sábado, 29 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desempenho ruim alimenta pressão para Biden desistir

O Globo

Diante das dúvidas depois do debate, democratas questionam se presidente deveria abandonar a candidatura

Do início ao fim, o desempenho de Joe Biden no debate com Donald Trump, primeiro do ciclo eleitoral que decidirá quem comandará os Estados Unidos a partir do ano que vem, foi constrangedor. Ao defender o embate contra Trump antes das convenções democrata e republicana que escolherão oficialmente os candidatos, partidários de Biden pretendiam afastar as preocupações com sua idade avançada (81 anos) e as dúvidas sobre sua capacidade cognitiva. O efeito foi o oposto. Na saída do evento em Atlanta, estavam instalados entre os democratas o pânico e a discussão sobre o que fazer para convencer Biden a desistir da candidatura.

Já na primeira pergunta, Biden falou com voz tíbia e rouca. Em seguida, teve um lapso de memória ao discorrer sobre o sistema de saúde. Repetidas vezes, interrompeu frases no meio para seguir outro fluxo de pensamento. Ao comentar a guerra na Ucrânia, confundiu Trump com o russo Vladimir Putin, numa de suas dezenas de frases tortuosas: “Se você der uma olhada no que Trump fez na Ucrânia, ele, esse sujeito disse à Ucrânia, disse a Trump, faça o que quiser, faça o que quiser, e foi exatamente isso que Trump fez. Putin o encorajou, faça o que quiser. E ele entrou”. Ao final de outra resposta obtusa de Biden sobre segurança na fronteira, Trump retrucou: “Realmente não sei o que ele disse no final daquela frase. E acho que ele também não sabe”.

Marco Aurélio Nogueira - Atropelos em série

O Estado de S. Paulo

Lula está se dando conta de que o desafio ao ser eleito presidente não era bloquear a extrema direita bolsonarista: era fazer o País ingressar em outra rota

Junho foi ruim para o governo. Não por ter ele acumulado derrotas ou sofrido um assédio vencedor da extrema direita. Mas sim porque o governo não saiu das cordas em que sua própria atuação o jogou.

O leilão de importação emergencial de arroz foi suspenso por suspeita de fraude. O governo perdeu no Congresso em áreas estratégicas, como a da reforma tributária. Recebeu de volta, por decisão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a anuência de parlamentares petistas, a medida provisória com mudanças no PIS/Cofins. Lula da Silva, por sua vez, peitou o presidente do Banco Central, mas engoliu a manutenção da taxa básica de juros. O ataque a Roberto Campos Neto foi visceral, abertamente político e ideológico, revelando certa fúria descalibrada.

Dora Kramer - Conciliar e avançar

Folha de S. Paulo

No lugar de brigar, Congresso pode aperfeiçoar a decisão do STF sobre drogas

Como quem reconhece que transita na seara alheia, o Supremo Tribunal Federal fez uma ressalva à decisão ao criar critério de quantidade para diferenciar o usuário do traficante de maconha: 40 gramas "até que o Congresso legisle sobre a matéria".

Um jeito, um tanto enviesado é verdade, de acenar ao equilíbrio institucional. O Parlamento pode ou não aceitar o aceno, embora num primeiro momento de reações acaloradas pareceu optar por ignorar o gesto algo encabulado do tribunal.

Alvaro Costa e Silva - Dinheiro na mão é vendaval

Folha de S. Paulo

PEC das Drogas tem a mesma urgência da PEC da Anistia

Antes do São João e do "Gilmarpalooza", que esvaziaram o Congresso, Arthur Lira desengavetou a PEC da Anistia. É o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos políticos, entre elas o descumprimento das cotas eleitorais para mulheres e negros. Aprovada a proposta, as dívidas pendentes não vão impedir as siglas de obter recursos destinados a financiar as campanhas de 2024.

Pois vem aí um vendaval de dinheiro. PL (R$ 886,8 milhões), PT (R$ 619,8 milhões) e União Brasil (R$ 536,5 milhões) receberão as maiores fatias do bolo, 41% do total de R$ 4,9 bilhões, recorde que supera em mais de duas vezes o reservado para 2020 e equivale ao distribuído nas eleições de 2022 para presidente, governadores, senadores e deputados. Nunca fazer um prefeito ou não conseguir eleger um vereador nos mais de 5.000 municípios custou tão caro aos cofres públicos.

