quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Merval Pereira - A Era do Desmonte

O Globo

Vai de vento em popa a Era do Desmonte, como pode ser conhecida esta etapa da vida nacional em que se materializou a tese do ex-senador Romero Jucá de que era preciso “estancar a sangria” num grande acordo “com o Supremo, com tudo” para deter a atuação da Operação Lava-Jato, que levou à cadeia pela primeira vez na nossa História figurões da política e do mundo empresarial.

Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os julgamentos do ex-presidente Lula, sob a alegação de que o então ministro Sergio Moro foi parcial contra ele, vão caindo por terra todas as condenações contra os envolvidos no escândalo de corrupção conhecido por “petrolão”, especialmente as de Lula.

O ministro Gilmar Mendes garantiu que a decisão da Segunda Turma que então presidia valia apenas para o caso do apartamento no Guarujá. No entanto, a começar por ele, todos os juízes passaram a anular outros processos ou a arquivá-los, sob o pretexto de seguir a decisão original do STF.

A reação a Moro e aos procuradores de Curitiba ganhou força institucional quando o presidente Bolsonaro, para tentar salvar-se e aos filhos, forçou a saída de Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e caiu nos braços do Centrão, maior núcleo político de investigados e condenados na Lava-Jato.

Malu Gaspar - O segredo da pax bolsonariana

O Globo

A bolha digital brasileira se impressionou com o fato de a pax bolsonariana ter sido celebrada num jantar com alguns dos mais icônicos exemplares da elite nacional. O vídeo que viralizou nas redes sociais, no dia seguinte, mostrava uma confraternização de personagens como Naji Nahas, Gilberto Kassab (PSD) e, claro, Michel Temer (MDB), vindos diretamente de outros enredos da nossa história para dar o fecho talvez mais insólito, e ao mesmo tempo mais representativo, à crise provocada pelos atos golpistas de Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro.

Não deveria haver motivo para espanto. Em torno daquela mesa paulistana, rica, branca e masculina, estavam figuras que se envolveram em algumas das principais crises políticas da Nova República, tanto para fomentá-las como para desfazê-las. Dada a escassez de solucionadores de problemas nesta quadra recente, não chega a ser surpreendente que se precisasse recorrer a uma raposa política como Michel Temer para desatar o nó de 7 de setembro.

O que espantou foi a rapidez com que Temer fez Bolsonaro ir do pré-golpe ao quase absoluto silêncio em 48 horas. E, apesar das inúmeras entrevistas que já deu sobre o episódio, o ex-presidente ainda não respondeu, afinal, o que de fato se acertou entre ele, Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes entre os dias 8 e 9 de setembro.

Míriam Leitão - As sombras na economia em 2022

O Globo

O ano econômico de 2022 já começou. O país vai crescer pouco, os juros subirão em pleno ano eleitoral. A inflação prevista para o fim de 2021 aumentou e fechou o espaço fiscal no Orçamento, a crise hídrica deixará custos que continuarão pesando nas contas de luz de 2022. A turbulência política crônica criada por Jair Bolsonaro elevou a incerteza a níveis inéditos desde a redemocratização. Somando tudo isso, os economistas estão voltando aos seus cálculos para reduzir as projeções do PIB.

O chamado espaço fiscal é o que daria ao governo a chance de aumentar os gastos com apelo eleitoral. É dado pela diferença entre a inflação em 12 meses até junho e a de dezembro. O teto de gastos é corrigido pela IPCA até junho, mas as despesas obrigatórias são corrigidas pelo INPC do ano inteiro. Quando o IPCA em junho chegou a 8,35% o governo se animou. Calculava que a taxa do ano ficaria em 6,5%. Isso faria o teto subir mais do que as despesas. Portanto, haveria uma sobra líquida de R$ 33 bilhões. Mas a inflação subiu mais do que se imaginava e vai desacelerar menos nestes meses finais. Nos cálculos de Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco Alfa, esse espaço está praticamente zerado.

— Pelas minhas contas, a diferença entre os dois índices será de apenas 0,3 ponto percentual. O espaço é irrisório agora — diz Leal.

Luiz Carlos Azedo - O custo da ideologia

Correio Braziliense

Bolsonaro pressiona a equipe econômica no sentido de adotar medidas populistas para fomentar a atividade econômica e reduzir a perda de renda. Mas o cobertor é curto

A ideologia é sempre uma representação parcial e distorcida da realidade. Por essa razão, quando preside as ações de governo e políticas públicas, turva a perspectiva de que os problemas são de ordem objetiva e existem fora da mente do governante. Como o governo constrói sua narrativa a partir de fake news, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, o resultado é devastador — ainda que uma parcela da população mobilizada por mentiras e ideias errôneas responsabilize a oposição, que passa a ser tratada como inimiga da nação.

