sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Imprensa que gamo

Coluna Ancelmo Gois
DEU EM O GLOBO


Trecho da marchinha do Bloco da Associação das Donas de Casa de Honório Gurgel, no Rio, de autoria de dona Zuleika de Souza, de 82 anos:

Seu presidente, não me leve a mal

Não acredito que o senhor não lê jornal...

ANISTIA PARA A ITÁLIA

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, "não existe crise entre Brasil e Itália". Mas, mesmo não enxergando qualquer dificuldade diplomática que tenha surgido entre os dois países, mesmo não dando importância alguma ao fato de o embaixador italiano no Brasil ter sido chamado a Roma - o que na linguagem da diplomacia indica grave contrariedade de um país a atitudes tomadas por outro - e mesmo se sentindo inteiramente respaldado pela decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) haverá de tomar, contra a extradição de Cesare Battisti - no que se revela verdadeiro "profeta judicial", capaz de saber por antecipação o que decidirão os membros do Pretório Excelso -, nosso ministro da Justiça dá mostras de ter descoberto a causa original de toda a, digamos, frustração italiana, exacerbada pelo affaire Battisti: é que, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia (!!!).

Tentando "esfriar a crise" (para ele inexistente), no que obedece à orientação do presidente Lula - para quem a melhor coisa a fazer para superar o entrevero diplomático é adotar, unilateralmente, a postura de "fim de papo" -, Tarso Genro se dispõe a oferecer aos italianos sua reflexão jurídico-sociológica sobre o problema que sofre o país europeu, quanto à forma de lidar com o terrorismo havido em seu território na década de 1970. Disse ele: "Acho que esse, realmente, é um caso doloroso para a sociedade italiana. Como a Itália não teve uma lei de anistia, essas graves questões, dos anos 70, ainda não são cicatrizadas."

Que este seja um "caso doloroso" para a sociedade italiana não resta a menor dúvida. Só que parece, no mínimo, uma impertinência uma autoridade governamental de outro país, que contribuiu gratuitamente para agravar essa dor - a não ser que não se considere gratuito o que tem motivação ideológica -, fazer interpretações como as perpetradas pelo ministro Genro.

Cada vez se torna mais claro que a concessão de refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti se deu por motivação "partidária e ideológica", como a avaliou o professor Roberto Romano: "Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional."

Com efeito, se houvesse uma preocupação apenas técnico-jurídica em tratar do caso de um condenado de país estrangeiro (uma plena democracia, sempre é bom lembrar), que cometeu quatro homicídios entre 1978 e 1979, que já estava preso por delito comum quando foi cooptado pelo movimento Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), e em razão dos assassinatos recebeu pena de prisão perpétua, o Ministério da Justiça brasileiro deveria atentar para a decisão insuspeita da Corte Europeia de Direitos Humanos (de Estrasburgo) que validou de modo inquestionável aquela condenação, por decisão unânime, prolatada em 12 de dezembro de 2006 - confirmando ter sido respeitado o devido processo legal, a defesa regular do réu, por advogados, assim como seu conhecimento de todos os procedimentos judiciais (mesmo sendo revel).

Não se contentando em recusar qualquer hipótese de rever a decisão tomada de conceder status de refugiado a Cesare Battisti (o que lhe é de direito), o ministro Genro vai além: quase chega a aconselhar aos italianos que façam uma lei de anistia (como fizemos), no que compara o sistema de governo italiano pós-fascismo ao da ditadura militar (que tivemos).

Por outro lado, referindo-se a essa sua polêmica decisão, assevera: "Agora, o Supremo vai decidir quais os efeitos dessa decisão, mas não é o caso de examinar o mérito, e, sim, a constitucionalidade da norma que outorga ao ministro o direito de conceder refúgio e interrompe o processo de extradição." Quer dizer, o ministro Genro já delimita a órbita de atuação do STF, no caso, desqualificando-o para um eventual julgamento de mérito.

Percebe-se, assim, que a generosidade dos doutos ensinamentos do jurista Tarso Genro não se restringe a aconselhamentos de lege ferenda a uma democracia europeia (à qual propõe uma lei de anistia), mas estende-se à mais alta corte de Justiça de nosso País, instruindo-a sobre como e o que deve julgar...

Pelo método mais confuso

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PSDB está mais ou menos na situação do PT na fase final do governo Fernando Henrique Cardoso: na mira. Tudo o que o partido faça é analisado sob a ótica da possibilidade real do poder futuro.

Daí a importância crescente de todas as decisões tucanas nos próximos dois anos. A posição do PSDB nas eleições das presidências da Câmara e do Senado, evidentemente, se inclui nesse critério de rigoroso esquadrinhamento.

O que seria razoável esperar de um partido que ocupou a Presidência da República por oito anos, tem dois candidatos a presidente, um deles em primeiro lugar nas pesquisas? No mínimo, que se dirigisse ao respeitável público de maneira respeitosa, com clareza e consistência.

Faltando quatro dias para a escolha do presidente do Poder Legislativo (Senado) e do segundo na linha de sucessão da Presidência da República (Câmara), o partido que pretende governar o País não sabia dizer se preferia Tião Viana ou José Sarney na presidência do Senado e por quê.

Decidiu-se por Viana em cima da hora, na noite de ontem e sob um argumento que deixa o partido a léguas de distância da assertividade necessária ao papel que se propõe assumir.

No lugar de uma posição, o PSDB apresentou uma lista de obviedades a título de "compromissos" para, no dizer de suas lideranças, orientar os votos do partido.

Os tucanos pediam que ambos os candidatos se comprometessem com a rejeição de propostas que permitam mais de uma reeleição, que respeitassem os direitos das minorias no Legislativo, que observassem o rodízio partidário nas relatorias de medidas provisórias e mais nove pontos cuja inutilidade mais eloquente era a firme demanda por recusa "sumária" de MPs que não sejam urgentes nem relevantes.

Admitindo que o partido tenha se arrependido de, quando governo, ter aceitado as MPs como vinham do Palácio do Planalto, ainda assim fica a dúvida se a proposta de tais compromissos é fruto de ingenuidade ou puro gosto pela ambiguidade.

De acordo com os tucanos que anunciaram o apoio a Tião Viana, Sarney não foi firme o suficiente na assinatura dos compromissos. Isso quer dizer que no PSDB não se decidiu por escolha, mas por exclusão. É um jeito de fazer as coisas. Tortuoso.

A ala do PMDB que passou o primeiro mandato de Lula todo na oposição e depois, saudosa do poder, aderiu pensou no mesmo estratagema.

Justificou a virada dizendo que o governo Lula havia aceitado suas condições: reformas política e tributária; crescimento econômico acima de 5%; contenção dos gastos correntes; consolidação das políticas de transferência de renda; renegociação das dívidas dos Estados; fortalecimento da Federação, e acompanhamento das ações de governo por intermédio de um conselho político.

O governo não cumpre, o PMDB não cobra e o PSDB nem se dá ao desfrute de ser original.

À brasileira

Instalada a confusão desnecessária, o presidente Luiz Inácio da Silva quer resolver o conflito com a Itália pelos critérios locais aplicados ao esfriamento de denúncias e escândalos em geral.

Determinou recolhimento e silêncio - ordem que evitaria muitos problemas alcançasse de quando em vez o ministro da Justiça, Tarso Genro - sobre o refúgio concedido a Cesare Battisti na esperança de que o "fim de caso" por decreto leve o episódio ao esquecimento e à aceitação tácita como frequentemente ocorre por aqui, sendo o exemplo mais recente o dos atletas entregues mediante rito sumário à ditadura cubana.

Isso na seara de asilos e refúgios, porque em outras áreas há ectoplasmas antigos rondando por aí: o caso Waldomiro Diniz, o dossiê FHC, os grampos telefônicos ilegais que assolaram a capital federal, fizeram um estágio em condenação temporária da Abin e terminaram com prêmio de consolação em Lisboa.

Em setembro, como faz agora, o presidente Lula mandou dizer que considerava os grampos "assunto encerrado" quando a questão começou a se complicar em virtude da reação do Exército e da Polícia Federal à denúncia do ministro da Defesa, Nelson Jobim, sobre a aquisição ilegal de equipamentos de escuta por parte da Abin.

Deu certo. Depois de alguma turbulência, a história saiu de cena. Mas, quando as coisas envolvem outro país, com critérios diferentes e disposição de recorrer a todos os expedientes, diplomáticos e políticos, para obter do Brasil uma retratação ao que os italianos consideram uma afronta à sua Justiça, sua democracia e suas circunstâncias internas, a passividade tática não basta. Há a vontade e o interesse do outro em jogo.

Ignorado na decisão do ministro da Justiça, em sua posição favorável à extradição do italiano, o Itamaraty certamente atua no bastidor, retomando a condução de um problema que, embora a lei confira a prerrogativa de decisão do ministro, o bom senso não dispensaria o aconselhamento diplomático.

Presidentes celebram colapso do neoliberalismo


Soraya Aggege e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO


Em evento do qual Lula foi excluído, Chávez, Morales, Correa e Lugo pedem atuação unificada da América Latina

BELÉM. Identificados como o bloco da verdadeira esquerda sul-americana por parte dos movimentos sociais, os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) celebraram ontem o "colapso do neoliberalismo de Davos", em referência ao encontro que reúne a nata do capitalismo nos Alpes suíços nesta mesma época. Os presidentes afinaram o discurso e deixaram um recado claro para os participantes do Fórum Social Mundial (FSM): é preciso unificar a América Latina para enfrentar a crise econômica. Aproveitando o palanque. pediram ainda apoio da esquerda mundial para seus governos.

Eles participaram ontem de um debate organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina, do qual foi excluído o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chegou a Belém no início da tarde e aguardou os colegas em um hotel, onde se reuniu com eles para discutir a crise global e temas coincidentes entre os países. Depois, seguiram juntos para um debate público no Fórum, que começou pouco depois das 22h.

No debate com o MST, Correa logo no início deu o tom, afirmando que "o neoliberalismo é um sistema perverso que entrou em colapso". O equatoriano disse ainda que o Fórum Social é parte da solução de que o mundo precisa.

Chávez afirmou que o Fórum precisa passar das trincheiras da batalha para a ofensiva:

- O FSM deve mudar sua ordem estratégica, porque estamos em momentos de ofensiva, não em momentos de trincheiras.

Correa foi enfático:

- O FSM é parte da solução para a crise. Oxalá a alternativa venha agora deste Fórum na América Latina.

Chávez diz que "a saída está no socialismo"
Ainda no debate, chamado "Perspectivas da Integração Popular da América Latina", os presidentes fizeram inúmeros ataques ao "imperialismo americano". Chávez chegou a propor um julgamento internacional do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, por seus supostos crimes contra a Humanidade. Ao mesmo tempo, o guerrilheiro Che Guevara foi celebrado. A filha dele estava presente ao debate.