Hélio Schwartsman - Insofismável massacre

Folha de S. Paulo

Ceticismo do próprio partido em relação à candidatura poderá ser fatal

A performance de Joe Biden no debate de quinta-feira (27) foi nada menos que desastrosa. Em tese, isso não precisaria ser um grande problema.

Jornalistas, marqueteiros e os próprios políticos nutrem um certo fetiche por debates, mas eles são menos importantes do que se imagina. Em condições normais, isto é, quando os contendores alternam momentos positivos e negativos, o eleitor, mobilizando seu viés de confirmação, valoriza as boas tiradas do candidato para o qual torce e menospreza seus tropeços. O simpatizante do postulante rival faz o mesmo e, no cômputo geral, pouca coisa muda.

Demétrio Magnoli - Le Pen rompe o 'cordão sanitário'

Folha de S. Paulo

Política lidera intenções de voto porque desistiu do extremismo

"Os herdeiros políticos de Vichy chegam ao governo francês" —eis uma manchete sensacionalista possível para, caso se confirmem as pesquisas, sintetizar o resultado das eleições parlamentares antecipadas que começam neste domingo (30/6). Nas sondagens, a Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, tem 36% das intenções de voto, contra 28% para a Nova Frente Popular, de esquerda, e apenas 22% para os centristas liderados por Macron. Contudo, seja qual for o veredito das urnas, a manchete precisa é outra: a que intitula esta coluna.

Partidos não mudam seu nome por acaso. A RN nasceu em 1972, como Frente Nacional (FN), sob o comando do pai de Marine, Jean-Marie. O líder admirava o general Pétain, que governou, como colaboracionista, a parte da França não ocupada pela Alemanha nazista. Marine assumiu o controle do partido em 2011 e expeliu seu pai em 2015, reagindo a elogios a Pétain e à classificação das câmaras de gás como um "detalhe" histórico. A troca de nome veio em 2018.

Carlos Andreazza - Luiz Fux desabafa

O Estado de S. Paulo

Ministro lastima que o Supremo arque com o ‘preço social’ de decidir sobre o que não lhe cabe

Luiz Fux resolveu desabafar sobre o “protagonismo deletério” do Supremo. Foi na sessão em que o tribunal legislou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Aquela jornada em que se usou a balança da Justiça – de alta precisão – para pesar gramas de droga, expostos juízes da Corte constitucional, em busca da batida perfeita, ao debate-definição sobre qual seria a gramatura justa.

“Não se podem desconsiderar as críticas de que o Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, reservada apenas aos

Poderes integrados por mandatários eleitos” – disse o ministro que suspendeu individualmente a implementação de lei, a que instituíra o juiz de garantias, aprovada pelo Parlamento.

Eduardo Affonso - A falta que um Chico faz

O Globo

Militância progressista boicota, intimida e cancela quem desafia o coro dos onipotentes e não reza conforme sua cartilha

No mesmo 19 de junho em que Chico Buarque fez 80 anos, Solano Fernandes (nome fictício — como, aliás, quase tudo o que se segue) completou 100. Tinha 46 quando lhe caiu nas mãos um inocente samba em que a vítima de um relacionamento tóxico (Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão) se ressignifica enquanto pessoa subalternizada (Apesar de você/Amanhã há de ser outro dia) e exige reparação da dívida histórica (Vou cobrar com juros, juro (...) Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada nesse meu penar).

De boa-fé, Solano — censor, servidor público concursado — liberou o samba. Desde então, têm sido 54 anos de culpa e autoflagelação por não ter captado a mensagem subliminar. Como um garoto de 20 e poucos anos pôde enganá-lo e a toda a máquina montada para proteger o público e as autoridades daqueles que tentavam ferir a dignidade e o interesse nacionais?

Pablo Ortellado - O cerco às mídias sociais nos EUA

O Globo

Popularização do uso das redes coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes

Enquanto, no Brasil, o Congresso enterrou o PL 2.630, que tentava regular as mídias sociais, nos Estados Unidos as plataformas sofrem uma espécie de cerco, tendo de responder a três movimentos simultâneos: processos coordenados contra a Meta (dona do Facebook e Instagram) pelas promotorias de diversos estados; um Projeto de Lei para conter o efeito compulsivo e viciante que as mídias sociais têm sobre as crianças e adolescentes; e a tentativa do cirurgião-geral — principal autoridade do governo americano para questões de saúde — de rotulá-las com uma advertência, como a que aparece nas embalagens de cigarro.

