sábado, 1 de outubro de 2022

João Gabriel de Lima* - A luta por ideias na democracia

O Estado de S. Paulo

Nas democracias, os derrotados aguardam o próximo pleito. Que siga sendo assim

Um dos projetos mais interessantes dos quais participei neste ano foi o “votômetro” – iniciativa que juntou a Universidade de Lisboa, o jornal português O Observador e a FGV do Rio. Debates como o de anteontem podem sugerir que a política se resume a troca de ofensas, o que não é verdade. A pergunta que interessa é: o que cada candidato representa no debate público brasileiro? O votômetro, um teste de afinidade entre eleitores e presidenciáveis, se propõe a respondê-la.

O votômetro segue metodologia desenvolvida na Europa, adaptada ao Brasil. “Em busca de exatidão, cotejamos os programas registrados no TSE com declarações de campanha e a prática dos candidatos”, diz o cientista político Jorge Fernandes, coordenador da empreitada. Ele explica a metodologia no minipodcast da semana.

Examinaram-se as propostas dos quatro líderes nas pesquisas: Luiz Inácio Lula da SilvaJair BolsonaroCiro Gomes e Simone Tebet. O diagrama resultante, com dois eixos – um leva de “mais Estado” a “menos Estado”, o outro de “liberal cosmopolita” a “conservador nacionalista” –, define três posições bem claras.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Eleições – que prevaleça a vontade do eleitor

O Estado de S. Paulo

Quem vencer hoje assumirá o seu cargo? A grandiosidade do evento da escolha de um novo presidente será conspurcada?

Não me perguntem o porquê. A verdade é que eu me emociono com eleições. Especialmente no dia da votação, ao participar dela e apreciar a movimentação na zona eleitoral, sinto uma boa e agradável sensação de ser integrante de uma comunidade naquele momento voltada para o bem comum, para o coletivo, para o aperfeiçoamento da sociedade. Vote-se em quem for, todos ali estão imbuídos da ideia de estarem escolhendo o melhor. Mas isso pouco importa; importa, sim, que todos estão em busca do que lhes parece representar a solução ideal para os problemas nacionais.

Fala-se que o voto é a expressão máxima da democracia. É possível que seja. No entanto, na minha avaliação, o voto é a expressão máxima da igualdade. Com efeito, ele nivela e iguala todos. O voto não tem sexo, não distingue cor, não separa religiões, as raças se agregam.

Maria Cristina Fernandes - O desmonte da propaganda bolsonarista

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Concebida para a desconstrução de agendas e valores, a propaganda bolsonarista se mostrou ineficaz na divulgação do governo e acabou por reforçar a agenda de seu principal adversário

A duas semanas do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro apareceu no horário eleitoral para falar do GraphoGame, um aplicativo para auxiliar na alfabetização de crianças. A fala do presidente-candidato foi seguida por uma criança que falava como aprendeu a formar palavras com o aplicativo. Sugeria uma solução para recuperar o atraso da educação das crianças na pandemia que poderia ter sido adotada dois anos atrás não fosse a incúria governamental. Foi uma das poucas propostas surgidas numa campanha marcada pelos valores que o bolsonarismo acredita professar e pela desconstrução daqueles de seus adversários.

O atraso não era sinal, mas sintoma. Revelava o ruído da comunicação de um grupo político que não chegou ao poder para governar, mas para desfazer. Num dos programas de sua reta final de campanha, Bolsonaro surgiu orgulhoso para apresentar como feito a retirada de 4 mil radares das estradas brasileiras. Na tentativa de pautar a agenda pública com propostas ou feitos do seu governo, reforçou a agenda alheia. Foi isso que aconteceu com o Auxílio Brasil, por exemplo. Mesmo que as peças publicitárias deixassem claro que o programa tinha chegado para substituir o Bolsa Família, a ênfase só reforçou a agenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que permaneceu à frente, em todas as pesquisas, no público que recebe o benefício.

Rodrigo Zeidan* - Civilização versus barbárie


Folha de S. Paulo

É hora de jogar a extrema direita na sarjeta da história, de onde nunca deveria ter saído

Este domingo (2) é o dia mais importante da história democrática brasileira; nada mais, nada menos. É o dia em que a sociedade vai se comprometer com a democracia, tirando do poder o pior governo da nossa história.

Que isso signifique que o PT estará de volta ao poder está longe de ser ideal, mas não é uma escolha difícil. Na verdade, é bem simples: Lula já fez um bom governo, de 2003 a 2006, e, mesmo que seu segundo governo tenha sido péssimo, ele não se compara ao desastre atual.

A destruição institucional do governo Bolsonaro é inacreditável. Parece que foi ontem quando, em uma reunião ministerial, o ministro do Meio Ambiente propôs passar a boiada enquanto a mídia estaria preocupada com a pandemia. E o pior? O governo fez exatamente o que ele propôs.

