domingo, 10 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Crimes contra mulher exigem julgamento célere

O Globo

Enquanto feminicídios estão em alta, condenações por estupro e assédio sexual demoram anos

violência contra a mulher continua a exigir mais atenção das instituições. Apenas no ano passado, foram registrados 1.463 feminicídios, um aumento de 1,6% em relação ao ano anterior, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foi o número mais alto desde 2015, ano em que o crime foi tipificado em lei.

Desde então, foram registrados 10.655 feminicídios. Em 18 estados, a taxa de feminicídio ficou acima da média nacional, de 1,4 morte por 100 mil habitantes. A mais alta (2,5) foi registrada em Mato Grosso. A mais baixa (0,9), no Ceará, embora haja uma suspeita fundamentada de subnotificação, já que apenas 28 das 264 mulheres assassinadas no estado foram classificadas como vítimas de feminicídio (crime em que a vítima se torna alvo pela condição de mulher).

Paulo Fábio Dantas Neto* - Educação e atitude política

Falar de atitude política é falar de uma disposição permanente que condiciona a relação que um sujeito (individual ou grupal) estabelece com um fenômeno político. Duas atitudes polares: uma, a de sempre ver, num fenômeno conflitivo, uma oportunidade para exacerbá-lo a ponto de deixar (ou de provocar) vir à tona uma contradição “essencial” (que, a depender do caso, pode ser econômica, social, cultural, religiosa, racial, de gênero, de valores, etc...), a qual esse sujeito político julga insanável pelos caminhos da política. Atitude oposta é a de sujeitos que, perante um conflito de qualquer das naturezas citadas acima, antepõem-se a responsabilidade de evitá-lo, apelando à integridade da tradição ou a de bem compreendê-lo, reconhecendo a situação conflitiva, mas buscando carreá-la para um certo nível de entendimento e negociação que faça o novo nascer com menos dor. Partos “naturais”, em lugar de “cesarianas”, ou fórceps. Uma aposta em possibilidades da política, não na sua impotência. 

No interior de cada uma dessas atitudes políticas polares há gradações várias, assim como há variadas inclinações ideológicas, às vezes díspares entre si. É comum flagrar-se adversários aparentemente difíceis de conviver agindo de modo a jogarem água para um mesmo moinho, seja o da confrontação ou o da conciliação. Reacionários de direita e revolucionários de esquerda podem plantar a mesma semente agonística em seus solos ideológicos distantes, assim como conservadores e reformistas de centro ou de esquerda podem convergir na disposição comum de recusar os extremos. Os dois últimos preocupam-se – para usar jargão conhecido – com a criança que está na bacia, enquanto os primeiros prestam atenção, antes e ao fim de tudo, na água que julgam suja ou benta, conforme suas convicções. 

Luiz Carlos Azedo - Lula e o americanismo na vida brasileira

Correio Braziliense

O American way of life serve de espelho para a maioria da população. Não apenas a elite econômica e a classe média, mas também a grande massa de periferias e favelas

A complexidade das relações do Brasil com os Estados Unidos é determinada historicamente por nossa condição geopolítica na América do Sul, o republicanismo, a vocação agroexportadora e industrial e a influência cultural do modo de vida americano na vida urbana. Antes mesmo da independência do Brasil, quando as relações com os EUA se estabeleceram diplomaticamente, alternamos períodos de tensão por razões comerciais ou políticas, como na Inconfidência, na Confederação do Equador e nos governos Vargas e João Goulart, e momentos de estreita cooperação, maior até do que deveria, como na Primeira República, no governo Dutra e nos primeiros anos do regime militar.

Merval Pereira - O enigma

O Globo

O governo está sem saída, não tem maioria no Congresso e está perdendo também nas pesquisas de opinião

Uma tempestade perfeita parece estar se formando sobre o Palácio do Planalto, com a perda de força política do governo em relação ao Congresso, e com a queda de popularidade do próprio presidente Lula diante da opinião pública, revelada por diversas pesquisas recentes. O mais estranho é que os resultados econômicos estão vindo, com crescimento do PIB, aumento no rendimento médio dos trabalhadores e melhoria do PIB per capita, o que não acontecia há muito tempo.

É provável que os resultados econômicos resultem na reversão, ou pelo menos na neutralização, desse quadro negativo, mas é preciso que o governo Lula atue em outros campos, pois tudo indica que hoje já não basta a situação econômica estar equilibrada para preencher as aspirações de uma ampla massa de eleitores, que já atinge até mesmo os moradores do nordeste, que continua sendo uma barreira inexpugnável ao pessimismo em relação ao governo petista.