O ponto de partida de todos os projetos de lei é a evidência empírica alarmante que vem mostrando aumento de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio entre os adolescentes. É muito difícil determinar a causalidade, mas a popularização do uso das redes sociais pelos smartphones, nos anos 2010, coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes.

Carlos Alberto Sardenberg - As crises do Real

O Globo

A população andava cansada da inflação e dos sucessivos planos que só tornavam ainda mais complicada uma situação difícil

De Fernando Henrique Cardoso:

— Não se pode desperdiçar uma crise.

FH deve ter chegado a essa conclusão depois das diversas crises que enfrentou na elaboração, na implantação e no desenvolvimento do Plano Real, que completa 30 anos na próxima segunda-feira.

A primeira crise foi o ambiente em torno de sua nomeação para ministro da Fazenda, em maio de 1993. Seria o quarto ministro de um presidente fraco, Itamar Franco, com o país tomado pela hiperinflação. Os preços subiram 27% no mês da posse de FH, que se tornava o maior e talvez o único ativo de Itamar. Como o próprio Itamar disse a seu novo ministro: sua nomeação foi muito bem-aceita. FH entendeu: tornara-se responsável de fato pela política econômica. Na circunstância, dono de uma crise grave e piorando.

O lado promissor: a população andava cansada da inflação e dos sucessivos planos que só tornavam ainda mais complicada uma situação difícil. Provavelmente, toparia sacrifícios para um programa crível com uma equipe respeitada. Ainda assim, o propósito de FH e de sua então reduzida equipe era modesto: dar uma arrumada na casa, especialmente nas contas públicas, deixando qualquer coisa mais ousada para um futuro governo. O próximo presidente seria eleito em outubro de 1994.

Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo - Amém, irmãos!

CartaCapital

A autonomia operacional deve ser contida nos limites do sacramento das metas de Inflação

“A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam.”
Baruch Espinosa

Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom), por unanimidade, foi ratificada a manutenção da Taxa Selic em 10,5% ao ano e a suspensão temporária de corte na taxa básica. No Templo dos Milagres do Financismo, localizado na Avenida Faria Lima, o pastor J.P. ­Morgan, no final do culto, bradou em êxtase: “Amém, irmãos! A credibilidade voltou! Nossas preces foram ouvidas, somos o povo escolhido para ganhar dinheiro, nossa verdade é a nossa fé!” Os fiéis gestores do dinheiro alheio fizeram o coro: “Oh a credibilidade voltou, oh oh…”

O Deus Mercado sempre está certo, amém irmãos! Quem melhor entende do vil metal? Nós ou o Banco Central? Nossa autoridade monetária voltou ao caminho da fé financista, viu a luz no caminho de Damasco… Faria Lima! Amém…

O dilúvio da desancoragem das expectativas inflacionárias foi salvo pelas mãos divinas do mercado. Contra a fé e o dogma metamorfoseados em Ciência, ninguém pode! Nem o Bacen! Amém duas vezes, irmãos!

Marcus Pestana - Um alerta para o risco de estrangulamento fiscal

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal, publicou o seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) No. 89, relativo a junho de 2024, onde faz a revisão dos cenários de médio e longo prazo (2026/2034).

A perspectiva de crescimento médio anual do Produto Interno Bruto foi ajustada de 2,0% para 2,2% ao ano em função, fundamentalmente, dos ganhos de produtividade derivados dos efeitos da Reforma Tributária.

Nos médio e longo prazos, a IFI acredita que haverá convergência da inflação para níveis muito próximos a atual meta inflacionária, ficando, em média, no patamar de 3,1% ao ano.

Thomas L Friedman - Chorei ao assistir ao debate

The New York Times / O Globo

Se encerrar agora, poderá deixar a Presidência como um dos melhores líderes da História americana e mostrar aos eleitores que o país vem antes de seus interesses

Assisti ao debate entre Biden e Trump sozinho em um quarto de hotel em Lisboa, Portugal, e ele me fez chorar. Não consigo me lembrar de um momento mais desolador na política da campanha presidencial americana em minha vida — justamente por causa do que ele revelou: Joe Biden, um bom homem e um bom presidente, não tem condições de concorrer à reeleição. E Donald Trump, um homem malicioso e um presidente mesquinho, não aprendeu nada e não esqueceu nada. Ele é a mesma fonte de mentiras que sempre foi, obcecado por seus ressentimentos — nem perto do que será necessário para que os Estados Unidos liderem no século XXI.