Hélio Schwartsman - O enigma

Folha de S. Paulo

Ele foi desastroso no manejo do vírus e ineficaz ao lidar com os desgastes

O grande mistério sociológico por trás deste pleito é por que Jair Bolsonaro está em vias de ser derrotado, apesar de ser o governante de plantão e de ter recebido do Congresso autorização para gastar bilhões de reais na reeleição. O colega Marcus André Melo sugere que a Covid é parte importante da explicação, por inverter a lógica normal de eleições e criar um viés contra os candidatos à recondução.

A lista de líderes defenestrados após a pandemia, independentemente de como tenham se saído no manejo da crise, impressiona. Ela inclui ex-mandatários de EUA, Chile, Israel, Colômbia, Reino Unido, Suécia, Itália. As exceções que me vêm à mente são França e Portugal.

Alvaro Costa e Silva - Armadilhas até o fim

Folha de S. Paulo

No debate, três candidatos uniram-se a Bolsonaro para atacar Lula

Angústia demais, emoção de menos. Uma irritante estabilidade tem marcado a campanha presidencial desde agosto: nem Lula nem Bolsonaro se movimentaram nas pesquisas além da chamada margem de erro. Se bem que o primeiro cresce, pontinho a pontinho, enquanto o segundo está estagnado, com a cabeça batendo no próprio teto. O voto útil, o voto envergonhado ou amedrontado e a abstenção de sempre vão decidir a parada.

O empenho de Lula pela vitória no primeiro turno é garantia de suspense até o fim. Aos poucos, o ex-presidente formou uma onda, uma frente eclética, com significativas adesões de última hora, um leque vermelho que vai de FHC e Joaquim Barbosa a Xuxa e Angélica. O que pode atrapalhar é o salto alto de alguns petistas.

Cristina Serra - Tire o oxigênio de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Tire o que ele negou a tantos brasileiros em seus derradeiros sopros de vida

Neste domingo temos a chance de fechar o ciclo maldito iniciado em 1964 e que se renovou em 2016. No golpe contra Dilma, na Câmara, o voto-vômito de Bolsonaro, na fúria daquele abril, assinalou o triunfo do padrão golpista, que nos rebaixa como país desde a fundação da República.

No Brasil do século 21 não dá mais para tolerar militares que se acham tutores do poder civil, que se sentem à vontade para ameaçar eleições, para elogiar um regime que matou, torturou e roubou utopias e a brisa das liberdades por 21 anos.

A derrota de Bolsonaro, de sua indigência moral e mental e de seu gangsterismo fascistóide, tem que ser, também, a volta definitiva dos fardados aos quartéis. Para que nunca mais seja profanado o plenário onde Ulysses Guimarães, em 1988, mirou o futuro: "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo".

Demétrio Magnoli - É útil o voto útil?

Folha de S. Paulo

Derrota por margem esmagadora no 2º turno destruiria o discurso golpista de Bolsonaro

Simone Tebet qualificou como "antidemocrático" o chamado da campanha de Lula pelo voto útil. No seu estilo, Ciro Gomes foi além, definindo-o como "fascistoide". As acusações não fazem sentido: persuadir eleitores a mudarem seu voto é próprio da competição eleitoral democrática. A questão legítima é sobre a utilidade, nesse caso singular, do voto útil.

O sistema de dois turnos baseia-se no acordo implícito de que os eleitores sufragam seus candidatos preferidos no turno inicial e, no turno final, operam por eliminação. O argumento da chapa de Lula é que, devido à narrativa golpista de Bolsonaro, a eleição em curso distingue-se de todas as anteriores: nessa encruzilhada da democracia brasileira, um desenlace decisivo neste domingo (2) cortaria, antecipadamente, a agitação golpista do bolsonarismo.

As sondagens eleitorais recentes parecem indicar algum êxito dessa estratégia persuasiva. De fato, basta um movimento discreto do eleitorado rumo a Lula para encerrar imediatamente a disputa.

Cláudio Couto* - Pedir voto útil é apenas pedir voto

Folha de S. Paulo

Cabe ao eleitor decidir se acatará ou não o apelo dos candidatos

Há uma coisa óbvia a respeito das eleições, mas que precisa ser lembrada: políticos em campanha sempre pedem votos. Se pedem votos, pedem aos eleitores que votem neles, não em seus concorrentes. Isso é da essência da disputa eleitoral e, portanto, da democracia. Um candidato só é mais votado porque seus eleitores não votaram em outros, dos quais se faz um esforço legítimo para "roubar" votos.

Logo, pedir voto útil a eleitores nada mais é do que dizer o que sempre se diz em campanhas eleitorais: "Votem em mim, não em meus adversários".

Na democracia, cabe apenas ao eleitor decidir se acatará o apelo dos candidatos. Se deixa de votar em sua alternativa favorita, nada mais faz do que exercer sua liberdade de escolha. E pode ter razões várias para decidir que, nas circunstâncias de uma eleição, valha mais a pena optar por uma candidatura que, sob conjunturas diferentes, não seria escolhida —ao menos não no primeiro turno.

