domingo, 27 de fevereiro de 2011

Kassab socialista, PSB ruralista:: Eliane Cantanhêde

Uma andorinha só não faz verão, mas um Kassab só pode dar um calorão danado na política partidária brasileira.

Para se livrar do DEM, desistir do PMDB e pular no PSB, Kassab quer criar o PDB (Partido da Democracia Brasileira) e tentar fugir dos rigores da lei e de processos por infidelidade partidária que podem, em tese, chegar à perda de mandato.

Abre assim as porteiras do DEM e do PPS e uma janela para tucanos descontentes, com a oposição há oito anos fora do poder, sem discurso, união e perspectiva.

Mas é cedo para o governo federal e o PT comemorarem. Ok, o apoio a Dilma vai aumentar, mas o PSB, que já tem Eduardo Campos e Ciro Gomes e colecionou vitórias nas eleições de 2010, vai encorpar e disputar forças com o PMDB. Os dois podem "ensanduichar" o PT.

O PMDB já é o maior partido, o PSB infla, e o PT está cheio de si e de cargos, mas não é porto seguro para os "neogovernistas" loucos para virar dilmistas desde criancinhas. Como ficam os "aliados" agora e na eleição de 2014?

Não bastasse, o movimento do prefeito da principal capital brasileira terá, evidentemente, efeitos na política paulista e na armação do jogo de 2012 tanto no PSDB quanto no PT. E poderá, eventualmente, desabar no Supremo.

Basta o Ministério Público ou um partido -o DEM, por exemplo- questionar a manobra sinuosa de Kassab para desabar no PSB, arrastando para o "socialismo" até a senadora ruralista Kátia Abreu.

Aliás, como diz o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, quanto mais a oposição se enfraquece no Congresso, mais o Supremo se fortalece nas decisões políticas.

Vai decidir a ficha limpa (vale já ou não?), os suplentes (do partido ou da coligação?), o salário mínimo (pode ser por decreto?) e agora pode ser chamado a analisar a manobra Kassab: é criar partido ou driblar a lei e a ideologia para virar socialista no PSB?.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Escolhas fundamentais::Sergio Fausto

Gouverner c’est choisir - governar é fazer escolhas -, dizia o intelectual e político francês Mendez-France, primeiro-ministro daquele país na segunda metade dos anos 50.

O governo Dilma está diante de escolhas. Não falo das que fazem parte da rotina de qualquer governo, a qualquer tempo, em qualquer lugar. Falo das que podem definir rumos para o País. A demanda global crescente por minerais, petróleo e, principalmente, alimentos - tendência estrutural que não deve esmorecer tão cedo e em grande medida nos favorece - gera receita e oportunidades para os setores produtores de commodities, ao mesmo tempo que cria pressões sobre o meio ambiente e a indústria de transformação.

Não são propriamente questões novas. Já estavam aí. Tornaram-se, no entanto, mais prementes. E menos suscetíveis de decisões que representem puro compromisso circunstancial. Dilma terá de impor com mais nitidez limites às muitas agendas setoriais em disputa dentro do seu governo. E sinalizar rumos com mais clareza, em questões centrais e conflituosas que pedem decisão.

Tremendo desafio político, considerando a diversidade das forças que compõem a base de apoio construída por Lula para a sua eleição.

Em artigo recente neste espaço, André Nassar apresentou estimativas sobre o aumento do consumo global de um conjunto de produtos agropecuários. Vale a pena citá-lo: "A FAO nos diz, com base em cenários de demanda, que a produção de carnes precisa crescer 48% de hoje a 2030 e mais 21% de 2030 a 2050. O milho (...) terá de crescer 30%, no primeiro período, e mais 17%, no segundo. Oleaginosas, como a soja, (...) terão de crescer 43% e 37%, respectivamente. Açúcar, 60% e 15%, levando em conta iguais períodos. Mesmo o arroz, produto menos dinâmico, terá de crescer 19% e 4%. De hoje a 2050 o mundo terá de produzir mais 1 bilhão de toneladas de milho e oleaginosas, sendo necessários 90 milhões de hectares a mais; 60% dos quais terão de estar em produção até 2030 (só para essas culturas)".

Em todos os produtos mencionados, acrescenta Nassar, a produção brasileira tem ampliado a sua fatia na produção mundial. E aqui ainda há terras disponíveis, de boa qualidade e relativamente baratas, a despeito da valorização recente. Não surpreende, portanto, que o investimento na compra de terras para produção agropecuária venha crescendo no Brasil, atraindo, entre outros, grandes fundos de investimento estrangeiros.

Nas últimas duas décadas, a produção agrícola brasileira cresceu praticamente sem expansão da área plantada, indicando ganhos significativos de produtividade, sobretudo em grãos. Segundo os especialistas, no entanto, será difícil que os futuros ganhos de produtividade acompanhem o crescimento da demanda por alimentos. Já a pecuária se expandiu de forma extensiva, sendo a principal responsável pelo desmatamento nesse período. Tem muito a ganhar em produtividade.

Será possível abocanhar parte significativa da demanda global por alimentos nas próximas décadas "apenas" substituindo pastagens degradadas por área plantada e intensificando o uso da pecuária nas pastagens de boa qualidade, sem desmatamento adicional algum? Ou valeria a pena incorporar novas áreas do Cerrado, sabidamente aptas à agricultura, ainda que com o sacrifício de alguma cobertura vegetal? São questões que a controversa mudança do Código Florestal não esgota e que exigirão do governo, se quiser enfrentá-las, e não apenas empurrá-las com a barriga, o uso do capital político recebido das urnas, seja qual for a escolha que vier a ser feita.

Chegou a hora também de fazer escolhas sobre o futuro da indústria brasileira. Desde os primórdios da abertura da economia ergueram-se vozes contra a suposta "desindustrialização" do País. Choradeira da "velha indústria" acostumada com a proteção estatal? Em boa parte, sim: descontados problemas metodológicos, que engrandecem artificialmente a perda de participação da indústria de transformação no PIB, ela até aqui se mostrou capaz de responder aos desafios da competição, mesmo em condições adversas, como indica, por exemplo, o fato de que não caiu, na pior das hipóteses, o emprego total na indústria de transformação, desde meados dos anos 90, a despeito de sua redução nas áreas metropolitanas.

Houve, porém, uma quebra estrutural nas condições do jogo global, com a entrada em campo da China e outros produtores competitivos de manufaturas, na contraface do aumento global da demanda por commodities. E essa quebra se vem aprofundando. A queda da participação dos manufaturados na pauta exportadora do País nos últimos anos chama a atenção, assim como o número de empresas que reportam perda de mercados para competidores chineses, aqui e lá fora, em pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Para Antonio Barros de Castro, diretor e assessor do BNDES no governo Lula, a indústria brasileira, quando vista da ótica global, é quase toda ela "descartável". Tudo aponta na direção de uma veloz especialização da economia brasileira em recursos naturais. Isso nos favorece no longo prazo, em matéria de emprego e progresso técnico, portanto de desenvolvimento e bem-estar futuros? A resposta não é simples, mas implicará escolhas. De imediato, cabe perguntar: haverá desoneração da folha de pagamento da indústria de transformação, para toda ela ou para alguns setores? E, se houver, novos cortes de despesa deverão ser feitos? A médio prazo, é preciso saber se vale a pena apostar tantas fichas numa atividade baseada na exploração de um recurso natural não renovável - o petróleo -, grande emissora de gases de efeito estufa, toda ela articulada em torno da Petrobrás e que certamente absorverá grande quantidade de recursos financeiros e fatores de produção. Também não há respostas claras para essas perguntas. Mas uma coisa é certa: escolhas deverão ser feitas, e não será possível satisfazer a todos.

Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Um fracasso global:: Clóvis Rossi

Ouso discordar da manchete de ontem desta Folha, que dizia: "EUA atropelam a ONU e anunciam sanções à Líbia".

Na verdade, aconteceu mais ou menos o contrário: o mundo, o mundo todo, é que foi atropelado pelas revoltas árabes e, talvez por isso, demora uma eternidade para tentar conter os massacres.

Se alguém disser que previu a onda de revoltas que começou em dezembro na Tunísia, ou está mentindo ou o fez em voz tão baixa que ninguém ouviu.

O fato é que o mundo todo está feito tonto tentando entender o que está acontecendo e antever o futuro, pelo menos o futuro imediato.

Há especialistas que até se atrevem a fazê-lo, geralmente em tom apocalíptico.

Diz, por exemplo, Elliott Abrams, que serviu no Departamento de Estado sob George Walker Bush e agora é pesquisador do Council on Foreign Relations: "[Gaddafi] deixará para trás uma terra arrasada sem governo alternativo, sem verdadeiros partidos políticos, sem experiência em eleições livres, imprensa livre, tribunais independentes ou qualquer um dos blocos constitutivos da democracia".

Apocalíptico ou realista, o diagnóstico não deixa margem para corrigir o passado. Mas, quanto ao presente, deveria haver meios de intervenção que impeçam a terra arrasada. Nada contra impor sanções à Líbia, congelar contas do ditador, parentes e cúmplices.

Mas nada disso serve para enfrentar o problema imediato que é parar a sangria.

Aí entra-se no território da governança global, que, a rigor, inexiste. A exasperante lentidão com que se move a ONU, só pior no caso da União Europeia, denuncia essa inexistência. As sanções, tal como até agora propostas, parecem destinadas mais à consciência do público ocidental do que a evitar o sangue. Que, de resto, ninguém sabe onde mais vai correr.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

No levante tudo é possível::Alberto Dines

Muamar Kadafi (ou Qadafi, não importa a grafia) é o mais encarniçado inimigo de Israel no mundo árabe depois do iraniano Ahmadinejad. A aparente derrota de um feroz adversário, mesmo situado a confortável distância de suas fronteiras, não pode ser considerada irrelevante. O governo de Benjamin Netanyahu não se mexe nem dá sinais de que é capaz de mexer-se.

Desde 1993, quando começaram as negociações em Oslo patrocinadas por Bill Clinton, dizia-se em Israel que os palestinos não perdem uma oportunidade de perder oportunidades. Agora, ironicamente, desde que o tufão começou a revirar o Oriente Médio de pernas para o ar, quem está deixando escapar preciosas aberturas e chances para contornar impasses são os espirituosos israelenses.

A coligação da direita com os religiosos que mantém Nethanyahu no poder não teve a sensibilidade para fazer a leitura correta da mensagem que veio da Tunísia, apavorou-se quando viu Hosni Mubarak despencar, despertou da paralisia quando o marechal Tantawi prometeu respeitar os acordos internacionais e, em seguida, mergulhou num estado cataléptico quando o clima de revolta instalou-se no Bahrein, Iêmen e logo incendiou a Líbia.

Depois de desistir de financiar o terrorismo, Kadafi passou a operar ativamente nos bastidores da ONU para deslegitimar a existência do Estado de Israel, colocando-o no banco dos réus na esfera dos direitos humanos. Sua derradeira façanha pode ter sido a moção aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança (e vetada pelos americanos) considerando ilegais os assentamentos nos territórios ocupados na Cisjordânia.

No momento em que o tirano líbio aparece sem disfarces aos olhos do mundo como um alucinado que importa mercenários estrangeiros para massacrar os seus cidadãos, Israel não consegue emitir qualquer sinal mais convincente de que está disposto a rever a sua insensata e desumana política nos territórios ocupados.

Esta é a hora de remover um dos contenciosos potencialmente mais explosivos do Oriente Médio que não apenas coloca Israel na contramão do inesperado impulso libertário do mundo árabe como prejudica diretamente todos os esforços de Barack Obama para livrar a sua política externa do penoso legado do antecessor.

A opção pela imobilidade só aumenta as possibilidades dos movimentos de surpresa. O atual governo de Israel está amarrado à intransigência, esquecido de que no levante tudo é possível. Na Cisjordânia também há uma classe média jovem, informada, secular, mais politizada do que a egípcia, beneficiada pelo convívio com os pacifistas israelenses e, sobretudo, também conectada nas novas mídias. Talvez não ouse insurgir-se contra Israel, mas pode levantar-se contra a enfraquecida Autoridade Palestina, aproximar-se dos seus pares na Jordânia ou até do Hamas em Gaza se este abdicar do seu fundamentalismo tal como o fez agora no Egito a Irmandade Islâmica.

Netanyahu e seus parceiros não têm qualquer compromisso histórico com a Partilha da Palestina decidida pela ONU em 1947. que validou a criação do Estado de Israel. A endiabrada minoria da direita não admitia um Estado árabe e os ortodoxos eram contra um Estado judeu que não fosse proclamado pelo Messias. Apenas os sionistas de esquerda – hoje minoritários – defendiam a partilha (os mais extremados preconizavam um Estado binacional). Porém as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, sobretudo a americana, tiveram a sabedoria de cerrar fileiras em torno do projeto da Partilha, aprovado em memorável sessão presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha.

Em situações voláteis como a de agora convém não perder de vista as referências. Nem desperdiçar oportunidades. O que não significa oportunismo. Mesmo sem endossar o marxismo convém rever o que disse o judeu Karl Marx: “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

» Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A tragédia dos povos pobres:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

As revoluções são sempre realizadas pelo povo, mas, muitas vezes, ele é, no fim das contas, derrotado.

Faço essa afirmação pensando no que acontecerá depois das revoluções na Tunísia e no Egito, e do banho de sangue que está acontecendo na Líbia.

As revoluções podem ser revoltas contra o "antigo regime", como o foram a Revolução Francesa de 1789 e a russa de 1917, ou podem ser revoluções de união nacional, como foram as revoluções de Bismarck na Alemanha e a de Garibaldi na Itália, ou podem ser revoluções de libertação nacional como foram a de Gandhi e Nehru, na Índia, e a de Mao Tse-tung, na China.

Há ainda as revoluções de afirmação nacional, como foi a Revolução Mexicana de 1910.

Mas quando o povo é, afinal, vitorioso nessas revoluções? Não é fácil responder a essa questão. Nunca suas esperanças maiores são efetivamente realizadas.

Ao mesmo tempo, é impossível negar que o povo avançou em cada uma das revoluções que eu citei acima, exceto a soviética.

Deixemos, porém, grandes revoluções de lado e pensemos nas revoluções nacionalistas nos países em desenvolvimento -nas bem sucedidas como a de Kemal Atatürk na Turquia, em 1922, ou a de Getúlio Vargas no Brasil, em 1930, e no grande número de revoluções que, afinal, fracassaram.

A grande tragédia dos povos pobres, como são os povos do Oriente Médio que estão se revoltando, é que eles só serão vitoriosos se os novos governos forem capazes de conduzir seus países à revolução nacional e capitalista e, portanto, ao desenvolvimento.

Mas, para isso, falta a esses povos uma sociedade civil forte como existe nos países ricos e nos países de renda média. No Oriente Médio, muitas revoluções de libertação ou de afirmação nacionais foram realizadas, mas poucas vingaram.

Algumas foram simplesmente esmagadas pelas potências imperiais, como foi o caso da revolução de Mossadegh no Irã, em 1955, ou de Nasser, no Egito, em 1967.

Outras, localizadas no extremo oposto, não vingaram porque o político ou o militar vitorioso logo se associou às potências imperiais e às elites locais corrompidas e também se corrompeu.