Poesia | O Rio, de João Cabral de Melo Neto - Musicado por Helô Ribeiro

 

Música | Nega - Canto das Três Raças

 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desvincular BPC do salário mínimo é medida necessária

O Globo

Trocar correção pela inflação não traria perda a beneficiários e ajudaria a equilibrar as contas públicas

‘Não considero isso gasto, gente.’ A frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, revela o longo caminho que o governo tem a percorrer para controlar a dívida pública. Como o BPC está vinculado ao salário mínimo, desde o ano passado passou a ser regido pela mesma regra de correção, que prevê aumento acima da inflação.

O histórico recente do BPC é de alta. Nos 12 meses terminados em março, a quantidade de benefícios assistenciais cresceu 12%, pelos dados do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre). Essa expansão foi decisiva para aumentar o rombo da Previdência federal, equivalente a 3,9% do PIB em 2023. Isso se faz sentir nos resultados fiscais de maio, que registrou déficit de R$ 61 bilhões ante superávit de R$ 1,8 bilhão no ano passado. De acordo com o Tesouro, o déficit foi puxado pelo crescimento de R$ 24,4 bilhões nos benefícios previdenciários.

Fernando Abrucio -Escolas cívico-militares: um atraso amplo

Valor Econômico

O Brasil está propondo uma solução não educacional a complexos problemas relativos à qualidade do ensino sem que haja qualquer evidência da efetividade de tal proposta

A forma como os países organizam a educação tem efeitos que ultrapassam essa política pública. Lembrar disso é fundamental quando a adoção das chamadas escolas cívico-militares é ampliada no Brasil. Elas devem ser analisadas não só na maneira como impactam o modelo de ensino, mas também nas consequências que têm sobre o Estado e a visão de democracia.

Neste sentido, a militarização da política educacional bate de frente com várias conquistas obtidas a partir da redemocratização, levando a um retrocesso amplo que expressa o atraso civilizacional brasileiro em sua versão do século XXI.

O primeiro ponto que chama atenção no modelo das escolas cívico-militares é sua singularidade frente à experiência internacional recente. Nenhum dos países com resultados destacados em política educacional no mundo adota um padrão similar a essa nova jaboticaba brasileira. Militarizar o funcionamento das escolas não é característica nem dos governos mais próximos do autoritarismo que aparecem bem em rankings como o da avaliação do Pisa, exame organizado pela OCDE com cerca de 80 países.

Indo mais direto à essência da singularidade dessa proposta: não passa pela cabeça de gestores, educadores ou pesquisadores de educação em qualquer parte minimamente desenvolvida do mundo colocar militares aposentados como resposta a desafios educacionais.

José de Souza Martins - Imobilizados na mediocridade do repetitivo

Valor Econômico

O autoritarismo brasileiro condenou o país à eternidade da farsa

As pesquisas de opinião têm revelado a lentidão das esquerdas na conquista da preferência e do apreço do brasileiro. Na verdade, o povo não está dividido entre direita e esquerda. Um terço significativo dele está imobilizado na extrema direita e não se sente desafiado a sair do imobilismo. Gosta do atraso.

O que alguns sugerem ser esquerda está aprisionado no território político residual de uma direita que se julga consolidada, mas é politicamente frágil porque dilacerada em fragmentos antipolíticos e antidemocráticos. Longe de ser conservadora, a direita brasileira é reacionária e imobilista. Seus instrumentos de manipulação das consciências podem ter chegado ao limite da eficácia. A mentira política, gasta, já mostrou sua verdade infantil e ridícula.

Luiz Carlos Bresser-Pereira - Europa Ocidental à deriva

Valor Econômico

Semiestagnação e ameaça do nacional populismo avançam na região em que a forma de capitalismo é a mais avançada

Nas eleições recentes para o Parlamento Europeu, a direita radical fez novos avanços. Ao contrário do que se previa, não foi uma grande vitória, mas fez estragos nos dois países centrais da zona do euro, a França e a Alemanha. Já nos Estados Unidos, essa direita já esteve no poder e poderá voltar a ele no final deste ano. Não quero, porém, discutir esse país, mas sim a Europa Ocidental. Meu argumento é que o capitalismo do mundo rico está em crise - uma crise mais política do que econômica - e esta crise se vê mais claramente no Europa Ocidental.