Nas mais diversas áreas, as entregas do governo Bolsonaro deveriam ocorrer neste terceiro ano de mandato, mas não é o que está acontecendo. A falta de foco e objetividade na condução do governo agora cobra o preço. O prejuízo seria muito maior, porém, se algumas áreas não mantivessem os programas iniciados pelos governos anteriores, como na infraestrutura. E se a conjuntura internacional não fosse favorável ao agronegócio, embora o alto custo dos alimentos seja a outra face dessa moeda, principalmente para os mais pobres.

William Waack - O Centristão

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro está empurrando o próprio Centrão a encontrar uma alternativa eleitoral a ele

O único golpe bem-sucedido até aqui foi o do Centrão e é quem parece que sairá vitorioso, não importa a próxima campanha eleitoral. Essa denominação para forças políticas diversas e sua forma de atuação existe há mais de 30 anos, mas a República do Centristão tem como fundador Jair Bolsonaro

Esses agrupamentos políticos que trabalham em busca de acomodação nos cofres públicos (ou pedaços da máquina pública, o que vem a dar no mesmo) conquistaram sob Bolsonaro ferramentas de poder que jamais tiveram. Capturaram o orçamento – incluindo gorda fatia dos gastos discricionários – e estão promovendo o retrocesso das regras eleitorais em benefício próprio. São os donos de fato da agenda política.

Dinheiro e as regras do jogo garantem a consolidação desses grupos no centro do poder. A noção de “agenda nacional” por parte desses partidos e seus caciques se manifesta de forma abrangente somente para cuidar de seus interesses mais imediatos, e isso se dá tanto no plano de “políticas públicas” como no plano de plataformas eleitorais.

Caso emblemático é o show que o presidente da Câmara armou para examinar política de preços de combustíveis pela Petrobras. Gasolina cara e inflação alta atrapalham políticos em qualquer lugar e época – dos dois Poderes. Há relatos conflitantes quanto ao grau de coordenação entre Legislativo e Executivo nessa tentativa de reedição do que há de pior na interferência populista na formação de preços básicos, disfarçada de preocupação social, mas a convergência de interesses é fato objetivo.

Adriana Fernandes – Barril de pólvora

O Estado de S. Paulo

Hoje, emendas de relator são uma terra de ninguém a sustentar o toma lá dá cá 

O ritmo de liberação das polêmicas e cobiçadíssimas emendas de relator do Orçamento tem causado um clima de desconfiança geral no Congresso. Mais do que empenhar o gasto, é preciso pagar.

Como não há transparência nenhuma na distribuição dessas emendas, a suspeita de muitos senadores é a de que o relator, o senador bolsonarista Márcio Bittar, está passando para trás o Senado em favor dos deputados.

Tudo seria por orientação do ministro da Casa CivilCiro Nogueira, que quer um ambiente menos beligerante no Senado para aprovar as pautas de interesse do governo, principalmente na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo senador Davi Alcolumbre.

Ciro se licenciou do Senado e ganhou o gabinete no Palácio do Planalto justamente para melhorar a governabilidade por lá, onde há maior resistência ao governo e à pauta do ministro da EconomiaPaulo Guedes.

Era mais do que esperada essa desordem por conta das emendas de relator, chamadas na linguagem orçamentária de RP9 e que são a origem do chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

O esquema montado tem garantido apoio ao presidente das lideranças do Centrão e foi a moeda de troca que viabilizou acordos como o da aprovação do projeto do Imposto de Renda na Câmara, que contou com apoio dos partidos de esquerda para passar.

FH diz que Bolsonaro tem arroubos que não condizem com democracia

Ex-presidentes Fernando Henrique, Temer e Sarney pediram harmonia entre poderes e diálogo

Ivan Martínez-Vargas / O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira que o presidente Jair Bolsonaro tem comportamentos "que não são condizentes com o futuro democrático". Em evento virtual com a participação dos também ex-presidentes José Sarney e Michel Temer, FH defendeu o diálogo entre os partidos e a defesa da democracia.

Os ex-mandatários evitaram, contudo, fazer críticas nominais a Bolsonaro e não falaram sobre um eventual impeachment do presidente.

— É chegada a hora de um toque de alerta. O significado do nosso encontro aqui transcende o fato da reafirmação da democracia neste momento, em que estamos vendo, não dá pra negar o fato, de que o presidente tem arroubos que não são condizentes com o futuro democrático. Ele não vai conseguir, nem creio que ele tenha o objetivo de consegui-lo, mas cabe a nós (...) reavivar na memória dos brasileiros a necessidade de estarmos juntos em defesa da liberdade e da democracia — disse Fernando Henrique Cardoso, sem citar nominalmente Bolsonaro.

Para o ex-presidente tucano, o clima é de "relativa tranquilidade, apesar de tudo". Cardoso reafirmou declarações anteriores de que não acredita que o regime democrático esteja em perigo, apesar da retórica de Bolsonaro contra as instituições.

