e do que falta fazer.

Em resposta ao colapso econômico que assola o país desde 2014, e a despeito de todos os problemas conhecidos, o governo Temer deixou realizações: inflação sob controle, aprovou o teto do gasto público (vejo problemas aqui, mas um sinal foi dado) e uma reforma trabalhista, reduziu em muito os enormes subsídios distribuídos pelo BNDES a empresas e pôs em movimento a agenda BC+ de redução do custo do crédito e inclusão financeira. Não foi pouco.

Esse esforço, aliado à trágica recessão, permitiu uma enorme queda na taxa de juros que o governo paga em sua dívida.

Matt Stoller* - Empresas de tecnologia ameaçam a democracia

- The New York Times | O Estado de S.Paulo

Receita de anúncios que sustenta o jornalismo foi capturada por Google e Facebook e parte do dinheiro dissemina notícias falsas

À medida que a eleição dos EUA se aproxima, as rachaduras na fachada digital começam a aparecer de novo. O Facebook acaba de remover uma página, “Eu amo os EUA”, comandada por ucranianos, que enviou imagens pró-Trump recicladas da Internet Research Agency, grupo russo que tentou influenciar a eleição de 2016.

Acontece que “I Love America” não era patrocinada pelo governo. Os ucranianos apenas administravam a página pelo dinheiro da publicidade. Uma página semelhante com conteúdo falsificado, “Vidas de Policiais Importa”, agora está sendo feita em Kosovo.

Essas duas páginas falsas do Facebook ilustram a crise da imprensa livre e da democracia: a receita de publicidade que costumava ir para o jornalismo de qualidade agora é capturada por grandes intermediários de tecnologia, e parte desse dinheiro é dedicado a conteúdo desonesto, de baixa qualidade e fraudulento.

Esta é a primeira eleição presidencial após o colapso do modelo de negócios para o jornalismo. A receita de publicidade de jornais impressos caiu dois terços desde 2006. De 2008 a 2018, o número de repórteres de jornais caiu 47%. Dois terços dos municípios dos EUA não têm um jornal diário e 1.300 comunidades perderam toda a cobertura local. Até estabelecimentos nativos da web, como o BuzzFeed e o HuffPost, demitiram repórteres. Esse problema é global. Por exemplo, na Austrália, de 2014 a 2018, o número de jornalistas em publicações impressas tradicionais caiu 20%.

A sinalização de novas marcas e as barreiras culturais destinadas a proteger dos efeitos distorcidos da publicidade foram destruídas. Em seu lugar, surgiu um ecossistema de informações disfuncionais, caracterizado pelas teorias de polarização, dependência e conspiração. Na Europa e nos EUA, os jovens aprendem ciência racial pelo YouTube.

No Brasil, cidadãos aprendem que a zika é transmitida por vacinas. Como o Center for Humane Technology afirma: “As plataformas tecnológicas de hoje estão presas em uma corrida até o fundo do tronco cerebral para atrair a atenção humana. É uma corrida que todos estamos perdendo.”

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Surtos autoritários – Editorial | O Estado de S. Paulo

É crucial, mais do que nunca, que as instituições não se dobrem à truculência dos que se mostram incapazes de se subordinar à ordem democrática

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello chamou recentemente a atenção para o “momento extremamente delicado” que o País atravessa. O decano do STF denunciou os “surtos autoritários” e os “inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de Direito”. Apontou também as “manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”, estimuladas pela “atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital”. Esses delinquentes seriam parte de um “estranho e perigoso projeto de poder”.

Uma vez implementado, disse o ministro Celso de Mello, tal projeto de poder “certamente comprometerá a integridade dos princípios que informam e sobre os quais se estrutura esta República democrática e laica, concebida sob o signo inspirador e luminoso da liberdade, da solidariedade, do pluralismo político, do convívio harmonioso entre as pessoas, da livre e ampla circulação de ideias e opiniões, do veto ao discurso do ódio, do repúdio a qualquer tratamento preconceituoso e discriminatório, do respeito indeclinável pelas diferenças e da observância aos direitos fundamentais de todos os que integram, sem qualquer distinção, a coletividade nacional”.

