quarta-feira, 6 de julho de 2022

Vera Magalhães: À mesa com Bolsonaro

O Globo

Um fenômeno que trafega entre o cinismo e a irresponsabilidade começa a se consolidar à medida que vão se definindo os quadros das eleições nos estados: partidos e líderes políticos que passaram os últimos três anos e meio criticando Jair Bolsonaro e suas práticas negacionistas no combate à pandemia, populistas no manejo do gasto público e antidemocráticas na lida com as instituições acabam, de alguma forma, se irmanando ou fazendo vista grossa ao bolsonarismo nos palanques regionais, na esperança de herdar uma parcela do eleitorado conservador.

O que dizer da insólita aliança entre Gilberto Kassab, cacique único do PSD, e Tarcísio de Freitas na sucessão paulista? Em várias entrevistas recentes, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro de Dilma e Temer disse que Bolsonaro é o “pior presidente” com quem conviveu. Nacionalmente, Kassab faz gestos de reaproximação com o PT. Só não levou seu partido oficialmente para a aliança com Lula porque não conseguiu ser o vice na chapa e porque, em alguns estados, não há liga possível.

Do outro lado, a antipatia é recíproca. Bolsonaro disse o seguinte sobre Kassab quando nomeou Marcos Pontes — o ex-astronauta, agora cotado para ser candidato ao Senado na mesma São Paulo — para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, antes ocupado pelo presidente do PSD:

— Antes do Marcos Pontes, quem era o ministro da Ciência e Tecnologia? Não sabia a diferença de gravidade e gravidez. Era o senhor Kassab. Olha o que ele faz hoje em dia. Está colado no Lula. Quer a volta do Lula. Com a volta do Lula, vai ser ministro, vai pegar a Caixa Econômica para ele administrar.

Bernardo Mello Franco: Blindagem e premonição

O Globo

Retardar CPI do MEC é interferir na eleição a favor de Bolsonaro

O presidente do Senado mudou de tática para blindar o Planalto de investigações comprometedoras. No ano passado, Rodrigo Pacheco retardou sozinho a criação da CPI da Covid. Agora ele costurou um acordo para que a maioria governista o ajude a barrar a CPI do MEC.

A manobra de 2021 foi parar no Supremo. Numa tentativa de enrolar a Corte, Pacheco alegou que a comissão poderia ter “efeito inverso ao desejado”, como “gerar desconfiança da população em face das autoridades públicas”. O ministro Luís Roberto Barroso não caiu na conversa. Leu a Constituição e mandou instalar a CPI.

Desta vez, o presidente do Senado convocou o bloco governista para socorrê-lo. Ontem ele anunciou que vai abrir a nova comissão, mas só depois das eleições. Atribuiu a decisão aos líderes partidários, que teriam decidido evitar a “contaminação das investigações pelo processo eleitoral”. Na verdade, o objetivo é driblar o Supremo e evitar que a CPI atrapalhe a campanha de Jair Bolsonaro.

Alvaro Gribel: A cena política vista da economia

O Globo

A menos de três meses do primeiro turno das eleições, o alto escalão da campanha de Bolsonaro vive um momento de desânimo e enfrenta dificuldades para conseguir doações. Lula, por sua vez, mantém as incertezas sobre o seu programa econômico, mas os encontros ao lado de Geraldo Alckmin têm diminuído resistências da elite ao seu nome. Já há quem sonhe com o próprio Alckmin no Ministério da Economia, acumulando a função de vice. Esse é o resumo de conversas que tenho tido com investidores com acesso à cúpula das duas principais candidaturas.

Alckmin virou a nova aposta da Faria Lima para comandar a economia, embora seja difícil que o PT o aceite, pela sua formação liberal. Pessoas próximas ao presidente Lula dizem que nada está decidido. Nos encontros com empresários, Lula diz que nunca descumpriu contratos e manteve o superávit primário enquanto foi presidente. Alckmin assume a defesa mais enfática do equilíbrio fiscal e chega a dizer que os governos FHC e Lula foram de continuidade. Isso tem sido suficiente para melhorar a relação com investidores e alguns falam na volta do “Lulinha paz e amor”, por causa do clima de cordialidade dessas últimas conversas. As críticas em público aos banqueiros feitas pelo ex-presidente não têm causado desconforto, porque são vistas como parte do jogo eleitoral.

Luiz Carlos Azedo: PEC da eleição é um retrocesso civilizatório

Correio Braziliense

A três meses das eleições, a PEC tem por objetivo garantir a recondução do presidente Jair Bolsonaro, com medidas de caráter populista, que não poderiam ser aprovadas a menos de 100 dias das eleições.

Para o historiador Niall Ferguson, autor de Civilização, Ocidente versus Oriente (Editora Crítica), a chave do sucesso do modelo anglo-americano de sociedade está sintetizada num discurso de Winston Churchill, de 1938, no qual ele disse que a diferença entre Ocidente e Oriente estava baseada na opinião dos civis. “Significa que a violência, o governo de guerreiros e líderes despóticos, as situações de campo de   concentração e guerra, de baderna e tirania, dão lugar a parlamentos, onde são criadas as leis, e a cortes de Justiça independente, onde essas leis são mantidas por longos períodos.”