Elio Gaspari - O lulopetismo tem um problema: Lula 3.0

O Globo

As pesquisas do Ipec e da Quaest revelaram que entre agosto e março a aprovação do desempenho de Lula caiu enquanto a reprovação cresceu.

As duas linhas se aproximaram, e o resultado confirmou a pesquisa do Ipec de dezembro, que mostrava a boca do jacaré aberta: 50% dos entrevistados não confiavam nele, contra 48% que confiavam. A diferença cabia na margem de erro. Em março, não cabe mais: 51% não confiam, contra 45% que confiam.

Alguma coisa está funcionando mal no governo de Lula 3.0. Não se pode dizer que seja a economia. Anda-se de lado, mas anda-se. Também não é a política, pois, em mais de um ano de governo, aprovou-se a reforma tributária e levou-se o andor sem escândalos.

Lula restabeleceu a relação civilizada com governadores filiados a partidos da oposição e enfrentou uma crise militar com um desempenho capaz de causar inveja ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Nelson Jobim, seu ministro da Defesa.

Bernardo Mello Franco - 'Tô nem aí' de Tarcísio

O Globo

Aliado de Bolsonaro, governador debochou de denúncia à ONU por violência policial

Assim que venceu a eleição de 2022, Tarcísio de Freitas deu início a uma operação de reposicionamento. Queria suavizar a imagem e se descolar da extrema direita. “Nunca fui bolsonarista raiz”, jurou, dias antes da posse. “Sou cristão e contra o aborto, mas não vou entrar em guerra cultural”, prometeu.

Com ambições presidenciais, o governador de São Paulo foi aconselhado a se vender como um político moderado. Na sexta-feira, abandonou o teatro e rasgou a fantasia.

Entidades civis denunciaram a polícia paulista ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Relataram ameaças, torturas e execuções sumárias na Baixada Santista. Questionado sobre o assunto, o governador respondeu em tom de deboche. “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse.

Dorrit Harazim - Ser quem somos

O Globo

Se adiássemos a busca do conhecimento e a procura do belo até haver alguma paz, nem sequer as pinturas rupestres existiriam

Entre os feitos do britânico C.S. Lewis estão ter sobrevivido às trincheiras da Primeira Guerra Mundial e ser o autor das “Crônicas de Nárnia”, cujos sete volumes venderam mais de 100 milhões de exemplares e foram adaptados para TV, cinema, teatro, videogame. Em 1939, portanto às vésperas do conflito mundial seguinte, ele deu uma palestra na Universidade de Oxford. O tema era uma indagação: “O belo importa quando bombas começam a cair?”.

Como não? — respondeu ele.

A condição humana sempre foi feita de contendas, caos e dor. Vivemos inexoravelmente à beira do precipício, mas a cultura também emerge, sempre. Se adiássemos a busca do conhecimento e a procura do belo até haver alguma paz, nem sequer as pinturas rupestres existiriam.

Eliane Cantanhêde - O voluntarismo de Lula

O Estado de S. Paulo

Lula fala e interfere onde não deve, cala sobre o que deve e despenca nas pesquisas

O presidente Lula parece ou finge não ver, mas as coisas estão desandando e as pesquisas já apontam para desaprovação maior do que aprovação nas próximas rodadas, com queda de popularidade nos diferentes segmentos. Fazer meia culpa não é e nunca foi o forte de Lula, mas cadê o decantado faro político, a perspicácia e o carisma de Lula? Está sempre sério, mal-humorado, com declarações recheadas de erros não só de comunicação, mas de informação e compreensão do mundo.

Edmar Bacha - Em busca do país Real

O Globo

O Plano Real permitiu abolir dois males históricos da economia, a alta inflação e as crises de balanço de pagamentos