Com o novo presidente dos EUA, Chávez foi mais cauteloso:

- Estaremos à espera, observando, a atuação do novo governo dos Estados Unidos, que tem um problema muito grave dentro das suas fronteiras: a crise econômica. Mas o império ainda está intacto, e o presidente (Obama) já disse que Chávez é um obstáculo.

Em entrevista a jornalistas, ele foi ainda mais direto:

- Temos de aplaudir a decisão de Guantánamo, mas Obama precisa devolver a área, porque Guantánamo é do povo de Cuba. Obama poderia retirar as tropas de lá, dar algum sinal.

Fernando Lugo, eleito no Paraguai no ano passado, saudou os movimentos camponeses e indígenas, graças aos quais "a América Latina vive um momento de mudanças".

Mas ele aproveitou o Fórum para, em outro evento, adiantar sua agenda com o presidente Lula. Lugo vai voltar a pedir a revisão do tratado de Itaipu:

- Não cremos que um tratado leonino, firmado num tempo de ditaduras em nossos países, possa continuar em vigência. Ele (Lula) não pode dizer que não são justas as reivindicações de mudanças no tratado - disse Lugo.

Morales também se solidarizou com os sem-terra e os indígenas e admitiu que pode cometer erros, mas prometeu jamais abandonar "a luta contra o imperialismo americano".

Lula fala de "deus mercado" e "deus Estado"

No evento da noite, Morales foi o primeiro a falar a um público estimado em dez mil pessoas, no Centro de Convenções do Hangar. Ele listou pontos que considera importante o Fórum Social discutir, como o fim do embargo a Cuba. Lula, que seria o último, foi alvo de um protesto de militantes de esquerda, que gritaram para o presidente que o capitalismo acabou.

Convocados a falar sobre temas que variaram das questões indígenas na Pan-Amazônia à crise internacional, por cinco representantes de movimentos sociais, Morales, Correa, Lugo e Chávez aproveitaram o palanque para, em uma repetição do encontro da manhã, criticar os neoliberais. Chávez foi aplaudido entusiasticamente em sua fala - um discurso curto -, no fim da noite.

- Se não matarmos o capitalismo, o capitalismo acaba com os povos. Estamos vivendo um momento de crise do capitalismo global e a saída está no socialismo - disse Chávez.

Já Correa criticou o Fórum de Davos:

- Os causadores da crise se encontram para tentar nos dar lições.

Em discurso improvisado, o presidente Lula afirmou que houve uma época em que a sociedade apelava para o que ele chamou de "deus mercado", dizendo que no mercado estava a solução para todos os problemas do país. Segundo ele, o curioso é que as empresas hoje apelam para o "deus Estado". Sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI), comentou:

- Espero que o (presidente Barack) Obama diga ao FMI como ele tem que tratar os países pobres.

Governo e PT ocupam o Fórum para reaproximar Lula dos grupos sociais

DEU EM O GLOBO

Executivo federal enviou 200 servidores e gastou R$77,5 milhões

BELÉM. A popularidade em baixa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre setores dos movimentos sociais motivou um desembarque dos governos federal e do estado do Pará e de líderes do PT no Fórum Social Mundial (FSM). Além de Lula em pessoa e 12 ministros, ao menos 200 servidores federais participam da nona edição do evento, com objetivo de recuperar o apoio dos grupos que historicamente eram próximos ao presidente.

Juntas, essas três forças aliadas atuam em cerca de 140 atividades do FSM, o equivalente a 10% dos eventos de cunho político. Os gastos do governo com as despesas dos servidores, montagem de espaços físicos e viagens não foram divulgados.

O governo do Pará, comandado pela petista Ana Júlia Carepa, informa que o Executivo federal investiu aproximadamente R$120 milhões. Seriam R$77,5 milhões de acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, que diz não ter ainda números exatos. Parte das obras beneficiará a população de Belém após o Fórum.

Governo faz propaganda de ações sociais no evento

Segundo fontes, os investimentos são estratégicos para Lula. De um lado, o presidente sente necessidade de uma reaproximação com a esquerda mundial. De outro, ele quer fazer dos movimentos sociais aliados no enfrentamento da crise econômica, pois sabe que a tendência agora é de acirramento da esquerda.

O mapeamento das áreas mais críticas do governo diante do FSM foi preparado em 2008.

Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Justiça, Direitos Humanos, Casa Civil e Secretaria-Geral são considerados os mais estratégicos dentro do FSM.

As organizações cobram de Lula ações principalmente em meio ambiente, reforma agrária e obras. Mas o apoiam nas polêmicas ligadas ao Ministério da Justiça e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

O governo também apela à propaganda. Milhares de revistas começaram a ser distribuídas ontem, informando que "o Bolsa Família melhora a vida de 46 milhões de pessoas" e que a União investe em educação e jovens pobres, multiplicou por cinco os recursos da agricultura familiar e devolveu aos índios a Raposa Serra do Sol. (Maiá Menezes e Soraya Aggege, enviadas especiais).

A onda que virá, nas eleições de 2009

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Já foi suficientemente demonstrado como a política na América Latina move-se por ciclos. Houve a era de Getúlio, Cárdenas e Perón, o tempo em que Videla, Pinochet e Geisel mostravam a direção; a era da inflação e a das políticas neoliberais. Para meditar sobre o 2010 no Brasil, convém pensar no 2009 dos vizinhos.

Realizam eleições presidenciais este ano Chile, El Salvador, Honduras, Equador, Bolívia e Uruguai. Fazem eleições legislativas Argentina e México. E mais um referendo irá sacudir a Venezuela. Há um liame entre quase todos estes processos eleitorais: onde não há a perspectiva de reeleição presidencial no horizonte, a oposição tem claríssimas chances de vencer. Onde o presidente entra em campo, o favoritismo é da situação. Daí um fator que propulsiona, afora egocentrismo e pendores autoritários, a busca por terceiros e quartos mandatos.

A crise econômica global apanhou quase todos os presidentes latino-americanos em um momento de popularidade alta, ou com viés de crescimento. Segundo dados da empresa de consultoria mexicana Mitofsky, coletados entre novembro de 2008 e janeiro deste ano, a aprovação presidencial supera 70% na Colômbia, no Equador e no Brasil. Fica entre 50% e 70% na Venezuela, México, Paraguai, Bolívia e El Salvador. É intermediária no Chile, Uruguai, Panamá, Guatemala e Costa Rica. Entra na zona da impopularidade, abaixo de 40%, apenas na Argentina, Nicarágua, Honduras, República Dominicana e Peru. Se as dificuldades geradas por desemprego e depressão tendem a atingir presidentes com muito prestígio popular para queimar, favorecem também a oposicionistas aparecerem como homens ou mulheres providenciais, sobretudo quando o mandatário sai de cena.

Rafael Correa tende a ter uma reeleição tranquila no Equador no próximo mês e Chávez mais uma vez joga seu destino na Venezuela, com o plebiscito da reeleição indefinida. O autoritarismo inerente em Chávez é tão evidente quanto a falta de perspectivas de seu grupo em produzir um sucessor. A derrota do chavismo em Caracas e Maracaibo, nas eleições regionais do ano passado, só atestaram este distanciamento entre o líder máximo e seu grupo político. Assim como Evo Morales deverá triunfar nas eleições presidenciais de dezembro na Bolívia. Caso não tivesse obtido no referendo deste mês o direito de concorrer novamente, qual seria o destino das forças que o apóiam?

Nos lugares onde a reeleição é impossível por determinação legal ou circunstâncias políticas, sobressai uma oposição conservadora, com uma única exceção: El Salvador. Lá, o atual presidente, o direitista Tony Saca, é tão popular quanto Evo Morales na Bolívia, mas quem deve ganhar a eleição presidencial em março é o esquerdista Mauricio Funes, da FMLN.

No México, o presidente Felipe Calderón enfrenta problemas de criminalidade e crise econômica. Seu prestígio em pesquisas de opinião não se transfere para seu partido, o PAN. Quem deve capitalizar esta situação, ganhando as eleições legislativas, contudo, não é o PRD do esquerdista López Obrador, batido nas eleições presidenciais de 2006, mas o velho PRI, que governou o País por décadas. Desde fevereiro do ano passado, o PRI tornou-se a sigla favorita dos mexicanos, ultrapassando o PAN e o PRD. Os mexicanos parecem querer mudar, sem ousar pela esquerda.

É o mesmo caso do Chile. Depois de Michelle Bachelet, mulher e socialista em um dos países mais conservadores do continente, o favorito para a eleição do final do ano é Sebastian Piñera, ligado ao pinochetismo. Acusações difusas de corrupção e de inabilidade política derrubaram a popularidade da presidenta, mas seu prestígio recuperou-se. Há pesquisas locais que a colocam acima de 50% de aprovação. Mas a Concertacão, que reúne socialistas e democrata-cristãos, tende a perder. "Bachelet não conseguiu cristalizar a renovação. Hoje são figuras de longa trajetória política, como o ex-presidente Eduardo Frei e o ex-chanceler José Miguel Insulza, que disputam a indicação governista. Depois de 19 anos de governo, a Concertação não se renovou", comenta o cientista político argentino Manuel Balán, pesquisador da Universidade de Austin, no Texas.

É o mesmo drama no Uruguai. A Frente Ampla do presidente Tabaré Vasquez está dividida entre as candidaturas do ex-guerrilheiro José Mujica e do ex-ministro da Fazenda Danilo Astori.

Em um segundo turno, tende a perder para os blancos, do conservador Partido Nacional. O continuísmo surge como solução para uma facção governista, que tenta coletar 220 mil assinaturas até meados do ano para conseguirem emplacar um plebiscito criando a reeleição. "A candidatura impossível de Tabaré significaria um triunfo seguro, além de gerar um consenso no interior do governismo. Não existe uma personalização da política uruguaia, ainda que o carisma de Vázquez seja altíssimo, senão a necessidade de garantir a continuidade de projeto governamental", comenta Diego Raus, cientista político da Universidade de Buenos Aires.

O quadro na Argentina é o mais nebuloso. Cristina Kirchner navega na impopularidade no momento em que a metade da Câmara e o terço do Senado irá se renovar. E dos 127 deputados que vencem o mandato, 62 são kirchneristas puros, eleitos em 2005, momento em que o kirchnerismo estava no auge. É altamente provável que a base de apoio de Cristina torne-se ainda mais estreita. Caberá ao seu marido e líder, o ex-presidente Nestor Kirchner, um passo arriscado: ele poderá encabeçar a lista dos peronistas na Província de Buenos Aires, que responde por 35 vagas a renovar. Destes, 20 apóiam o governo atualmente. "Se a base cair, começa a discussão do pós-kirchnerismo", comenta Balán. Difícil é pensar para onde a Argentina penderia. Não há partidos de oposição a Kirchner, apenas lideranças isoladas, que apenas começam a conversar entre si. "São acordos que estão longe de serem políticas de alianças programáticas e estáveis", diz a cientista política Dolores Rocca, da Universidade Gino Germani.