Marcelo de Moraes – Ex-presidentes defendem democracia

O Estado de S. Paulo

Ex-presidente fazem defesa firme da democracia no evento ‘Um Novo Rumo Para o Brasil’

Numa defesa firme da democracia e da liberdade, os ex-presidentes Fernando Henrique CardosoMichel Temer e José Sarney pregaram a necessidade de um amplo diálogo entre os Poderes para a superação da crise política no País. Ao participarem da abertura do debate “Um Novo Rumo Para o Brasil”, organizado pelo MDB, PSDB, DEM e Cidadania, os três reconheceram, entretanto, que muitas vezes os limites constitucionais são ultrapassados pelos Poderes.

“Eu percebo, com muita frequência, que as instituições saem do seu quadrado constitucional”, disse Temer. “Eu chamo de quadrado constitucional as competências e as funções que foram dadas pela soberania popular”, acrescentou. 

O ex-presidente participou na semana passada de uma articulação para garantir a moderação nas ameaças de Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal e alguns de seus ministros. Temer foi responsável pela confecção de uma “Declaração à Nação”, na qual Bolsonaro sinaliza um recuo de seus ataques mais fortes ao STF. Na Corte, porém, o movimento foi visto apenas como um gesto estratégico, sem confiabilidade.

Temer não foi o único a reconhecer os excessos no exercício dos papéis dos Poderes. “Judicializaram a política e politizaram a Justiça”, afirmou Sarney, atribuindo a frase ao ex-presidente do Supremo Nelson Jobim, que fez a exposição de abertura do debate. Na sua apresentação, Jobim demonstrou preocupação com o clima político do País e também com o que definiu como “disfuncionalidade” das instituições.

Maria Cristina Fernandes - Em torno de Naji Nahas

Valor Econômico

Bolsonaro retoma, com erros alheios, o fôlego que perde com os seus

A chapa Michel Temer/Mamãe Falei devolveu Jair Bolsonaro ao jogo. O ex-presidente valeu-se da mediação entre o presidente da República e o ministro Alexandre de Moraes para assentar a plataforma de seu retorno à cena pública como “Temer, o pacificador”. A carta assinada por Bolsonaro que Temer não se fez de rogado em assumir a autoria, foi recebida com desolação pelo bolsonarismo raiz.

Desolados também ficaram os partidários de uma terceira via. Três dias depois do jantar, a manifestação oposicionista foi esvaziada pelo acordão. Não haverá frente ampla mas uma miríade de opções anti-Lula entre as quais Bolsonaro ainda é a mais competitiva.

O fiasco da manifestação do dia 12 mostrou também que os organizadores do evento, egressos da direita que se descolou de Bolsonaro, liderada pelo MBL do deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, se revelaram incapazes de rivalizar com a capacidade de mobilização do presidente.

A bola voltaria para os pés de Bolsonaro na madrugada da terça-feira quando começou a circular, a partir do celular do marqueteiro de Temer, as cenas do jantar na casa de Naji Nahas. A começar pelo anfitrião, cuja liberdade atesta o valor de bons advogados e amigos no poder, tudo naquele jantar contribuiu para devolver a Bolsonaro a aura de quem se insurge contra as elites - um presidente da República sendo ridicularizado pelos mesmos homens ricos e brancos que o mantêm no poder.

Cristiano Romero - O país que envelheceu antes de ficar rico

Valor Econômico

Programas sociais já não reduzem pobreza nem desigualdades

A população do país a que chamamos de Brasil envelheceu antes de enriquecer. Isto significa que, daqui em diante, nossa economia terá enorme dificuldade de crescer a taxas elevadas e, consequentemente, diminuir o enorme índice de pobreza que nos assola desde sempre será uma tarefa muito mais difícil de se cumprir do que foi até agora. Num cenário de baixo crescimento, combater a desigualdade de renda que nos distancia, uma das maiores do planeta, exigirá desta sociedade algo que ela nunca vislumbrou, que é o conceito de nação, isto é, o sentimento de que, originado a partir de inúmeras etnias, somos um povo só, em que seus cidadãos se reconhecem uns nos outros. Dar sentido à palavra “Brasil”, vocábulo que isoladamente a nada identifica, será um esforço tão utópico quanto achar vida em Marte.

Maldita a escravização de indígenas, os donos originais deste imenso território, e de africanos, como processo de acumulação de capital que amaldiçoou o destino desta enorme “ilha” paradisíaca, batizada pelos invasores portugueses de Ilha de Vera Cruz para fazer crer ao reino da Espanha que, na divisão das terras no continente, seu naco era modesto.

Nos últimos cinco anos (incluída na estatística a projeção do Fundo Monetário Internacional para 2021), a taxa média de crescimento da economia brasileira deve ficar em torno de 0,5% ao ano. Trata-se de ritmo inferior ao da média mundial (2,1%), idêntico ao das economias avançadas - que por razões como envelhecimento da população costumam crescer a uma velocidade inferior à dos países menos desenvolvidos - e bem abaixo ao das economias em desenvolvimento (3,1%). Como nossa população cresce a uma taxa de 0,8% ao ano, o que estamos vendo com o passar dos anos é uma tragédia anunciada - a queda da renda per capita.