Foi o caso, por exemplo, de Ben Ali na Tunísia ou de Saddam Hussein no Iraque. Outras ainda, como é o caso da revolução na Líbia de Gaddafi, inicialmente pretenderam ser libertadoras de seu povo, e, por isso, encontraram forte oposição das potências ocidentais, mas também dele se desligaram e se corromperam, sendo então seus dirigentes aceitos pelas potências ocidentais.

Existe solução para esta tragédia dos povos pobres? Sim, mas o caminho é difícil. Eles são fortes no momento da revolução, quando se mobilizam e, muitas vezes, se tornam heroicos, como estamos hoje vendo no Oriente Médio.

Mas depois perdem coesão e abrem espaço para o domínio das velhas elites e dos interesses estrangeiros. É preciso que cada povo se constitua em nação e logre fazer valer sua vontade nacional, mas a pobreza e o baixo nível de educação são obstáculos para atingir isso.

A alternativa é contar com um líder comprometido moralmente com a população, mas tal situação depende da sorte ou da fortuna -uma deusa amada, mas com a qual não podemos contar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Os pobres e os ricos do Nordeste :: Suely Caldas

Nos últimos dias o Nordeste ganhou destaque duas vezes na mídia: em Barra dos Coqueiros (Sergipe), a presidente Dilma Rousseff fez sua primeira reunião com governadores locais; na quinta, o Ministério da Justiça divulgou o Mapa da Violência 2011 - Os jovens do Brasil, despontando os Estados nordestinos como "campeões da violência", título tomado do eixo Rio-São Paulo.

Ao criar a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, o economista Celso Furtado queria levar progresso para a região mais pobre do País com projetos financiados com dinheiro público. Em sua cabeça, a justiça seria feita, transferindo renda de Estados ricos do Sul e Sudeste para desenvolver os pobres do Nordeste. Meio século depois, quase nada mudou e o Nordeste segue pobre, subdesenvolvido e subnutrido. Com exceção de José Sarney, do Maranhão, os coronéis, donos do poder naquela época, aposentaram-se ou morreram, mas a elite política local - com raras exceções - ainda usa a pobreza como argumento para arrancar dinheiro de Brasília.

Da presidente Dilma, ouviu-se um rotundo "NÃO" em resposta a duas demandas: criar uma nova CPMF para financiar a saúde e alterar o indexador para reduzir dívidas com a União, o que implicaria jogar no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário de seu antecessor, Dilma não fez demagogia, recusou os pedidos no ato, sugeriu que administrassem melhor o dinheiro da saúde e procurassem crédito em fontes como o Banco Mundial.

A pesquisa sobre violência mostra mudanças que refletem a ação ou omissão, competência ou fracasso das gestões estaduais de políticas de combate ao crime. Entre 1998 e 2008, enquanto São Paulo reduziu em 62,4% o número de homicídios, a Bahia aumentou em 237,5%; o Maranhão, em 297%; o Pará, em 193,8%; e Alagoas, em 177,2%. Segundo o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, em São Paulo "o aparato repressivo foi recuperado, as polícias foram depuradas, as investigações ganharam nova tecnologia e o sistema de informação melhorou". Ou seja, a ação eficaz e a correta aplicação dos recursos deram bons resultados. Já no Nordeste, explica, surgiram novos polos econômicos, a população em torno cresceu, mas o Estado não acompanhou, manteve-se ausente.

A persistência da pobreza no Nordeste é muito mais decorrente da incompetente (e muitas vezes mal-intencionada) gestão dos políticos locais do que da falta de recursos públicos. O dinheiro sai de Brasília, passa pelo governo do Estado, mas não chega à população. Os serviços públicos não funcionam e a multiplicação de fraudes e escândalos de projetos fantasmas da Sudene prova que há uma elite de empresários, políticos e seus amigos e parceiros que retêm indevidamente o dinheiro. Há governadores que resistem e outros que cedem (ou são compadres) a lobbies para suprir gastos de campanha eleitoral ou engordar patrimônios privados.

A pesquisa aponta Alagoas como o Estado campeão em mortes e onde a violência quase triplicou - cresceu 2,7 vezes em dez anos. Em vez de gerir o dinheiro com eficiência, é um dos mais rápidos e persistentes em correr a Brasília quando a situação aperta.

Em 1995, quando a queda da inflação tirou a máscara da contabilidade dos governos, Alagoas tinha três folhas de salários atrasadas, as polícias (civil e militar) entraram em greve, as escolas fecharam, os hospitais entraram em colapso, o Judiciário entregou as chaves do tribunal ao STF. Alagoas vivia um caos nunca visto. O dinheiro nos cofres públicos pingava porque o ex-governador Fernando Collor abdicou da principal fonte de arrecadação de impostos ao isentar os usineiros de açúcar do pagamento do ICMS. O governador que o sucedeu, Divaldo Suruagy, correu a Brasília atrás de dinheiro. FHC negou e despachou para Alagoas um interventor federal para tirar o Estado do caos.

Pois bem. Na reunião com Dilma, na segunda-feira, foi justamente o governador alagoano, Teotônio Vilela (PSDB), o primeiro a defender a mudança do indexador para reduzir o pagamento das dívidas do Nordeste com a União.

Jornalista e professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tropa de elite:: Danuza Leão

Foi bonita a festa, pá.

A nata do empresariado e do jornalismo esteve presente na comemoração dos 90 anos da Folha, na Sala São Paulo. Marcada para as 19h30, a noite se estendeu até a meia-noite, devido ao atraso das autoridades, faz parte. Mas são Pedro ajudou, e a tempestade diária, com direito a raios e trovões, nesse dia chegou mais cedo, foi às 3h da tarde.

Digna de registro a elegância dos convidados. Impossível não pensar que, se fosse no Rio, haveria homens e mulheres de jeans rasgados e tênis, como costumam frequentar o Municipal. Num universo de 1.500 pessoas, apenas uns três homens, se tanto, usavam camisa esporte; todos os outros, terno escuro e gravata, ponto para São Paulo.

Foi bacana o ato multireligioso, mas o cônego Aparecido Pereira não precisava -e não devia- fazer a plateia ficar de pé e rezar o Pai Nosso, já que os outros líderes religiosos não o tinham feito. Afinal, nem todos ali eram católicos.

Na hora de se levantar para fazer seu discurso, a presidente Dilma -distraída- não sabia para que lado ir, se esquerda ou direita. Elementar: faltou um assessor para acompanhá-la até a escada que levava ao palco.

Dilma não é boa de improviso; é bom mesmo que ela evite falar em público para não errar, como aconteceu. Mas em compensação, deve ter emagrecido uns bons cinco quilos; qual foi a dieta, presidente?

Se quiser ficar melhor ainda, precisa corrigir sua postura, pois dá a impressão de estar levando o mundo nos ombros. Pilates três vezes por semana resolveria lindamente o problema.

Legal ela ter mencionado o nome de FHC em seu discurso, mas o de Serra foi forçação de barra. Afinal, no momento, o ex-governador não ocupa nenhum cargo público; não convenceu.

Depois dos discursos, chegou a grande hora: a Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, orgulho da cidade, apresentaria, regida por Isaac Karabtchevsky, a "Sinfonia nº 6", de Villa-Lobos. Mas eis que se vê um pequeno agito onde estavam as autoridades; seria um atentado? Não; a presidente simplesmente se levantou e saiu, seguida do seu séquito. Como assim? Assim mesmo: ela se foi antes da apresentação da orquestra. E antes que eu me esqueça, elegantíssima, perfeita, a casaca do regente. O autor, maestro, o autor.

Voltando: foi uma grande indelicadeza, que fica maior ainda quando feita pela presidente da República. As pessoas se olhavam sem acreditar, e imagino que os músicos da orquestra tenham ficado decepcionados. Afinal, teria sido uma grande honra para eles se apresentar diante da mais importante autoridade da nação. E quando ouvimos, emocionados, o Hino Nacional, ficou mais pesada ainda a descortesia. Pegou mal.