Morre no Rio o cientista político Wanderley Guilherme, fundador do Iuperj, aos 84 anos

Ele tinha acabado de escrever um livro sobre a ascensão do presidente Jair Bolsonaro e a nova direita; a obra deve ser publicada nos próximos meses

Chico Otavio | O Globo

RIO - O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos tinha 27 anos quando publicou, em 1962, um pequeno ensaio denominado “Quem dará o golpe no Brasil?”. Ele alertava que, quando uma minoria dominante não vê mais o que fazer para manter o controle “nos quadros existentes e com as leis por ela própria estabelecidas”, cria as condições para uma “tentativa de violar e rasgar essas leis, instaurando-se, então, uma ditadura de novo tipo”, que assegure a permanência de sua dominação.

Com esse texto de apenas 52 páginas, Wanderley Guilherme entraria para os anais da Ciência Política brasileira como o primeiro pesquisador a antecipar o golpe civil-militar que derrubaria o governo de João Goulart dois anos depois.

Desde cedo, ele pavimentou uma carreira marcada pelos estudos sobre o acidentado processo democrático no Brasil e sua relação com a massa de eleitores. Eram objetos de sua pesquisa, por exemplo, os regimes militares na América Latina, os impasses da democracia na região e a formação dos movimentos sociais.

A explicação teoricamente mais refinada sobre o golpe de 1964 seria fornecida mais tarde por Wanderley Guilherme em sua tese de doutorado. "The calculus of conflict: impasse in Brazilian politics and crisis of 1964", apresentada à Universidade de Stanford (EUA) em 1979, na qual combinou pesquisa empírica com sofisticada análise teórica.

De acordo com o historiador Carlos Fico (UFRJ), dos estudos de Wanderley Guilherme emergiu o conceito de “paralisia decisória”, que o cientista político usaria outras vezes para explicar que, em situações de polarização política, os recursos de poder se dispersam entre atores radicalizados verificando-se, então, um colapso do sistema político, incapaz de tomar decisões sobre questões conflitantes.

Outro conceito importante, segundo o cientista político Christian Linch, foi o da “cidadania regulada”. No livro "Cidadania e Justiça", Wanderley Guilherme sustentou que a Era Vargas criou “uma cidadania para o povo que não existia” e que passava pela ocupação profissional e pela carteira de trabalho. Sendo assim, quem não “trabalhava” associado a algum um sindicato, “estava fora”, explicou Christian.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade- As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Música | Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto - La Belle De Jour - Girassol

sábado, 26 de outubro de 2019

Opinião do dia – Eros Grau*

Fui relator do processo no julgamento que decidiu que a Constituição deve ser lida, e zelar o que está escrito no artigo 5.º. Está lá no inciso LVII que a prisão é só quando o processo estiver transitado em julgado.

A Constituição tem de ser cumprida. E nesse caso, o preceito é muito claro. Não tem como ser interpretado de modo diverso. (A interpretação do art. 5.º da Constituição) é uma coisa mais do que clara, nítida, cristalina, como a luz solar.

*Eros Grau, jurista, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em O Estado de S. Paulo, 26/10/2019

Marco Aurélio Nogueira* - Tempestade perfeita

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro planta ventos e fogueiras. Poderá levar o País a um beco sem saída

A crise que ameaça dizimar o PSL expôs as entranhas do governo de Jair Bolsonaro e de seus filhos, que ao abrirem fogo contra o partido no qual estavam abrigados evidenciaram os desencaixes e atritos que a embriaguez provocada pelo sucesso eleitoral teimava em ocultar.

Até as eleições de 2018 o PSL era um pequeno feudo controlado por Luciano Bivar. A vitória nas urnas foi bombástica e o partido tornou-se a segunda maior bancada da Câmara, repleta de deputados eleitos no embalo de Bolsonaro. Permaneceu como um agregado sem visão de mundo clara, sendo levado a trafegar pela direita para acompanhar as circunstâncias. Insinuou-se como base de um governo que carecia de sustentação parlamentar.