Maria Hermínia Tavares* - Lombada na terceira via

Folha de S. Paulo

O desafio é demonstrar que há lugar para outra rota, capaz de seduzir eleitores

A 13 meses das eleições presidenciais, prognósticos sobre seus resultados não passam de palpites, menos ou mais consistentes. Nem as pesquisas servem de guia: os eleitores não estão pensando na sucessão, nem está pronta a lista de candidatos à sua escolha. Até outubro de 2022 muita coisa ainda deverá acontecer.

Mas vamos lá. Hoje, as sondagens mostram que são firmes as bases de sustentação de Lula —entre 37% e 40% da população adulta, segundo a mais recente pesquisa XP-Ipesp—, bem acima da votação de Fernando Haddad no primeiro turno de 2018. Inoxidável também parece ser o apoio de 1/4 dos cidadãos a Bolsonaro.

Pela pura aritmética até que há lugar para uma terceira via centrista. Mas são significativos os obstáculos no meio do caminho. Aqui e agora, o espeto é a falta de um candidato pronto para ser o proverbial tertius. Não se vê quem possa convencer os que disputam o mesmo espaço a cedê-lo e, assim, definir o partido líder da coalizão das muitas e pequenas agremiações da centro-esquerda não petista ao centrão.

Bruno Boghossian - Encruzilhada evangélica

Folha de S. Paulo

Bolsonaro insiste em Mendonça porque seu futuro depende dos evangélicos

Duas semanas antes de formalizar a indicação de seu segundo ministro para o STF, Jair Bolsonaro recebeu o diagnóstico de que aquela era uma escolha arriscada. A relação do governo com o Senado andava estremecida, e havia resistências ao nome de André Mendonça até dentro da base aliada. Mesmo assim, o presidente decidiu seguir adiante.

O que se passou depois foram quase 80 dias de humilhação. Articuladores trabalharam por semanas para destravar a votação, Mendonça fez e refez o beija-mão atrás de apoio dos senadores, e aliados chegaram a sugerir que Bolsonaro desistisse de ter um ministro terrivelmente evangélico no tribunal. Mas o presidente viu que é tarde para recuar.

Ruy Castro - Você banca Bolsonaro e não chia

Folha de S. Paulo

E não é de hoje; até o apartamento que ele usava em Brasília para comer gente era pago por você

Não olhe agora, mas Jair Bolsonaro, como se não bastasse, vive às custas de você desde 1973. Foi quando, aos 18 anos, ele entrou para o Exército e, como todo soldado, passou a ganhar o soldo que sustenta os militares, extraído dos nossos impostos. Enxotado da força em 1988, transferiu-se para o outro lado da vida mansa, a política. Elegeu-se vereador em 1989 e deputado federal em 1991, ambos pelo Rio, e, durante 30 anos de mamata —nunca tapou um buraco ou aprovou um projeto—, construiu notável patrimônio imobiliário.

E não apenas com seu salário e infinitos benefícios parlamentares —um deles, apartamento pago em Brasília, que ele nunca dispensou mesmo tendo imóveis lá, e que usou para “comer gente” (mulheres, presume-se). Donde você pagou por cada bimba que Bolsonaro levou para a cama no período. Não contente, Bolsonaro elegeu três filhos para eternizar a quadrilha e, entre ex-mulheres, vigaristas e laranjas, todos parentes entre si, empregou 102 pessoas, de quem, dizem, ele e os seus extorquiam 80% do salário. Dinheiro este igualmente drenado dos impostos que você deixou na fonte.

Conrado Hübner Mendes* - Constitucionalismo 'new age' e seu 'coach'

Folha de S. Paulo

Na ciranda dos Poderes, violência e covardia viraram 'harmonia' e 'pacificação'

Elegemos um delinquente político na esperança de que sua delinquência fosse mal menor e na confiança de que teríamos aptidão para moderá-lo. Bastaria lhe aplicar um choque de freios e contrapesos.

Apostamos em moderadores diversos: militares comprometidos com a democracia; ministro cheerleader da Faria Lima; ministro cruzado anticorrupção; notas de repúdio de Maia; centrão, Lira, Pacheco, fracasso do voto impresso na Câmara etc.

Moderadores foram tão exitosos que no 7 de Setembro, depois de tantas interferências e acossos presidenciais, depois de todo o negacionismo mortífero, depois de rotinizar agressão a mulheres jornalistas, depois de chamar ministro do STF de "pedófilo", "idiota" e "filho da puta", Bolsonaro disse basta e prometeu desobedecer ao tribunal. Respostas verbais vieram de presidente do STF, do TSE, da Câmara, do Senado. Os tons variaram entre o protocolar e o quase protocolar.

Horas mais tarde, Bolsonaro revelou em carta que nunca teve "intenção de agredir quaisquer dos Poderes" e "harmonia" é determinação constitucional; reiterou "respeito pelas instituições" e declarou estar disposto a manter "diálogo". Muitos observadores notaram "recuo estratégico". Se estratégico, o recuo é fake. Melhor ignorar o recuo e investigar a estratégia.