"Os custos para o governo nas eleições não serão mais altos pela debilidade da oposição, uma situação que se arrasta desde 2003", aposta Raus.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias

Começou a onda oposicionista: Lula encontra Evo, Chávez e Lugo e diz que ''deus mercado quebrou''

Leonencio Nossa, BELÉM
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente defende rediscussão do sistema financeiro internacional em reunião com colegas na capital paraense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem, ao participar do Fórum Social Mundial, na capital paraense, que governo não deve ceder a pressões por cortes de gastos nas áreas social e de infraestrutura para enfrentar a crise financeira.

A declaração foi feita em meio à polêmica gerada pela ampliação do programa Bolsa-Família ao mesmo tempo em que o governo anuncia um congelamento de gastos do Orçamento de 2009 que pode chegar a R$ 37 bilhões.

Aos ativistas reunidos em Belém - e aos outros quatro presidentes latino-americanos participantes do evento -, Lula disse que os países ricos não têm lições a oferecer no combate à crise que provocando aumento do desemprego e queda na produção em praticamente todo o mundo.

"Eles (os países ricos) tinham a solução para todos os nossos problemas e diziam o que tínhamos de fazer. Parecia que eles eram infalíveis e nós, incompetentes. Mas Deus escreve certo por linhas tortas, porque o ?deus mercado? quebrou", ironizou.

"Eles diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, cortar gasto, fazer choques de gestão e mandar trabalhadores embora. É hora, na verdade, de investirmos, de colocarmos dinheiro nos setores produtivos", acrescentou Lula, aproveitando a ocasião para falar do plano de seu governo de promover a construção de 1 milhão de casas populares nos próximos dois anos.

O Fundo Monetário Nacional, uma das organizações internacionais mais criticadas pelos grupos participantes do fórum, foi alvo de ironias por parte do presidente. "Agora espero que o FMI diga para o nosso querido Obama como ele tem de consertar os Estados Unidos e que diga para os outros países ricos como eles têm de consertar a crise."

Lula fez uma retrospectiva de sua participação no fórum desde o primeiro encontro, em Porto Alegre, em 2001. Ressaltou que os organizadores e participantes do evento sempre fizeram sugestões na área financeira e econômica contrárias às apresentadas por especuladores e pelo chamado Consenso de Washington, que aplicava, nas suas palavras, cartilhas muito rígidas aos países pobres, inibindo o crescimento econômico.

"A gente dizia que outro mundo era possível", afirmou, se referindo ao slogan do fórum. "Agora dizemos que outro mundo é necessário e imprescindível."
O presidente ressaltou a necessidade de discutir a formação de "uma nova ordem econômica" mundial e destacou a importância do G-20 - grupo que reúne os chamados países emergentes - como palco desse debate. "O G-20 tem de discutir o controle do mercado financeiro."

Ao criticar a falta de regulação financeira internacional e as teses de diminuição do papel do Estado, Lula afirmou: "É o Estado que não prestava para nada que está colocando bilhões de dólares para consertar a economia. Agora eles fecharam a boca, porque quebraram por pura especulação."

Observado pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, e Fernando Lugo, do Paraguai, disse que a eleição deles representa uma nova correlação de forças no continente.

CRISE

Lula pretende aproveitar o fórum - e o público amplamente simpático às teses que defende - para destacar que seu governo promoveu e incentivou um importante mercado de consumo, formado por pessoas de baixa renda, que hoje contribui para amenizar os efeitos da crise econômica no País. Esse mercado foi levantado por programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, segundo destacou Lula em tópicos preparados antes do encontro, a cujo teor o Estado teve acesso.

O presidente também pretendia abordar na visita a Belém o problema da devastação da Amazônia. Em um dos tópicos do documento, ele destacou que é preciso um modelo de preservação sustentável da floresta. A área ambiental do governo, segundo avaliações do próprio Palácio do Planalto, é uma das mais deficientes da gestão Lula. Desde 2003, o governo não conseguiu apresentar uma política concreta para o setor.

O discurso de Lula foi feito no final da noite no seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira Internacional. O presidente foi o último a discursar. Antes do seminário, contudo, Lula se reuniu com Chávez, Correa, Morales e Lugo, no Hotel Hilton. O encontro foi a portas fechadas.

Plateia petista aclama Dilma como candidata

Roldão Arruda, BELÉM
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Simpatizantes que lotavam auditório entoaram jingle eleitoral de Lula, mas com nome da ministra

Era para ser mais uma mesa-redonda, para discutir o papel da mulher na política. Mas na prática virou uma espécie de comício, em pleno Fórum Social Mundial. Assim que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, adentrou o palco, apresentada como uma das debatedoras, os petistas que lotavam o auditório entoaram o jingle da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, agora com outro nome: "Olê, olê, olê, olá.... Dilmá, Dilmá..." E imediatamente engataram outro refrão de campanhas petistas: "Brasil! Urgente! Dilma presidente!"

O tema do debate, promovido pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, não poderia ser mais apropriado para a ministra, apontada como a preferida de Lula para sucedê-lo na Presidência. Logo na abertura, a governadora paraense Ana Julia Carepa, primeira mulher eleita para a chefia de um Estado sob a sigla do PT, saudou: "Estamos chegando a um momento muito importante da nossa República, o momento de termos uma mulher na Presidência."

Depois do debate, durante entrevista coletiva, Dilma respondeu se considera que o país está preparado para eleger uma mulher presidente. Disse que o povo brasileiro está preparado tanto para eleger uma mulher quanto um negro ou um índio. Antes da entrevista, ao discursar para a platia, ela já havia dito que "nosso país é tão democrático que um torneiro mecânico chegou à Presidência".

Ainda no discurso, a ministra lembrou o início de sua militância política, nos anos da ditadura militar, em organizações que pregavam a luta armada: "Fizemos a autocrítica, mas não mudamos de lado: continuamos ao lado do povo, dos trabalhadores."

Defendeu enfaticamente o governo: "Voltamos a colocar o desenvolvimento na ordem do dia, acabamos com a proibição que existia para essa palavra." E deteve-se de forma mais detalhada no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que está sob sua coordenação: "Não é só uma lista de obras, mas sim um plano de integração nacional."

Como estava em plena Amazônia, em um fórum destinado a discutir sua preservação, ela também falou sobre o assunto, afirmando que o governo considera a região estratégica para a construção e consolidação do Brasil como nação. Lembrou atividades que estão sendo desenvolvidas, como os programas destinados a reduzir o desmatamento.

Foi aplaudida em três ocasiões durante o discurso. Uma delas foi quando citou a crise econômica mundial, afirmando que, ao contrário do que teria ocorrido em governos anteriores, o do presidente Lula "tem instrumentos para combater a crise" e "para garantir o emprego, pois só com a garantia da renda é que se pode crescer".

No fim, de novo a plateia reunida num grande galpão, conhecido como Tenda dos 50 Anos de Vitória da Revolução Cubana, com uma estrutura de metal e lona, voltou a entoar os refrões da campanha presidencial. Na saída, durante entrevista coletiva, a ministra disse ter ficado comovida com o calor da plateia, mas que ainda não é candidata: "O presidente Lula ainda não conversou comigo a esse respeito. Não tem nenhuma questão colocada ainda, porque não houve essa conversa."

O repórter viajou a convite da Funai

''Bancos só reduzirão o spread quando cair o compulsório''

Jacqueline Farid
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, avisou ontem no Rio que os bancos só vão reduzir o spread (diferença entre a taxa de captação de recursos e a cobrada nos empréstimos), como quer o governo, quando cair o compulsório. "Reduzir a Selic não basta, é fundamental a queda no compulsório para reduzir o spread", disse.

Para BNDES, investimentos vão cair entre 2009 e 2012

Daniele Carvalho, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reduziu em R$ 200 bilhões os investimentos previstos para o Brasil entre 2009 e 2012. Segundo projeção divulgada ontem, o País deve receber R$ 1,3 trilhão de investimentos nesse período, previsão 11% inferior ao R$ 1,5 trilhão apurados em agosto do ano passado, antes do agravamento da crise.

Diante do cenário de crise, que tem entre outras consequências a escassez de crédito, o BNDES prevê desembolsar de R$ 100 bilhões a R$ 120 bilhões este ano. Cerca de R$ 50 bilhões vão para a Petrobrás.

O maior recuo na previsão de investimentos ocorreu na indústria. Os números foram reduzidos em 15%, passando para R$ 450,1 milhões até 2012. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que o recuo foi causado principalmente pelos setores voltados para o consumo interno e de insumos básicos. Já na área de infraestrutura houve redução de 6,5% na previsão, para R$ 319,1 milhões. Na construção residencial, a queda foi de 6,4%, para R$ 535,7 milhões.

A necessidade imposta pela crise forçará o BNDES a aumentar sua participação como financiador dos investimentos do setor produtivo, suprindo o crédito que encolheu no mercado internacional. O banco prevê volume recorde de desembolso este ano, podendo atingir R$ 120 bilhões. "Este seria o pior cenário possível de oferta de crédito internacional, em que teríamos de assumir o papel."

Segundo ele, 2009 deve ser um ano de demanda forte nos setores de telecomunicações e infraestrutura, principalmente pela construção de grandes hidrelétricas, linhas de transmissão e projetos ligados a concessões rodoviárias. Mostrando-se otimista com a capacidade de o País superar os reflexos da crise, Coutinho diz "que não há razão lógica para que o Brasil coma o pão que o diabo amassou". Questionado se o banco terá fôlego financeiro para fornecer crédito à Petrobrás este ano e em 2010, ele diz que o reforço de R$ 100 bilhões dado pelo Tesouro ajudou a dissipar dúvidas em relação ao assunto."O aporte do Tesouro removeu as incertezas de uma possível falta de crédito para a Petrobrás, mas o resultado final vai depender do mercado.
Acreditamos que as coisas podem melhorar e que a Petrobrás possa voltar a pegar crédito no mercado".

Apesar da pressão governamental para que financiamentos do BNDES tenham a contrapartida de manutenção de empregos, Coutinho não sabe como esta exigência pode ser posta em prática.
"Estamos em discussão para criar mecanismos que avaliem isto levando em conta a peculiaridade de cada setor."

Há 20 anos não ocorria ''colapso'' social desse porte

Gilles Lapouge*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma greve em massa. Poderosa. Todas as centrais sindicais unidas, algo excepcional.Martine Aubry, a número um do Partido Socialista, participa das manifestações, o que nunca ocorreu. As cidades estão paralisadas.

Há 20 anos não se verificava um "colapso" social desse porte. Nicolas Sarkozy conseguiu nos rejuvenescer 20 anos.