O crescimento não é processo indolor. Nos partidos políticos costuma vir acompanhado da ampliação das disputas internas por espaços de poder e influência, que invariavelmente se traduzem em lutas pelo controle da máquina partidária, a começar do diretório nacional e chegando aos cargos de liderança em âmbito estadual e no Legislativo. As alas mais fortes tendem a subordinar as demais.

Bastou que o clã Bolsonaro apresentasse suas pretensões imperiais, e o fizesse com a delicadeza e a sutileza que o caracterizam, para que o PSL começasse a soltar fumaça por todas as ventas. A sujeira veio para fora de uma só vez.

O atrito repercutiu no heterogêneo território da extrema direita, uma força que crescia desde o governo Dilma Rousseff e foi repentinamente projetada para o primeiro plano da política nacional. De emergente que era, o movimento ganhou musculatura e autoconfiança, ingredientes com os quais passou a se sentir “dono do País”.

Acontece que a extrema direita no Brasil nem de longe se aproxima de suas congêneres europeus e norte-americanos. Faltam-lhe, antes de tudo, uma doutrina, um pensamento, um grupo de intelectuais minimamente qualificados, órgãos de divulgação e formação de quadros. A própria base material em que opera lhe é adversa: não há imigrantes, estrangeiros “perigosos”, ameaças iminentes à “Pátria imaculada”, o supremacismo não casa com a sociedade brasileira, o racismo não provoca orgulho em ninguém. Sua casa são as redes sociais, onde ela deita e rola, os templos evangélicos e os bolsões fanatizados de lealdade ideológica. Seu negócio é a guerra cultural e a retórica agressiva.

João Domingos - O desafio do Supremo

- O Estado de S.Paulo

Há muita culpa de dirigentes do STF na pressão que seus ministros sofrem

Qualquer pessoa de qualquer país que der uma lida no noticiário político ou se aventurar pela selva das redes sociais, verá que o Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de um desafio sem igual na história recente: decidir, sob violenta pressão, se é constitucional ou inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Pelas contas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 5 mil presos podem ser beneficiados se o STF concluir que a prisão só pode ocorrer depois de todo o trânsito em julgado do processo. Pelo que se pode observar, dos mais variados presos, o interesse todo se volta para um, o ex-presidente Lula. A depender do que o STF decidir, ele pode ser solto.

A jurisprudência do STF a respeito da prisão em segunda instância é de 2016. Ela teve como fundamento principal o fato de que cabe apenas às instâncias ordinárias (Varas, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) o exame dos fatos e das provas. Portanto, são essas instâncias que fixam a responsabilidade criminal do acusado. Nos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo, a discussão diz respeito apenas a questões legais ou constitucionais.

Tal jurisprudência foi fundamental para o sucesso da Operação Lava Jato. Permitiu que o então juiz Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, mandasse para a cadeia um sem número de empresários, políticos muito poderosos, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, ambos do MDB do Rio de Janeiro, dirigentes partidários e Lula, um líder popular e carismático. Derrubar agora a prisão em segunda instância seria um golpe quase fatal na Lava Jato ou no avanço do combate à corrupção. A polarização política, que já é imensa, tende a ficar ainda maior.

Adriana Fernandes - O não à reforma tributária

- O Estado de S.Paulo

A reforma tributária é a primeira vítima do desacerto político

O caldo entornou de vez entre a Câmara e o Senado por conta da proposta de reforma tributária.

As lideranças das duas Casas não conseguem chegar a um acordo nem mesmo sobre o comando da comissão mista informal que seria criada para buscar uma convergência entre as duas propostas de reforma que tramitam no Congresso: a PEC 45, patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a PEC 110, bancada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

A coluna apurou que a Câmara propôs ao Senado a presidência da comissão mista para o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e a relatoria da proposta para o líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O Senado disse não e não. O acordo pode naufragar. Aguinaldo é o atual relator da PEC de reforma da Câmara e Rocha, da proposta do Senado.