Minha impressão é que esta região está à deriva. Seus dirigentes não sabem que rumo tomar. No pós-guerra, os europeus ocidentais construíram o capitalismo mais avançado de que temos notícia. Um capitalismo social-democrático. Em 1990 seu PIB per capita era quase igual ao dos Estados Unidos, enquanto a distribuição de renda era (e continua a ser) substancialmente melhor, o mesmo valendo para a qualidade de vida. Mas, desde então, a Europa Ocidental vem crescendo 50% menos do que os Estados Unidos. Entre 1990 e 2023 o PIB per capita cresceu 66% nos Estados Unidos contra apenas 48% na Europa Ocidental. Se considerarmos um período mais recente, de 2010 e 2023, as taxas médias de crescimento do PIB foram de 2,1% nos Estados Unidos contra 1,4% na Europa Ocidental.

Bernardo Mello Franco – Tempestade no Altiplano

O Globo

País andino não é o único a conviver com tentativas de tutela militar sobre o poder civil

A ação se deu à luz do dia, com transmissão ao vivo na TV. Tanques do Exército cercaram a Praça Murillo, sede do poder político na Bolívia. Um blindado avançou contra o palácio presidencial e arrombou o portão, abrindo caminho para a invasão fardada.

A quartelada de quarta-feira deixou o governo de Luis Arce por um fio. Após horas de tensão, o general Juan José Zúñiga foi preso, e a tentativa de golpe foi derrotada. Mas o episódio expôs os fantasmas que ainda rondam a democracia na América Latina.

No início da semana, Zúñiga disse estar “atento aos maus bolivianos” e ameaçou prender o ex-presidente Evo Morales para impedi-lo de voltar ao poder pelo voto. “Somos o braço armado do povo”, justificou.

César Felício - Lula muda estratégia para pautar noticiário

Valor Econômico

Presidente agora aceita correr riscos

Há uma evidente mudança de estratégia de comunicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As recentes entrevistas às rádios CBN e Itatiaia e ao portal UOL mostram isso.

O Lula de 2023 fez uma opção preferencial em se comunicar com entrevistadores mais alinhados a seu pensamento e a veículos de alcance regional, nas ocasiões em que cumpria agenda de viagens aos Estados, com pauta específica. Tentou também fazer uma mídia direta, com a entrevista ao vivo que concedia pelos canais da TV Brasil. Eram ambientes controlados. A mudança de estratégia sinaliza que não funcionou.

O Lula de agora aceita correr riscos. Ele se vê obrigado a responder de improviso a questões desconfortáveis. Joga com as pedras brancas do xadrez, dá o lance inicial. Em três entrevistas o presidente descartou alternativas para cortes de gastos, como revisões de vinculações constitucionais, retomou os ataques ao presidente do Banco Central, disse que não gosta do grande favorito para vencer as eleições americanas e que não pretende ter diálogo com o presidente argentino, a não ser que ele se humilhe. No plano político, Lula condicionou a permanência de um ministro de seu governo, nominou os possíveis candidato da direita em 2026 e deixou claro que pensa na reeleição.

Vera Magalhães - Qual o saldo das entrevistas de Lula?

O Globo

Presidente prestar contas é desejável, mas tem de haver objetivo de comunicação, que petista desperdiçou ao falar a rádios e portais

O governo Lula 3 superou a marca dos 500 dias em maio. O mês de junho foi marcado por uma turnê de entrevistas do presidente a rádios e portais de internet, algo sempre bem-vindo, pois a prestação de contas é primordial em governos democráticos. Mas qual o saldo das falas do petista? Se for feita uma pesquisa, provavelmente o que mencionarão serão as críticas, em diferentes tons de agressividade, ao Banco Central, à política monetária e ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

No dia da primeira das entrevistas da série, à CBN, o dólar fechou em R$ 5,43, maior patamar desde janeiro de 2023. Durante a fala ao UOL, na última quarta-feira, a moeda americana rompeu o patamar de R$ 5,50 pela primeira vez desde janeiro de 2022. Não adianta o presidente perder a esportiva e chamar de “cretinos” os que apontam coincidência entre suas falas e os movimentos do câmbio, porque a entrevista foi ao vivo, e a oscilação da moeda em tempo real. Claro que a depreciação do real não se deve exclusivamente às entrevistas do presidente, mas xingar a imprensa, ainda mais com dados imprecisos, não retira o peso das palavras.