Ascânio Seleme - O primeiro turno não dá cheque em branco a Lula

O Globo

Por mais habilidoso que seja, se o petista não negociar, não abrir portas e construir pontes, sua administração correrá riscos enormes e permanentes

Não compartilho da tese de que uma eventual vitória de Lula amanhã lhe conceda um cheque em branco para governar. Quem tem este entendimento acredita que uma solução rápida impediria negociações de apoios no segundo turno que resultariam em concessões e ampliação de compromissos do candidato. Essa tese parte do princípio de que, sem esses entendimentos, Lula sairia muito forte do pleito e em condições de governar sozinho. Concordo com a primeira parte deste raciocínio, quem vence no primeiro turno sai mesmo muito forte. Mas discordo de que possa governar sozinho.

No finalzinho do Século XX, que aconteceu nem faz tanto tempo assim, o Brasil elegeu por duas vezes o presidente Fernando Henrique no primeiro turno. As vitórias não o tornaram arrogante nem lhe deram um cheque em branco. FH entendeu que tinha o apoio da nação para consolidar o Real e fazer as reformas que o país precisava àquela altura, mas nem por isso atropelou o Legislativo ou ignorou o Judiciário. Pelo contrário, sentiu-se ainda mais responsável pelo acerto. Acerto que exigia entendimentos políticos amplos e sólidos e absoluto respeito às leis.

Ricardo Henriques - Suspirar pela Democracia

O Globo

Acima de tudo, precisaremos, como dizia Anísio Teixeira em 1947, fazer ‘da educação o serviço fundamental da República’

“Falamos em Democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos. Suspiramos pela Democracia, mas nunca lhe quisemos pagar o preço”. Esta frase poderia ter sido escrita hoje, na véspera da mais importante eleição desde a redemocratização, tal a precisão do diagnóstico sobre o que está em jogo no país. Mas é de 1947, e consta de um discurso de Anísio Teixeira (1900-1971) na Assembleia Constituinte Estadual da Bahia, num momento em que o Brasil havia acabado de sair de uma Ditadura.

Sendo o autor um dos maiores educadores brasileiros de todos os tempos, não é difícil imaginar qual seria, em sua visão, o preço que nunca quisemos pagar: “o preço da Democracia é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos”.

Anísio foi profundamente influenciado pelo pensamento do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952), que enfatizava ser a educação universal não apenas um direito, mas condição necessária para a construção de uma democracia estável. Não por acaso, em seu discurso, Anísio citava outro educador dos Estados Unidos, Horace Mann (1796-1859), principal liderança do Common School Movement, que defendia a tese – revolucionária à época – de que todas as crianças deveriam estar matriculadas em escolas públicas e gratuitas.

Pablo Ortellado - Band-aid bom, remédio ruim

O Globo

Nada alimentará mais o bolsonarismo que um governo do PT

Se tudo acontecer como sugerem os institutos de pesquisa, Lula receberá o maior número de votos amanhã, talvez até mesmo vencendo Bolsonaro no primeiro turno.

Nos últimos dias, ele ganhou apoio de atores importantes fora de sua zona de influência: apoiadores históricos de Ciro Gomes, políticos tucanos, economistas liberais e intelectuais não petistas. A ideia de uma frente ampla, para impedir que o populista autoritário consiga um segundo mandato e consolide, assim, a erosão institucional, finalmente se concretizou. Para o bem e para o mal, esse processo se deu sob a liderança de Lula e do PT.

Durante todo o mandato de Bolsonaro, diversas iniciativas tentaram construir uma aliança de frente ampla para contê-lo, algumas tentando o impeachment do presidente. O PT avaliou que o impeachment atrapalhava sua estratégia eleitoral e, embora alguns líderes tenham formalmente declarado simpatia pela ideia, o partido na prática boicotou as iniciativas. O objetivo era, de um lado, impedir que uma mobilização pelo impeachment forjasse novas lideranças com potencial eleitoral e, de outro, impedir que a entrada de Hamilton Mourão fortalecesse o governo, que passaria a ter uma liderança conservadora mais hábil e pragmática.

Eduardo Affonso - A arte de perder (2)

O Globo

A má notícia é que vai se aproximando a hora de ter de encarar o segundo governo Bolsonaro ou o terceiro governo Lula

Amanhã, 2 de outubro, ao cair da tarde, teremos uma boa e uma má notícia. A boa é que podemos estar chegando à reta final desta corrida maluca pela Presidência. A má é que vai se aproximando a hora de ter de encarar o segundo governo Bolsonaro ou o terceiro governo Lula.