Em 1974, escrevi uma fábula sobre o reino de Belíndia, mistura de Bélgica com Índia, um país em que o crescimento econômico beneficiava somente a parcela mais rica da população. Em 1984, imaginei em nova fábula uma reunião de economistas no Sambódromo para discutir como dar fim à inflação no país dos contrários, em que tudo funcionava de trás para a frente, inclusive o próprio nome do país, Lisarb. Após a redemocratização, Mário Henrique Simonsen cunhou o termo Banglabânia, mistura de Bangladesh com Albânia, para expressar sua preocupação com o risco de empobrecimento do país como consequência das tendências autárquicas e estatizantes da Constituição de 1988. Em 1994, Delfim Netto concebeu a Ingana, mistura de Inglaterra com Gana, para criticar o governo que aumentava os impostos como se estivesse num país europeu, enquanto oferecia serviços públicos de terceiro mundo. As manifestações de rua de 2013 trouxeram à tona outra caracterização, que denominei de Rumala, triste combinação de Rússia com Guatemala: uma elite corrupta associada a uma alta taxa de criminalidade. Como se não bastasse, ao promover a devastação da Amazônia e a ocupação pelo garimpo ilegal dos territórios indígenas, o governo de Bolsonaro me sugeriu criar Brasa, um país em chamas, completando essa peculiar lista.

Pedro S. Malan* - Problemas complexos, soluções simples?

O Estado de S. Paulo

É preciso reconhecer, justiça lhe seja feita, que há coerência e consistência na visão de Lula da Silva ao longo do tempo

“Nós temos mais três anos pela frente e queremos ter algo concreto para a sociedade brasileira aprovar (em 2026). O nosso problema era dinheiro e dinheiro não é mais problema.” Assim falou Lula em 22 de janeiro de 2024, na cerimônia de lançamento do Programa Nova Indústria Brasil (NIB).

O NIB define seis grandes missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bio economia e desenvolver tecnologias estratégicas. A opinião pública foi informada de que o plano será guiado por “diretrizes transversais” como inclusão, equidade de gênero, cor e etnia e promoção do trabalho decente. O leque de instrumentos é amplo: subvenções, créditos tributários, participações acionárias, requisitos de conteúdo local, entre outros.

Rolf Kuntz - Estado laico, amém

O Estado de S. Paulo

Ato na Avenida Paulista evidenciou mais uma vez os vínculos – vigorosamente afirmados pela ex-primeira-dama – entre a fé religiosa e o jogo do poder

A mistura tóxica de religião e política, uma aberração num Estado leigo, é hoje parte do dia a dia dos brasileiros, como indica pesquisa da consultoria Quaest. Segundo o relatório, 42% dos cidadãos identificados como católicos avaliaram positivamente o atual governo e 28%, de forma negativa. Entre os evangélicos, a avaliação positiva ficou em 22% e a negativa, em 48%. O vínculo entre filiação religiosa e opinião política parece claro. Além disso, remete à fala da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro no comício de 25 de fevereiro na Avenida Paulista. “Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderíamos misturar política com religião. E o mal tomou e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”, disse a oradora, antes de chamar Deus para estabelecer seu reino no Brasil.

Vinicius Torres Freire - Crime, droga e o prestígio de Lula

Folha de S. Paulo

Economia aflige menos; nota do presidente na segurança pública cai muito, diz pesquisa

A partir do final do ano passado até agora, a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva piorou muito em várias áreas, em especial em segurança pública, combate à corrupção e em controle de gastos, lê-se em pesquisa Atlas feita entre 2 e 5 de março.

Aumentou a preocupação do eleitorado com criminalidade e tráfico de drogas e com corrupção, assuntos citados como os principais problemas do país para quase 60% dos entrevistados. "Pobreza, desemprego e desigualdade social", pior problema citado por 20,6%, e "economia e inflação", por 15%, ora estão longe no ranking das aflições.

Esses números podem ajudar a explicar a baixa da popularidade de Lula. O aumento do salário médio, dos benefícios sociais, do número de empregos e a queda da inflação não bastaram para compensar outras insatisfações (talvez mais reverberadas em redes sociais e de mensagens).

Celso Rocha de Barros - General entregou Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Generais sabem que ex-presidente conspirou e o que lhes teria acontecido se o golpe tivesse dado certo

Pelo que já vazou, os depoimentos do general Freire Gomes e do brigadeiro Baptista Júnior à Polícia Federal confirmaram que Bolsonaro lhes apresentou a minuta do golpe de Estado. Também teria partido de Jair a ordem de não desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis.

Vocês devem se lembrar do Jair na Paulista dizendo que antigamente golpe era tanque na rua, e agora é só "uma minuta".

Pois bem, Jair: quando você propôs a minuta aos chefes das Forças Armadas, você deu a ordem para que os tanques fossem para a rua. Se os tanques não te obedeceram, Jair, não é problema do juiz que vai te colocar em cana por tentativa de golpe de Estado.