Vinicius Torres Freire - Banqueiros a favor de Haddad

Folha de S. Paulo

Em público ou entre pares, gente da banca quer menos ruído e mais apoio a plano fiscal

Banqueiros maiores querem colocar panos frios na chapa de Fernando Haddad, que anda esquentando neste ano. Acham que Luiz Inácio Lula da Silva espalha brasas, é verdade. Mas, em geral, não gostam de tumulto, ainda que seus tesoureiros possam ganhar algum dinheiro com isso no curto prazo (para os demais prazos, não vale a pena). Dão a entender que o investimento mais prudente de relações públicas é dar uma força ao ministro da Fazenda.

É o que têm feito tanto em conversas entre pares como em manifestações públicas, muito institucionais e que parecem mera diplomacia. É o que fez nesta quarta-feira, mais uma vez, Isaac Sidney, presidente da Febraban, na terceira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o "Conselhão" do Lula.

Eliane Cantanhêde - Susp como o SUS

O Estado de S. Paulo

Governo se autoconcede mais poder e instrumentos contra o crime

Os governos vêm perdendo a guerra contra a violência há décadas, com as organizações criminosas, as milícias e o tráfico de drogas derrubando fronteiras e cooptando agentes do Estado, e uma das fragilidades da União é a falta de instrumentos, legais e policiais, para entrar na linha de frente. É para corrigir essa falha e atualizar o modelo de combate que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC), se autoconcedendo mais poderes, ou mais instrumentos de ação.

Luiz Carlos Azedo - Datena embola a disputa eleitoral em São Paulo

Correio Braziliense

O PSDB renasce das cinzas, como fênix, na capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa Quaest sobre a disputa eleitoral: “A cidade procura uma alternativa”

Pesquisa Genial Quaest, divulgada ontem, sobre as eleições para a Prefeitura de São Paulo, roubou as atenções políticas em Brasília, porque mostra um surpreendente empate técnico entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 22% de intenções de votos, o deputado federal Guilherme Boulos (PSol), com 21%, e o apresentador José Luiz Datena (PSDB), com 17%. Os três estão embolados na margem de erro da pesquisa, que é de 3% para mais ou para menos.

Com Datena, o PSDB renasce das cinzas, como fênix, no seu berço histórico, a capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa: “Ficou claro que a cidade procura uma alternativa. Quero ser prefeito para tirar o crime organizado da prefeitura e dos serviços públicos. O PCC não vai mais mandar nos ônibus de São Paulo”, afirmou. Segundo o diretor da Quaest, Felipe Nunes, Datena é o mais rejeitado entre os pré-candidatos, mas também é o mais conhecido.

Bruno Boghossian - O fator Datena

Folha de S. Paulo

Ainda improvável, candidatura de apresentador dá pistas de etapa precoce da disputa

José Luiz Datena se habituou a fazer de suas aventuras políticas um espetáculo. Há mais de uma década, o apresentador repete o script: atrai holofotes, se filia a um partido e anuncia planos para uma eleição. Com a mesma desenvoltura, ele aparece na TV semanas depois para anunciar que desistiu de concorrer.

Em 2018, Datena deixou seu programa no prazo previsto na lei, falou em disputar o Senado e chegou a indicar o filho como substituto. Mudou de ideia em poucos dias. Fez algo parecido nas eleições seguintes e, agora, avisou que sairá de férias para se dedicar à campanha para a Prefeitura de São Paulo pelo PSDB.

Hélio Schwartsman - A decisão caquética

Folha de S. Paulo

Tentativa de apaziguar parlamentares enfraqueceu a tese constitucional

Mais uma vez, o STF meteu os pés pelas mãos. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que determina penas para usuários de substâncias ilícitas, deveria, se não ser algo simples, ao menos seguir um roteiro conhecido. Embora o não tão douto ministro André Mendonça o ignorasse, vários países, incluindo os vizinhos Colômbia e Argentina, já percorrem esse caminho.

Flávia Oliveira - Avanço relativo

O Globo

Na origem, Gilmar Mendes defendeu a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades. Estruturaram-se sob a batuta de Julita Lemgruber (CESeC), uma das grandes pesquisadoras do país em segurança pública. No lançamento, em 2017, com a presença da vereadora Marielle Franco, assassinada no ano seguinte, participei de uma roda de conversa com a filósofa Djamila Ribeiro e o historiador Douglas Belchior. Quando o Supremo Tribunal Federal anunciou, na última terça-feira, que definiria a tese de repercussão geral do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, a primeira postagem que me saltou aos olhos na rede social foi da dúzia de moças e rapazes hoje à frente da iniciativa.