A criação da comissão mista faz parte do acerto dos presidentes Maia e Alcolumbre com o ministro da economia, Paulo Guedes, para a divisão da forma de tramitação das próximas reformas que serão enviadas pelo governo, depois da previdenciária aprovada na última semana.

Apesar do acordo para as reformas de gastos, do Pacto Federativo e administrativa (serviço público), a tributária ficou sem rumo certo e acabou sendo postergada para 2020.

O descontentamento foi grande com a iniciativa do líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), de anunciar no meio da semana um acordo para o adiamento da reforma tributária para o ano que vem. “Não tem acordo”, reagiu Aguinaldo em conversa com a coluna.

2ª instância opõe visões sobre a Constituição ‘Não existe interpretação intermediária’

Enquanto um grupo defende o texto, outro considera hipótese de interpretá-lo

Tulio Kruse | O Estado de S. Paulo

A possibilidade de revisão do entendimento do Supremo Tribunal Federal(STF) sobre prisões após condenações em segunda instância, aberta anteontem a partir do voto da ministra Rosa Weber, reascendeu a discussão entre os que defendem os preceitos da Constituição e aqueles que consideram interpretá-lo em nome do combate à criminalidade. Interrompido com placar de 4 a 3 a favor da condenação em segunda instância, o julgamento está previsto para ser retomado em novembro.

Relator do julgamento que garantiu o direito de recorrer de uma condenação em liberdade até a última instância, em 2009, o ex-ministro do STF Eros Grau diz que não há margem para interpretação. Para ele, o artigo 5.º da Constituição é claro em estabelecer que a prisão deve ocorrer após o trânsito em julgado.

Já o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, considera que o texto constitucional não é absoluto e que prisão após condenação em segunda instância é “salutar”. Segundo ele, a Constituição diz que ninguém pode ser considerado culpado até o fim do processo penal, mas não diz claramente que o réu não pode ser preso.

Para o jurista Eros Grau, ex-ministro do Supremo, abrir a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância é descumprir o art. 5º da Constituição, que prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“Fui relator do processo no julgamento que decidiu que a Constituição deve ser lida, e zelar o que está escrito no artigo 5.º. Está lá no inciso LVII que a prisão é só quando o processo estiver transitado em julgado.”

“A Constituição tem de ser cumprida. E nesse caso, o preceito é muito claro. Não tem como ser interpretado de modo diverso”, avaliou. Segundo o ministro, o entendimento de que é possível prender um réu condenado em segunda instância foi firmado em 2o16 porque os ministros “não estão cumprindo o dever de respeito à Constituição, que é o dever do magistrado.” “(A interpretação do art. 5.º da Constituição) é uma coisa mais do que clara, nítida, cristalina, como a luz solar.”

Para juristas, mudança via Congresso é inconstitucional

Texto da lei que aborda presunção de inocência é cláusula pétrea, que só pode ser modificada por Assembleia Constituinte

Dimitrius Dantas | O Globo

Cogitada por defensores da prisão após a condenação em segunda instância, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitisse a execução provisória da pena é vista com dúvidas por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Segundo eles, uma alteração na lei poderia atingir diretamente uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem pelo Congresso. Assim, seria inconstitucional. Atualmente, há apenas um projeto estudado pela Câmara, de autoria do deputado

Alex Manente (Cidadania/SP). A proposta, contudo, planeja mudar um dos incisos do artigo 5º da Constituição. Entre juristas, no entanto, é praticamente unanimidade que esse trecho da Constituição é inalterável.

— A discussão trata do artigo 5º. Se quiser mudar essa situação por uma PEC, teria que ir de encontro ao artigo 5º e, do ponto de vista jurídico, seria flagrantemente inconstitucional — afirma o advogado Evandro Fabiani Capano, professor de Direito Penal da Mackenzie.