Muniz Sodré* - As igrejas neopentecostais e a consolação a varejo

Folha de S. Paulo

Trata-se de um projeto escuso de poder, sob uma teologia de domínio, cujo alvo é o Estado

Fato capaz de pôr orelhas em pé é a presença maior de católicos no comício de 25/2 na Paulista, enquanto predomina entre os evangélicos a opinião de que religião não deveria se misturar com política. O paradoxo é que se tratava de organização neopentecostal, portanto, de evento do nicho eleitoral da extrema direita.

É retrato diferente, induzido pela atuação neopentecostal, que trocou nas mentes o todo pela parte. Enriquecida, essa parte tem prosperado no pacto com a entidade anticrística Mamon, citada nos evangelhos de Lucas e Mateus como fetiche do dinheiro. O comício na Paulista foi mais Malafaia do que Bozo.

Hélio Schwartsman - Volodimir Zelenski, o showman

Folha de S. Paulo

Biografia do presidente da Ucrânia mostra bastidores da guerra da Ucrânia e dá densidade psicológica ao personagem

Antes da guerra, era difícil olhar para Volodimir Zelenski e não achar que ele fosse uma espécie de piada. Ele, afinal, era um ator que conquistara a Presidência da Ucrânia por ter representado, numa série televisiva, o papel de um cidadão comum que se vê eleito presidente após viralizar ao fazer uma crítica aos políticos tradicionais. "O Showman", de Simon Shuster, é uma biografia que dá densidade psicológica ao personagem.

Alvaro Costa e Silva - Puramente criminosos

Folha de S. Paulo

O liberou geral de armas para criminosos pode não ser só descuido

Depois do fim da saída temporária de presos em datas comemorativas –projeto aprovado no Senado por 62 votos a dois, com anuência de partidos da base governista–, mais pautas ligadas à segurança serão debatidas. Entre elas o aumento de penas para quem comete furto (de um para dois anos de reclusão), roubo com lesão corporal grave (de 7 para 16 anos) e latrocínio (de 20 para 24). Assim como tornar obrigatória a decretação de prisão preventiva na audiência de custódia em casos de crime hediondo e roubo.

Desnecessário dizer que a revisão penal tem amplo apoio popular. Não poderia ser diferente: a sensação de insegurança é geral. No Rio um celular é roubado a cada 10 minutos; esse tempo é ainda mais curto em São Paulo.

Ruy Castro - Justiça para Messi, o cachorro do filme 'Anatomia de uma queda'

Folha de S. Paulo

O Oscar está a ponto de cometer a maior injustiça contra um ator desde que negou o prêmio a Rin-Tin-Tin

Em reportagem de Fernanda Talarico, fico sabendo que o grande injustiçado do Oscar deste domingo (10) será um cachorro. Trata-se de Messi, o border collie do filme "Anatomia de Uma Queda", da francesa Justine Triet. É um drama de tribunal em que ele interpreta Snoop, um cão superdotado. O mundo gira e o Oscar não se livra de seu formalismo. Pelo simples fato de ser cachorro, Messi não pode concorrer ao Oscar de melhor ator —talvez para alívio de Ryan Gosling e Jeffrey Wright e certamente de Robert De Niro, candidatos ao prêmio.

Com a avançada idade de oito anos na vida real, Messi estréia na tela e já é considerado a maior revelação animal do cinema desde Flipper, o golfinho que nadava de costas, dava gargalhadas e falava francês. O nome é uma homenagem a Lionel Messi, claro, e os dois ainda não foram apresentados porque o craque teme ser ofuscado por seu xará canino. É um risco que ele pode correr pelo que se viu há pouco numa entrevista coletiva em Cannes, quando Messi deu um baile em seus colegas de elenco.

Cacá Diegues - A esplêndida história da Humanidade

O Globo

Somos constantemente ameaçados pelas mudanças climáticas que nós mesmos provocamos, a população do planeta segue crescendo e não temos como evitá-lo, as guerras destrutivas como as da Ucrânia e no Oriente Médio se repetem por toda parte, parece até que curtimos essas desgraças 

Acabo de mandar uma mensagem eletrônica para um grande amigo meu que sabe dessas coisas. Eu lhe dizia que os sinos da Academia estão batendo até agora com grande euforia por causa da eleição de Lilia Schwarcz. Ela é a mais nova acadêmica e ocupa a cadeira nº 9, onde esteve o querido Alberto da Costa e Silva, que nos honrou e ensinou durante anos com seus conhecimentos obtidos com a Diplomacia, na Literatura e na História do Brasil. “Minha candidatura é uma homenagem ao dr. Costa e Silva”, disse ela com modéstia, “ele sempre foi meu pai espiritual, meu pai intelectual, gostaria muito de seguir seus passos, e a ABL é fundamental para isso, como é fundamental para nossa memória nacional”. Os sinos continuam portanto a bater.