No entanto, ele não é o responsável por essa greve. E no fundo, operários e funcionários sabem disso. O que eles querem expressar é o seu medo diante da perda do poder de compra e do desemprego. Ora, Sarkozy não tem nada a ver com isso e todos sabem. O caos é mundial.

Nasceu nos Estados Unidos. Tomou conta do planeta. Todos têm consciência desse fato, mas nas manifestações furiosas Sarkozy é que é vaiado.

Por que Sarkozy? O fato é que ele paga o preço da sua personalidade, do seu "narcisismo", do seu comportamento grosseiro e seus erros na condução do país.

Em primeiro lugar, ele governa só. Dramaticamente só. Os ministros são marionetes. É o presidente que faz tudo. Fala tudo. Insulta seus ministros. Hostiliza seus conselheiros. Não existe mais um elo entre ele e o país. E até o planeta ele quer dirigir. Considera-se responsável por tudo. Portanto, é o responsável pela crise, dizem os trabalhadores.

Em segundo lugar, Sarkozy é um homem hiperativo e brutal. Em períodos de calmaria, isso pode ser uma virtude. Num país próspero e adormecido, é bom sacudir as pessoas, tirá-las da indolência, fazer dez reformas por semana, gritar por qualquer coisa.

Inversamente, num país afetado, angustiado com a crise, a agitação é uma idiotice.

Mas é o ele faz. Em vez de amenizar seu estilo, refinar as propostas, ele as multiplica. Parece um operário louco. Corre para todos os cantos. Conserta uma torneira. Desce ao compartimento de carga, sobe no mastro. Muda de rumo. Joga a âncora. Levanta a âncora. Acelera. Muda de rumo de novo.

Em terceiro lugar, Sarkozy trata seus adversários brutalmente. Se alguém não aprova o seu gênio, ele insulta, ameaça, faz zombarias.

Quando é um dos seus ministros, não há problema. Os ministros foram formados para bajulá-lo. Mas com os sindicatos e os trabalhadores isso não funciona. A multidão ofendida resmunga, morde.

Assim, com todos esses equívocos ele conseguiu se fazer "odiar" por uma parte da França. Com ele, a emoção e a paixão assumiram as rédeas do debate político. Metade da França adora Sarkozy. A outra metade o rejeita. E as consequências são graves.

Com sua violência incessante, o presidente conseguiu ressuscitar as sensibilidades que tinham desaparecido da França, felizmente, há 30 anos. A oposição se tornou uma "boa companhia", bem educada, dócil. Um "poodle". Sem dentes.

Ora, graças a Sarkozy vimos nascer em poucos meses uma nova oposição, feroz, mal-educada, implacável, imperceptível. À esquerda da esquerda, ou seja, à esquerda do Partido Comunista, uma esquerda radical foi se formando. Trotskistas, comunistas, ao estilo de 1930.

Mesmo o sindicato de esquerda, a CGT, viu crescer à sua esquerda um novo sindicato, o sindicato Sul, que bate e dá murros.

Claro que sempre existiu uma facção de "ultraesquerda" na França. Mas ela era insignificante e folclórica. Hoje, não é mais uma facção. Se houvesse eleições amanhã essa ultraesquerda conseguiria arrebatar 15% dos votos. A esquerda "civilizada", ou seja, os comunistas, teriam apenas 3%.

Esse é o belo troféu que o estilo monárquico de Sarkozy conseguiu: despertar forças que se se acreditava estavam desaparecidas desde a revolução bolchevique.

*Gilles Lapouge é correspondente em Paris

Números contam

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O Brasil pode ter uma queda de 10% na produção industrial de dezembro. O número sai semana que vem. Uma queda deste tamanho só aconteceu em 1996. O PIB do último trimestre pode cair 1,9%, a pior queda trimestral desde 1991. A contração neste quarto trimestre foi maior aqui do que nos EUA. Esses números devem levar o Banco Central a rever a posição sugerida na ata divulgada ontem.

As previsões acima de produção industrial e do PIB do último trimestre são do CSFB. O economista chefe do banco, Nilson Teixeira, disse que os dados têm surpreendido os mais pessimistas.

- Esperávamos uma desaceleração da economia brasileira, mas a contração está sendo maior do que nós calculávamos. Está caindo tudo, emprego, salário, produção. Na nossa leitura, o desemprego está subindo mais rapidamente do que achávamos, a contração acontecendo mais rapidamente. As empresas estão sem visibilidade do que vai acontecer na economia.

Na Tendências, o economista Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central, prevê que daqui até a próxima reunião do Copom os dados de inflação que serão divulgados e os da economia podem surpreender.

- Os dados de inflação serão bastante tranquilos e os dados do nível de atividade vão mostrar que a conjuntura se deteriorou mais do que o esperado.

Um dado pode revelar a dimensão da queda brasileira. Nilson Teixeira acha que o PIB do quarto trimestre de 2008 vai mostrar que a economia brasileira contraiu mais do que a americana no último trimestre do ano passado. O número do PIB americano deve ter queda de 4,5%, na previsão do CSFB. Mas lá, eles apresentam os dados anualizados.

- Isso equivale a uma queda de 1,1% na nossa forma de medir, trimestre contra trimestre. Já nós, vamos ter uma queda de 1,9%, quase 2% no último trimestre.

O detalhe é que o dado do PIB brasileiro do quarto trimestre de 2008 vai sair perto da próxima reunião do Copom. É por isso que ele acha que o BC vai dar mais dois cortes de um ponto percentual nas próximas duas reuniões.

- E se não for 1 ponto percentual, eu acho que é mais provável 1,5 do que 0,75 ponto percentual. Essa é a minha leitura. Há leituras diferentes no mercado, mas eu acho que o BC, na próxima reunião, estará diante de um ambiente econômico mais deteriorado do que está prevendo. Um corte mais forte ajudará a restabelecer a confiança e aumentar a oferta de crédito - diz Nilson.

Esta é também a opinião de Gustavo Loyola. Ele acha que na próxima reunião o Banco Central deve reduzir de novo em um ponto percentual a taxa de juros, exatamente pela deterioração do nível de atividade.

A dúvida sobre o próximo passo do BC vem de alguns fatos. Primeiro, três dos diretores achavam que a velocidade consistente de queda dos juros era um corte de 0,75 ponto percentual. Segundo, a ata do Copom repete a expressão usada na nota divulgada após a reunião, de que "parte substancial" do corte já foi feito.

Gustavo acha que o BC repetiu essa expressão porque a intenção é a de fazer, no curto prazo, a maior parte do corte de juros, em vez de distribuir os cortes ao longo do tempo.

Nilson Teixeira acha que os dados a serem divulgados de agora até a reunião do Copom mostrarão que a queda é brusca demais.

- Nós estávamos crescendo a 7% na margem, vamos contrair 7% na margem. É como um carro que está acelerando e tem que dar marcha a ré - compara.

O desemprego de janeiro pode chegar a 9% na visão do CSFB. Isso significa sair de dezembro com 6,8% e ir para 9%. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE sempre mostra alta do desemprego em janeiro, mas ele acha que, desta vez, o movimento será mais acentuado, porque os demitidos do fim do ano, que entraram na conta do Caged, devem entrar só agora na PME.

O cenário internacional também está sendo revisto para pior, em todos os bancos e consultorias.

- Cada vez que revisamos aqui o cenário internacional é para acentuar a queda. Em relação ao Brasil, a cada revisão o crescimento é menor. No fim do ano previmos 1,3% de crescimento e todos nos acharam pessimistas. Agora, outras previsões estão convergindo para este número e, se nós fôssemos rever, o número seria menor - diz Nilson Teixeira.

A ata do Copom divulgada ontem não tem qualquer relação com a da última reunião. O que era suspeita de crise virou certeza, o que era temor de alta de inflação virou a convicção de que as pressões inflacionárias estão em queda. O cenário mudou completamente. A certa altura, a ata diz que "as tendências contracionistas prevalecem sobre as pressões inflacionárias"; em outro momento, registra que há "pressões baixistas sobre preços do atacado a despeito do ajuste cambial".

Aquele quadro de excesso de demanda e risco inflacionário, que motivou o último aperto monetário, mudou radicalmente. Hoje, o risco é o inverso. E pelo que disseram os dois economistas que entrevistei: os dados a saírem nas próximas semanas vão mostrar que o quadro é ainda pior do que o descrito na ata do Copom. Isso levará, portanto, o Banco Central a fazer novos e fortes cortes nos juros no curto prazo.

Outro mundo

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Quando estava preso, Affonso Romano me visitou e disse que achava que nossa visão revolucionária tinha muito de religioso. Naquele momento, estranhei. Mais tarde, lendo a conferência de George Steiner, "Os Sonhadores do Absoluto", percebi que havia afinidades. Sobretudo nessa certeza em determinar o sentido do homem, em sonhar com um mundo completamente novo, inclusive com um homem novo.

No meio da década de 60, no bar Degrau, disse para Bolívar Lamounier que, como Sartre, achava o marxismo o horizonte intelectual insuperável de nosso século. "Bobagem do Sartre", respondeu diante do copo de chope. Também estranhei. Sartre era o filósofo.

Tinha muitas reações de estranheza diante dos livros de Isaiah Berlin. Ele escreveu numa revista "Encounter" financiada pelo governo americano. Era considerado da CIA. A qualidade de sua obra me conquistou. Além de entender a Revolução Russa, achou bem no romantismo alemão as raízes revolucionárias. Homem novo? Sentido da história? Todas essas grandes ideias passam por sua análise fria, liquidificadora.

Leio agora sobre a Europa. Deu um grande salto no pós-Guerra. Um a um, os partidos social-democratas se livraram das certezas da história, contentando-se com o aumento do poder de consumo, a maior liberdade das pessoas, uma estabilidade democrática.

Vista retrospectivamente, foi uma extraordinária conquista.

Nesse momento de crise, em vez de outro mundo, peço um mundo melhor. É o caminho para abordar a economia e a degradação ambiental. Uma vez foi tentada uma conferência entre os dois fóruns, Davos e Porto Alegre. Um caos. Cada um falava a sua língua. Não conseguiram se entender. Se houver outro mundo, ou, mais modestamente, um mundo melhor, dependerá mesmo de fóruns como esses?

Mau sinal

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. Depois de muitos anos sendo o "patinho feio" da economia mundial, a América Latina não é o problema e pode vir a ser parte da solução da crise internacional, pois é das poucas regiões do mundo que ainda mantém uma previsão de crescimento positivo nesses tempos tumultuados. A situação do Brasil, então, é um destaque dentro da região, mas as expectativas de orgulhosos membros do governo e empresários aqui presentes são um tanto exageradas. Se é verdade que o país está sendo considerado um dos poucos que têm se saindo relativamente bem nessa crise econômica internacional, é verdade também que as expectativas de crescimento do PIB brasileiro só fazem cair, à medida que a crise se mostra mais devastadora a cada dia que passa.