As cláusulas pétreas servem para proteger direitos fundamentais presentes na Constituição, listados neste artigo, além de outros direitos e a organização da democracia, como o voto direto, a separação entre os Poderes e a forma federativa do Estado.

O trecho em discussão prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros discutem se essa definição exige ou não a necessidade do esgotamento dos recursos para a prisão.

—É inconstitucional (uma PEC) porque a presunção de inocência é uma cláusula pétrea. Ou seja, ela é imutável mesmo por emenda à Constituição.

Somente a convocação de uma nova Assembleia Constituinte pode alterar cláusula pétrea que protege direitos fundamentais — afirma Rodrigo Pacheco, defensor público-geral do Rio.

PROPOSTA DE PELUSO
Na quinta-feira, em evento em São Paulo, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a sugerir a possibilidade da apresentação de uma PEC que permitisse a mudança. A tramitação da proposta do deputado Alex Manente foi acelerada por deputados próximos à Operação Lava-Jato, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini (PSL-PR).

Míriam Leitão - O amigo oculto e a sala da maldade

- O Globo

Parte da comunicação do presidente é clandestina e age de forma ilegal tendo como prática crimes de calúnia e difamação


Os que até recentemente orbitavam em torno do bolsonarismo têm feito revelações que o país precisa ouvir. São alertas importantes das sombras que cercam o novo poder no Brasil. Fabrício Queiroz negocia cargos públicos, como revelou O GLOBO. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) confirma o que tem sido dito pela imprensa. Que dentro do Palácio do Planalto funciona um escritório de atividades ilegais de ataque aos supostos adversários do governo. O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) alerta sobre a gravidade de o presidente oferecer vantagens para quem apoiasse o filho na liderança.

Só há um caminho seguro: esclarecer todas as sombras que cercam a presidência de Jair Bolsonaro. A administração tem mais de três anos pela frente e já deu para entender que ela trabalha com dois padrões de julgamento: condena nos outros as irregularidades que aceita para si e para os seus.

O que é preciso para que as autoridades que combatem a corrupção no Brasil entendam o caso Queiroz? Ele foge de depoimentos, o MP se contenta com um documento escrito do suspeito, ele se esconde, é encontrado pela imprensa, e agora este jornal traz um áudio incontornável. Nele, o ex-assessor comprova com todas as letras sua continuidade delitiva. Oferece nomeações políticas e pede dinheiro para isso. “20 continho aí pra gente”. Segundo ele disse, “há mais de 500 cargos” no Congresso e pode-se nomear sem que apareça a vinculação “ao nome”. Revela que sabe o cotidiano do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ele estava sendo investigado, fora exonerado há meses, e exibiu sua influência sobre nomeações políticas.

Julianna Sofia – Minidireitos

- Folha de S, Paulo

Operadoras de planos de saúde querem baratear produtos. Quebrou a perna? Vá ao SUS

Foi em 2003 a última vez que os planos de saúde individuais tiveram reajuste abaixo da inflação. Desde lá, a Agência Nacional de Saúde vem autorizando anualmente as operadoras a cobrarem dos usuários aumentos que superam a variação dos índices de preço em geral.

Nos últimos anos, com a economia ladeira abaixo e o desemprego ladeira acima, o peso desses reajustes sobre as mensalidades empurrou 3 milhões de usuários de planos para as filas do SUS. Hoje, os contratos individuais e familiares não chegam a 20% do universo atendido pelo setor.

O lobby das operadoras, no entanto, atua para anuviar mais o cenário para quem precisa de assistência médica e paga plano. As empresas pressionam o Congresso a afrouxar as normas de reajuste em meio a uma discussão no Legislativo de recriar a comissão especial que já tentou mudar o regramento vigente.

Demétrio Magnoli* - Da revolução à revolta

- Folha de S. Paulo

Os governos nascem das urnas; as revoltas, das ruas

Vladimir Putin atribuiu a revolução ucraniana de 2014 a um complô americano. O governo chinês menciona a “mão negra” da Casa Branca quando fala das manifestações em Hong Kong. Segundo Filipe Martins, o sábio assessor internacional do Planalto, “os recentes movimentos de desestabilização de países sul-americanos” derivam de “uma estratégia definida pela ditadura cubana, por sua proxy venezuelana e pela rede de solidariedade que as sustenta”. Quando o temível Foro de São Paulo estala os dedos, milhares erguem barricadas em Quito e Santiago...