Poesia | Amigo, de Pablo Neruda

 

Música | "O navio negreiro" – Slim Rimografia

 

sábado, 9 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Operações policiais no Rio apontam rumo contra o crime

O Globo

Cooperação entre polícias levou a apreensão de arsenal. Inteligência financeira desfez esquema de bicheiro

Duas operações policiais deflagradas ontem no Rio mostraram a importância do planejamento, das investigações robustas e da integração entre as diversas forças de segurança com o Ministério Público para o sucesso no enfrentamento das organizações criminosas. Uma delas conseguiu interceptar um comboio de milicianos na Avenida Brasil, levando à prisão de 15 criminosos e à apreensão do arsenal em poder dos bandidos. A outra, que teve como alvo o bicheiro Bernardo Bello, mirou o esquema de lavagem de dinheiro do contraventor.

A operação na Avenida Brasil aconteceu na madrugada de quinta-feira, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Graças ao trabalho de inteligência, equipes das polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal (PRF) interceptaram um “bonde” formado por 16 milicianos em quatro carros roubados. A quadrilha participara de um confronto numa favela da região controlada pela milícia e disputada pelas facções Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA). Com o bando, foram apreendidos 12 fuzis, 58 carregadores, duas granadas, sete pistolas e mais de 1.500 projéteis — uma das armas tinha o brasão da polícia de Miami, nos Estados Unidos. Foram recolhidos também coletes à prova de bala e uniformes falsos das polícias. Seis suspeitos foram baleados nas ações.

Oscar Vilhena Vieira* - 'Tô nem aí'

Folha de S. Paulo

PM matou 94% a mais na Baixada Santista, mas governador não está preocupado

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí (sic)". É o que brada o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, após a Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns denunciarem à ONU as operações letais e a escalada da violência policial na Baixada Santista.

Mas o governador está tranquilo.

O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço na Baixada Santista aumentou em 94% no primeiro bimestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados do Ministério Público Estadual de São Paulo.

Hélio Schwartsman - Biden fala grosso

Folha de S. Paulo

Para contrapor-se à imagem de velho, presidente faz discurso incomumente forte ao Congresso

Joe Biden sentiu o golpe. A tentativa de Donald Trump de associar a imagem do atual presidente à de um velho decrépito parece estar pegando. Para contrapor-se a isso, Biden fez um discurso sobre o estado da união incomumente forte, no tom e no conteúdo. Bateu em Trump, lembrou a insurreição de 6 de janeiro de 2021, explicou sua política externa e abordou explicitamente o problema da idade. Em suma, fez de tudo para mostrar-se como o exato oposto de um velhinho confuso e indefeso.

Dora Kramer - Não é só a economia

Folha de S. Paulo

Estilo sem filtro e prioridade ao mundo contam muito na queda de Lula nas pesquisas

Enquanto caem as avaliações positivas do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) em praticamente todos os itens e segmentos, como registrado nesta semana em duas pesquisas (Quaest e Atlas), a economia exibe bons índices no macro: inflação, PIB, desemprego. No cotidiano, a carestia segue no comando.

Isso explica em parte, mas não destrincha com exatidão o mapa do campo minado para um presidente que saiu consagrado do segundo mandato e completa um ano do terceiro em queda no gosto do brasileiro. Mostra, primeiro, que a economia não é tudo. Na realidade, nunca foi, dependeu sempre da política, pois sem que um governo disponha de condições políticas favoráveis não há condução econômica que se sustente. Ao menos é assim nas democracias.

Adriana Fernandes - Banqueiros e a PEC da autonomia financeira do BC

Folha de S. Paulo

Preocupação é que autonomia orçamentária coloque ‘política’ dentro da instituição

Banqueiros manifestaram desconforto com o risco de a PEC que dá autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central colocar a "política" dentro da instituição.

A preocupação é que a PEC acabe vinculando, na prática, o BC ao Senado, dando margem para interferências dos parlamentares no órgão, que é responsável pelas políticas monetária e cambial, além de regular e fiscalizar a atuação das instituições financeiras no Brasil.