Apesar do relativo otimismo em relação ao desempenho da região como um todo, e do Brasil em particular, há um temor de que a crise econômica severa reavive tendências populistas, para tentar evitar que seus efeitos afetem as políticas sociais que tiveram bons resultados nos últimos anos, tirando da extrema pobreza milhões de pessoas.

A questão é que aumentar os gastos públicos para tentar estimular a economia ou aumentar a proteção aos mais necessitados, como está fazendo o Brasil neste momento ampliando o alcance do Bolsa Família, em vez de política anticíclica tradicional, pode se transformar em fator de desordem da economia e fonte de inflação a médio prazo. E assim vai destruindo os fundamentos que estão dando, neste momento, o suporte para enfrentar a crise com um mínimo de estrutura. E é o controle da inflação que permite avanços nos programas sociais.

No Brasil, a recente medida de dificultar as importações, revogada pelo governo, é um exemplo do que não deve ser feito para proteger a economia. Sem citar a medida explicitamente, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que devemos evitar que, para enfrentar uma crise de origem externa, criemos problemas econômicos que podem vir a se tornar problemas internos mais adiante.

Como aconteceu nos anos 1970 do século passado, quando, para enfrentar a crise do petróleo, o governo Geisel criou um programa de substituição de importações, e manteve investimentos que provocaram inflação e aumento da dívida externa, desaguando na crise dos anos 1980.

Outro receio, e este afetando não apenas a America Latina, mas outras partes do mundo seria o ressurgimento de um espírito protecionista no comércio internacional. A cláusula que dá preferência à utilização de produtos americanos nas obras a serem financiadas pelo Plano de Recuperação Econômica que está sendo aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos, se confirmada na versão final, pode ser um sintoma de recrudescimento do protecionismo americano, que desmente a intenção de Barack Obama de fortalecer o comércio internacional através da retomada da rodada de Doha.

Obama se disse disposto a retomar as negociações em telefonema ao presidente Lula, e o chanceler brasileiro Celso Amorim ficou bastante estimulado com essa promessa, que foi confirmada a ele pela secretária de Estado, Hillary Clinton.

O novo negociador para comércio internacional americano, ex-prefeito de Dallas Ron Kirk, não tem experiência na área, mas apoiou politicamente o Nafta e a normalização de relações comerciais com a China. Apontado como defensor da liberalização, quando candidato ao Senado, em 2002, foi contra a concessão pelo Congresso do mandato para negociar ao presidente Bush (fast track), esperemos que mais por razões políticas do que por convicção contrária à necessidade de liberalização do comércio internacional.

Por não ter sido ainda aprovado pelo Senado, o negociador americano não está participando dos encontros aqui em Davos, e por isso não serão dados passos concretos na direção de uma efetivação das negociações.

O mais preocupante, porém, é que o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, não recebeu ainda nenhuma indicação formal da nova administração americana de que está mesmo interessada em retomar as negociações.

Com aprovação da cláusula conhecida como buy american no programa de recuperação econômica dos Estados Unidos, a União Européia já ameaça entrar com uma ação na OMC, o que inviabilizaria o ambiente para uma retomada das negociações.

O chanceler Celso Amorim, que está aqui em Davos empenhado em reabrir o diálogo, já achava antes desse fato novo surgir que sairia de Davos apenas uma exortação pela retomada da Rodada de Doha, nada mais que isso, sem a presença do negociador americano.

A postura da nova administração dos Estados Unidos em relação a Davos não tem sido das mais favoráveis. O presidente da Comissão Nacional de Economia, ex-secretário do Tesouro Larry Summers, cancelou sua presença aqui, e foi substituído por Valerie Jarrett, assessora especial de relações intergovernamentais e ligação com o público, que fez um pronunciamento banal.

Em que pesem as declarações generalizadas, inclusive do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, de que a crise só será resolvida em comum acordo de todos os países, não há ainda uma definição clara do novo governo americano sobre de que maneira se dará essa colaboração internacional.

E a semente de protecionismo incluída no meio do pacote de mais de U$800 bilhões é um mau sinal que estão enviando ao mundo.

Maldito Estado, maldito mercado

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

No circo de Davos, cúpula da finança mundial dá mais vexames retóricos sobre a lambança recessiva que criou

"O JP MORGAN ficaria bem se parássemos de falar dessa maldita estatização de bancos. Nós estamos cheios de capital", disse ontem em Davos o presidente do JPMorgan, Jamie Dimon.

Dimon pode, pois, emprestar algum para seus pares e agregados do mercado. Na quarta-feira, eles estavam animadinhos com o rumor de que Barack Obama poderia dar US$ 1 trilhão para encher a burra da banca, em tese vazia de capital. Mas a burra está vazia? Há controvérsia. Jean-Claude Trichet, por exemplo, quer que os bancos voltem a emprestar já.

Se existem oito liberais e meio na França, Trichet é um deles. Preside o Banco Central Europeu.

Mas Trichet disse ontem em Davos que os grandes investidores do mundo estão errados em exigir que os bancos amontoem mais capital. Isto é, critica bancos que relutam em emprestar dinheiro, no afã de fortalecer seus balanços e se preparar para mais perdas. Tal atitude, diz o banqueiro central, vai aprofundar a recessão mundial. Em suma Trichet disse que o mercado está errado.

Não é mera questão de opinião. Se os investidores não querem ver bancos emprestando demais, isso significa que venderão ou não comprarão papéis das instituições que teimam em emprestar.

Ao recusar os papéis desses recalcitrantes, o mercado derruba seus preços. Logo, na visão de Trichet, os mercados estão dando preços errados para os bancos. Ops. O mercado não faz o preço certo? É Trichet quem sabe o preço? Mas ele não é liberal? Trata-se apenas de um exercício de "persuasão moral"?

Dimon, o do JPMorgan, disse ainda que os bancos fizeram "coisas realmente estúpidas". Mas também xingou a mãe do juiz: "Onde estava o governo? Eles aprovaram todos esses bancos". Governos e reguladores do mercado continuam errando muito, apregoou o banqueiro: "Ainda não vi ninguém reunir as pessoas certas numa sala, fechar a maldita porta e chegar a uma solução".

Mas, enquanto as portas estiveram fechadas, com todas as pessoas erradas do lado de fora (o maldito resto do mundo), Dimon e amigos fizeram as regras do jogo da lambança. Amigos como Henry Paulson, ex-Goldman Sachs e depois secretário do Tesouro de George Bush, notório arrombador de portas regulatórias. Portas arrombadas, aliás, sob Bill Clinton, com a "cheerleadership" de seus secretários do Tesouro, Robert Rubin (ex-Citibank) e Larry Summers, ora conselheiro-mor de Barack Obama e madalena nada arrependida que disfarça o apoio que deu à arquitetura da lambança.

Tony Blair, o "poodle de Bush", estava também num dos picadeiros de Davos. Lá o pessoal discutia "como os valores saíram dos trilhos" e como restaurar a "ética nos negócios". Mas, teoricamente, não há "ética" em economia. Apenas escassez, interesses, incentivos e normas.

Alan Greenspan, por exemplo, acreditava nisso. Diz que ficou chocado quando viu que a "disciplina do autointeresse" não funcionou.

Tingida de "preocupação construtiva", a empáfia escarninha ou descarada está com tudo em Davos, o circo dos cavalinhos da propaganda mercadista.

No circo do "outro mundo" (é possível?), no Fórum Social de Belém, o pessoal faz pajelança. Isso durante a maior crise do conservadorismo em 60 anos.

O que nos faz diferente desta vez

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Chamam a atenção a segurança de nossos bancos e a qualidade da regulação do sistema financeiro brasileiro

DUAS AVALIAÇÕES recentes mostram um quadro econômico mundial ainda em deterioração. O FMI (Fundo Monetário Internacional) reviu as projeções de crescimento para 2009 feitas em novembro passado, reduzindo-as de 2,2% para apenas 0,5%. Além disso, deixou claro que, se não houver uma mudança radical na funcionalidade do sistema financeiro ao longo dos próximos meses, a fronteira do crescimento negativo será ultrapassada.

Da mesma forma, o Federal Reserve (o banco central norte-americano) expressou sua preocupação com uma nova rodada de enfraquecimento da economia americana nos próximos meses. Mais uma vez a possível ultrapassagem de outra fronteira perigosa -a da deflação generalizada- foi mencionada com muita preocupação.

Essas mensagens mostram que o encolhimento do estoque de crédito no mundo desenvolvido ainda está em seus estágios iniciais e atinge agora segmentos até recentemente defendidos. A imagem da metástase volta novamente com toda força. O melhor exemplo é a extrema dificuldade que importadores e exportadores encontram para obter cartas de crédito, instrumento que garante a liquidação de suas operações. Muito da queda do comércio internacional nos últimos meses está associada a esse fato.

Como não podia deixar de acontecer, a economia brasileira vem sofrendo os efeitos da crise mundial. Até a quebra do Lehman Brothers, em setembro passado, ela funcionava a todo o vapor. Mas a falência desse banco provocou uma mudança de qualidade -ou de estado, para usar uma linguagem da física- na crise mundial e fomos engolfados pelo Maelström que se formou então. Hoje, passado o pânico que envolveu todos, nota-se a volta de algum bom senso nas análises das condições econômicas atuais. Há uma tentativa de separar o joio do trigo, ou melhor, de hierarquizar as várias economias de mercado em função de suas características. E, para nós, brasileiros, esse exercício trás um bom sentimento, resgatando certos marcos de nossa economia que foram pesadamente criticados no passado e que hoje são amarras que nos permitem sair desse incrível turbilhão em melhores condições do que outros países.

O que mais chama a atenção no exterior são a segurança de nossos bancos e a qualidade da regulação do sistema financeiro brasileiro como um todo. Nesse sentido, o Proer foi elemento-chave, mas é importante citar também o fato de que nunca caímos no conto da chamada autorregulação radical do sistema financeiro. Outros elementos, de natureza mais circunstancial, como os elevados depósitos compulsórios do sistema bancário, também nos ajudam a passar com mais tranquilidade pelas turbulências atuais. Outra marca importante, a existência de instituições públicas de porte como o Banco do Brasil e o BNDES, permite-nos enfrentar o clima de pânico do sistema bancário privado e evitar uma descontinuidade no mercado de crédito da dimensão que estão sofrendo os EUA, o Reino Unido e outros países. É papel do BNDES atuar de forma anticíclica, preservando ao menos em parte o investimento privado e o consumo, e os benefícios de sua existência ficam claros em momentos como o atual. E pensar que queriam fechar essa instituição...