A razão conspiratória é o lar compartilhado por regimes ditatoriais e ideólogos primitivos. A agitação social não se restringe à América do Sul. No Líbano e no Iraque, protestos de massa coincidiram com as mobilizações chilenas. Bem antes do Equador, os “coletes amarelos” conflagraram as cidades francesas, motivados também por aumentos nos combustíveis. Há algo aí, além da coincidência temporal.

São histórias singulares, países diferentes, modelos distintos. Numa ponta, a França social-democrata, com desigualdades moderadas e taxas letárgicas de crescimento econômico. Na outra, o Chile liberal, com rápida expansão econômica e fortes contrastes sociais. Porém, em todos os casos, a centelha da revolta são cortes de subsídios de transportes, elevações de preços da gasolina, tributos sobre produtos ou serviços de consumo geral. No Líbano, a faísca foi uma taxa sobre ligações por WhatsApp.

A primeira década do século, um longo ciclo de expansão mundial, deixou um rastro de gastos públicos insustentáveis. Os ajustes em curso, que refletem a redução do crescimento global e se destinam a reequilibrar as contas públicas, são os alvos das manifestações. Não é pelos 20 centavos: o conflito organiza-se em torno de contratos sociais em mutação. Como repartir a conta da austeridade? A pergunta, cedo ou tarde, chegará ao Brasil, como uma mancha de óleo. Tomem nota, Bolsonaro e Guedes.

Roberto Simon* - Chile é o teste para a região

- Folha de S. Paulo

Democracia chilena oferecerá respostas à desilusão da massa?

Apesar da Cordilheira dos Andes e dos níveis de renda mais elevados, o Chile não está isolado e os eventos dos últimos dias —da explosão das manifestações ao pacote de medidas proposto por Sebastián Piñera— tocam em vários desafios comuns a outros países da América Latina. Um ponto, porém, merece atenção especial: se nem a mais avançada democracia latino-americana conseguir dar conta das demandas criadas por uma nova classe média, cada vez mais desiludida, é difícil imaginar quem, na região, consiga.

Nos primeiros dias da crise, parecia que a corte de Maria Antonieta havia se instalado em Santiago. Na quinta-feira (17), o presidente Piñera apareceu no Financial Times dizendo que o Chile era um “oásis” numa América Latina em convulsão. 24 horas depois, em meio a confrontos no centro de Santiago, seu gabinete, no Palácio la Moneda, cheirava a gás lacrimogêneo e o sistema de transportes da capital havia sido paralisado.

Jornalistas estranharam a ausência de Piñera em uma entrevista coletiva sobre os distúrbios. Uma foto nas redes sociais revelou seu paradeiro: uma pizzaria gourmet, celebrando o aniversário da neta. Quando ficou claro que a suspensão da alta no preço do metrô seria insuficiente para desarmar os protestos, Piñera declarou que o Chile estava “em guerra”. O general a cargo do estado de emergência discordou: “sou um homem feliz, não estou em guerra contra ninguém”.

Marcus Pestana - Uma última palavra sobre as privatizações

- O Tempo (MG)

Quanto mais o debate das privatizações abandonar o terreno ideológico e ganhar objetividade, tanto melhor. Vamos lembrar a máxima do Plano Diretor da Reforma do Estado: “nem tudo que é estatal é público, nem tudo que é público tem que ser estatal”. Mostra disso é apropriação do espaço estatal ao longo da história por interesses patrimonialistas manifestos na corrupção, no clientelismo e no nepotismo. Por outro lado, existem milhares de entidades filantrópicas que exercem funções públicas sem serem estatais.