“Isso é Civilização — e em seu solo crescem continuamente a liberdade, o conforto e a cultura”, complementou, para arrematar: “Quando a civilização reina em um país, uma vida mais ampla e menos penosa é concedida às massas. As tradições do passado são valorizadas e a herança deixada a nós por homens sábios e valentes se torna um estado rico a ser desfrutado e usado por todos. O princípio central da Civilização é a subordinação da classe dominante aos costumes do povo e à sua vontade, tal como expresso na Constituição (…)”.

São considerações de ordem conservadora e inspiradas no esplendor do Império Britânico, de parte de um político aristocrático que já assistira ao colapso do colonialismo, a partir da I Guerra Mundial, e estava diante do ameaçador domínio continental da Alemanha nazista. Ferguson cita o primeiro-ministro britânico que confrontou Hitler no capítulo de seu livro que trata da questão da propriedade. O historiador busca uma explicação para o fato de que a visão de Churchill não criou as mesmas raízes ao sul do Rio Grande, ou seja, na América Ibérica, uma história que começa com dois navios: um em 1532, com 200 guerreiros que desembarcaram ao norte do Equador para conquistar o Império Inca; e outro, 138 anos depois, numa ilha da Carolina do Sul, desembarcando servos por contratos em busca de um mundo melhor a partir do próprio trabalho.

Elio Gaspari: A diplomacia da canelada

Folha de S. Paulo / O Globo

O presidente de Portugal deixou uma lição

Era uma vez um Itamaraty, com suas boas maneiras e habilidades. Bolsonaro mostrou sua maneira de conduzir as relações exteriores do Brasil em julho de 2019, quando tinha poucos meses no cargo. Desmarcou um encontro com o chanceler francês e, ostensivamente, foi cortar o cabelo no Palácio do Planalto. De lá para cá, encrencou com a China, os Estados Unidos e a Argentina. Sempre para nada. Ganha um fim de semana em Budapeste quem souber de uma migalha de interesse nacional envolvida nessa diplomacia de malcriações.

No ano do Bicentenário da Independência, Bolsonaro desmarcou um almoço para o qual havia convidado o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. A grosseria deveu-se ao fato de Rebelo ter se encontrado com Lula.

Vale registrar que embaraços políticos desse tipo às vezes acontecem. Em 1978, o presidente americano, Jimmy Carter, veio ao Brasil e pediu que em sua agenda fosse incluído um encontro com representantes da sociedade civil. Leia-se: pessoas como o cardeal Paulo Evaristo Arns e o advogado Raymundo Faoro. O general Ernesto Geisel detestava-o, como detestava o cardeal Arns. Pela métrica de hoje, a visita seria cancelada. Entregue o problema aos diplomatas, veio a solução. Carter iria a Brasília, seria recebido com discreta pompa pelo presidente e depois, no Rio, conversaria com quem quisesse. Ele não só conversou, como pediu ao cardeal que fosse com ele no carro até o aeroporto de onde embarcaria de volta.

Hélio Schwartsman: CPI já seria bem vinda

Folha de S. Paulo

A CPI poderia ser uma arma eleitoral expensas da boa investigação

Cada categoria precisa lidar com a sua deformação profissional. Delegados e promotores veem crimes por todos os lados; médicos não conseguem olhar para o rosto das pessoas sem tentar adivinhar do que elas vão morrer. Jornalistas somos quase obrigados a apoiar CPIs, mesmo sabendo que elas raramente produzem boas investigações. É que, mesmo quando fracassam nesse objetivo precípuo, ainda servem para expor aos olhos de todos coisas que governantes gostariam de manter a sete chaves –algo que a maioria dos jornalistas se compraz em assistir.

Bruno Boghossian: Em busca do voto perdido

Folha de S. Paulo

Medidas desesperadas buscam amenizar desconforto e pavimentar retorno do eleitor de 2018

Jair Bolsonaro nunca foi o nome favorito dos brasileiros mais pobres. Em 2018, só 35% dos eleitores de baixa renda declaravam voto no capitão às vésperas do segundo turno. Seus quase quatro anos de governo aprofundaram o distanciamento: agora, só 25% deles dizem apoiar Bolsonaro num embate direto com Lula.

As últimas manobras da campanha do presidente têm o objetivo de recuperar o voto perdido. Aliados de Bolsonaro acreditam que será possível dar um conforto mínimo a eleitores que estiveram com ele há quatro anos, mas sentiram com força os maus tempos da economia.

Medidas desesperadas como o drible na lei para aumentar o Auxílio Brasil seguem esse plano. Ainda que os pagamentos não façam o presidente disparar, o objetivo é pavimentar o retorno de alguns eleitores mais pobres ao campo bolsonarista. Se recuperar os votos que recebeu em 2018 nesse segmento, ele poderá ter um ganho de cinco pontos percentuais no segundo turno.

Mariliz Pereira Jorge: Lula no primeiro turno?

Folha de S. Paulo

Temos 12 pré-candidatos e o eleitor têm direito de votar até no Eymael

Se a sua resposta for qualquer coisa diferente de "claro", quando perguntado sobre o seu voto no primeiro turno, pode preparar o crachá de fascista. Não vale indecisão, não vale outro candidato, não vale dizer que o voto é secreto, não vale desconversar. Na semana passada, foi a cantora Anitta. Hoje, pode ser você. Parte da esquerda já decidiu que "ou você é Lula ou é Bolsonaro".