Soube-se que o texto saiu das penas tristes de Michel Temer, coach maior do constitucionalismo new age, também conhecido como constitucionalismo do arreglo e do arrego, da negociação e do acordo, das notas de repúdio e das cartas de recuo. Abraçar slogans, desprezar ideias e entregar o seu contrário compõem nossa tradição ilusionista.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É corrupção

Folha de S. Paulo

Ao condenar parlamentar por rachadinha, TSE dá indicação jurídica e política

Não se deixe enganar pelo diminutivo. A rachadinha —a apropriação, por parlamentares, de parte do salário de seus assessores nomeados— “é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção”.

A definição é do ministro Alexandre de Moraes e consta do voto de relator que ele proferiu num julgamento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a inelegibilidade da ex-vereadora paulistana Maria Helena Pereira Fontes. Ela acabou condenada por 7 votos a 0, e o acórdão foi publicado na sexta-feira (10).

Esse poderia parecer um caso menor, envolvendo uma quase anônima ex-parlamentar municipal, mas duas ordens de razões fazem com que ganhe importância.

A primeira é jurídica. Apesar de a prática das rachadinhas ser antiga e ostensiva, não há um precedente sólido do Supremo Tribunal Federal para esse gênero de processo. A corte pretendia estabelecê-lo no julgamento do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), acusado de reter parcela dos salários dos servidores de seu gabinete.

O juízo teve início em novembro passado, mas, depois de dois ministros terem votado pela condenação, entendendo que a rachadinha constitui peculato, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista e o processo repousa em seus escaninhos desde então.

Poesia | Joaquim Cardozo – Imagens do Nordeste

Sobre o capim orvalhado
Por baixo das mangabeiras
Há rastros de luz macia:
Por aqui passaram luas,
Pousaram aves bravias.

Idílio de amor perdido,
Encanto de moça nua
Na água triste da camboa;
Em junhos do meu Nordeste
Fantasma que me povoa.

Asa e flor do azul profundo,
Primazia do mar alto,
Vela branca predileta;
Na transparência do dia
És a flâmula discreta.

És a lâmina ligeira
Cortando a lã dos cordeiros,
Ferindo os ramos dourados;
- Chama intrépida e minguante
nos ares maravilhados.

E enquanto o sol vai descendo
O vento recolhe as nuvens
E o vento desfaz a lã;
Vela branca desvairada,
Mariposa da manhã.

Velho calor de Dezembro,
Chuva das águas primeiras
Feliz batendo nas telhas;
Verão de frutas maduras,
Verão de mangas vermelhas.

A minha casa amarela
Tinha seis janelas verdes
Do lado do sol nascente;
Janelas sobre a esperança
Paisagem, profundamente.

Abri as leves comportas
E as águas duras fundiram;
Num sopro de maresia
Viveiros se derramaram
Em noites de pescaria.

Camarupim, Mamanguape,
Persinunga, Pirapama,
Serinhaém, Jaboatão;
Cruzando barras de rios
Me perdi na solidão.

Me afastei sobre a planície
Das várzeas crepusculares;
Vi nuvens em torvelinho,
Estrelas de encruzilhadas
Nos rumos do meu caminho.

Música | Raquel Tavares & Xande de Pilares - Tristeza pé no chão

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Vera Magalhães - Golpe dá trabalho, e Bolsonaro não gosta

O Globo

O pastiche que se seguiu às sérias e graves ameaças proferidas por Jair Bolsonaro em cima de dois palanques no 7 de Setembro não permite que analistas e tomadores de decisões se equivoquem quanto à natureza golpista do presidente brasileiro, mas é um exemplo lapidar da ojeriza que ele tem a trabalho, planejamento, estudo e articulação.

Dar um golpe exige afinco, obstinação e capacidade gerencial. Qualquer que seja a natureza da virada de mesa que fazem postulantes autoritários de qualquer cepa política, de Putin a Maduro, para ficar nos atuais, requer que se tenha um plano com começo, meio e fim e um grupo — militares, políticos, burocratas, ou de preferência todos esses alinhados — a lhe dar apoio e seguimento.

A quartelada desastrosa de Bolsonaro não tinha nada disso. Quando Luiz Fux chamou o comandante militar do Planalto à fala diante da investida de caminhoneiros e outros arruaceiros bolsonaristas em direção à Praça dos Três Poderes, na noite da véspera das manifestações, já saiu da conversa com a constatação de que as Forças Armadas não estavam embarcadas em nenhum roteiro golpista minimamente esquadrinhado. E não estavam dispostas a avançar aquele sinal.

Da mesma forma, as Polícias Militares, que estão sendo cevadas pelo bolsolavismo à base de lavagem cerebral e promessa de casa própria, também não tinham, àquela altura, um grau de adesão suficiente para fazer com que alguns ou muitos motins estourassem Brasil afora num sinal de alerta para os governadores.