As privatizações podem atender a diversos objetivos: contribuir com o ajuste fiscal, ganhar eficiência para a economia como um todo, atrair investimentos privados inalcançáveis para o setor público, estancar transferências do governo para empresas deficitárias e concentrar as energias das políticas públicas.

Já aqui, neste espaço, manifestei minha posição totalmente aberta às privatizações no setor elétrico. Não há nenhuma perda pelo setor ser gerido pela iniciativa privada se houver uma boa modelagem da desestatização, com metas qualitativas e quantitativas claras, e boa regulação pública dos serviços concedidos. Como Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações presenciei de perto o “day after” da privatização das telecomunicações. Na época havia a mesma discurseira ideológica: “vai beneficiar apenas os ricos”, “vai ameaçar a segurança nacional”, “vai encarecer os serviços”. Mais de vinte anos depois, o que vemos? Saímos de três milhões de celulares para mais de 230 milhões. A realidade derrotou os argumentos daqueles que ferozmente combateram a privatização da TELEBRAS.

Huck defende doações privadas em campanha eleitoral e parlamentarismo

Cotado para disputar Presidência, apresentador falou a políticos e empresários em evento em São Paulo

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Cotado para concorrer à Presidência da República em 2022, o apresentador Luciano Huck despistou sobre seus planos, mas falou muito de eleições e política em um evento nesta sexta-feira (25) em São Paulo. Ele defendeu mudanças no financiamento de campanhas, disse apoiar o voto distrital e demonstrou simpatia pelo parlamentarismo.

“Acho que a gente tem que rever doações. Com critérios, mas não pode ser única e exclusivamente um fundo público que vá sustentar os partidos e as eleições”, afirmou em seminário da Comunitas, organização independente que atua em parceria com governos e iniciativa privada.

“Você limitar o financiamento político-partidário e eleitoral só a um fundo público, no montante que ele está hoje, gerido e administrado por quem está dentro dele, eu não acho que seja o sistema mais eficiente e democrático”, disse.

Para ele, o que existia “no passado, de você poder doar para todo mundo, a qualquer tempo, independentemente da sua ideologia e da sua crença, não funcionou. Tem que trazer isso para o debate de novo”. As doações privadas foram proibidas em 2015.

O apresentador da TV Globo, que não está filiado a nenhum partido, afirmou ter ressalvas sobre a possibilidade de autorização para candidaturas independentes no Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) fará audiência pública sobre o tema em dezembro e julgará uma ação sobre a possibilidade de permitir a candidatura de pessoas sem filiação.

“Não sei se candidaturas independentes, neste momento, com mais de 30 partidos, iriam contribuir”, considerou Huck. Ele apontou a necessidade de uma reforma política ampla, para instituir o sistema de voto distrital puro ou misto e fortalecer os partidos.

“Para que [as legendas] sejam em menor número, para que não sejam plataformas fisiológicas de venda de tempo na televisão, ou de pura e simplesmente negociações políticas”, argumentou. O parlamentarismo, analisou, também poderia ser um modelo viável no Brasil, para aperfeiçoar "a relação do Poder Executivo com o Legislativo e com sociedade como um todo".

Huck evitou comentar o governo Jair Bolsonaro (PSL), depois que o presidente rebateu críticas anteriores dele e o acusou de ser “parte do caos” por ter comprado um jatinho com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

‘O que acontece no Chile tem de ser lição’, diz Huck

Apresentador, apontado como presidenciável, afirma que se o governo ‘não cuidar das pessoas’, o Brasil ‘vai implodir porque é muito desigual’

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

Indagado sobre a possibilidade de ocorrerem no Brasil manifestações de rua semelhantes às que têm balançado o Chile nos últimos dias, o apresentador Luciano Huck, apontado como possível candidato à Presidência em 2022, disse que, se o Estado brasileiro não aliar políticas sociais eficientes às ações liberais, o País pode sofrer uma convulsão social em médio prazo.