Ao que tudo indica, a disputa será essa. Acho que concordamos em que qualquer coisa é melhor do que Bolsonaro. Se na urna eletrônica as opções fossem "Bolsonaro" e "Qualquer Coisa", eu votaria em "Qualquer Coisa" sem pensar. Mas uma das lições que aprendi com minha mãe é que não sou todo mundo. Por mais que eu queira me livrar do mandrião desde 2018, temos uma eleição com 12 pré-candidatos e o eleitor têm direito de votar até no Eymael.

Vinicius Torres Freire: O Brasil no início da crise dos ricos

Folha de S. Paulo

Economia mundial está nervosinha, preços das commodities começam a cair e real também

O Sobrenatural de Almeida, os Elfos dos Mercados, as Fadas da Confiança e o tamanho da paulada nos juros americanos vão dizer se as economias centrais do mundo vão entrar em recessão neste segundo semestre de 2022.

Mas o mundo do dinheiro grosso lá fora já está nervosinho e tendo chiliques. Nessa situação, sempre sobra para nós, mais pobrinhos e burrinhos.

A gente acha que esses assuntos são esotéricos ou francamente tediosos, mas eles definem muito das nossas vidinhas. Mais especificamente, nos importa o preço das commodities (coisas como comida, minérios e petróleo), as quais o país vende aos montes, e a taxa de câmbio (o "preço do dólar").

Depois de um período em que não aproveitamos de todo a maré alta das commodities, no último ano e meio, agora pode ser que percamos algum benefício da baixa de preços dessas mercadorias básicas.

Na alta, que em tese nos beneficia, tivemos dólar caro, o que não é costumeiro nessas situações, causando ainda mais inflação. Na baixa, podemos perder a renda extra com commodities e ainda ter um dólar caro (R$ 5,38, nesta terça-feira, ante a média de R$ 4,76 de abril).

Daniel Rittner: Argentina flerta, de novo, com dolarização

Valor Econômico

Fim de moeda própria tem sido debatido por grandes empresários

O economista Simon Kuznets dizia haver quatro tipos de países no mundo: os ricos, os pobres, o Japão (que tinha tudo para ser pobre, mas ficou rico) e a Argentina (que tinha tudo para ser rica, mas virou pobre).

Apesar da crise, Buenos Aires continua linda. É a cidade latino-americana com melhor qualidade de vida, segundo a Economist Intelligence Unit. As praças estão bem cuidadas. Há fartura de espaços gratuitos e ao ar livre. O prolongamento de duas linhas de metrô facilitou a mobilidade urbana. Para quem adota os padrões brasileiros de segurança, bate até uma certa tranquilidade. Caminha-se à noite, nas principais avenidas, sem necessidade de entrar em pânico. Os pobres têm mais dignidade. Luz e gás residencial são fortemente subsidiados. A tarifa de ônibus corresponde a menos de R$ 1. Hospitais e escolas públicas funcionam (ainda) minimamente bem.

Fernando Exman: A aposta de Bolsonaro para a eleição no campo

Valor Econômico

Governo acelerou entrega de títulos para fragilizar o MST

É recomendável acompanhar com atenção os possíveis efeitos das ações do governo Jair Bolsonaro direcionadas aos trabalhadores do campo. E sem preconceitos: o presidente tenta aos poucos, no discurso e na prática, reduzir o histórico antagonismo entre agronegócio e famílias assentadas.

Mas ainda é cedo para concluir se Bolsonaro colherá resultados políticos entre os pequenos produtores ligados aos movimentos sociais do campo. O segmento é tradicionalmente mais próximo dos partidos de esquerda. Assim como se sabe, desde a posse de Bolsonaro, que o agronegócio torce por sua reeleição.

Esta preferência é conhecida e não deve diminuir mesmo depois de o presidente escolher o general Walter Braga Netto para a vaga de vice, em detrimento da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina. Para os ruralistas, a deputada pelo PP do Mato Grosso do Sul pode ser muito mais útil no Senado ou retornando ao comando da pasta, em um eventual segundo mandato, do que ocupando um gabinete no anexo do Palácio do Planalto sem poder e vivendo sob a sombra da desconfiança do presidente.

Marcelo Godoy: O papel das instituições

O Estado de S. Paulo

General Zenildo ameaçou, e Luís Eduardo Magalhães conseguiu contornar a crise em Brasília

Pouco antes de uma reunião do ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, os comandantes das três Forças, Oliveira e Walter Braga Netto se reuniram com Jair Bolsonaro. A foto do encontro é um dos mais fortes símbolos da turma que questiona o processo eleitoral que pode tirá-la do poder.

Paira sobre o Brasil a discórdia em torno de 15 sugestões das Forças Armadas para a Justiça Eleitoral, sobre as urnas eletrônicas. Quem convive com o presidente diz que Bolsonaro acredita nas lorotas que conta e se vê como vítima. Mas a verdade é que ele só ameaça as eleições porque imagina ter respaldo. Tanto das Forças Armadas quanto do Centrão. Houve uma época em que as lideranças militares e civis desatavam nós em vez de reforçá-los. Naquele tempo, Antonio Carlos Magalhães era senador e seu filho Luís Eduardo presidia a Câmara. Eles tinham um amigo no quartel-general da Força Terrestre: o ministro do Exército, Zenildo Zoroastro de Lucena.