Vamos falar a verdade: a sinfonia foi difícil de ser acompanhada por ouvidos mais leigos, mas o Hino, tocado por uma orquestra de tal ordem -afinal, só estamos acostumados a ouvi-lo em estádios de futebol- foi maravilhoso.

Na saída, os comentários. Um deles eu ouvi, e guardei para contar: duas pessoas -uma petista, a outra tucana- comentavam sobre a saída de Dilma (era o assunto geral).

Uma delas disse que a presidente saiu porque não sabia que a orquestra ia tocar o Hino Nacional, que não tinha sido culpa dela. A outra respondeu: "mas Alckmin, FHC e Serra ficaram". A primeira continuou defendendo Dilma, dizendo que se ela não sabia, era culpa do cerimonial, ao que a outra respondeu: "e desde quando o PT tem cerimonial?"

FONTE: FALHA DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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'Distritão' favoreceria PT, PMDB e PSDB

Reforma política divide especialistas, que acreditam que partidos pequenos e nanicos perderiam com mudança

Carolina Benevides, Dandara Tinoco e Sérgio Roxo

RIO e SÃO PAULO. Todas as vezes que uma nova legislatura se inicia, o debate em torno da reforma política volta à tona. Desta vez, o tema foi abordado no discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, e uma comissão para analisar as mudanças foi instalada no Senado. Hoje, o Brasil tem o sistema proporcional com coligação, que leva em conta o coeficiente eleitoral - em que se divide o número de votos válidos pelas vagas em disputa; esse cálculo determina a distribuição das vagas pelos partidos. Agora, o Congresso se prepara para discutir as diferentes propostas, entre elas, se acaba com as coligações ou se adota o sistema majoritário, o "distritão", que simplesmente elege os mais votados.

De acordo com estudo feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), levando em conta a eleição de 2010, os três maiores partidos - PT, PMDB e PSDB - serão os mais beneficiados pelo "distritão". Os médios, como PP, PR, PSB e PDT, perderiam tanto se a proposta fosse aprovada quanto se as coligações acabassem. Aqueles que hoje têm menos de 20 deputados também seriam prejudicados, e alguns nanicos, como PHS, PRB e PSL, correm o risco de perder a representatividade na Câmara.

-- O "distritão" favorece os grandes partidos. Os nanicos perdem em qualquer hipótese, e os pequenos perdem com o fim das coligações. O PSB é contra, por exemplo, porque quer vida partidária. O fato é que, se acabarmos com as coligações, os nanicos, pequenos e até partidos médios, como o DEM, vão reagir. Mesmo o PV, que na última eleição teve candidato à Presidência, tende ser prejudicado a médio prazo - diz o diretor de documentação do Diap, Antônio Augusto Queiroz.

Com "distritão", PT manteria a maior bancada

De acordo com o levantamento, com o "distritão", o PT passaria dos 88 deputados federais para 91. O PMDB, que hoje tem 78, ficaria com 88. O PSDB pularia de 53 para 65. Já o PDT perderia quatro cadeiras e iria de 26 para 22 parlamentares. O PV cai de 14 para oito deputados.

A polêmica não se restringe aos partidos. Especialistas ouvidos pelo GLOBO também divergem sobre os benefícios das diferentes propostas.

- É preciso que essa reforma tenha como objetivo restabelecer a ligação entre eleitor e eleito e que fortaleça o sistema representativo. A credibilidade dos políticos está em baixa, e uma das razões é a incapacidade do sistema atual de promover essa relação mais próxima. Qualquer que seja o sistema haverá ganhos e perdas - diz o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) João Paulo Peixoto.

Para o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), o "distritão rompe o princípio constitucional da proporcionalidade":

- É uma mudança drástica e um mecanismo de concentração de representantes nos grandes partidos, eliminando a possibilidade de representatividade da minoria. As forças políticas que têm tamanho relativamente pequeno seriam eliminadas. Isso significa a possibilidade de parte do eleitorado ficar sem representatividade e a cassação da vontade popular.

João Paulo Peixoto, no entanto, vê vantagens na diminuição do número de partidos.

- Com a multiplicidade de partidos, a propaganda na televisão vira uma coisa complexa: não há tempo para analisar candidatos com profundidade, e os menores estão tirando o tempo e a atenção dos partidos estruturados. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, são 24 deputados e uns 19 partidos representados. Não é difícil concluir que a pulverização é prejudicial ao funcionamento do sistema.

Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, o PSDB seria o partido mais beneficiado caso a última eleição para deputado federal fosse majoritária. A sigla saltaria de 13 para 20 parlamentares. No geral, a eleição majoritária mudaria os ocupantes de nove das 70 cadeiras da bancada paulista na Câmara. O DEM ficaria com as outras duas vagas. Por outro lado, o PV seria o mais prejudicado e perderia quatro dos cinco parlamentares. PDT e PP ficariam sem dois deputados cada um e o PSB, sem um.

No Rio, PMDB teria o maior número de parlamentares

Mesmo uma alteração menos radical no sistema eleitoral, como o fim das coligações, já seria suficiente para provocar mudanças na composição da bancada paulista na Câmara. Com essa regra em vigor, cinco dos 70 parlamentares do estado não teriam sido eleitos no ano passado. O PR, do campeão de votos Tiririca, seria o mais beneficiado e pularia de quatro para seis deputados. Como o partido se aliou ao PT, PCdoB, PRB e PTdoB, os 1.353.820 votos do ex-palhaço ajudaram a eleger os candidatos de todas essas legendas.

Um deles foi o delegado Protógenes Queiroz (PCdoB), escolhido por 94.906 eleitores e que teria ficado de fora sem a ajuda. Caso não houvesse coligação, a votação de Tiririca teria eleito o cantor Agnaldo Timóteo, seu colega no PR, que teve apenas 25.174 votos. Ganhariam uma vaga cada com o modelo: PP, PSDB e PV. Perderiam uma cadeira: DEM, PC do B, PPS, PRB e PT.

No Rio, segundo levantamento do Diap, com a adoção do "distritão", o PMDB seria a bancada com maior número de parlamentares, passando de oito para 12. O PT manteria os atuais cinco deputados. O PDT iria de três para cinco. PHS, PTdoB e PRTB, que hoje têm um parlamentar cada, perderiam a representação na Câmara. Se a proposta da eleição proporcional sem coligação fosse adotada sairiam da bancada do Rio Stepan Nercessian (PPS), Simão Sessim (PP), Walney da Rocha Carvalho (PTB), Felipe Bornier (PHS), Cristiano José (PTB) e Aureo Lidio (PRTB). O PMDB também seria o partido com a maior bancada, passando de oito para dez. PT e PSDB manteriam o número atual de deputados.

FONTE: O O GLOBO

Na era pós-Brizola, PDT vive crise de identidade

Pedetistas históricos reclamam da postura de Lupi no comando do partido; para deputado, legenda está morta

Cássio Bruno

Partido criado por Leonel Brizola e de origem da presidente Dilma Rousseff, o PDT atravessa uma de suas piores crises desde a fundação, em 1979. O desgaste entre o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e o governo, antes da votação do novo valor do salário mínimo, foi o estopim para filiados históricos mostrarem insatisfação com a atual condução da sigla, comandada por Lupi, presidente licenciado do diretório nacional e ex-homem de confiança de Brizola.

O ex-governador do Rio Grande do Sul Alceu Collares é um dos descontentes. Para ele, o partido pôs em risco a permanência no governo. Apesar de não atacar Lupi, que defendeu um aumento maior do que os R$545 propostos por Dilma, Collares admite o enfraquecimento do PDT, a partir da morte de Brizola, em 2004.