Por isso, se o governo mantiver um mínimo de serenidade e racionalidade, aceitando em 2009 um crescimento bem menor, chegaremos ao fim desta crise com uma economia mais sólida do que as da maioria dos países emergentes.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1224&portal=

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Excluído, Lula tenta fazer as pazes com esquerda

Soraya Aggege e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO

No Fórum Social, presidente vai dizer que saída para a crise global é um novo modelo de produção e consumo

BELÉM. O presidente Lula vai tentar fazer as pazes com os movimentos sociais, hoje em Belém, no Fórum Social Mundial (FSM). Vaiado no encontro de 2005, agora Lula será cobrado por antigas promessas e engolirá até um veto - de antigos aliados, como o MST - para sua participação em um dos eventos. Lula vai dizer ao FSM o que a esquerda quer ouvir: a saída para a crise global será a construção de um novo modelo de produção e de consumo, ambientalmente sustentável. Lula também dirá que, graças aos avanços da esquerda, a América Latina está mais bem preparada para enfrentar a crise. Lula pretende pedir a "unidade de ação das forças populares" para combater a crise, além de propor uma cooperação entre os países amazônicos para projetos de desenvolvimento sustentável, segundo O GLOBO apurou.

O presidente deverá afirmar ainda que a crise financeira global se soma a outras, como a alimentar, a ambiental e a energética. Lula vai prometer que seu governo combaterá a crise com produção e geração de empregos. E vai aproveitar o embalo para apresentar sua candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), aos movimentos sociais que ajudaram a elegê-lo em 2002, no mesmo FSM.

Para muitas das organizações do FSM, no entanto, Lula não é mais considerado um governo de ruptura com o neoliberalismo, como são os governos de Bolívia, Venezuela, Equador e Paraguai.

- Não viemos aqui para vaiar o Lula, como alguns pequenos grupos querem fazer na visita. Mas não consideramos seu governo afinado com o FSM e por isso o excluímos dos convidados. Tanto Lula quanto seu governo, os ministros presentes, não são nossos convidados - disse Ulisses Manaça, da direção nacional do MST e da Via Campesina.

Foram convidados para o debate da integração popular da América Latina com MST e Via Campesina os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Fernando Lugo (Paraguai). Os presidentes teriam tentado convencer as organizações a convidarem Lula, alegando que a situação seria embaraçosa, mas não houve acordo.

- Não consideramos ofensivo. O fato é que o MST quer discutir temas como a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), que não dizem respeito ao nosso governo - reagiu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci.

Lula se reunirá separadamente com os quatro colegas latinos em um hotel, logo que eles retornarem do evento. Na pauta, a crise global e as saídas para a América Latina. Depois, os cinco presidentes ocuparão um dos mais badalados palcos do FSM: cinco organizações sociais farão perguntas aos cinco presidentes, provavelmente sobre dois temas: crise mundial e Amazônia. É nessas respostas que Lula deverá encaixar seu discurso.

Amanhã, ele tem um encontro fechado com conselheiros internacionais do FSM. Foi o próprio presidente quem convidou o Conselho, integrado por 165 membros, incluindo o PT.

Alguns dirigentes petistas afirmaram ontem que a importância do FSM para Lula é de preparação para a crise. A ordem no PT é garantir uma reaproximação com os movimentos, não só para dar sustentação popular a Dilma Rousseff em 2010, mas para evitar oposição nos momentos críticos da economia. O presidente estaria temeroso de uma onda de greves, invasões e rejeição ao governo. O espaço de recomposição do partido com os movimentos é exatamente o FSM. Depois, em março, o partido convocará uma reunião para viabilizar sua rearticulação com os principais movimentos sociais.

O papel da oposição

Gustavo Fruet
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com poucas exceções, o que temos é uma oposição tímida, num Congresso Nacional cada vez mais submisso ao governo

UMA REGRA não escrita, mas consagrada, das democracias é que quem ganha eleições governa, quem perde é oposição -critica e fiscaliza.

Idealmente, ambos os lados partilham os valores democráticos, o que pressupõe atitude construtiva mesmo na oposição e até a possibilidade de compor com o governo quando estiverem em jogo interesses maiores do país, do Estado ou da cidade.

O que não é razoável é que a oposição abra mão do seu papel institucional, que é justamente o de contrapor pontos de vista e projetos, além de fazer denúncias. Nos últimos anos, esse princípio salutar tem sofrido abalos no Brasil.

Numa realidade política em que o presidente da República ostenta altos índices de aprovação popular e vetores tradicionais de contestação -como os movimentos sociais e até o sistema financeiro- alinham-se ao governo, ser oposição transformou-se num fardo que muitos relutam em carregar. Com poucas exceções, o que temos é uma oposição tímida, num Congresso Nacional cada vez mais submisso ao governo.

Três anos depois do escândalo do mensalão, a produtividade da Câmara dos Deputados melhorou, mas ainda é baixa. Em 2008, mais da metade das sessões tiveram a pauta trancada.

A participação das medidas provisórias em relação ao total de matérias apreciadas caiu em relação a 2007, quando representaram 42% de tudo o que foi votado. Mas elas continuam com destaque no balanço do que foi aprovado. De cada 4 matérias aprovadas pela Câmara dos Deputados em 2008, 1 é medida provisória.

A atuação do Poder Executivo no Legislativo também é registrada nos projetos discutidos: o governo federal encaminhou 40% dos projetos de lei aprovados e 37,5% dos projetos de lei complementar.

Neste ano, a capacidade da oposição -e, particularmente, do PSDB- para organizar uma ação coordenada será testada por uma agenda repleta de temas difíceis e até polêmicos.

A política terá uma dimensão maior, exigirá novas referências e uma concepção positiva. Já na volta das sessões da Câmara dos Deputados, a pauta incluirá a reforma tributária e o arremedo de reforma política proposto pelo governo. É importante saber o que realmente motiva tal proposta, em especial ao tratar ou não do fim da reeleição.

Entre os temas mais polêmicos para discussão estão ainda o fim do fator previdenciário e o reajuste salarial dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Ainda no campo trabalhista, a crise internacional, que já mostra sérios reflexos no Brasil, deverá impulsionar o debate sobre a redução da jornada de trabalho. Outro tema que certamente provocará ainda muita discussão é a proposta de alteração no Código Florestal, que opõe ruralistas e ambientalistas, favoráveis e contrários à redução da área protegida na Amazônia.

São temas que não admitem meio termo nem devem servir de suporte para posições populistas. Todos terão impactos no país. Exigem, portanto, posicionamento firme, coerência e clareza. Qual será a posição da oposição? Vai se alinhar ao governo ou simplesmente se posicionar contra?

É necessário definir posições e firmar um discurso claro que permita à sociedade compreender que papel desempenha cada ator do cenário político nacional. Política se faz com identidade.

Nenhum partido ou candidato de trajetória dúbia pode pretender a confiança dos eleitores. Por mais personalista que seja o voto, ao fazer os cálculos que resultarão numa escolha política, o eleitor levará em conta o grau de identificação com determinado partido -o que naturalmente está relacionado com a orientação adotada por esse partido, a maneira como se posiciona diante de determinados temas e a sua prática cotidiana.

É necessário ter clareza, e a agenda que espera o Congresso Nacional em 2009 é uma excelente oportunidade para demonstrar até onde a oposição está disposta a fazer oposição.

Gustavo Fruet , 45, doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná, é deputado federal (PSDB-PR) e vice-líder do seu partido na Câmara.

Como Pôncio Pilatos

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A candidatura do senador José Sarney à presidência do Senado não foi decidida na semana passada nem é fato que tenha contrariado o presidente Luiz Inácio da Silva nem chegado ao conhecimento dele no encontro que os dois tiveram dia 20 último.

É urdida há quase dois meses. A data da operação em si pode ser estabelecida a partir do dia 18 de dezembro quando o presidente do Senado, Garibaldi Alves, num movimento estranho, mas agora compreensível, foi lançado pelo PMDB à reeleição, a despeito dos questionamentos jurídicos.

Naquele mês, mais de um senador da base governista foi chamado ao gabinete de Renan Calheiros e ouviu que José Sarney seria o próximo presidente do Senado e, ele, Calheiros, líder do partido. O roteiro da trama é conhecido, mas poucos ousam revelá-lo e nenhum senador o faz sem a proteção do anonimato.

Articulador da candidatura por intermédio da qual volta ao poder e busca o prestígio perdido em meio a denúncias que lhe custaram a renúncia à presidência do Senado e um processo no Supremo Tribunal Federal, Renan Calheiros abriu o jogo na ocasião.

Disse que tiraria a liderança de Valdir Raupp, que no dia 20 de janeiro Sarney anunciaria a candidatura e que até lá seria necessário criar um fato para impedir a viabilização da candidatura do petista Tião Viana.

Dito assim, exatamente assim foi feito. O senador Garibaldi prestou-se ao papel de simular a retomada da ideia de se candidatar à reeleição e, desse modo, evitou que Viana se consolidasse, o que fatalmente ocorreria se ficasse sozinho no páreo.

Na ocasião, quem quis foi conferir o roteiro com Sarney. A conversa, meio atravessada como sempre, foi sendo conduzida para o desmentido, a negativa da candidatura. Até que Sarney fez uma vírgula, e disse o que de fato queria dizer: "Mas o Tião, nesse meio tempo, terá que decolar..."

Pois "nesse meio tempo", o PMDB tudo fez para que não decolasse. Lançou Garibaldi, manteve a possibilidade Sarney no ar e foi levando em banho-maria o momento de decisão que seria anunciada logo após o encontro com Lula.

Reunião de cartas marcadíssimas. O presidente explicou a Sarney que já havia tentado demover Tião Viana da candidatura, naquela altura irreversível, assumida no PT com o compromisso de ir até o fim, "dê o que der".

O senador, então, deu cartada final, dizendo ao presidente que, se ele pedisse, retiraria a candidatura. Lula respondeu que não "faria isso" com um "parceiro" leal e um político da estatura de Sarney. Estava, portanto, sacramentado o abandono de Tião Viana à própria sorte.

Destino, ademais, traçado por diversos companheiros que o alertaram para que não se iludisse, pois seria deixado no meio do caminho.

Feita a cena no dia 20, no dia 21 Sarney começou a procurar os colegas senadores. Comunicou a "revisão" daquela posição de não concorrer e relatou a conversa com o presidente. Só.

Não pediu voto, mas começou a negociar os cargos na Mesa, assegurando ao DEM logo a primeira-vice-presidência para o senador Heráclito Fortes, um dos mais aguerridos opositores do governo Lula.

Ao PSDB de maneira enviesada fez entender que os votos do partido poderiam levar o apoio do grupo aliado a Lula desde o primeiro momento da campanha pelo primeiro mandato para a candidatura José Serra a presidente em 2010.

Pelo que anda dizendo o presidente do partido, senador Sérgio Guerra, a seus pares, o tucanato acreditou.

Não teria tanta confiança assim, porém, se tivesse tido oportunidade de testemunhar a sem-cerimônia com que aliados de Sarney circulam por Brasília comemorando antecipadamente a vitória no Senado e apostando que, na Câmara, não se elege Michel Temer e sim Aldo Rebelo, cuja campanha, cumpre registrar, está mergulhada no silêncio e no mistério.