Fábio Alves: Após a inflação, recessão

O Estado de S. Paulo

O trabalho nos EUA segue robusto; uma criação menor de emprego vai gerar tensão

Depois que os índices de inflação ao redor do mundo dominaram o humor dos investidores no primeiro semestre deste ano, levando, por exemplo, as Bolsas de Valores nos EUA a registrar o pior desempenho para a primeira metade do ano desde 1970, os indicadores de atividade econômica devem passar a ser agora o principal motor dos preços dos ativos neste segundo semestre.

O temor é de que, diante da disparada da inflação que levou a um aperto monetário mais agressivo pelos principais bancos centrais, a economia mundial entre em recessão nos próximos 12 meses. Esse medo é cada vez maior nos EUA, onde o Federal Reserve (Fed) projeta que a taxa básica de juros, que começou o ano ao redor de zero, deve encerrar a 3,4% no fim de 2022.

O presidente do Fed, Jerome Powell, já admitiu que a recessão nos EUA é uma possibilidade, mas diz que o maior risco é de a inflação americana ficar persistentemente elevada. Ou seja, enquanto a inflação estiver distante da meta do Fed, de 2%, a prioridade será combater a escalada nos preços, mesmo que, para tanto, o BC americano cause uma contração na economia do país.

Na semana que vem, será divulgado o índice de preços ao consumidor (CPI, em inglês) dos EUA para junho. Os investidores esperam que esse índice mostre que a inflação americana já atingiu o pico. Mas essa era a expectativa para maio, quando o CPI surpreendeu a todos e registrou uma alta anual de 8,6%, a maior desde dezembro de 1981.

Roberto DaMatta: Modelo ocidental se julga universal

O Globo

Existem países tão confiantes em seus valores e tão solidamente ancorados em suas regras, a ponto de ir à guerra como meio de liquidar diferenças, como lamentavelmente exemplifica o caso europeu.

Um povo que inscreve “em Deus confiamos” em sua moeda, meio básico de troca, revela extremado grau de etnocentrismo — chamado de patriotismo ou autoconfiança, revelador de como a ideia de Deus é tão manipulável quanto a de seus credos e crentes.

A declaração ajuda a entender a “modernidade” que tem sido imposta ao planeta pelas barbaridades do colonialismo europeu, ou pelo não menos cruel imperialismo estadunidense. Seria preciso lembrar que outras “modernidades” ou estilos de vida precederam o capitalismo e o adaptaram. E, nisso, estão com ele competindo?

Num sentido preciso, “confiar em Deus” significa que — muito embora nosso modo de viver seja uma circunstância que nos singulariza, pois no mundo existem milhares de grupos humanos hoje reduzidos (certamente mais por mal que por bem) a um conjunto de 193 países que integram a Organização das Nações Unidas — há uma enorme pressão para a uniformidade dentro do modelo ocidental, como sinônimo de modernidade e progresso.

Ricardo José de Azevedo Marinho*: História da Roleta

Onde a roda da fortuna vai parar? Essa é uma permanente dúvida. Mas como entender ela? Claro que ela implica numa suspensão voluntária e temporária do juízo para dar espaço e tempo a alma para que ela coordene todas as suas ideias e todo o seu conhecimento.

A dúvida estimula o discernimento e a reflexão sobre a reação visceral, imprudente e impulsiva.

Victoria Camps, a filósofa espanhola nos diz em seu livro Elogio da Dúvida (Edições 70, Coimbra, 2021) que duvidar como diz Montaigne (1553-1592) é dar um passo atrás, distanciar-se de si mesmo, não ceder à espontaneidade do primeiro impulso. É uma atitude reflexiva e prudente. A regra do intelecto que busca a resposta mais justa em cada circunstância.

Há aqueles que têm grandes suspeitas das virtudes da dúvida, principalmente na política, veem um divórcio entre a dúvida e a ação que consideram tarefa própria do político. Torcem o nariz diante dela e acreditam que ela está destinada a provocar ações sempre marcadas pela moderação e lentidão, quando não pela paralisia total da ação.

Eles preferem a reação emocional repentina, instantânea, a resposta forte e clara, mesmo que seja grossa e grosseira. A abordagem categórica que se baseia em dizer “ao pão, pão e vinho, vinho”, mesmo quando não é (e não há) pão nem vinho.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A PEC que estraçalha a Constituição

O Estado de S. Paulo

Ninguém tem o poder de destruir a Carta ou desvirtuar o regime democrático, como Bolsonaro tenta fazer por meio da PEC do Desespero. Oposição e Judiciário têm o dever de reagir

O Congresso dispõe do chamado poder constituinte derivado, que é a competência dada pela Assembleia Constituinte – titular do poder constituinte originário – para alterar o texto constitucional. É a própria Constituição prevendo a possibilidade de sofrer alterações, para que não fique desajustada à realidade social. Ou seja, as emendas constitucionais têm a finalidade de proteger a efetividade da Constituição ao longo do tempo.

O governo de Jair Bolsonaro, com a conivência do Senado, inverteu inteiramente essa dinâmica. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, a “PEC do Desespero”, é uma violência contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito.