Elio Gaspari - Brincando de cubo na terceira via

O Globo / Folha de S. Paulo

Um fracasso pedagógico

O fracasso das manifestações de domingo contra Bolsonaro ensina que brincando de cubo não se elege presidente. Se elegesse, Geraldo Alckmin estaria no Planalto. Em 2018, ele tinha cinco minutos e meio no horário gratuito de televisão, contra poucos segundos de Bolsonaro. Tinha também os blindados do PSDB contra o estilingue do PSL. Em 1989, Ulysses Guimarães já havia sido humilhado por Fernando Collor. Tinha biografia, tempo de televisão, apoio de partidos e não chegou ao segundo turno.

O pessoal que brinca de cubo soma fatores como notoriedade, grana de todas as caixas, tempo de TV e apoios partidários. De vez em quando, tentam alavancar uma celebridade da telinha. Contudo, Collor elegeu-se porque apresentou-se como o “Caçador de Marajás”, e Bolsonaro com uma mistura de antipetismo com “nova política” (ninguém sabia o que era isso, mas foi-se em frente).

Bernardo Mello Franco - Uma boa ideia no fim da CPI

O Globo

O relatório da CPI da Covid vai propor mudanças na lei do impeachment, em vigor desde 1950. À primeira vista, o assunto parece não ter muito a ver com o objeto da comissão. Na prática, tem tudo. A ideia é impedir que o resultado de meses de investigação termine na lata do lixo.

A comissão já concluiu que Jair Bolsonaro cometeu múltiplos crimes de responsabilidade durante a pandemia. Da sabotagem a estados e municípios à conduta incompatível com “a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Apesar do caminhão de provas, há pouca esperança de que o presidente pague por seus atos. Nas condições atuais, o relatório fará companhia aos 130 pedidos de impeachment que adormecem na gaveta de Arthur Lira.

Eleito com apoio do Planalto, o presidente da Câmara tem usado uma brecha legal para proteger Bolsonaro. Ele simplesmente não analisa as petições, seja para admiti-las ou para arquivá-las. Como Lira não age, a oposição fica sem meios de recorrer. E o chefe do Centrão continua livre para cobrar o preço da blindagem.

Luiz Carlos Azedo - Três tenores e um anjo torto

Correio Braziliense

Esse grupo acompanhou a trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu João Goulart, em 1964, até a recente confusão armada por Bolsonaro

Um evento importante para a política será realizado, hoje, para discutir a crise brasileira, com a participação dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, no qual o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim fará uma abertura sobre a crise institucional que estamos atravessando, com mediação do ex-governador fluminense Moreira Franco. O seminário “Um novo rumo para o Brasil” é promovido pelas fundações do MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e contará ainda com os presidentes dos respectivos partidos — o deputado federal Baleia Rossi (SP), o ex-ministro das Cidades Bruno Araújo, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto e o ex-senador Roberto Freire, respectivamente.

Rosângela Bittar - Os mitos do mito

O Estado de S. Paulo

Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças do presidente

Ruíram os mitos que sustentavam a imagem popular de Jair Bolsonaro e que ele usava como argumento de força para ser reconhecido, desde já, presidente vitalício do Brasil. Sem passar por nova eleição.

Bolsonaro havia feito crer que, com seus poderes extraordinários de cavaleiro do apocalipse, daria voz de comando ao Judiciário, ao Legislativo, às espadas e aos fuzis. Imaginava-se, no mínimo, que o País se encaminhava para um golpe. Tal como expresso nas faixas exibidas por seus eleitores que foram às ruas para apoiá-lo: intervenção militar e novo AI-5. A senha do golpe já estava registrada, poderia até ser o insulto violento ao ministro Alexandre de Moraes (STF), que nomeou seu algoz, proferido nos microfones do palanque.

Moreira Franco* - Democracia x demagogia


O Estado de S. Paulo

Partidos que defendem as liberdades têm obrigação de agir para blindar aventuras desrespeitosas à Constituição.

Nosso país tem assistido a uma escalada de naturalização da demagogia tentando minar a democracia. A demagogia é um embuste onde são lançados ingredientes perigosos, como fake news interessadas em deslegitimar as nossas instituições. A demagogia não enxerga, não ouve e não fala nada de importância real a uma população, cuja dificuldade de comprar comida aumenta com a crescente inflação. Serve unicamente aos grupos que desejam comandar o Estado como ferramenta para alcançar um poder autoritário. Já a democracia exerce empatia, diálogo, respeito às diferenças, e essa soma resulta em liberdade de pensamentos diversos, direitos e deveres elencados formalmente na Constituição brasileira.

A democracia não inventa crises, ela as resolve de maneira ordeira. Atualmente, espalham-se caraminholas tais pela Nação que, de tão fantasiosas, mais lembram criações da infância, quando inocentes lidam com seres imaginários. A diferença hoje é que os propagadores de invencionices no nosso país de inocentes não têm nada. Tóxicos e beligerantes com quaisquer opiniões adversas, digladiam com instituições – e todos os que pensam diferente se tornam inimigos.

José Nêumanne* - ‘Espelho meu, haverá alguém mais indesejado do que eu?’