Ele atua fortemente, pedindo votos sob o argumento de que não interessa a ninguém, nem ao governo nem à oposição, ver o PMDB no comando total do Congresso.

O grupo de Michel Temer acusou o golpe desde o primeiro instante e passou a trabalhar contra Sarney. Eles não querem briga com o presidente da República (em nome dos cargos que ocupam desde a reeleição), mas já detectaram a evidência: para o Palácio do Planalto não seria de todo mau - ao contrário - que Temer seja derrotado.

Principalmente se Aldo Rebelo ganhar, abrindo-se a oportunidade para a compensação pela derrota para Arlindo Chinaglia, na eleição de presidente da Câmara em 2007, e a desistência da candidatura a prefeito de São Paulo para integrar, como vice, a chapa de Marta Suplicy.E qual o ganho da eventual derrota de Temer?

A perda do comando do partido, hoje presidido por ele, cuja máquina nacional é diamante para qualquer que seja o plano de Lula para 2010. Esse grupo, como se sabe, é próximo de José Serra, fez parte do governo Fernando Henrique Cardoso e, desde a adesão da seção paulista à candidatura de Gilberto Kassab, costeia perigosa, mas firmemente, o alambrado do campo adversário.

Crise, sucessão e um Congressodiferente na fase final do governo

Jarbas de Holanda

A conquista pelo PMDB dos comandos da Câmara e do Senado, já praticamente definida a menos de uma semana das duas eleições – em ambas numa aliança com a oposição, na segunda contra o PT e na primeira sem depender do apoio dele – poderá mudar significativamente a qualidade do relacionamento do Palácio do Planalto com o Congresso, terá algumas implicações no enfrentamento da crise econômica e, sobretudo, condicionará o processo da sucessão presidencial, em particular a campanha da candidata situacionista Dilma Rousseff.

A mudança da qualidade de tal relacionamento será facilitada ou propiciada por progressiva evolução do partido majoritário no Legislativo federal de uma postura que combinava a partilha do governo com a subordinação ao projeto sucessório de Lula para um posicionamento pragmático de persistência da partilha mas sem compromisso com o referido projeto e, mais que isso, aberto à exploração de duas alternativas: apoio a um candidato oposicionista, provavelmente o tucano José Serra, ou lançamento de um nome próprio (na hipótese, de difícil e incerta operação, da troca de legenda por Aécio Neves). Nos dois casos, com interrupção daquela partilha bem antes da disputa presidencial.

Manifestações previsíveis de tal mudança: com um PT enfraquecido, o presidente Lula dependerá decisivamente de um PMDB centrista para o enfrentamento dos efeitos da crise econômica no Legislativo e para a própria governabilidade, bem como para a montagem de seu projeto sucessório. Outras manifestações do gênero: o fechamento do caminho para proposta de um terceiro mandato presidencial consecutivo (que poderia reemergir com força num cenário – bem mais adiante – de manutenção de altos índices de popularidade de Lula e de precária afirmação de candidatura por ele patrocinada), que o PSDB reforça com cobrança de explicitação contrária por Sarney; e aumento das dificuldades enfrentadas pelo projeto oficial de ingresso da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul, carente de aprovação por um Senado com um presidente reiteradamente hostil à iniciativa. Mas tudo isso se processando por meio da ambigüidade própria do pragmatismo peemedebista, sem envolver iniciativas de ruptura com um presidente com alta taxa de popularidade e que conta ainda com dois anos de mandato.

Em relação à crise, o fortalecimento do PMDB centrista, em detrimento do esquerdismo do PT, poderá refrear propostas e ações de setores do governo para enfrentamento dela por meio de medidas de exacerbação populista, tais como nova escalada dos gastos com programas assistencialistas e das despesas de custeio (além das já contratadas para este e os próximos anos) ou o bloqueio político à negociações trabalhistas destinadas a minimizar a avalanche de demissões, sobretudo na indústria. Quanto a decisões tomadas pelo Planalto que têm sido questionadas – como a criação do Fundo Soberano, com recursos internos, e o uso de vultosas e subsidiadas verbas públicas para a capitalização do BNDES – o PMDB não tem posição contrária ou nada a opor. Como também em relação ao PAC e outros programas de investimentos, de cuja gestão buscará participar mais e colher melhor dividendos.

Especificamente a respeito da sucessão de 2010, a dependência maior de Lula para com o PMDB deverá traduzir-se num esforço da pré-candidatura Dilma Rousseff para associação dele a sua campanha. Que, por isso, enfrentará mais restrições no PT, restrições, porém, de um partido debilitado e sujeito ao comando do presidente Lula. A busca dessa associação terá a virtude de reduzir o esquerdismo histórico da chefe da Casa Civil, compelindo sua campanha a ampliar articulações com setores do empresariado em torno de propostas desenvolvimentistas nas quais ela disfarçará seu dirigismo estatizante e a serem combinadas com a capitalização dos programas assistencialistas de Lula. Pois, para disputar o apoio do PMDB, como uma candidatura a ser socialmente construída, Dilma terá de escudar-se num discurso moderado, capaz de sensibilizar o eleitorado centrista (ao contrário daquele que Lula fez no segundo turno da disputa com Geraldo Alckmin em 2006, ao usar retórica radical antiprivatização e anti-av.Paulista, esta como símbolo do empresariado da Fiesp).

A disputa para mostrar quem é mais miserável

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"Vocês não vão para Serra Pelada? Vocês têm que ver a miséria lá. Lá é muito pior. Tem 800 casos de hanseníase para uma população de seis mil habitantes", incita o vereador Paulo Higino da Silva aos jornalistas e membros da comitiva do Fórum de Carajás promovido pelo MST, que levou cerca de 150 pessoas a percorrer quase 1,5 mil quilômetros dentro do Pará, de sábado até terça-feira, para ver mata que virou pasto e árvore que virou madeira, e muita miséria. Na curva do "S", onde há 15 anos a PM do Pará, no governo de Almir Gabriel (PSDB), emboscou milhares de sem-terra e matou 19, se o clima era mais amistoso do que há uma década - a Força Nacional estava lá para proteger a comitiva, que tinha muitos estrangeiros; a prefeitura recebeu com festa; o palanque foi destinado a poemas de músicas da "luta pela terra"; a inauguração de um monumento aos mortos de Carajás foi feita pelo MST, que descerrou a placa com a sua bandeira -, o desfile de misérias individuais e coletivas não deveria ser diferente. Higino insistia que os olhos internacionais vissem a degradação da parte de Curionópolis que já foi a maior mina de ouro do mundo e hoje é o maior índice de lepra do Brasil. Tem também prostituição infantil, insiste o vereador. Mais adiante, moradores de Parauapebas, município que sedia Carajás, reivindicavam ao seu município o mais alto índice de HIV e de câncer de pênis do país (atribuído a hábitos de higiene precários), além de um dos mais altos custos de vida do Estado. Parauapebas tem 110 mil habitantes e prevê que, em três anos, chegará a 300 mil. Oitenta por cento de seus habitantes são maranhenses - a Vale do Rio Doce atrai levas de migrantes pobres que incham a periferia da cidade, lá se incorporam às tarefas de peões da mineradora, ou ficam desempregados e engrossam as filas do MST.

Mil e quinhentos quilômetros de estrada, onde se alternam projetos grandiosos e miséria igualmente grandiosa, são suficientes para convencer qualquer um que o grande problema da Amazônia ainda é o fundiário. O Pará é, hoje, uma fronteira que está sendo empurrada - e os tratores das madeireiras e os bois transitam e comercializam áreas de grilagem, do Estado e da União, sem serem incomodados. É terra sem lei, mas dono, na verdade, ela tem. São a União e o Estado. A União, todavia, tem quase 70%. Aliás, em quase toda a Amazônia Legal a União é a grande proprietária de terras públicas, porque o governo militar, na década de 70, desapropriou cem metros à margem das rodovias e saiu abrindo picadas no meio da mata e fazendo projetos de colonização que distribuíram muita isenção fiscal a grandes empresas sem nenhuma vocação para o agronegócio; atraiu levas de nordestinos e largou-os no meio da floresta; e botou combustível numa região de mais alto e antigo conflito de terras do país. Na região amazônica, portanto, a questão fundiária é principalmente um problema federal.

Essa situação tem um custo que vem sendo empurrado governo a governo após a redemocratização. Não existe solução possível para a preservação da Amazônia, para a erradicação da miséria na região e para a redução da desigualdade social que não passe por uma definição clara de um projeto do governo para a questão agrária. A primeira questão, urgente, é a regularização fundiária. Existe uma enorme controvérsia sobre o assunto, mas talvez isso ocorra por causa das omissões sucessivas dos governos, inclusive do próprio presidente Lula, que não foi diferente nessa questão. Há uma divergência profunda entre o que querem os movimentos sociais - que estão empenhados em estabelecer limites à regularização da grande propriedade - e o que desejam o Congresso e o governo federal, que definiram a regularização de propriedades de até 15 módulos (1,5 mil hectares).

Essa é uma questão polêmica porque a concentração de terras na região nas mãos dos grileiros têm ocorrido, desde os anos 70, com a conivência de agentes públicos. Quem está fora do processo não imagina por que razão um deputado ou senador da região sempre fez tanta questão de indicar o responsável pelo Incra estadual. Nem todos os presidentes dos Incras estaduais fizeram isso, é lógico, mas ao longo do tempo essa troca de favores entre governo federal e sua base parlamentar foi proporcionando poder aos mal intencionados para regularizar grilagens em troca de dinheiro.

Segundo um integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no início do governo Lula foi feito um acordo entre o governo, os movimentos sociais e o próprio grupo do PT que comanda desde o início o Ministério do Desenvolvimento Agrário, para que os Incras estaduais não fossem moedas de troca com a base de apoio de governo. A idéia era substituir a indicação política pela indicação técnica, para que fosse quebrada a relação entre o poder local e a grilagem. Não foi o que aconteceu. Agora, quando a questão da regularização fundiária entrou, enfim, na pauta do governo, a sirene parece ter soado alto. Tanto a agência especial proposta pelo ministro Mangabeira Unger, como a força especial formada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), que foi a fórmula vitoriosa, são um reconhecimento de que a regularização fundiária é impossível num Incra cujas estruturas estaduais foram apropriadas pela base aliada. Jorram interesses aí, que simplesmente imobilizam o Incra nacional.