A “PEC do Desespero” – assim chamada porque se destina a permitir que o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, compre votos para tentar reverter seu mau desempenho nas pesquisas – altera as regras do jogo eleitoral às vésperas das eleições. Para evitar mudanças abruptas desse tipo, a Constituição de 1988 estabeleceu o princípio da anualidade. “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, diz o art. 16. Segundo jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), as emendas constitucionais também têm de respeitar o princípio da anualidade.

Poesia | Fernando Pessoa: Presságio

 

Música | Teresa Cristina: Quando o samba acabou (Noel Rosa)

 

terça-feira, 5 de julho de 2022

Merval Pereira: Retrocesso criminoso

O Globo

A farra com o dinheiro público para tentar reeleger o presidente Jair Bolsonaro está chegando a níveis criminosos, pelo menos do ponto de vista da legislação eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira, está usando todos os artifícios regimentais para apressar a aprovação do aumento do Auxílio Brasil e das benesses concedidas para subsidiar o preço do diesel e da gasolina indiscriminadamente a caminhoneiros, taxistas, motoristas de aplicativos, uma vasta gama de beneficiários que atinge da classe pobre às médias e altas.

Tudo para apressar os trâmites e permitir que as medidas tenham validade a partir de agosto, dois meses antes das eleições. A discussão mais absurda é a que se desenvolve nos últimos dias, sobre o estabelecimento do estado de emergência. O governo quer transformar a crise econômica que ele mesmo criou em pretexto para não ser punido pela ilegalidade que está cometendo.

A mais exemplar atitude de um Senado acovardado e corrompido foi a votação quase unânime da “PEC Kamikaze”. Apenas o senador José Serra manteve-se íntegro, votando contra uma alteração constitucional claramente inconstitucional, que deveria ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Dificilmente isso acontecerá porque a classe política está empenhada em se beneficiar de atitudes populistas às vésperas da eleição ou então amordaçada pelo medo de ser considerada contrária aos cidadãos em dificuldade.

Carlos Andreazza: Honra à covardia

O Globo

O Senado aprovou a PEC Kamikaze. Sem surpresa: um Senado que, para ser Senado, para instaurar uma CPI, direito da minoria, precisa da vara do Supremo. O Senado da CPI da Covid, de tantas provas contra o governo, o mesmo Senado que reconduziu Aras — o empecilho a que o material coletado resulte em denúncia — ao comando do Ministério Público Federal.

Esse Senado — gostosamente emparedado pelo ardil populista — tinha de aprovar a PEC Kamikaze.

Assim votaram os senadores, em síntese: o projeto é inconstitucional, transtorna o já precário equilíbrio econômico na disputa eleitoral, é nocivo para a previsibilidade fiscal, de resto tratorando o rito de tramitação parlamentar que materializa a própria atividade política; mas logo vem a eleição, tenho medo de perder e voto sim.

É PEC golpista — J’accuse! Voto sim.

Parabéns aos rebolantes. Mulheres e homens públicos incapazes de ir a campo para defender posição impopular. A exceção, honrosa e lúcida, foi José Serra — que não disputará reeleição e, parece, não mais concorrerá a cargos eletivos.

Na forma e no conteúdo, o Senado fiou a irresponsabilidade — não somente fiscal — de governos com vocação autoritária; de Bolsonaro ou de qualquer outro.

Todo mundo ali sabe — ou já deveria saber, não sendo burro ou cínico — como procede o bolsonarismo no poder, manobrando com o tempo e os limites legais, empurrando aos outros a tomada de decisão, jogando com a urgência da pobreza, manipulando pressões, forjando impasses, impondo fatos consumados.

Míriam Leitão: País torra R$ 85 bi em combustíveis

O Globo

Será de R$ 85 bilhões o custo dos subsídios aos combustíveis fósseis em apenas seis meses. Nessa conta está a redução a zero dos impostos federais e o limite imposto ao ICMS dos estados para o diesel e a gasolina. Isso sem contar o dinheiro que será dado a caminhoneiros e taxistas com a nova PEC. Um país que troca educação por combustível fóssil mais barato está em apuros. Um país em que a oposição vota a favor de que o presidente mude a Constituição para distribuir dinheiro às vésperas das eleições está bem encrencado. Um país que torra essa montanha de dinheiro para estimular o consumo de petróleo, e reduzir a impopularidade do governante, vive uma total inversão de valores e está fazendo as piores escolhas possíveis no uso do dinheiro público.

Até agora já se sabe que os estados perderão R$ 102 bilhões por ano, pelos cálculos do economista Pedro Schneider, especialista em contas públicas no Itaú Unibanco. O custo de zerar os impostos federais sobre gasolina e diesel será de R$ 34 bilhões em seis meses. O de limitar o ICMS, de R$ 51 bilhões até o fim do ano. Isso levará o Fundeb a perder R$ 20 bilhões bilhões quando precisa de mais recursos, porque o desafio agora é o de recuperar o aprendizado que não houve no meio da pandemia. A criança que tem hoje oito anos teve o processo de alfabetização interrompido pelas medidas de proteção à saúde. As crianças da classe média e da elite conseguiram minimizar perdas, mas os mais pobres estão hoje com falhas educacionais que podem reduzir suas possibilidades futuras. É urgente que haja mais investimentos na educação e estratégias de recuperação do tempo perdido. Isso sim é uma emergência.