Vejamos pelo lado bom: não tem como Bolsonaro II ser pior que Bolsonaro I — ainda que lhe sobrem vontade e talento para isso. Mas não há indícios de uma Covid-23, que o ajude a dizimar mais uma parte da população. As instituições já estão vacinadas (e com dose de reforço) contra seu autoritarismo e sua compulsão golpista. E haverá oposição — daquele tipo que leva adiante pedidos de impeachment e não aposta no “quanto pior, melhor” para depois ficar com o butim da terra arrasada. Oposição como a que o PT sempre fez quando lhe foi conveniente fazer.

Carlos Alberto Sardenberg - Escutem o coração e a razão

O Globo

É bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar

No tempo da ditadura, a gente podia votar para deputado e senador. Eleições controladas, claro, a começar pela escolha limitada aos dois partidos autorizados pelo regime: a Arena, governo, e o MDB, oposição consentida. A cada eleição, as esquerdas encaravam dilemas: votar no MDB, anular ou boicotar o pleito?

Argumentos pró e contra: votar no MDB sedimentava o caminho da oposição, mas também legitimava o sistema.

Anular parecia bom, mas nem tanto, porque o regime certamente impediria a divulgação do número e do teor desses votos.

Pregar o boicote total — não compactuar com a farsa eleitoral — também parecia bom, mas arriscava ser um enorme fracasso, mesmo porque era difícil fazer essa propaganda.

Finalmente, havia a regra não escrita de que o MDB jamais poderia fazer a maioria, pois, se fizesse, haveria cassações de mandatos em número suficiente para devolvê-lo à minoria.

Nas primeiras eleições, prevaleceu entre as esquerdas a tese do voto nulo, com a palavra de ordem “abaixo a ditadura” escrita na cédula. Sim, a cédula era de papel, e a gente tinha de escrever nome ou número do candidato. Ou o protesto.

Nos debates nos grupos de esquerda, um colega sempre se colocava a favor do voto no MDB. Derrotado, dizia que seguiria a orientação central, mas manifestaria seu desacordo. Assim, escrevia na cédula: “abaixo a ditadura, mas sou contra o voto nulo”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Conflitos não tiraram força do debate na TV

O Globo

Ainda que propostas pareçam ter ficado em segundo plano, foi possível conhecer melhor os candidatos

São muitas as razões para que debates presidenciais tenham uma atmosfera carregada. Atingem o grande público, sem muita paciência para discussões detalhadas sobre políticas públicas. Quando envolvem muitos candidatos, limitam o tempo dos confrontos de maior interesse, entre os líderes nas pesquisas. Raciocínios elaborados costumam dar lugar a slogans e lugares-comuns. A conversa civilizada é substituída pelos ataques por vezes agressivos. Mentiras e as acusações de mentiroso brotam de todos os lados. Os eleitores ávidos por informações que ajudem a escolher o futuro do país ficam em segundo plano.

O debate de quinta-feira na TV Globo não foi diferente. Mas, mesmo em meio a toda sorte de ruído, algumas ideias e propostas ficaram claras. Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT e líder nas pesquisas de intenção de voto, prometeu acabar com o garimpo ilegal e controlar o desmatamento, defendeu as cotas raciais e, noutros temas, manteve um discurso que só agrada à sua base mais fiel. Falou na criação de comitês de cultura nas capitais, iniciativa que, caso saia do papel, dificilmente seria representativa da sociedade. Em resposta a uma pergunta de Simone Tebet (MDB), Lula voltou a falar em fortalecer o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica e outros bancos estatais. A crença no protagonismo do Estado na economia ficou explícita quando disse que “são as coisas que funcionam nesse país”. Se for eleito e seguir por esse caminho, colherá os mesmos resultados desastrosos do passado.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O Relógio

 

Música | Taiguara - Teu sonho não acabou

 

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Fernando Gabeira - Ascensão e queda da extrema direita

O Estado de S. Paulo

O processo de redemocratização do Brasil ganha uma nova chance. Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.

No momento em que a extrema direita está prestes a deixar o governo no Brasil, a italiana acaba de vencer as eleições. No caso deles, é a primeira vez desde a 2.ª Guerra Mundial.

Enquanto os italianos têm de discutir como lidar com essa forca política, aqui, no Brasil, o debate ainda incipiente é como evitar que retorne com sua política de armar a população, destruir os recursos naturais, esvaziar a produção científica e cultural e isolar o País no mundo.

Nos primeiros passos para abordar o fenômeno, tenho acentuado que o dínamo do crescimento da extrema direita europeia não está presente no Brasil: o medo diante dos movimentos migratórios.

Umberto Eco, no seu pequeno livro Migração e intolerância, fala das dificuldades dos animais e mesmo das crianças de conviverem com o diferente. Tive a oportunidade de assistir, nas praias italianas, à chegada maciça dos albaneses, quando ruiu o império soviético, no final do século 20. Eco menciona essa presença albanesa para registrar que alguns desses imigrantes se perderam para o crime e a prostituição. Mas esse fenômeno pontual acabou sendo visto por alguns como típico dos imigrantes. Ele mesmo exemplifica essa distorção com o exemplo de alguém que tem a mala roubada num outro país e acha que ali todos são ladrões.