O governo Lula demorou seis anos para resolver essa contradição. A outra que tem que resolver é o que fazer com os milhões de miseráveis que vêm para a região em busca de uma oportunidade, nos grandes projetos de mineração ou hidrelétricos. Hoje eles vivem do Bolsa Família, dão votos a Lula, são mão-de-obra de madeireiras, alvo fácil de fazendeiros que usam trabalho escravo e candidatos a conviver com os esgotos a céu aberto das cidades que são sede de grandes projetos. Isso não é projeto para o futuro.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

O grande estelionato mercadista

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mercado se anima com rumor de que Obama pode comprar dívida podre da banca, dando anistia à farra de Wall Street

BARACK OBAMA , o "cavaleiro da esperança", vai mesmo doar dinheiro para donos de bancos? Tão importante quanto o pacotão fiscal (gastos em obras, energia, educação, saúde e ciência) é a menos popular "fase dois" do pacote de salvação do sistema financeiro.

Mesmo que seus efeitos práticos apareçam apenas daqui a um ano, o pacotão fiscal pode ter a utilidade de insinuar a consumidores e empresas que a situação não deve degringolar em depressão, reanimando os espíritos. Mas o pacotão funciona como o empurrão que faz um carro "pegar no tranco". Se o carro tem um defeito mecânico ou está sem combustível, porém, vai parar de novo. A pane nas finanças é uma das piores a afetar o carro da economia.

Obama terá de consertar as finanças. Ficou mais evidente que os bancos não têm capacidade de comprar nem pechinchas miúdas no mercado de instituições quase falidas. Não vão sair do chão puxando os cabelos. O problema é que, diz o rumor, o plano Obama para as finanças pode ressuscitar o plano Paulson-Bush, um presente para grandes acionistas e gestores da banca. O mercado ficou animadinho ontem por causa disso.

No plano Paulson, o governo compraria a dívida podre dos bancos por um preço alto e esperaria até que, no dia de são Nunca, ela voltasse a valer algo. Isto é, no mínimo, o governo daria a acionistas de bancos um quase trilionário empréstimo de pai para filho, com seguro grátis.

Alternativa? Desapropriar, estatizar a preços módicos e revender os bancos que sobrarem quando tiver sido limpa a porqueira de Wall Street.

Caso ocorra a mãe de todas as socializações do prejuízo, é bom que se faça um registro, para o bem do serviço de prevenção da patranha, da bravata e do estelionato ideológicos:

1) O "cavaleiro da esperança", Obama, terá dado dinheiro a ricos;

2) Ficará gravado em pedra que a grande finança não apenas depende de normas e seguros estatais para funcionar: também tem o direito de ser ressarcida pelo público em caso de lambança, ficando com todos os lucros do período da farra;

3) A grande farra financeira ocorreu na década em que o crescimento médio dos EUA superou apenas o dos anos 1930, da Grande Depressão (mesmo excluídos 2008 e 2009; considerado o período que começa em 1930). Na década da farra, a renda do trabalho estagnou e a desigualdade aumentou nos EUA. Apenas mercadistas vulgares e estelionatários continuam a repetir que a finança desembestada foi a responsável pelo "período mais próspero da história" (ou a nova camarilha chinesa na verdade era toda composta de agentes de Wall Street?).

Menos importação de besteiras

O governo não vinha fazendo grande besteira na crise. Até agora há pouco. Ameaça fazê-las, seguindo o ministro do Trabalho, ao condicionar empréstimos à manutenção de emprego. Ou pisando na jaca podre, como o fez ao impor barreiras burocráticas à importação, tolice antieconômica, que suscita favorecimentos e é, enfim, contraproducente. Teve de rever a medida.

É hora de impor barreiras à emissão de disparates. Mais comentário sobre a bobajada das importações no blog desta coluna:

''Concessão de refúgio é atuação partidária''

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Roberto Romano, doutor em filosofia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França) e professor da Universidade Estadual de Campinas, a concessão do refúgio político a Cesare Battisti foi ideológica e partidária. A seguir, trechos de entrevista concedida por telefone:

O governo agiu certo ao conceder o refúgio político a Battisti?

Não. Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional.

O sr. acha que o ministro Tarso Genro fez um juízo de valor indevido sobre o Judiciário italiano ao dizer que Battisti não teve direito a ampla defesa?

Sim. Foi um juízo não fundamentado na leitura do processo, inclusive do processo histórico. Ao julgar um indivíduo, não se pode olhar apenas os papéis, é preciso ver o contexto. Aquela facção (Proletários Armados pelo Comunismo) estava, na época, em guerra, praticando assaltos a banco e uma série de atividades ilegais que não cabem no sistema democrático.

Como o sr. avalia a reação das autoridades italianas?

Mesmo em se tratando de um processo que, da parte brasileira, foi profundamente desastrado, a reação de parte da imprensa italiana, da opinião pública e do próprio governo me pareceu em um tom demasiado elevado. Deveria haver mais frieza por parte da Itália em relação ao Brasil.

Na opinião pública italiana havia uma avaliação demasiadamente positiva de Lula e de seu governo. Então a decepção trouxe essa acidez, que no meu entender é excessiva, inclusive em termos diplomáticos.

Há outros casos de italianos envolvidos na luta armada que ficaram no Brasil por decisão do Supremo Tribunal Federal. O sr. acha que Battisti teria sido extraditado se a decisão ficasse nas mãos do STF?

Creio que sim. O Supremo é uma corte com pessoas altamente gabaritadas, algumas nomeadas pelo atual presidente da República, mas que têm mostrado autonomia nos julgamentos. Apesar de a lei dizer que o Poder Executivo pode conceder o refúgio, a prudência recomendava ouvir a maior autoridade judiciária do País.

O paradoxo de Davos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. O paradoxo de defender o livre mercado e o sistema capitalista e, ao mesmo tempo, admitir que somente uma vasta intervenção dos governos nacionais poderá tirar o mundo da crise sistêmica em que se encontra, é a marca dessa edição do Fórum Econômico Mundial. O que se vê aqui em Davos é uma imensa catarse, com temas como regulação do mercado financeiro, que já foram considerados tabus, agora sendo prioritários. Não há quem discuta a necessidade de maior transparência no mundo financeiro, ou de um controle regulador que devolva a confiança no mercado internacional. E todos estão convencidos de que, no momento, apenas os governos nacionais têm condições de sustentar o mercado financeiro e dar credibilidade ao sistema.

Mas foi George Soros, o megainvestidor, quem melhor definiu como os sustentáculos do sistema capitalista veem essa intervenção maciça dos governos na economia: "Os governos são péssimos agentes econômicos. Assim que tudo estiver normalizado, eles têm que sair de cena, deixando para as entidades privadas o papel de tocar a economia".

Para se ter uma ideia do ambiente em que o fórum se desenrola, basta verificar a pergunta mais frequente: quanto você perdeu até agora? Duas respostas são exemplares. O escritor brasileiro Paulo Coelho diz que não perdeu nada por que só aplica em renda fixa. Já o megainvestidor George Soros declarou-se feliz por estar conseguindo preservar o que tem e ficar "levemente positivo", o que, no atual "colapso", considera "digno de comemoração".
Foi, aliás, de Soros a melhor resposta sobre a crise. Não tem a menor importância saber quanto tempo ela vai durar, disse, mas "o que vamos fazer para sair dela". E ele deu duas ideias, polêmicas, mas pelo menos inovadoras. Uma sugestão de Soros é a formação de um imenso fundo, financiado pelos países desenvolvidos e controlado pelo FMI, a fim de restabelecer linhas de crédito para os países emergentes.

Para proporcionar solidez ao sistema bancário internacional, Soros propõe um imenso Proer. Ele se anunciou disposto a investir no que chamou de "bancos bons", que seriam aqueles livres dos investimentos podres, que ficariam nos "bancos ruins", que ficariam com os governos.
Os bancos, de maneira generalizada, defendem essa tese, que lhes garantiria a segurança necessária para restabelecerem o fluxo de crédito internacional. A "aversão ao risco" seria compensada por garantias governamentais.

Mas não foram as entidades privadas que provocaram esse "colapso"? Para um encontro que supostamente reúne as melhores cabeças e os líderes do sistema capitalista, não ter captado a crise que se avizinhava é uma lição de humildade que vem sendo cuidadosamente aproveitada este ano, com a admissão tardia, mas fundamental, de que o mercado por si só não é capaz de corrigir seus excessos.

Não se via tanto mea-culpa desde que, em outubro passado o ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan, confrontado por um congressista americano, admitiu, "chocado", que o modo de vida capitalista não deu certo, e se disse "surpreso" de constatar que o mercado não conseguiu se autorregular, e que as pessoas não conseguiram trabalhar em seu próprio benefício, refreando os excessos do sistema financeiro.

Recebi do Ministro da Justiça, Tarso Genro, a seguinte mensagem: "Lendo tua coluna de do dia 27 último, verifico comentário sobre os dois boxeadores cubanos que deixaram a delegação do Pan. Estás correto ao lembrar que um deles finalmente conseguiu viver na Alemanha. Mas equivocado quando afirmas que "entreguei" os dois atletas a Cuba. À época do Pan, ambos deixaram a delegação justamente com a promessa de viver na Alemanha. Ficaram alguns dias em uma pequena praia do Rio, sem que o empresário que os procurara fizesse qualquer contato.

"Desiludidos, pediram a um pescador local que fizesse contato com a polícia, que os levou à Polícia Federal. Lá foram ouvidos por duas vezes, com o acompanhamento de advogado representante da OAB-RJ e de um procurador do Ministério Público do Rio.

"Nos dois depoimentos, afirmaram o desejo de volta a Cuba. Foi-lhes oferecido asilo, que recusaram. Tudo está registrado em documentação da Polícia Federal. Mas quero lembrar outros dois fatos: um treinador de handball (Rafael Capote) e um ciclista (Michel Fernandez Garcia) também deixaram a delegação cubana no Pan. Pediram refúgio no Comitê Nacional para os Refugiados, o que foi concedido.

"Mais recentemente, quatro músicos de um grupo cubano que se apresentava no Brasil também pediram refúgio no Conare. Hoje vivem em Recife. Naturalmente, a Embaixada de Cuba protestou, o que não impediu que mantivéssemos a decisão. E outra informação: há 123 cubanos vivendo no Brasil, sob refúgio político.

"Portanto, não posso concordar com tua afirmação, de que o governo brasileiro adotou "uma atitude ignóbil, tão marcada de ideologia que não merece discussão sobre soberania brasileira.

"Mais recentemente, já no governo Sarkozy, a França negou a extradição para a Itália da ex-brigadista Marina Petrella. Sem clamores por parte de seu país de origem. Finalmente, reitero: o que me levou a conceder refúgio a Cesare Battisti foi reconhecer que havia fundado temor de perseguição política, conforme preceitua a lei brasileira."

Registro a mensagem do Ministro da Justiça, mas continuo achando que considerar que há "fundado temor de perseguição política" num governo democrático como o da Itália, onde a livre imprensa existe e o Judiciário é um poder autônomo como deve ser nas democracias, é uma atitude política, e não técnica, do governo brasileiro, que nada tem a ver com a soberania do país.