- O partido precisa rever as suas posições ou deve se afastar do governo - disse Alceu Collares.

Isolados politicamente, alguns pedetistas, entre eles o ex-deputado federal Vivaldo Barbosa, ameaçam abandonar a legenda. Segundo ele, a sigla se distanciou do trabalhismo e do nacionalismo.

- Falta orientação pragmática, com alianças coerentes - diz Barbosa, que criou o Movimento de Resistência Leonel Brizola para resgatar os princípios do PDT estabelecidos na fundação.

O deputado estadual Paulo Ramos, do Rio, vai além:

- O PDT virou um partido de aluguel, um partido nanico, morto, distante das causas trabalhistas. O Brizola deve estar se revolvendo no túmulo. Deve estar agoniado.

Deputado federal por São Paulo e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva ataca o fisiologismo de aliados:

- O partido tem um programa histórico, desde Getulio Vargas. Temos compromissos com os trabalhadores. Se isso incomoda gente no PT, nós sentimos muito. Se a Dilma tiver dificuldades no governo, nos próximos quatro anos, que eu acredito que venha a ter, ela verá quem está realmente ao lado dela. Não vamos mudar por causa de um carguinho aqui e outro ali.

FONTE: O GLOBO

Economia reacende divergência no PT

Esquerda do partido ataca corte de gastos e política de juros de Dilma, a exemplo do que fez com Lula na reforma da Previdência

Roldão Arruda

Esquerda do partido ataca corte de gastos e política de juros de Dilma, a exemplo do que fez com Lula na reforma da Previdência

O estilo de governar dos petistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva pode ser diferente, como já tem sido dito. Há, porém, uma característica idêntica entre os dois que está ficando cada vez mais evidente: a capacidade de, no início do mandato, irritar a ala à esquerda do PT.

Olhando com atenção é possível notar também a presença de um personagem comum nas duas histórias: Antonio Palocci. Ministro da Fazenda na partida do governo Lula e chefe da Casa Civil com Dilma, tanto antes como agora ele tem sido apontado como mentor de medidas econômicas que, segundo os críticos, ficariam melhor no ideário neoliberal do que no petismo.

Em 2003, a esquerda atacou a proposta de reforma da Previdência e as metas de superávit primário, que ficavam acima das estabelecidas no governo anterior, do tucano Fernando Henrique Cardoso, e significavam contenção de gastos. Agora, critica-se a forma como Dilma quer frear a inflação, com mais juros e redução de gastos.

Em artigo postado no site do PT, o consultor Vladimir Pomar, um dos fundadores do partido e coordenador da campanha de Lula, em 1989, diz que as medidas adotadas por Dilma tendem a comprimir o consumo e favorecer a continuidade da miséria. "Superar a miséria significa, em termos bem precisos, elevar o poder de consumo de alguns milhões de brasileiros desprovidos dessa capacidade", diz ele.

Na maior central sindical do País, a CUT, vinculada ao PT, o presidente Artur Henrique também critica a opção do governo: "Sou contra a ideia de que o único instrumento para controlar a inflação é o aumento da taxa de juro, com redução da demanda".

Coro. Os dois engrossam um conjunto de vozes que começou a ganhar evidência na reunião do Diretório Nacional do PT, no dia 10. Na ocasião, tanto o presidente José Eduardo Dutra quanto José Dirceu, um dos líderes da corrente Construindo um Novo Brasil, a mais forte no partido, manifestaram preocupação com as medidas de Dilma. Dirceu, repetindo o que já havia dito em seu blog, também bateu na tecla de que aumentar juro não é a única forma de se combater a inflação e ainda citou casos de países que adotaram saídas diferentes, como Chile, Turquia e Rússia.

Não foram os únicos. Outros integrantes do diretório, com menor projeção política, também manifestaram preocupação, cuidando para que suas declarações não fossem tornadas públicas, nem aparecessem no documento final da reunião.

Markus Sokol, da corrente O Trabalho, situada na ponta extrema da esquerda, distribuiu um documento no qual afirmava, entre outras coisas, que "o povo não votou por arrocho salarial e redução de despesas". O deputado estadual Raul Pont (PT-RS), da corrente Democracia Socialista, também manifestou preocupação. Disse que o governo Lula só acertou o passo quando apostou no crescimento econômico, com o PAC e a nomeação de Guido Mantega para a Fazenda.

Para Pont, a política econômica do início do governo Lula, que parece trilhada por Dilma, foi desenhada por Palocci, hoje na Casa Civil. "Acho que o PT deve chamar o Mantega para pedir explicações", afirma.

Na semana passada, o PC do B, partido da base aliada do PT, fez um disparo mais direto. Altamiro Borges, integrante do Comitê Central, divulgou um artigo no qual dizia: "As velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio, sob o comando do todo poderoso ministro Antonio Palocci".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Isolada, Erundina ameaça deixar o PSB

Deputada critica flerte com Gilberto Kassab (DEM) e promete abandonar a sigla se prefeito virar "socialista"

Ex-prefeita admite ser minoria, mas promete lutar contra a filiação; "não vou transigir com o que acredito", afirma

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - A possível chegada do prefeito Gilberto Kassab, que prepara a saída do DEM, ameaça provocar uma baixa histórica no PSB. Desiludida, a deputada Luiza Erundina (SP) promete deixar o partido se o flerte for consumado.

Ela anunciou a decisão à Folha na noite de anteontem. Em tom de desabafo, acusou a direção da sigla de desprezar os ideais socialistas ao negociar a filiação de Kassab, que planeja levar aliados como o vice-governador Guilherme Afif (DEM).

"Eles representam forças claramente conservadoras, de direita. Se forem aceitos, não terei mais espaço no partido. Não terei razão para estar nele", afirmou Erundina.

Aos 76 anos, a primeira mulher a governar a capital paulista (1989-92) não poupou adjetivos para atacar a aproximação: "absurda", "inconsequente", "incoerente". Prometeu lutar "até o fim", mas admitiu ter poucas chances de brecá-la.

"Já estou isolada no partido há muito tempo. Se isso acontecer mesmo, não vou mais respirar politicamente no PSB", sentenciou.

"Não digo que serei um incômodo para eles porque não estarei mais lá. Se for o preço a pagar, não tem importância. Não vou transigir com o que acredito."

Filiada ao PSB desde 1997, Erundina disse que a negociação ameaça rebaixar os socialistas ao papel de linha auxiliar do ex-presidenciável José Serra (PSDB) na disputa com outro tucano, o governador Geraldo Alckmin.

"O PSB não pode ser barriga de aluguel. Kassab é o plano de Serra para derrotar Alckmin. É um pedaço do PSDB tentando derrubar outro pedaço do PSDB."

Para ela, os personagens em jogo são "absolutamente incompatíveis" com a história do PSB e não podem militar num partido que "tem o S de socialista no nome".

"Se admitir isso, o partido vai passar da esquerda para a direita. O DEM sustentou a ditadura militar, que nos impôs tortura, exílio e desaparecimentos. É uma mistura que a química não admite."

A ex-prefeita também criticou a aposta em candidatos sem identificação com o partido, como o recém-eleito deputado Romário (PSB-RJ)."Está havendo uma frouxidão além do razoável. Isso não é crescimento, é inchaço. Inchaço é doença, e essa doença vai matar a identidade do partido."

Reeleita para o quarto mandato com 214 mil votos, Erundina mantém a força nas urnas, mas sofre derrotas em série na legenda.

Em 2008, foi impedida de se candidatar a vice na chapa de Marta Suplicy (PT) a prefeita. No ano passado, não impediu o PSB de bancar a candidatura ao governo paulista do empresário Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

No último revés, foi obrigada a engolir a adesão do presidente regional do partido, Márcio França, ao secretariado de Alckmin. "Ele decide tudo sozinho. Não faz consultas, não comunica nada a ninguém. Age como se fosse o dono do PSB."