Vera Magalhães - Bolsonaro encara a própria obra

O Globo

O presidente se fiou muito na expectativa de que medidas improvisadas amenizariam o trauma da pandemia

Jair Bolsonaro está nervoso. O que atormenta o presidente não é só chegar às urnas em desvantagem, sob risco considerável de ser derrotado em primeiro turno, duas circunstâncias inéditas para um presidente que disputa a reeleição no cargo.

Tampouco a irritação advém apenas de ele saber ser estreita, quiçá inexistente, a margem que terá para contestar, com sucesso, o resultado das urnas, caso se confirme adverso para ele.

Por fim, não é a condição de pai cioso ou marido devotado que tira o sono de Bolsonaro diante da divulgação de notícias como a quebra de sigilo de seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, ou da compra de 51 imóveis por ele e por familiares ao longo das últimas duas décadas em parte em dinheiro vivo.

O que atormenta Bolsonaro e o deixa à flor da pele na última semana, à beira da autocombustão, é a proximidade cada vez maior de ser confrontado com a obra de seu governo e de sua vida. Para esse acerto de contas, as pesquisas não são exatamente auspiciosas.

O Datafolha divulgado nesta quinta-feira não permite nem cravar se haverá segundo turno. Na verdade, depois de uma semana de sprint da campanha lulista em busca de virar votos e mostrar que Lula reúne em torno de si uma frente ampla de apoios, a estagnação nos índices foi um balde de água fria antes do debate da TV Globo.

A ideia do Q.G. petista era ir para o confronto decisivo contra Bolsonaro com um indicativo mais claro de que a fatura seria liquidada neste domingo.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro em modo 2018

O Globo

Depois de quatro anos no poder, presidente tenta se vender como candidato antissistema

O medo da derrota fez Jair Bolsonaro apelar a um velho figurino: o do candidato antissistema que venceu a eleição de 2018.

Depois de quatro anos no poder, o capitão foi aconselhado a apostar numa campanha mais convencional. Filiou-se ao maior partido do Centrão, planejou gastos milionários, profissionalizou a propaganda na TV e nas redes. Na nova versão, o candidato trocaria a fantasia de outsider pelo terno de presidente. Faltou conciliar o desejo dos marqueteiros com o espírito do Cavalão.

Pressionado, Bolsonaro apostou tudo na tentativa de voltar ao passado. Ontem ele resgatou até a estética das lives de 2018. Vestiu uma camisa da seleção e soltou o verbo em discurso para internet. O cenário foi decorado com uma bandeira torta na parede e uma mesa cuidadosamente desarrumada. Só faltaram os chinelos e o pão com leite condensado.

O falatório também pareceu ressurgir de uma máquina do tempo. O capitão repetiu mentiras sobre a urna eletrônica e tentou amedrontar eleitores religiosos com temas como comunismo e ideologia de gênero.

Eliane Cantanhêde – Estabilidade, mas com dúvidas

O Estado de S. Paulo

Vitória em primeiro turno é tão incerta quanto o terceiro lugar

As eleições chegam ao seu dia D com os dois principais candidatos, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, procurando ganhar no grito, ou na narrativa, ou no imaginário popular, produzindo demonstrações de força, sejam elas reais ou apenas para inglês, ops!, eleitor ver. É a derradeira busca pelo voto, especialmente pelos 13% de eleitores indecisos ou pelos que podem mudar de candidato na última hora. No caso de Ciro Gomes, 46%. No de Simone Tebet, 38%.

Lula ostenta troféus, com listas diárias de adesões em setores-chave, que influenciam eleitores e podem puxar votos, como artistas, atletas, intelectuais, economistas, ex-candidatos à Presidência, ex-ministros principalmente do tucano Fernando Henrique Cardoso e ex-presidentes do Supremo.

São eles Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Ayres Britto, Nelson Jobim (que foi ministro de Lula) e, sem necessidade de notas ou declarações, Sepúlveda Pertence. Só Ellen Gracie, consultada pela campanha petista, preferiu não manifestar voto. E, mais uma vez, já fora do STF, Marco Aurélio Mello, é voto vencido: é o único pró-Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo - Há duas hipóteses (e não quatro) para Lula e Bolsonaro no primeiro turno

Correio Braziliense

Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto

A pesquisa DataFolha divulgada ontem pôs fogo no debate entre presidenciáveis da TV Globo, como vocês verão nas páginas do Correio Braziliense e do Estado de Minas de hoje. Com 50% dos votos válidos, como no levantamento anterior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com a bola na marca do pênalti para voltar ao poder, porém, pode chutá-la na trave e ter que encarar um segundo turno. O presidente Jair Bolsonaro (PL), com 36% de intenções de votos, subiu um ponto nas pesquisas. Com 6%, Ciro Gomes (PDT) caiu um ponto por causa da campanha do voto útil, e Simone Tebet (MDB), com 5%, manteve-se na mesma posição que estava. Soraya Thronicke (União Brasil) também manteve-se no 1%.