O Estado de S. Paulo

Para recuperar a paz que jogou no lixo Bolsonaro recorreu a Temer, o impopular do Brasil.

Em 8 de setembro, um dia após bolsonaristas terem ocupado ruas do País e sequestrado o verde-amarelo (apud José Murilo de Carvalho), que a soit-disant oposição lhe presenteou, Jair Bolsonaro parodiou a rainha má perguntando ao espelho: “Haverá alguém mais impopular do que eu?”. Sem resposta dela nem dos sete anões, telefonou ao general Augusto Heleno, que questionou o coronel João Baptista Lima, da PM de São Paulo, e obteve a resposta: “Temer”. Batata, retrucaria, se fosse Nélson Rodrigues. De fato, o antecessor bateu recorde de impopularidade em junho de 2018, com 82%. A própria rejeição, também segundo o Datafolha, foi de 51%, em julho de 2021. “Bateu na trave”, suspirou. E ordenou: “Liga pro Michel, tá o.k.?”.

Fernando Exman - Partida de xadrez entre os três Poderes

Valor Econômico

Alexandre de Moraes sinaliza que apenas irá reagir a eventuais a ataques

Confiem no capitão, apelam alguns aliados de Jair Bolsonaro àqueles que ficaram inconformados com a mudança de postura do presidente da República nos últimos dias. Ele joga xadrez, e não damas, acrescentam. “Recuou para atingir seus objetivos mais à frente.”

A especificação da modalidade é relevante. Em seu memorável livro “Sobre a China”, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger mostra como é possível entender as mentalidades ocidental e chinesa a partir da análise dos jogos intelectuais mais tradicionais de cada sociedade. Na China, joga-se o “wei qi”, que tem como objetivo o cerco estratégico por meio da paciente acumulação de vantagens relativas e simultâneas em diversas áreas do tabuleiro. Mais popular no Ocidente, o xadrez é marcado por batalhas épicas por meio das quais um lado busca impor a morte ou a rendição do exército oposto.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Como lidar com a inflação em 2021

Valor Econômico

Choque com recuperação de preços em dólares das matérias primas e forte desvalorização do real está se dissipando

Estamos vivendo um período de aceleração da inflação ao consumidor como mostra o índice de difusão de mais de 72% no IPCA de agosto. A complexidade deste processo pode ser identificada pelas constantes revisões das instituições financeiras a cada divulgação dos números oficiais, como aconteceu agora com o indicador de agosto.

Esta ciranda teve seu início no terceiro trimestre de 2020 quando, assustados com a ameaça de uma depressão econômica provocada pela pandemia, mercado e Banco Central começaram a reduzir suas previsões para a inflação um ano à frente. Com a aplicação rígida do protocolo seguido pelo BC, o Copom reduziu seguidamente a taxa Selic até 2% ao ano, como mostra parte do texto da Ata da 232ª reunião do Copom de 4 e 5 de agosto:

Roberto DaMatta - Inconstitucionalissimamente

O Globo / O Estado de S. Paulo

Menino, aprendi que esta seria a maior palavra da língua portuguesa. Ao crescer, foi curioso constatar que os “palavrões” eram curtos e careciam de explicação. O inconstitucionalissimamente, porém, exigia um habitual legalismo — uma tintura de “classe” — para ser entendido. O pior é vê-lo em prática, ao vivo e em cores, pelo supremo mandatário da nação!

Para ser inconstitucional, há que, primeiro, ser constitucional. Mandamentos codificam pecados, mas as redundantes falsidades políticas são reguladas por Constituições que governam governos.

Num regime de igualdade de todos perante a lei, há também imperativo: a fidelidade ao cargo e ao programa eleitoral. A eleição é um contrato coletivo a cumprir, jamais a sabotar.

Zeina Latif - Filho feio não tem pai

O Globo

Esse ditado popular se encaixa muito bem ao momento atual do País, em que os problemas econômicos ou são negados ou as responsabilidades são transferidas. O prêmio de maior rejeição de paternidade vai, certamente, para o presidente Bolsonaro – justamente em quem recai a maior culpa.

Nesse contexto, observa-se a mesma postura de membros do governo e aliados, como mostram os recentes ataques à gestão do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, por conta do aumento dos preços dos combustíveis.

Bolsonaro não só não ajuda, como atrapalha bastante. Mesmo assim, cobra de Paulo Guedes a solução para os problemas, segundo a imprensa. Para começar, não é justo a cobrança recair apenas sobre o titular da Economia.

Vinicius Torres Freire - Pacote eleitoreiro está encrencado

Folha de S. Paulo

Não vai ser fácil fazer gambiarras fiscais e econômicas para 2022

Jair Bolsonaro tirou uns dias de férias de sua ocupação principal, que é fazer campanha de reeleição e de golpe. Talvez um dos motivos da folga, do “recuo”, seja a necessidade de fazer arranjos para 2022, gambiarras fiscais e econômicas que o ajudem a conseguir uns pontos extras de popularidade. Não vai ser fácil, mesmo com mutreta orçamentária ou maluquice fiscal com apoio do ministério da Economia.