Em outras palavras, que o Banco Central fique dependente do Congresso até mesmo para nomeações de cargos dentro do banco.

Demétrio Magnoli - No jogo da raça

Folha de S. Paulo

Políticas de cotas raciais espalham o gás tóxico do racismo no meio do povo

Cerca de dez anos atrás, um candidato ao ensino superior que teve sua autodeclaração racial negada por um tribunal racial ("comissão de heteroidentificação", segundo a novilíngua da burocracia identitária) solicitou meu auxílio para reverter a sentença. Neste ano, 204 candidatos à USP recorrem contra negativas similares, inclusive o pardo Alison Rodrigues, que perdeu a vaga em medicina e ingressou com ação judicial.

Nenhum deles fez contato comigo, mas atualizo a resposta pessoal que ofereci no passado. Talvez ela interesse a dezenas de milhares de jovens, Brasil afora:

Prezado candidato, não posso ajudá-lo. Você entrou num jogo com regras subjetivas, arbitrárias. É impossível comprovar objetivamente sua raça, pois raças humanas não existem.

Bolívar Lamounier* - A democracia à mercê de irresponsáveis

O Estado de S. Paulo

Crises tão portentosas como as que vivem EUA e Brasil não brotam naturalmente da terra, dos sofrimentos e angústias que atormentam os desprovidos da sorte

Em janeiro de 2021 e, novamente, em janeiro de 2023, duas das maiores democracias do mundo sofreram agressões muito parecidas com o que normalmente designamos como tentativa de golpe de Estado.

Em janeiro de 2021, a agressão ocorreu nos Estados Unidos, orquestrada por este mesmo senhor, Donald Trump, que a Suprema Corte norteamericana, por uma unanimidade de nove votos a zero, considerou elegível. A Corte baseou-se na 14.ª emenda à Constituição, mas o fator que mais pesou na decisão, salvo melhor juízo, foi a série de retumbantes vitórias de Trump nas primárias do Partido Republicano. À primeira vista execrável, tal decisão comporta duas outras leituras. Uma, o desejo de evitar uma crise política de extrema gravidade, na hipótese de os magistrados se posicionarem contra uma candidatura aparentemente endossada por uma ampla maioria dos cidadãos. Outra, a norma jurídica in dubio pro reo: havendo margem para dúvida – ou seja, não se tendo absoluta certeza de que a arruaça promovida por trumpistas às portas do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 –, a Corte teria mesmo de votar a favor dele.

Dom Odilo P. Scherer* - Uma aposta perigosa

O Estado de S. Paulo

Não se torna boa, mediante a legalização, uma prática ilegal, ilícita e maléfica como os jogos de azar, que gera graves danos e sofrimentos humanos

No Congresso Nacional tramita há mais de 30 anos o Projeto de Lei (PL) 442/1991, sobre a legalização dos jogos de azar. Depois de várias tentativas frustradas de aprovação, o PL 442/91 foi novamente retomado com força total e já passou pela Câmara dos Deputados, esperando ser apreciado e votado no Senado.

Ao que tudo indica, além da pressão de grupos interessados na legalização dos jogos de azar no Brasil, desta vez a busca de arrecadação para o erário poderia levar vento favorável aos militantes da causa. De fato, um dos argumentos invocados é de que a aprovação do PL 442/91 poderia contribuir para o cumprimento das metas de arrecadação do governo.

Pablo Ortellado - Avanço na proteção ao trabalho

O Globo

Motoristas passarão a ter acesso aos benefícios do INSS

Depois de mais de um ano de debate, o governo Lula finalmente enviou ao Congresso o Projeto de Lei que regulamenta o trabalho por aplicativos de transporte, como Uber e 99. O texto mantém o caráter autônomo desse tipo de trabalho, estabelece um piso de remuneração equivalente ao salário mínimo e garante ao trabalhador os direitos que advêm da contribuição ao INSS.

Apesar das limitações, o projeto é um avanço na proteção ao trabalho e dá segurança jurídica para a atuação das empresas. Para ter a dimensão desse tipo de trabalho, apenas a Uber tem 1 milhão de motoristas cadastrados. Isso é mais que o total dos que trabalham para os dez maiores empregadores do país, como Itaú, Correios e BRF.

Carlos Alberto Sardenberg - Uma bandeira a reerguer: a anticorrupção

O Globo

Repararam que ninguém fala dos atos concretos de corrupção, das confissões e, sobretudo, do dinheiro devolvido?