Luiz Carlos Azedo: Deus, família e “gripezinha”

Correio Braziliense

fantasma que ronda a reeleição do presidente Jair Bolsonaro nas camadas mais pobres é o luto das famílias desestruturadas por 672.101 óbitos por covid-19, que registra a média de 200 mortes por dia

Começo a prosa com um pedido de desculpas aos leitores, por não ter escrito a coluna de domingo, como estava combinado, desde que entrei em férias. Na quinta-feira passada, testei positivo para a covid-19. Apesar de ter tomado quatro doses de vacinas, essa nova variante da Ômicron me tirou de circulação. Felizmente, duas Sinovac/Butantan, uma Pfizer e outra AstraZeneca estão amenizando meus padecimentos. Segundo meu infectologista, essa variante concentra seus ataques na garganta e no nariz, como foi o meu caso e o da maioria dos seus pacientes, alguns com tanta dor na garganta que foram internados.

Depois de um mês em férias, vou tratar de um assunto que não sofreu grandes alterações nesse período: a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, que vem se mantendo nesta pré-campanha eleitoral. Essa polarização está sendo atribuída ao fato de que, pela primeira vez, temos uma disputa entre um ex-presidente da República, que governou por dois mandatos e deixou governo com alta aprovação, e um presidente da República que disputa a reeleição no exercício do mandato, quando sabemos que todos que tiveram essa possibilidade foram reeleitos. O resultado da disputa seria uma equação entre as realizações do passado e as adversidades do presente. É uma leitura da chamada real política.

Andrea Jubé: Embate no Sul evoca chimangos e maragatos

Valor Econômico

Há um mês, o MDB resiste a apoiar Eduardo Leite no Rio Grande do Sul

Na política, o que se diz, não se escreve. Faz exatamente um mês que o presidente do PSDB, Bruno Araújo, alertou que se as pendências com o MDB não fossem resolvidas, a aliança nacional entre ambos subiria no telhado.

“Se não acontecer na quarta-feira [o apoio do MDB], na quinta, o partido decidirá em candidatura própria”, advertiu, no dia 5 de junho, em entrevista à “GloboNews”.

Na ocasião, Araújo ponderou que esperava “reciprocidade” do MDB nos Estados após a retirada da postulação presidencial do ex-governador João Doria e frisou um palanque: “De modo especial, o Rio Grande do Sul.” Os tucanos pleiteavam a retirada da candidatura do MDB ao governo para apoiar Eduardo Leite e garantir vitrine ao presidenciável do PSDB para 2026.

Pois cinco dias depois da entrevista, a Executiva ampliada do PSDB, contabilizando votos de deputados e senadores, aprovaria a aliança nacional da legenda com o MDB, em apoio à pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência.

O desdobramento dos fatos mostraria que o voto de abstenção de um cético Nelson Marchezan Júnior (vice-presidente do PSDB e ex-prefeito de Porto Alegre) seria quase visionário.

Um mês depois, a aliança entre MDB e PSDB em Estados onde, segundo Araújo, o mesmo enlace nacional seria “importante acontecer”, caminha para não se concretizar em nenhum deles.

Hélio Schwartsman: República de bananas

Folha de S. Paulo

Criar norma e não segui-la é tão ridículo quanto roubar na paciência

Etimologicamente, "autonomia" significa "dar-se a lei". Criar uma norma e não segui-la é tão ridículo quanto roubar na paciência, um jogo em que o sujeito disputa contra si mesmo. Mas é exatamente o que o Brasil está fazendo em relação ao arcabouço de dispositivos que emprestavam alguma credibilidade às contas públicas. Eram normas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro, o teto de gastos, boas práticas orçamentárias e, principalmente, o preceito que proibia políticos de promover gastanças às vésperas de eleições.

Embora vários desses mecanismos tenham sofrido golpes ao longo dos anos, o sistema sobrevivia. Não mais. O Senado aprovou, e a Câmara deve acompanhar, um escandaloso pacote de cerca de R$ 40 bilhões de gastos eleitoreiros, que só terão vigência até dezembro. Ainda mais grotesco, a oposição aderiu em massa à farra, em vez de rejeitar a proposta ou pelo menos torná-la menos teratogênica.

Cristina Serra: A PEC da compra de votos

Folha de S. Paulo

Só às vésperas da eleição, governo e oposição descobrem que o país está numa emergência de fome?

Na compra de votos tradicional, digamos assim, candidatos degradam a democracia usando como moeda de troca dentaduras, cadeira de rodas, cimento, tijolos, cargos etc. Neste atordoante 2022, a República decompõe-se um pouco mais com a aprovação da "PEC da compra de votos", no Senado.

Ninguém em sã consciência pode ser contra o aumento do auxílio para quem está passando fome. Mas a extensão do programa poderia ter sido feita por meio de outros instrumentos legislativos, sem violar a Constituição em nome de um golpe eleitoral travestido de estado de emergência.

Só agora, às vésperas da eleição, governo e oposição descobrem que o país está numa emergência de fome? O governo assume que sua política econômica desgraçou a vida do povo e recebe aval da oposição para gastar uma montanha de dinheiro e continuar desgraçando a vida do povo?