Orlando Thomé Cordeiro - Viva a Idade Média!

Correio Braziliense

A permanente ofensiva dos talibãs brasileiros precisa ser respondida por quem acredita em uma sociedade apoiada nos princípios do respeito à diversidade e à liberdade de culto

Pesquisando na internet, é possível encontrar notícias como as reproduzidas abaixo:

"Brasil registra 1.463 feminicídios em 2023. Ou seja, cerca de um caso a cada seis horas, representando uma alta de 1,6% em relação a 2022. Em 18 estados, a taxa de feminicídios ficou acima da média nacional, de 1,4 morte para cada 100 mil mulheres. Entre 2015 e 2023, quase 10,7 mil mulheres foram vítimas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)."

"Atlas da Violência indica que uma mulher sofre violência sexual no país a cada 46 minutos, sendo vítimas mais frequentes as que têm de 10 a 14 anos de idade. Mostra também que mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão em 2022, sendo os homens os principais agressores."

André Roncaglia - Doença holandesa e produtividade

Folha de S. Paulo

Teoria liga vício na estrutura produtiva baseada em extrativismo de recursos naturais a uma prisão no subdesenvolvimento

Liderado pelo professor Luiz Carlos Bresser Pereira, o Novo Desenvolvimentismo (ND) oferece uma teoria econômica que explica a doença holandesa. É uma espécie de vício da estrutura produtiva em extrativismo de recursos naturais ou de rendas financeiras que aprisiona os países no subdesenvolvimento de seu potencial produtivo.

Esta condição afeta, por exemplo, países ricos em petróleo —como Venezuela, Noruega, Holanda e Brasil— e se manifesta como uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, que asfixia a lucratividade das empresas industriais na fronteira tecnológica de seus setores. O resultado é a desindustrialização prematura e acelerada.

Fabio Giambiagi - Por que a produtividade deve ser nossa prioridade

O Globo

De 1980 a 2023, a produtividade se expandiu ao ritmo de 0,1% ao ano. Está na hora de o tema ser tratado como prioridade pela liderança política

O PIB de um país só pode aumentar por conta de um dos seguintes fenômenos: i) porque há mais pessoas produzindo; ii) porque há mais capital, na forma de máquinas, equipamentos ou construção civil; e/ou iii) porque, dada a mesma quantidade desses fatores, eles são combinados de forma a poder produzir mais.

Comecei a estudar Economia em 1980. Nos 40 anos anteriores, com todas as qualificações que possam ser feitas à qualidade das estatísticas antigas, o fato é que a produtividade por pessoa ocupada no Brasil aumentara à respeitável taxa de 4,2% a.a. Já nos 43 anos entre 1980 e 2023, a mesma variável se expandiu ao ritmo vergonhoso de 0,1 % a.a.

Talvez nada expresse de forma mais eloquente do que essa comparação a ideia de que nosso país “parou no tempo”. Com um agravante: o assunto passa a anos-luz das questões discutidas no ambiente político, onde perdemos tempo com propostas equivocadas, quando não ocupados com debates ridículos.

Poesia | O Mapa, de Mário Quintana

 

Música | Simone e Ney Matogrosso - Azul da Cor do Mar / Primavera - Prêmio da Música Brasileira

 

quinta-feira, 27 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão do STF sobre maconha representa avanço

O Globo

Corte eliminou principal lacuna da lei ao estabelecer critério objetivo para distinguir usuário de traficante

Foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e fixar uma quantidade — 40 gramas, o equivalente, segundo estudos, a 80 cigarros da droga — para distinguir usuário e traficante. Dependendo das circunstâncias (presença de balança, caderno de anotações e outros indícios), a prisão não dependerá da quantidade. A principal lacuna da legislação atual era a indefinição, responsável pelo encarceramento em massa — e injusto — de dezenas de milhares de usuários. A dificuldade de consenso e as pressões fizeram o julgamento se arrastar por mais de uma década.

O uso de maconha para consumo pessoal, dentro dos parâmetros e circunstâncias estabelecidos, deixa de ser crime. Fica sujeito a sanções administrativas, punidas com advertência ou medidas educativas, e à apreensão da droga. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, fez questão de esclarecer no julgamento que a decisão não legaliza a maconha. O consumo de drogas em lugares públicos continua sendo ato ilícito. A decisão vigora até que o Congresso delibere sobre o assunto.