Esses resultados expurgam votos nulos, brancos e abstenções, como determina a lei eleitoral na hora de proclamar o vencedor. A pesquisa estimulada aponta Lula com 48%, um ponto a mais do que na semana passada; Bolsonaro com 34%, um a mais também. Ciro Gomes com 6%, um a menos; Simone, com os 5% da pesquisa anterior; e Soraya Thronicke (União Brasil), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), Léo Péricles, Constituinte Eymael (DC) e Padre Kelmon (PTB) não pontuaram. Votos branco/nulo/nenhum somam 3%, um a menos em relação à pesquisa anterior. Não sabe manteve 2%. Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto. A aprovação do governo caiu 1%, estando em 31%; esse ponto se deslocou para os que consideram o governo regular, que são 24%. A reprovação do governo manteve-se em 44%.

José de Souza Martins* - Referendos ocultos nas eleições

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Para alguns, serão a confirmação da ilusão autoritária do voto de 2018; para outros, estas são as escolhas de representantes do povo cidadão

As várias anomalias da situação com que se defrontam o eleitorado e os candidatos nestas eleições sugerem que para muitos não serão elas apenas eleições. Para alguns, serão a confirmação da ilusão autoritária do voto de 2018, quando a população votou enganada pelas “fake news”. Bolsonaro elegeu-se no ingênuo pressuposto de que o eleitorado que o elegeu abdicara de seu direito cidadão de ser representado.

Teria delegado sua cidadania ao eleito, à sua dinastia e aos seus cúmplices para fragilizar e até suprimir direitos sociais, facilitar as vantagens privadas do arbítrio e usurpar a competência participativa dos cidadãos em ações e protestos. Até Rasputin teve abrigo nos recintos do poder.

O governante agiu, nestes quase quatro anos, como se tivesse sido eleito para um mandato de feição totalitária oculto numa democracia falsa e teatral. Esperneou o tempo todo porque entendeu que, no enquadramento da lei, as instituições lhe usurpavam o poder imaginário de comandante de quartel.

Para outros, estas são eleições de representantes do povo cidadão na esfera federal e na estadual, nos Executivos e nos Legislativos.

Maria Cristina Fernandes - A eleição que desafiou 37 anos de democracia

Valor Econômico

Polarizada pelo alto grau de definição dos eleitores, campanha tem a 3ª via menos expressiva desde 1989

O Brasil chega à sua décima eleição presidencial desde a redemocratização depois de enfrentar a maior ameaça às instituições que a garantiram. Polarizada desde o início, com alto grau de definição do voto, esta é também a eleição em que a terceira via deverá ter o menor percentual de votos.

Nenhuma outra campanha da história brasileira antagonizou, como esta, o presidente-candidato e o Tribunal Superior Eleitoral. Desde a redemocratização, o Ministério da Defesa e o comandante do Exército jamais haviam respaldado a desconfiança nas urnas eletrônicas como os atuais o fizeram.

O ataque às instituições eleitorais desencadeou manifestações de apoio e confiança de seis emissários do governo americano, em visita ao Brasil, inclusive o secretário de Defesa, Lloyd Austin. Em carta, 50 eurodeputados pressionaram a Comissão Europeia por um repúdio inequívoco à subversão das regras democráticas no Brasil.

O apoio doméstico ao TSE foi demonstrado na posse do ministro Alexandre de Moraes à qual compareceram todos os ex-presidentes, à exceção de Fernando Henrique Cardoso, por enfermo, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, além dos principais candidatos à Presidência e aos governos, governadores e presidentes das casas legislativas.

O tom belicoso adotado ao longo do governo e da campanha colaborou para que Jair Bolsonaro, quarto presidente a disputar a reeleição, seja rejeitado por mais da metade do eleitorado. Foi com este patamar de repúdio que Fernando Haddad perdeu a disputa pela Presidência em 2018.

Vinicius Torres Freire - Desumanidade derrota Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Descaso atroz do presidente pelo sofrimento de doentes e famintos juntou ofensa à desgraça social

Não, não saberemos de uma possível derrota precoce de Jair Bolsonaro (PL) até domingo. É difícil que as pesquisas de véspera, de sábado, indiquem maioria mais folgada de Lula da Silva (PT) no primeiro turno, pois o eleitorado indeciso é residual. Marolinhas de abstenção podem mudar o jogo.

O resultado mais importante do Datafolha é que a votação de Lula e de Bolsonaro não mudou durante a campanha eleitoral oficial, desde meados de agosto. A votação dos dois, tanto no primeiro quanto em um possível segundo turno, também é a mesma.