Alvaro Costa e Silva: A campanha mortífera

Folha de S. Paulo

No palanque, velhos caciques, bolsonaristas e quem sabe até petistas

O repórter Italo Nogueira revelou o método de apadrinhamento do qual se nutre a política fluminense desde eras imemoriais e cujo elo atual é Cláudio Castro. No resistente cabide de empregos, que de maneira alternada ou simultânea tem funcionado por mais de 17 anos em gabinetes da administração estadual e municipal e também em cargos da Assembleia Legislativa, estão dependurados o pai, a mulher e dois filhos da madrasta do governador.

O maior parceiro nas nomeações é o deputado Márcio Pacheco, eleito no mês passado conselheiro do Tribunal de Contas. O governador atuou como chefe de gabinete de Pacheco durante 12 anos e tentou empregar seis parentes dele, mas uma reportagem da TV Globo atrapalhou a jogada. Ambos são da Renovação Carismática, movimento católico que adota modelos evangélicos. Como orador, Castro é um excelente cantor gospel.

Joel Pinheiro da Fonseca: A nova imprensa de Gutenberg

Folha de S. Paulo

Os tempos mudaram, e a autoridade automática que vinha do controle da informação não vai mais voltar

Participei, no domingo, de um debate sobre o tema da liberdade de expressão, tema do livro recém-lançado de Gustavo Maultasch, "Contra Toda Censura" (Faro Editorial, 2022).

Entre algumas divergências, os quatro participantes bateram num ponto comum: as redes sociais deram a todos o poder de comunicação que antes era de poucos. Foi uma inovação democratizante, ao contrário da invenção de cinema, rádio e TV no século 20, que aumentaram a capacidade de difusão das informações ao mesmo tempo em que a concentrou em alguns polos emissores.

Mas há um paralelo muito instrutivo com uma inovação tecnológica anterior: a invenção da imprensa mecânica por Gutenberg em meados do século 15, que também difundiu o que antes era acessível a poucos: a impressão de livros e panfletos em larga escala. Antes dela, fazer uma cópia de um livro era caro e demorado. Poucas instituições tinham acesso a copistas (monges ou seculares) em larga escala: basicamente a Igreja Católica e os maiores Estados nacionais. Eles eram "o sistema".

Eliane Cantanhêde; Oração às almas do bem

O Estado de S. Paulo

Mortes de Bruno, Dom, Rouanet e d. Cláudio jogam luzes no que há de melhor e pior no Brasil

Em tão curto espaço de tempo, o Brasil chora as mortes de Bruno Araújo Pereira, Dom Phillips e agora as de Sérgio Rouanet e d. Cláudio Hummes. Personagens marcantes, cheios de simbologia, que jogam luzes sobre as graves mazelas que horrorizam os brasileiros e corroem a imagem do País no mundo.

Baleados, queimados, esquartejados e enterrados numa beira de rio, Bruno e Dom trabalhavam pelas boas causas, os direitos das comunidades isoladas, a justiça e a humanidade. Uma morte horrível, de pessoas do bem. Por quê? Para quê? E, afinal, quem são os mandantes?

No Estadão de domingo, Leonencio Nossa mostrou como Pelado, o primeiro a confessar, foi décadas atrás o “menino” das excursões dos ícones indigenistas Sydney Possuelo e seu filho Orlando, para identificar as ameaças às comunidades isoladas. Como o menino virou monstro? É o abandono, falta de esperança, aliciamento... E os monstros estão empoderados.

E morre Sérgio Rouanet, diplomata, humanista, antropólogo, filósofo, escritor, homem da cultura, dos direitos humanos, que deixou como legado a Lei Rouanet, de incentivo às artes, cinema, teatro, dança e música que nos enchem de orgulho e refletem a riqueza da miscigenação brasileira. Uma lei vista hoje como coisa de comunista e de vagabundos para assaltar o dinheiro público (como certos pastores no MEC?).

Bernard Appy: Fragilidade institucional

O Estado de S. Paulo.

O que perturba é a facilidade com que se aceita mudar a Constituição para driblar incômodos

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 1/2022, aprovada pelo Senado Federal na semana passada (e que logo será aprovada pela Câmara dos Deputados), preocupa não apenas por seu impacto fiscal e por seu caráter eleitoreiro, mas, sobretudo, por indicar a fragilidade de nossas instituições.

O objetivo da PEC não é social, como se quer dar a entender, mas claramente eleitoral. Se seu objetivo fosse social, não alocaria recursos em um programa ineficiente, como é o Auxílio Brasil – que transfere o mesmo montante para todas as famílias, independentemente de seu tamanho. Se o objetivo fosse social, os programas previstos na PEC não se encerrariam em 31 de dezembro deste ano, mas teriam um prazo um pouco mais curto ou um pouco mais longo, com uma progressiva redução, para evitar uma mudança traumática logo no início do próximo governo.

A extinção, em 31 de dezembro, dos programas de transferência de renda previstos na PEC, assim como das desonerações de tributos federais sobre combustíveis, interessa apenas ao presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

Além do ganho eleitoral de curto prazo, deixa-se uma bomba para o próximo governo, que – se não quiser que a renda das famílias pobres caia e o preço dos combustíveis suba em 1.º de janeiro – terá de negociar, ainda em 2022, com um Congresso Nacional que certamente cobrará caro, como vem cobrando do atual governo. O pior é que a aprovação da PEC e das medidas de desoneração de combustíveis contaram com a complacência amedrontada da oposição.