Outro motivo das férias golpistas é esperar para ver se o Supremo vai aliviar as dívidas da família com a Justiça. Um terceiro, talvez, é obter algum apoio no Senado, que vem derrubando um ou outro avanço que o governo consegue na Câmara colaboracionista de Arthur Lira (PP-AL). Não está fácil também: Rodrigo Pacheco (DEM-MG) devolveu a medida provisória das “fake news”.

Hélio Schwartsman - Povo na rua, relíquia bárbara

Folha de S. Paulo

Pesquisas são mais relevantes que manifestações

Antigamente, observar o tamanho das multidões que cada grupo político conseguia mobilizar era a melhor forma de aferir sua popularidade. Mas, desde que as pesquisas de opinião pública se disseminaram, na segunda metade do século 20, o uso de manifestações para medir força não faz mais muito sentido. É a "relíquia bárbara" da política, se é lícito tomar emprestada a expressão que Keynes cunhou para designar a insistência extemporânea no padrão-ouro.

Independentemente do número de pessoas que vá à avenida Paulista, sabemos que mais da metade da população rejeita o governo Bolsonaro. Sabemos também que, se a eleição fosse hoje, o presidente disputaria um segundo turno contra Lula, no qual o petista o derrotaria por larga margem. Sabemos ainda que os candidatos a candidato da terceira via patinham em índices baixos de popularidade. É com base nesse retrato, que cobre todo o espaço amostral, não em fotos parciais, que todos deveriam se posicionar.

Bruno Boghossian – A política dos troféus

Folha de S. Paulo

País voltou ao modelo em que poderosos apostam que conseguirão tutelar o presidente

No fim da tarde, algumas das principais autoridades do país interromperam suas agendas para buscar um troféu no Planalto. Se o país atravessasse uma fase normal, aquele seria um desperdício de tempo e dinheiro. Numa situação com 14 milhões de desempregados, inflação em disparada e uma crise política permanente, foi um despropósito completo.

Os chefes do Congresso e um ministro do STF foram agraciados com um prêmio para quem se destacou na área das comunicações. Pode não ser fácil apontar feitos de Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Dias Toffoli no setor, mas os três cumpriram com excelência papéis de figurantes na encenação de normalidade após as ameaças autoritárias do presidente.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Para sua plateia

Folha de S. Paulo

Isolado, Bolsonaro usa caneta presidencial para agradar às minorias que o apoiam

O expediente da edição abusiva de medidas provisórias pelo Executivo tem uma longa e inglória história no Brasil moderno. Jair Bolsonaro o reativou, adicionando a propensão à balbúrdia estéril já comprovada em seu desgoverno.

Assim, MPs são enviadas ao Congresso mesmo quando há a certeza de que serão deixadas para caducar. O que importa é alguma sinalização do mandatário a suas bases de apoio mais fiéis.

A prática chegou ao paroxismo nestas semanas de tensão institucional. Na véspera do ensaio golpista do 7 de Setembro, Bolsonaro baixou medida para alterar o Marco Civil da Internet, numa proposta de casuísmo escandaloso.

Conforme o texto, redes sociais não podem remover postagens a partir de seus próprios critérios. O objeto é o de proteger, por óbvio, a inundação de fake news e pregação autoritária no feriado e depois.

O presidente já teve publicações mentirosas bloqueadas e viu o impacto gerado pelas providências tomadas contra seu modelo, o americano Donald Trump.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

Música | Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti - Risos de Mandarim

 

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Merval Pereira - Nem, nem

O Globo

Não vai ter golpe, nem impeachment. E talvez nem candidato único como terceira via. Assim como as multidões que estiveram nas ruas no 7 de Setembro apoiando Bolsonaro não impediram que ele fosse derrotado — tanto que teve de recuar —, a falta de pessoas em número expressivo nas manifestações do fim de semana não quer dizer que ele tenha maioria, como insinuou.

Bolsonaro teve uma máquina de organização muito afiada — parecia o PT nos áureos tempos, com o sindicalismo mobilizando as massas. Mas as próximas pesquisas de opinião provavelmente mostrarão Bolsonaro caindo para o que pode ser seu chão, cerca de 20% de apoiadores.

As manifestações não foram um fracasso, mas sinal de que não há condições políticas para o impeachment. Também foi um erro convocá-las pouco tempo depois do êxito das em favor de Bolsonaro. A carta que o ex-presidente Michel Temer negociou e essa demonstração fraca de apoio ao impeachment mostram que Bolsonaro ainda tem algum fôlego para seguir adiante.

Se ele não fizer alguma grande loucura, poderá chegar ao final do governo em campanha, com as vantagens que a estrutura do governo oferece na reeleição. Mas sua situação eleitoralmente continua frágil, embora esteja difícil conseguir um nome que una todos os lados na terceira via, o que poderá acontecer durante a campanha, que irá descartando candidaturas que não tenham força popular.