Apesar do pessimismo, Erundina ainda sonha em convencer o presidente nacional do partido, o governador pernambucano Eduardo Campos, a interromper a negociação com Kassab.

Ela evitou antecipar os próximos passos em caso de nova derrota. "Se for para disputar pelo poder pelo poder, poderia estar no PT, que é um partido maior e que ajudei a fundar", disse.

"Essas coisas não me motivam a permanecer na política. Não preciso disso, não tenho nada a ver com isso."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Advogados criam a sua ‘memória da resistência'

Profissionais que enfrentaram a ditadura ao defender militantes nos anos de maior repressão vão criar centro de documentação

Marcelo Godoy

Profissionais que enfrentaram a ditadura ao defender militantes nos anos de maior repressão vão criar centro de documentação

Conservar a história dos profissionais que lutaram contra a ditadura militar. Esse é o objetivo de um grupo de advogados que decidiu montar um centro de documentação com os depoimentos de advogados de presos políticos no Brasil durante a ditadura militar.

O material reunido em São Paulo, Rio, Curitiba, Porto Alegre e Recife deve servir de base para um documentário a ser dirigido por César Chalone (responsável pela fotografia do filme Cidade de Deus).

Um dos depoimentos já foi gravado. É do criminalista e diretor de teatro Idibal Pivetta. Depois devem vir os de Belisário dos Santos Junior, José Carlos Dias e Tales Castelo Branco. "Nossa ideia é entregar o arquivo para uma universidade, como a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para qualquer pesquisador ter acesso", disse Belisário, um dos idealizadores do projeto.

De 1970 a 1983, o criminalista Belisário acostumou-se aos corredores das auditorias militares - defendeu estudantes, sindicalistas e militantes políticos como o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Só uma parte do que ele e outros defensores fizeram nesses anos está registrado nos processos. O que ficou fora, na lembrança de advogados e clientes, é um mundo cheio de denúncias contra o arbítrio das leis de segurança nacional e contra as torturas, os desaparecimentos e os assassinatos.

"Vivíamos como em uma peça de teatro: de conflito em conflito", afirmou Belisário. Havia pouco mais de uma dezena desses advogados em cada cidade importante do País. Eram poucos, mas estavam entre eles o católico Sobral Pinto, o professor Heleno Cláudio Fragoso, Pivetta e jovens como José Carlos Dias. Por tradição, não cobravam pelo trabalho. Muitas vezes foram ameaçados ou acabaram na cadeia por causa dos clientes.

O criminalista Tales Castelo Branco, de 75 anos, era um deles. Entre os seus mais de 50 clientes acusados de delitos políticos estavam o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, a arquiteta Lino Bo Bardi e o engenheiro Ricardo Zarattini Filho, então militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

"Advogar era assumir riscos. Um dia, o Zé Celso ligou para meu escritório. Disse que ia para o Dops, que o haviam convocado", disse Tales. O advogado foi encontrá-lo. Ao chegar, um investigador que Tales defendera em um processo o chamou de lado. "O senhor é advogado do moço do teatro?" Tales disse que sim. "Então tira ele daqui que ele vai ficar (preso)." O advogado pegou o cliente pelo braço e o mandou fugir. Da recepção do Dops, Zé Celso partiu para o exílio em Moçambique e em Portugal.

Risco. Tão arriscado quanto dar fuga a um cliente era apresentá-lo à Justiça Militar. Era 1968 quando a arquiteta Lino Bo Bardi teve a prisão decretada. Lina abrigara em sua casa uma reunião do que os militares chamavam de "cúpula da subversão em São Paulo". "Ela era simpatizante e emprestou a casa. Enquanto eles se reuniam, ela ficou trabalhando em sua prancheta", disse Tales. Quando tudo foi descoberto, ela foi se refugiar em Milão, sua terra natal.

Seu marido, o então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Pietro Maria Bardi, procurou o advogado. "Tive de convencê-lo a chamá-la de volta. Tinha certeza de que revogariam a prisão se ela voltasse." Tales estava certo. Lina retornou, e a Justiça Militar a absolveu.

Tales sofreu ameaças, mas nunca foi preso como Idibal Pivetta, que passou 94 dias no Destacamento de Operações de Informações (DOI), no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e no presídio do Hipódromo, na zona leste. Pivetta defendeu quase 600 acusados de participação em grupos armados e outro tanto que militava em partidos ilegais.

Também entrou com cerca de 400 ações na Justiça para passaporte para os exilados, como o dramaturgo Augusto Boal, que viveu na Argentina, Portugal e França.

Pivetta, que trabalhava com teatro universitário, encenava na zona leste a peça Rei Momo quando foi detido por agentes do DOI, que considerou o espetáculo subversivo. No DOI, Pivetta encontrou cerca de 20 clientes, a maioria alunos da geologia da USP. "Imagine a situação: eu, o advogado que devia tirá-los dali, estava preso", afirmou.

Gritos. Em 1973, Pivetta ficou na cela onde antes estivera o estudante Alexandre Vannucchi Leme, morto pouco antes pela polícia. O advogado não foi fisicamente torturado, mas presenciou muitos que foram. "O pior era a rotina, escutar os gritos."

Tão importante quanto conseguir sentenças mais brandas e absolvições de clientes era mostrar às autoridades que a prisão de alguém não era mais um segredo. "Muitas vidas foram salvas desse jeito", disse Belisário.

Depois da anistia, em 1979, a atividade dos advogados na Justiça Militar minguou. Passariam pelo banco dos réus toda a cúpula do PCB e Luiz Inácio Lula da Silva, enquadrado pelas greves que comandou no ABC. Foi assim até o fim do regime, em 1985. "Foram anos terríveis. Ninguém dormia em paz", lembra Pivetta.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Governo busca saída legal para Battisti no Brasil

Se STF barrar extradição, terrorista deixa prisão e se torna imigrante ilegal

Opções do governo incluem concessão de visto, cumprimento de pena e procura de abrigo em outro país


Vera Magalhães

SÃO PAULO - Antes mesmo de o STF (Supremo Tribunal Federal) dar a palavra final sobre o impasse jurídico em que se transformou o julgamento da extradição de Cesare Battisti, o governo quebra a cabeça para resolver outro dilema: o que fazer com o terrorista italiano caso fique no Brasil?

A Folha apurou que o governo calcula que o STF vai considerar válida a decisão do ex-presidente Lula, que decidiu não extraditar Battisti. A extradição foi pedida pelo governo italiano e recomendada pelo tribunal.

Caso a previsão se concretize, Battisti, hoje preso em Brasília, terá de ser solto imediatamente. O imbróglio é que, como o STF lhe negou refúgio no país e não o considerou refugiado político, o terrorista está num limbo jurídico. É um imigrante ilegal.

Mais: Battisti entrou no Brasil usando passaporte com nome fictício e carimbo de visto falsificado.

Para pedir visto de trabalho no país -primeira opção em pauta nos estudos técnicos do governo-, terá, antes, de obter um passaporte, que a Itália não lhe dará.

Diante da singularidade do caso, o governo também estuda a possibilidade de Battisti deixar o Brasil e procurar abrigo em um país que não tenha assinado tratado de extradição com a Itália.

Nesse caso, no entanto, ele teria de cumprir a pena à qual foi condenado no Brasil, graças à falsificação dos documentos -a prisão foi convertida em prestação de serviços e pagamento de multa.

"Se o entendimento do presidente permanecer, ele [Battisti] fica no país e pode pleitear a legalização de sua condição. Se não conseguir, pode ser instado a deixar o país", disse à Folha anteontem o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

HISTÓRICO

O terrorista está preso desde 2007. Antes, fora condenado à revelia em seu país sob a acusação de participação em quatro homicídios.