“O Chile, quando você conversa com os liberais, até 15 dias atrás era o ‘state of art’ (estado de arte). Só que esqueceram das pessoas. Então virou exemplo de eficiência sem afetividade. O que está acontecendo no Chile tem que ser uma lição”, disse durante o 12.º Encontro de Líderes da Comunitas realizado ontem, em São Paulo. “É óbvio que a gente tem que tentar construir um País eficiente em termos de gestão, mas ele tem que ser afetivo. Se a gente não cuidar das pessoas, este País vai implodir porque ele é muito desigual”, disse Huck.

Diante de uma plateia composta por governadores e alguns dos mais importantes empresários do País, Huck disse que o Chile, até pouco tempo apontado como exemplo de eficiência fiscal e de sucesso do modelo liberal, deve servir de exemplo para o Brasil. “Não acho que vá eclodir alguma manifestação popular no curto prazo no Brasil, mas se a vida não melhorar para valer...”, disse.

Marcha reúne 1,2 milhão para reivindicar mudanças no Chile

- O Globo

SANTIAGO - Enormes multidões tomam as ruas de diversas cidades chilenas nesta sexta-feira, na manifestação que foi apelidada de “a maior marcha do Chile” , após sete dias de tensões provocadas por protestos que levaram o presidente Sebastián Piñera a decretar estado de emergência no último sábado, militarizando a segurança pública e impondo toque de recolher em várias cidades. Inicialmente motivados por um aumento da passagem do metrô de Santiago , os protestos foram engrossados por demandas mais amplas, incluindo reformas nos sistemas de aposentadoria, educação e saúde.

Na capital, o ato, que foi convocado pela internet com a hashtag #MarchaMasGrandedeChile e acontece sem uma liderança clara, já leva mais de um milhão de pessoas à Praça Itália, segundo cálculos da polícia. Os números são os maiores já registrados em uma manifestação no país. A região metropolitana de Santiago tem 6,3 milhões de habitantes, um terço da população chilena de 18 milhões.

A intendente da região de Santiago, Karla Rubilar, indicada pelo Executivo, mas que recentemente deixou a Renovação Nacional, partido de Piñera, disse em sua conta no Twitter: "O Chile vive hoje um dia histórico. A região metropolitana é protagonista de uma marcha pacífica de cerca de 1 milhão de pessoas que representam o sonho de um novo Chile, de maneira transversal e sem distinção. Mais diálogo e marchas pacíficas exige o nosso país". Ela acrescentou, em outra mensagem, que "o que funcionou há 30 anos já não funciona mais, temos que estar à altura".
Protestos pacíficos acontecem em dezenas de outras cidades, incluindo o balneário de Viña del Mar e Punta Arenas, última cidade da Patagônia chilena.

Os manifestantes caminham pelas ruas, cantando músicas da resistência à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e portando bandeiras e faixas. As palavras de ordem incluem "O Chile despertou!" e "O povo unido, jamais será vencido". A ausência de lideranças impede uma pauta totalmente definida, mas eles exigem melhores serviços públicos e reformas econômicas, além da apuração de abusos cometidos pela polícia e pelas Forças Armadas desde que o estado de emergência passou a vigorar.

— Provavelmente será a maior manifestação de todos os tempos. Pedimos justiça, honestidade, ética no governo, não é que desejemos socialismo, comunismo. Queremos menos empresas privadas, mais Estado. As propostas que ele [Piñera] fez vão arruinar o orçamento para subsidiar empresas privadas — disse à AFP Francisco Anguitar, 38 anos, desenvolvedor de programas de computadores, referindo-se à "agenda social" lançada pelo presidente.

Famílias inteiras, incluindo muitas crianças, estavam presentes nos protestos.

— Aqui no Chile, se você não tem dinheiro, não pode optar por nada de qualidade, saúde ou educação. Eu expliquei isso aos meus filhos e é por isso que viemos hoje — disse à Reuters Agustín Valenzuela, 44 anos, na marcha de Santiago. — Tudo aqui é privatizado, é um sistema que enriquece às custas de todos nós. Existem muitas injustiças, são baixas pensões, problemas de saúde, tudo é um negócio.