Pedro Fernando Nery: O mito do burro de carga

O Estado de S. Paulo

A economia de bairrismo é frágil e desprestigia uma força do Estado: sua vocação cosmopolita

O governador Rodrigo Garcia deu vazão no último mês a um mito popular em São Paulo e no Sul. Garcia passou a incluir nas suas falas o argumento de que São Paulo paga impostos demais para sustentar Estados pobres – como Maranhão, Piauí e Acre –, recebendo de Brasília pouco em troca: “15 vezes menos do que a gente manda. SP está virando burro de carga do Brasil”. É um mito.

Precisamos entender o que é contabilizado na conta do argumento como recebimento dos Estados. Normalmente, apenas transferências diretas como as do Fundo de Participação

dos Estados, que de fato prioriza regiões mais pobres. Mas a conta ignora dois valores importantes que a União gasta mais com Estados mais ricos.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: privatização do Estado

Valor Econômico

A permissão para a posse indiscriminada de armas é o primeiro passo para a reinstauração da guerra privada

O Estadão informa: “Um relatório divulgado na terça-feira pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela o aumento de registros de pessoas autorizadas a possuir armas nos país nos últimos anos. A flexibilização promovida pelo governo de Jair Bolsonaro fez subir em 474% o número de cidadãos armados no território nacional.”

Essa proeza armamentista se desenrolou sem contraposição das forças policiais e militares que, no Estado Moderno, deveriam envergar as prerrogativas do monopólio da violência.

Os militares e policiais brasileiros certamente não estudaram Thomas Hobbes nas Academias de Polícia ou Agulhas Negras. Se tivessem passado os olhos no Leviatã talvez entendessem que a proposta de armar a população significa dispensá-los das funções que a Constituição lhes atribui. É o colapso do Estado Moderno, o naufrágio do liberalismo político e a entrega da (des) ordem às milícias privadas.

Os bolsonaristas declararam guerra aos demais. Uma declaração de guerra apoiada no pretexto do antipetismo, do anticomunismo e anticristaníssimo travestido de pentecostalismo. Eles estão conclamando os aliados e - atenção!! - também os adversários para a guerra civil. Essa é forma que assumem as divergências sociais quando as regras da convivência pacificada pelo Estado são massacradas pelo retorno à barbárie.

Denise Pires de Carvalho*: Governo federal é quem desperdiça recursos da UFRJ

O Globo

Atualmente, uma das maiores falácias divulgadas por analistas desinformados acerca das universidades federais é que elas deveriam encontrar fontes alternativas de receita para desafogar os cofres públicos. Uma das peças mais recentes é o artigo de Felipe Góes, presidente da São Carlos — uma empresa administradora de imóveis —, publicado no GLOBO em 29 de junho. Góes disserta com a autoridade de quem desconhece o patrimônio da UFRJ, que, segundo ele, poderia ser usado como base para atenuar os cortes orçamentários realizados pelo governo.

Quanto às críticas apresentadas, comecemos pelo imóvel do Canecão, em Botafogo, Zona Sul do Rio. Ele foi retomado em razão da falta de pagamento de aluguéis por vários anos. Não gerava, portanto, nenhuma receita para a universidade. A edificação recebida não mantinha condições mínimas de segurança, e a legislação municipal não permitia ali a presença de uma casa de espetáculos (por mais incrível que isso possa parecer). A atual gestão da UFRJ tomou a iniciativa de solicitar ao prefeito Eduardo Paes a mudança da legislação de uso do terreno. A lei, aprovada em janeiro deste ano, possibilita a existência de um equipamento cultural na área, e a UFRJ tem trabalhado, em conjunto com o BNDES e um consórcio contratado, na preparação de uma licitação que deverá ocorrer ainda neste ano. Convidamos o articulista e o leitor a consultar o artigo “Parceria por um novo Canecão”, publicado no GLOBO em 25 de fevereiro.

Leo Aversa: O silêncio nos tempos de cólera

O Globo

O descontrole se espalhou. Ninguém mais tem dúvidas, e a raiva é proporcional às certezas. Experimente emitir uma opinião: logo será bombardeado pela fúria, servindo de escada para discursos, lacrações e cancelamentos

Você não está indignado com a questão do xxxxxx? Não é um absurdo o que está acontecendo em xxxxxx? Como se permite que xxxxxx diga tal sandice? Que disparate! Que escárnio! Você não concorda? Hein? Hein?

(...)

Sim leitor, esses três pontos são o meu silêncio. Não, leitor, não tenho uma posição enfática sobre qualquer assunto, nem consigo exibir uma opinião convicta para cada questão que surge. Já foi o tempo. Estou praticando — aí, sim, com convicção — a cara de paisagem ao vivo, o arrã on-line. É o meu salva-vidas, agora que qualquer assunto do dia a dia é tratado como religião. Tanto faz se é discussão sobre a cor do cavalo branco ou um “bolacha ou biscoito”, tudo é resolvido com um dedo na cara ou uma voadora. Tô fora. O grande luxo nos anos 20 é o silêncio.