Sua extradição foi negada por Lula no último dia de seu mandato, 11 meses depois de o Supremo ter julgado o caso.

Agora, a AGU e o Ministério da Justiça se debruçam sobre o caso para encontrar uma saída legal para Battisti.

"Não sei qual será a solução", admite Adams. "Ele terá de pedir um visto de permanência. E se tiver de deixar o país, tem antes de cumprir pena pelos crimes aos quais responde no Brasil."

Existe, ainda, a possibilidade de a maioria dos ministros do STF entender que Lula descumpriu a decisão da corte e negar a validade do decreto presidencial.

O presidente do Supremo, Cezar Peluso, pretende colocar o caso em julgamento logo depois do Carnaval, quando a composição da corte estará completa após a posse do ministro Luiz Fux.

O relator do caso, Gilmar Mendes, votou pela extradição no julgamento do caso, em 2009. A tendência é que não reconheça o decreto.

Nesse caso, a decisão voltaria para Dilma, que teria de extraditar Battisti ou achar novas razões jurídicas para embasar a permanência.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aggio dá entrevista sobre Gramsci no seu tempo

Tilda Linhares

A Radio Unesp FM convidou Alberto Aggio para uma entrevista sobre o lançamento de Gramsci no seu tempo, livro que organizou em 2010 junto com Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca para a Fundação Astrojildo Pereira e a Editora Contraponto. Concedida ao programa “Perfil Literário”, está disponível para ser ouvida ou baixada diretamente em: http://aci.reitoria.unesp.br/radio/perfil_literario/

A entrevista, que significa de fato uma aula sobre Antonio Gramsci, está numerada como 1015, ao lado de outras que compõem o rico acervo da emissora. Foi conduzida por Oscar D’Ambrosio, jornalista, escritor e chefe da Assessoria de Comunicação e Informação da Unesp.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

André Rio e Spok Frevo Orquestra - Chuva de sombrinhas

O Rio – continuação: João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Da Ponte de Prata a Caxangá

A gente das usinas
foi mais um afluente a engrossar
aquele rio de gente
que vem de além do Jacarará.
Pelo mesmo caminho
que venho seguindo desde lá,
vamos juntos, dois rios,
cada um para seu mar.
O trem outro caminho
tomou na Ponte de Prata;
foi por Tijipió
e pelos mangues de Afogados.
Sempre com retirantes,
vou pela Várzea e por Caxangá
onde as últimas ondas
de cana se vêm espraiar.

Entra-se no Recife
pelo engenho São Francisco.
Já em terras da Várzea,
está São João, uma antiga usina.
Depois se atinge a Várzea,
a vila pròpriamente dita,
com suas árvores velhas
que dão uma sombra também antiga.
A seguir, Caxangá,
também velha e recolhida,
onde começa a estrada
dita Nova, ou de Iputinga,
que quase reta à cidade,
que é o mar a que se destina,
leva a gente que veio
baixando em minha companhia.

Vou deixando à direita
aquela planície aterrada
que desde os pés de Olinda
até os montes Guararapes,
e que de Caxangá
até o mar oceano,
para formar o Recife
os rios vão sempre atulhando.
Com água densa de terra
onde muitas usinas urinaram,
água densa de terra
e de muitas ilhas engravidada.
Com substância de vida
é que os rios a vão aterrando,
com esse lixos de vida
que os rios viemos carreando.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Senador Itamar Franco (PPS/MG): ‘Violou-se a Constituição e o Senado aceitou essa violação’

(...)Isso nos entristece. Porque mal se começa o período do governo da presidente Dilma, já se viola a Constituição. É muito triste chegar ao Senado da República e constatar, e a opinião pública precisa saber disso, que estamos tutelados pelo Executivo.

(...)Eu acho que a única coisa que a oposição não poderá fazer é se calar. O mais sério não foi só a violência contra o regimento. Foi a modificação da Constituição. Isso preocupa.

(...)Muito perigoso. Hoje, foi sobre um decreto sobre o salário mínimo. Amanhã, quem sabe?(...)

Senador Itamar Franco. ‘Violou-se a Constituição e o Senado aceitou essa violação’. Entrevista. O Estado de S. Paulo, 25/2/2011.

Reformas moderadas:: Luiz Sérgio Henriques

O diagnóstico da necessidade de uma reforma política parte de um dilema que pode ser assim descrito: por um lado, a convicção de que muita coisa vai mal com os parlamentos e com seus integrantes, cujo nível se percebe como continuamente declinante; por outro, a impossibilidade de um consenso em torno de regras que, supostamente, inaugurariam uma nova era na República.

Temas desse tipo estão longe de ser irrelevantes. Ocorre que suscitam projetos gestados em laboratório, nos quais é possível comparar de modo esmagador, mas falso, suas qualidades teóricas com os vícios do mundo real. O que defendo é o princípio de um reformismo moderado, conduzido consensualmente e controlado pela prática. Nenhuma ilusão, pois, quanto a sistemas de votação que, num passe de mágica, evitariam os males atuais.

O mal-estar com a política e os políticos está disseminado por toda parte. Independentemente de serem os sistemas de tipo proporcional ou majoritário, ou de se adotar lista aberta ou fechada, um traço generalizado é o distanciamento entre instituições e cidadãos, entre representantes e representados. Um abismo que, se não for reduzido, conduzirá mais cedo ou mais tarde a uma deterioração ainda maior da esfera pública.

Não há nada de errado com o sistema tradicional nas nossas eleições. Boas democracias podem perfeitamente se valer do voto proporcional, que tem o mérito de registrar a vontade de parcelas minoritárias e garantir a presença dos "nanicos": estão aí partidos como o PPS, o PV ou o PSOL, cuja ausência no Parlamento seria uma perda para todos.

A lista aberta, que praticamos, aumenta a margem de liberdade do eleitor. A lista fechada, ordenada pelas direções partidárias, em outros contextos tem contribuído para tornar ainda mais "autista" o sistema político, como indica ser o caso da vizinha Argentina.

Melhor seria aconselhar cautela aos reformadores. Pequenas mudanças podem ter efeitos salutares: está aí a internet para possibilitar um controle inédito sobre o financiamento de campanha, o que é decisivo para reduzir abusos do poder econômico. A Justiça poderia melhorar alguns procedimentos, impedindo que se repitam situações pendentes das últimas eleições, como, por exemplo, a validade ou não da Lei da Ficha Limpa - aliás, uma lição de cidadania.

Na verdade, o esclarecimento e a mobilização dos eleitores são indispensáveis para o reformismo moderado aqui defendido. Não seria interessante que assistíssemos, "bestializados", a grandes reformas de resultado incerto e possivelmente frustrante.

Luiz Sérgio Henriques é o editor do site gramsci.org

FONTE: JORNAL O TEMPO (MG)

A busca do acordo:: Merval Pereira

Não foi por acaso que o presidente do Senado, José Sarney, convidou o vice-presidente Michel Temer para participar da instalação da comissão do Senado encarregada de propor uma reforma política. Temer tem grande influência na Câmara e pode ajudar a desobstruir canais quando chegar a hora de negociar os termos da reforma com os deputados, que sempre ficam melindrados quando uma reforma política começa pela definição pelo Senado das regras que os elegem.

Na verdade, o centro da reforma que está sendo discutida é o sistema proporcional de escolha de deputados federais, deputados estaduais e vereadores, considerado por boa parte dos políticos o responsável pela falta de representatividade das bancadas partidárias.

O vice Michel Temer tem uma visão bastante objetiva da questão, acusando o voto proporcional de distorcer o conceito básico da democracia, que é o respeito à vontade da maioria.

Trazendo a discussão para o conceito de regime democrático, o vice abre caminho para uma ampliação do horizonte dos debates, acusando ao mesmo tempo o voto distrital, utilizado na maior parte dos países democráticos desenvolvidos, de apequenar o processo político.