Os estelionatos eleitorais, benefícios sociais extras, a querela da gasolina, a propaganda, nada disso teve efeito. A taxa de indecisos foi histórica e precocemente baixa, em uma eleição plebiscitária, em uma campanha ainda mais vazia de ideias do que de costume. O truque da candidatura contra o "sistema" deixou de colar, assim como a demagogia farisaica com a corrupção.

Hélio Schwartsman - Prazer cívico

Folha de S. Paulo

E já há cheiro de debandada nas fileiras bolsonaristas

"Rei morto, rei posto", ou "Le roi est mort, vive le roi", no original francês. Diante do que parece ser uma derrota inevitável de Jair Bolsonaro, empresários e até mesmo políticos que despontavam como firmes apoiadores do presidente já começam a cortejar Lula ou, pelo menos, enviar sinais de que estão dispostos a conversar. Vejo esse movimento com bons olhos.

Objetivamente, a debandada reduz ainda mais as exíguas chances de apoio político a alguma aventura extrainstitucional de Bolsonaro. Numa nota mais pessoal, confesso que sinto uma espécie de prazer cívico ao ver o pior presidente da história do país ser derrotado —e quanto mais humilhante for a derrota, mais me regozijarei.

Mariliz Pereira Jorge - As sequelas do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Marcas da incivilidade continuarão tendo efeito na saúde mental coletiva

Precisaremos de tempo para conhecer as nuances do rastro da destruição causada por Jair Bolsonaro. Não me refiro aos indicadores econômicos e sociais que já sinalizam retrocesso, estagnação, incompetência. Esses dados são desde já acessíveis e revelam uma parte da devastação civilizatória no país. Falo sobre as profundas sequelas emocionais deixadas pelo bolsonarismo na sociedade.

O atual governo alimentou nos últimos quatro anos um clima de arruaça constante. Não houve um dia de tranquilidade desde que Bolsonaro assumiu o poder. Nos tornamos um povo triste, ansioso e cansado, refém de uma gestão caótica e antidemocrática. Num futuro próximo, imagino que os estudiosos diagnosticarão o brasileiro com estresse pós-traumático, o tipo de choque causado em quem enfrenta guerras, assaltos, violência sexual.

Reinaldo Azevedo - Democracia é o plano, diz Datafolha

Folha de S. Paulo

E se Bolsonaro vencer? Será preciso refazer o país desde o fim

Os números da pesquisa Datafolha indicam que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem chance de se sagrar vitorioso no primeiro turno. Fossem os 50% a metade exata, poderia faltar o seu voto, leitor. O embate se dá só no domingo, e a experiência indica que a gente só acerta as previsões que antecedem as 48 horas depois do fato consumado. Neste espaço, quando ainda se discutia a quimera da "terceira via", antevi um embate bem mais acirrado entre os dois primeiros colocados do que apontam as pesquisas. A ver. Certamente subestimei a disposição fanática de Jair Bolsonaro para a truculência contraproducente.

Caso as coisas se resolvam em favor de Lula no dia 2 ou no dia 30, muitas linhas se produzirão para saber o que mais pesou na definição do resultado. Foi o petista a conduzir uma campanha quase sem erros —como avalio—, ou foi sua nêmesis a cometer toda sorte de desatinos para manter unidos seus celerados? O que lhe terá garantido o conforto do segundo lugar também terá impedido a sua vitória. "E se Bolsonaro vencer, Reinaldo?" Bem, caras e caros, aí será preciso, um dia, refazer o país desde o fim.

Há pelo menos três semanas se intensificaram as cobranças —oriundas mais das viúvas e dos viúvos da Lava Jato do que do mercado— para que o petista apresente o tal plano detalhado de governo, ou, então, afirma-se, o eleitorado estaria lhe dando "um cheque em branco", metáfora que, convenham, precisa, quando menos, ser atualizada. Vai ser o quê? Chave do Pix? Quem sabe o "aggiornamento" das figuras de linguagem induzam senão à modernização do pensamento, ao menos a uma perspectiva realista.

Bruno Boghossian - Bolsonaro amplia artilharia contra Lula e deixa guarda aberta

Folha de S. Paulo

Presidente aposta alto no aumento da rejeição ao petista, mas governo também é vidraça em debate na Globo

Jair Bolsonaro (PL) chegou ao debate da TV Globo determinado a provocar, em três dias, algo que sua campanha não conseguiu em três meses de disputa: turbinar a rejeição a Lula (PT).

O presidente ativou o modo "gabinete do ódio" ainda no primeiro bloco. Bolsonaro abriu sua participação com a já tradicional dobradinha com o candidato Padre Kelmon (PTB) ao enaltecer o Auxílio Brasil, mas a discussão sobre realizações do governo durou pouco.

Em boa parte de suas perguntas e respostas, Bolsonaro fez esforços para vincular o adversário a conhecidos itens da agenda antipetista, como escândalos de corrupção, a liberação das drogas e o assassinato de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André (SP). Chamou ainda o petista de mentiroso e ex-presidiário.