O tiro fatal contra a Lava-Jato foi disparado pelo juiz símbolo da operação — Sergio Moro, quando aceitou ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Sendo generoso, havia atenuantes favoráveis à escolha de Moro. O então futuro presidente entregara tudo, o controle da Polícia Federal, de todo o sistema de segurança pública e das movimentações financeiras. Mais a garantia de apoio aos ambiciosos projetos de combate à corrupção.

A República de Curitiba, tão temida por boa parte da elite política, se instalaria em Brasília.

Avaliação equivocada de Moro. Primeiro, Bolsonaro já não era de confiança, mesmo porque ele e seus filhos tinham rolos na Justiça e na polícia. Seu comportamento nunca foi de um republicano, mas de desconfiança em relação às instituições, a começar pelo Judiciário. Não demorou muito para Bolsonaro reclamar da PF de Moro e conseguir uma PF para chamar de sua.

Eduardo Affonso - O liberal, esse desconhecido

O Globo

Liberais deram ao Brasil o Plano Real, que botou freio na inflação, castigo tão mais cruel quão mais baixa a renda

Imagine alguém a favor da igualdade de gênero, de plenos direitos para casais homoafetivos (incluindo adoção), do Estado laico (com o fim dos privilégios fiscais concedidos a “igrejas”), da descriminalização das drogas e do aborto, da legalização da eutanásia, da opção por fontes limpas e renováveis de energia — e, ainda assim, considerado de direita.

Pense agora em alguém que defenda a autorregulação do mercado, a privatização das estatais, a liberdade de expressão, a redução da maioridade penal, a implantação de normas de compliance em todo o setor público, o empreendedorismo, o capitalismo como única forma de criação de riqueza — e que, ainda assim, volta e meia seja chamado de esquerdista.

Muito prazer: esse cara sou eu, um liberal — em época de eleição, também conhecido pela pouco lisonjeira alcunha de “isentão”. Um gênero fluido: à esquerda se a referência for um bolsonarista; à direita se for um petista o parâmetro.

Cláudio Couto* - Reforma para quem?

CartaCapital

As propostas de mudança no sistema eleitoral atendem mais aos políticos do que aos eleitores

Recente levantamento da CNN Brasil mostra que, desde a aprovação da reeleição para as chefias do Executivo, ao menos 57 propostas de emenda constitucional para acabar com o instituto foram apresentadas. Não obstante, ele continua aí. Também tem sido frequente que presidenciáveis de oposição se manifestem contra a proposta. Os que se elegeram, contudo, logo abandonam a ideia. Foi assim com Lula em 2002 e Bolsonaro em 2018. Idem o governador gaúcho, Eduardo Leite, que se manifestara contra a reeleição antes de se tornar chefe de governo no Rio Grande do Sul e acabou optando por disputar um segundo mandato – e conseguiu. Agora, Leite volta a defender o fim do instituto ao lado de seus colegas presidenciáveis do Consórcio Sul-Sudeste, Romeu Zema e Ratinho Júnior. Ambos, aliás, reeleitos para o governo de seus estados.

Desta feita, a proposta de extinguir o instituto ganha impulso adicional, pois tem sido defendida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que tem poder de agenda no processo legislativo ­congres­sual. O senador colocou-a como pauta prioritária da casa que preside para este ano, aproveitando o embalo da discussão de um novo código eleitoral, relatado pelo colega Marcelo Castro. E ela se faz acompanhar de outra velha ideia muitas vezes brandida por integrantes de nossa classe política, mas nunca aprovada: a de unificar todas as eleições num único pleito.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Keynes, filósofo moral

CartaCapital

Ele insistia na direção inteligente, pela sociedade, dos mecanismos profundos que movem os negócios

Peço licença (ou desculpas) aos leitores de nossa ­CartaCapital: vou reapresentar uma de minhas obsessões prediletas. Diante da soberba “científica” de alguns economistas, arrisco minha reputação para celebrar os escritos de um filósofo moral que embrenhou sua sabedoria nos áridos territórios da Economia.

No artigo de 1930, “As Possibilidades Econômicas dos Nossos Netos”, Keynes projeta a vida social que pode nascer do avanço tecnológico e da rápida acumulação produtiva. O capitalismo, diz ele, criou as condições para a superação das limitações impostas milenarmente à satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. Criou, mas não entregou.

Nesse texto perturbador para o ethos da sociedade aprisionada nas engrenagens da concorrência, Keynes escreve: “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio… Pois, fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir… Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes… Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados”.