Maria Hermínia Tavares - Democracia à brasileira

Folha de S. Paulo

Para pesquisadores, modelo brasileiro se impôs ao autoritarismo de Bolsonaro

O modelo brasileiro de democracia se impôs ao autoritarismo de Jair Bolsonaro. Essa a conclusão do livro "Por que a Democracia Brasileira Não Morreu?", dos cientistas políticos Marcus André Melo (UFPe) e Carlos Pereira (FGV-RJ).

Do muito que se tem escrito sobre a turbulência política que engolfou o Brasil desde 2013, a obra é sem dúvida a mais ambiciosa e desafiadora. Na contramão do senso comum, sustenta que nossas instituições políticas são fortes —e o demonstra tratando não só dos quatro anos do governo Bolsonaro, mas de todo o agitado período que o antecedeu, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff e o curto mandato de Michel Temer.

O argumento central do livro é que o peculiar arranjo institucional do país freou o impulso autoritário cevado no Palácio do Planalto. Esse arranjo, que os cientistas políticos chamamos "consociativo", constitui um mecanismo eficaz para impedir a concentração de poderes em um único centro de decisões.

Merval Pereira - Supremo busca o equilíbrio

O Globo

A necessidade de autocontenção do plenário do STF nunca havia sido tão debatida abertamente

O que era falado nos bastidores, e não por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), veio à tona na discussão sobre descriminalização do uso pessoal da maconha. O que era uma decisão de suma importância passou a ser, para alguns ministros, uma intromissão indevida do Supremo em decisões que deveriam ser tomadas pelo Congresso, com a ajuda de órgãos oficiais como a Anvisa, a agência de vigilância sanitária que decide questões ligadas à saúde da população.

Vários dos 11 ministros, em maior ou menor grau, pronunciaram-se afirmando que deveria caber ao Legislativo distinguir entre usuários e traficantes. O ministro Luiz Fux foi mais enfático, exortando seus colegas à autocontenção, afirmando que um “protagonismo deletério” corrói a credibilidade dos tribunais. Ele salientou que cabe aos Poderes eleitos pelo povo — Executivo e Legislativo — decidir questões “permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política”.

Míriam Leitão - O falso dilema do governo Lula

O Globo

As declarações ambíguas do presidente sobre a economia acabam alimentando a alta do dólar e o ambiente de crise

O presidente Lula deu mais uma declaração ambígua sobre economia. E isso num dia de aversão a risco com o dólar subindo. Subia por razões externas, mas a fala do Lula sobre a dúvida entre cortar gastos ou aumentar a arrecadação caiu mal. Primeiro porque era num dia ruim, segundo porque essa é a terceira declaração fora do tom em poucos dias. Isso alimenta a especulação. O problema é que o dólar bate na inflação, e quando ela sobe, diminuem as chances de os juros serem reduzidos. Lula acaba favorecendo o oposto do que quer. Este ano, o dólar já subiu quase 14% diante do real.

Bruno Boghossian - O general inconformado

Folha de S. Paulo

General palpitou sobre eleição, deu pitaco sobre decisão judicial, ameaçou usar a força e fracassou

O comandante do Exército da Bolívia acordou na segunda-feira (23) disposto a dar palpites sobre a política do país. O general Juan José Zúñiga foi a um canal de TV e afirmou que Evo Morales não tinha o direito de disputar a eleição de 2025. Depois, ameaçou prender o ex-presidente caso ele tentasse voltar ao poder.

Demitido na noite seguinte, Zúñiga apelou para uma intervenção direta. Na quarta (26), o general levou militares às ruas, usou um blindado para arrombar a sede do governo e pôs de pé uma tentativa de golpe contra o presidente Luis Arce. Declarou insatisfação com a situação da Bolívia e exigiu a troca de ministros.

Ruy Castro - A tornozeleira e a vida social

Folha de S. Paulo

Os acusados pelo 8/1 têm todas as oportunidades para se defender; na ditadura, não tinha disso, não

Os acusados pelo 8/1, respondendo no conforto do lar aos crimes que cometeram em Brasília, não estão satisfeitos com essa condição. E com razão. A tornozeleira eletrônica que são obrigados a usar restringe sua vida social. Dependendo da hora, impede-os de prestigiar rodeios, cultos evangélicos e shows de cantores sertanejos. Além disso, ela é difícil de acomodar dentro das botas de vaqueiro. E a proibição de se comunicarem com seus aliados golpistas é mais um suplício —se não puderem conversar com outros bolsonaristas, vão conversar com quem?