Concentrado num único debate, esse repertório representou uma intensificação da artilharia de Bolsonaro contra Lula. O conteúdo, no entanto, foi semelhante aos ataques que sua campanha já vinha fazendo ao petista, colhendo efeitos limitados.

Desde o fim de junho, a rejeição ao ex-presidente passou de 35% para 39% –ainda insuficiente para rivalizar com os 52% do próprio Bolsonaro.

Igor Gielow - Lula bate boca com nanico, mas vence Bolsonaro por pontos no debate

Folha de S. Paulo

Ninguém foi à lona no encontro da Globo, principal motivo para a realização destes eventos

De tédio ninguém morreu, apesar da duração excessiva do espetáculo. O último debate presidencial antes do primeiro turno no próximo domingo (2), na Rede Globo, foi marcado por um grau de agressividade que há muito não se via num encontro de candidatos ao Planalto na TV.

Claro, o tempo passa: saiu Leonel Brizola gritando com Paulo Maluf e entraram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), apoiados por um séquito de candidatos no fim da fila das pesquisas.

Lula recuperou-se da atuação apagada no debate Folha/UOL/Cultura/Band e conseguiu escapar da maldição de 1989, quando foi abatido pela afobação no embate final na Globo com Fernando Collor —noves fora a polêmica da edição posterior na TV. Escorregou, contudo, ao bater boca com um nanico.

Assertivo no limite da agressividade, o ex-presidente quase saiu da linha na inusitada e interminável sucessão de direitos de resposta trocados com Bolsonaro no primeiro bloco do evento. Mas alinhou-se e conseguiu encaixar uma linha de golpes no ocupante do Planalto, a quem pespegou um "cara de pau" com tom de indignação crível.

Rafael Cortez* - Debate mantém janela aberta para vitória em primeiro turno

O Estado de S. Paulo

Debate na Globo pouco contribuiu para o presidente reverter a imagem negativa que a maioria do eleitorado faz do seu governo

A campanha presidencial começou com o debate sobre as possíveis chances de crescimento da terceira via e se encerra com incerteza sobre seu final: se primeiro ou segundo turno. O agregador de pesquisas do Estadão mostra 52% de votos válidos para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que diante da margem de erro das pesquisas, fundamentalmente, expressa um cenário em aberto. Grosso modo e, assumindo alguma simplificação, o debate da Globo só terá importância se contribuir para gerar esse movimento relevante às vésperas da eleição.

O petista tem basicamente duas tarefas para conseguir a vitória de oposição em primeiro turno: convencer indecisos e cansados da polarização e, especialmente, convencer ao comparecimento eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, tem duas opções: convencer o eleitorado do seu desempenho no governo ou aumentar a rejeição do petista, contribuindo para evitar voto útil em direção a ele. Os demais nomes lutam para justificar a relevância dos projetos em uma eleição que deve figurar na História como a votação recorde de polarização.

Fabio Murakawa - Preso em sua bolha, Bolsonaro luta para ir ao segundo turno

Valor Econômico

Eleito com voto antipetista, presidente pregou para convertidos e assustou moderados na campanha

Jair Bolsonaro (PL) conseguiu angariar votos muito além do seu eleitorado mais fiel para se eleger presidente da República em 2018. Neste ano, ironicamente, a incapacidade de romper essa bolha pode tirá-lo do Palácio do Planalto.

Há quatro anos, em meio à onda antipetista que varria o Brasil pós-Lava-Jato e à comoção com a facada que quase tirou-lhe a vida, Bolsonaro obteve 46,03% dos votos válidos em primeiro turno. Ao longo de toda a atual campanha, porém, não conseguiu se aproximar desse índice. Teria hoje apenas 36% dos votos válidos, segundo a pesquisa Datafolha de ontem.

O dilema entre falar só para a própria bolha ou abrir-se ao eleitorado médio dividiu o entorno de Bolsonaro nos últimos meses.

Ministros da ala política, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), aconselhavam o presidente a fazer uma campanha propositiva, mostrando realizações e surfando na onda do Auxílio Brasil de R$ 600 e da redução dos preços dos combustíveis.

Eles defendiam que o presidente precisava falar mais ao eleitor moderado, que havia votado em Bolsonaro em 2018 mesmo sem ser bolsonarista ou defender sua pesada pauta de costumes e pró-armas. Amparados por pesquisas qualitativas, os ministros tentavam mostrar a Bolsonaro que cada fala radical afastava esse eleitor.

Contratado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o publicitário Duda Lima apostou nessa “linha light”, dos primeiros vídeos gravados no laboratório da pré-campanha às primeiras inserções no horário eleitoral.

Não tardou a sofrer ataques de parte dos ideológicos, sobretudo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. Em junho, Carlos ironizou no Twitter um filme de 30 segundos produzido por Lima para ser usado nas redes sociais.

“Vou continuar fazendo aqui o meu trabalho e dane-se esse papo de profissionais do marketing. Meu Deus!”, escreveu.