Marcus Pestana* - Os desafios dos novos gestores municipais

Acreditando que as eleições de outubro não se perderão em um mar de ofensas, agressões e fakenews, nem na nacionalização artificial do processo eleitoral, e que o centro da discussão será o futuro das cidades e de sua gente, gostaria de pontuar alguns temas que me parecem essenciais e urgentes serem debatidos. Afinal, eleições na democracia deveriam, em tese, ser momento privilegiado de avaliar o passado e o presente da sociedade e suas interfaces com as políticas públicas, e, a partir disso, projetar o futuro desejado. E o êxito do horizonte escolhido depende essencialmente da eleição de bons prefeitos e vereadores. Não basta ter ideias claras, criativas, consistentes e exequíveis, mas é essencial também capacidade administrativa, habilidade política e um padrão de financiamento compatível com o programa de governo. 

Poesia | O tempo passa? Não passa, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Teresa Cristina - Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola

 

sexta-feira, 8 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

São inexplicáveis os afagos de Lula à ditadura de Maduro

O Globo

Não tem cabimento comparar casos do próprio petista e de oposicionista venezuelana impedida de concorrer

Dos dez países com que o Brasil faz fronteira, a Venezuela é o que mais gera dores de cabeça. Garimpeiros ilegais usam o território venezuelano quando a fiscalização aumenta em terras indígenas e voltam ao brasileiro quando diminui. Grupos criminosos atuam nos quase 3 mil quilômetros de divisa, e venezuelanos têm buscado o Brasil para escapar da crise humanitária provocada pelo regime chavista. Ameaças recentes de invasão da Guiana fizeram ressurgir o espectro de um conflito armado a poucos quilômetros de Roraima e Amazonas. Por fim, brasileiros e venezuelanos ainda têm a responsabilidade de coordenar esforços pela preservação da maior floresta tropical do mundo.

Com uma agenda dessas, é compreensível que o presidente do Brasil seja obrigado a estabelecer uma relação produtiva com a liderança venezuelana, ainda que se trate de um regime autoritário. Somente com canais abertos e um ambiente de cooperação, os interesses brasileiros podem avançar. Mas isso nada tem a ver com a atitude benevolente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante os desmandos do ditador Nicolás Maduro. A condescendência com o regime chavista, que Lula não perde a oportunidade de expressar, contradiz sua própria biografia e ofende a memória dos brasileiros que lutaram e lutam pela democracia.

Fernando Abrucio* - Contra o reformismo ilusionista

Valor Econômico

O caminho é construir um modelo baseado em bons diagnósticos, com visão sistêmica e contextual dos problemas e, geralmente, com alterações incrementais das instituições

O Senado federal discute agora uma proposta de fim da reeleição para os cargos do Executivo e de junção de todas as eleições - municipal, estadual e federal - num só pleito. Se a base para avaliar tais medidas for o senso comum, é preciso aprovar essas leis. Mas, se as evidências científicas forem a bússola da decisão, essas reformas são completamente equivocadas. Todo esse debate, no entanto, tem uma utilidade: mostrar que o Congresso Nacional precisa ouvir mais os especialistas e a sociedade antes de fazer grandes alterações legislativas, pois o que parece ser uma solução mágica pode ser apenas ilusionismo.

O novo projeto de reforma política, centrado na extinção da reeleição, não é o único caso daquilo que chamo de reformismo ilusionista. A proposta de reforma administrativa em discussão na Câmara, que promete aumentar a eficiência e cortar gastos, sofre do mesmo mal. Outros projetos recentes, como o que pretende acabar com a “saidinha” dos presos, também é outro caso em que a legítima reação contra alguns bandidos que fogem e cometem novos crimes produz magia reversa: a decisão vai aumentar a sensação de inferno que predomina nas penitenciárias, favorecendo o poderio das facções criminosas.

O reformismo ilusionista contém quatro características básicas. Em primeiro lugar, busca soluções que aparentam ter um impacto amplo e imediato, quase num passe de mágica. Nesse modelo, o legislador acredita que acabar com a reeleição vai alterar, já no período subsequente, a qualidade da ação dos governantes, que não pensarão mais em eleições e se concentrarão em governar. O ilusionismo não permite dúvidas sobre o dia seguinte, nem um caminho mais gradual de mudança. Sua força política está em ser simples, e sua debilidade encontra-se no simplismo de sua proposição.