Temer chama a atenção para o fato de que o argumento mais utilizado a favor do voto distrital, o de que ele aproximaria o candidato do eleitor e permitiria uma fiscalização maior de sua atividade, traduz uma visão mesquinha do papel de um deputado federal, que existiria, na sua concepção, não para representar os cidadãos do estado pelo qual foi eleito, mas sim os brasileiros de maneira geral.

Quem representa os estado são os senadores, insiste Temer, para quem o papel do deputado tem dimensão nacional e não regional.

Defensor do chamado "distritão", em que cada estado elege pelo voto majoritário seus representantes para a Câmara, Temer chama de "distritinho" o voto distrital tradicional, que transformaria os deputados em vereadores, subvertendo a função de cada um.

Por esse raciocínio, os vereadores, sim, poderiam ser eleitos pelo voto distrital.

O PSDB, aliás, que apoia o voto distrital, já fez uma proposta, através do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de implantar o sistema gradativamente, começando pela eleição de vereadores.

O vice Temer considera que o "distritão", ao contrário do que o acusam, vai fortalecer os partidos políticos, pois o candidato eleito estará comprometido com a fidelidade partidária, com seu mandato pertencendo ao partido, como é hoje, ou podendo mudar de legenda apenas seis meses antes das eleições, como está proposto na reforma.

O partido também teria, na sua visão, mais importância na definição dos candidatos, não necessitando sair à cata de tantos nomes para juntar votos na legenda, como acontece agora.

No voto proporcional, a definição de quantas vagas cada partido ocupará na Câmara é feita pelo quociente eleitoral, o número mínimo de votos que um candidato tem que ter para ser eleito.

Na recente eleição, apenas 35 deputados foram eleitos por seus próprios votos, enquanto o restante dos 513 teve a ajuda da soma dos votos de outros candidatos para chegar à Câmara, isto é, apenas cerca de 7% dos candidatos atingiram o quociente eleitoral no país inteiro.

Esse fenômeno, juntamente com as coligações proporcionais, leva a distorções na representação partidária no Congresso.

Um partido que tenha um puxador de votos forte, como foi Enéas no PRONA em 2002, leva para a Câmara deputados com 275 votos, enquanto outro candidato, com mais de 127 mil votos, não se elege porque seu partido não conseguiu atingir a soma de votos suficiente para eleger um deputado.

Esse exemplo é real: em 2002, o candidato Vanderley Assis, do PRONA, foi eleito, enquanto Jorge Tadeu, do PMDB, ficou de fora.

Já as coligações proporcionais, que só existem para ajudar os partidos a aumentar as chances de atingir o quociente eleitoral, podem fazer com que um eleitor do PT acabe ajudando a eleger um candidato do PMN, muitas vezes de ideologia política distinta da que ele queria ver na Câmara.

O voto majoritário acaba com as coligações e também, na opinião de Temer, com a necessidade de procurar puxadores de votos do tipo Tiririca.

Esses, aliás, seriam rejeitados pelos partidos, pois ocupariam uma vaga dos políticos tradicionais.

E os bons de voto também não levariam no seu rastro candidatos mal votados.

De qualquer maneira, Temer não vê clima no Congresso hoje para aprovar apenas o "distritão" ou o voto em lista fechada, como advoga o PT.

Esta modalidade, por sinal, tem a rejeição da maioria dos políticos, que teme a chamada ditadura partidária, e também da opinião pública, que rejeita a ideia de não votar diretamente em seu preferido.

Há um movimento no Congresso por um acordo pela adoção do "distritão misto" como maneira de conseguir a maioria de apoio.

Para agradar à Câmara, há até a proposta de acabar com o suplente de senador e em seu lugar entrar o deputado mais votado do partido.

Não parece muito lógico, mas tudo é possível , principalmente não acontecer nada.

A informação de que o governo retomou os estudos da reforma previdenciária e estaria disposto a definir uma idade mínima para a aposentadoria - 65 anos para homens e 60 para mulheres - é um bom sinal.

Ainda mais se também enviar para o Congresso a regulamentação da previdência complementar do serviço público.

FONTE: O GLOBO

Poderes e democracia:: Cesar Maia

O Brasil é um país democrático. Bem..., mais ou menos.

As imperfeições são esperadas para uma democracia de apenas 20 anos. E o tempo vai aperfeiçoando o regime. Mas há vetores institucionais que vêm regredindo. O mais importante deles é a independência entre os Poderes.

Há uma crescente invasão de competência entre eles. A começar pelo hiperpresidencialismo, a cada dia mais presente na América Latina.

Invasões de competência tornaram-se uma rotina no Brasil.

Legislar por medida provisória é quase tão grave quanto os decretos-leis do regime autoritário. Mal se disfarça leis delegadas com justificativas esfarrapadas. O Orçamento, eixo fundacional da relação entre o Executivo e o Legislativo, desde o século 13 na Inglaterra, tornou-se inócuo.

O Executivo nem se preocupa mais com sua aprovação, pois abre o Orçamento quando quer, por meio do canhestro expediente dos bilionários restos a pagar, que chegam a ser trianuais. E de créditos adicionais por medida provisória.

Fazer Orçamento por decreto e por convênio é a rotina do Executivo, que se jacta disso dando nome a essa prática: PAC. O presidente pré-assina acordos e tratados com outros países, na certeza de que o Congresso os vai coonestar.

O Ministério da Fazenda invade competências constitucionais do Senado por meio de portarias de seu segundo escalão. Não dá a mínima para a fixação, pelo Senado, das regras de endividamento.

Atribui-se um poder substituto do conselho da LRF, alegando sua não regulamentação. Interpreta dispositivos federativos em relação a despesas vinculadas com educação e saúde. O Senado, passivo, vê suas atribuições em relação à Federação se desintegrar. A presença de governadores no Senado é cada vez mais rara, quando ali deveria ser o centro do debate de seus problemas.

O Congresso se agacha. Esse silêncio, quanto a suas prerrogativas constitucionais, é substituído pelo alarido em relação a emendas parlamentares e cargos. Não há necessidade de ler nenhum compêndio de ciência política para saber que um refluxo do Poder Legislativo corresponde a um avanço do Poder Judiciário sobre suas prerrogativas, no que os manuais chamam de jurisdicialização da política.

Ou de outra forma: na política não há vácuo. O Legislativo se retrai e suas funções são ocupadas pelos demais Poderes. Assim foi na fixação do piso previdenciário, na fidelidade partidária, na cláusula de barreira, na definição de limites pessoais de ocupação de cargos em comissão etc.

Por clamor popular, terminou se abrindo campo para que o Judiciário legislasse. Na abertura de uma nova legislatura, na qual mais uma vez se debate reformas que o país precisa, a mais importante de todas é o Legislativo se colocar de pé e defender suas prerrogativas constitucionais.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A Itália de Berlusconi, entre o passado e o futuro:: Marco Aurélio Nogueira

A regra é sábia e deve ser usada com frequência: certos eventos políticos estranhos, por vezes escabrosos, somente podem ser compreendidos quando mergulhados na história das sociedades em que ocorrem. É nas águas profundas da vida social que se escondem as maiores verdades.

Não fosse assim, seria difícil compreender, por exemplo, o que leva um país como a Itália - terra de tradições grandiosas, de história e cultura riquíssimas, de pensadores, políticos e humanistas da estatura de Maquiavel, Gramsci e Bobbio, de partidos como o PCI - a ser governado por Silvio Berlusconi. A "grande Itália" parece paralisada pela "pequena Itália", das máfias e do fascismo, que se move e mostra sua força.

Grosseiro, exibido, bufão, fascista de estilo e convicção, Berlusconi não é certamente um desconhecido. Preside desde 2008 o Conselho de Ministros, mas influi no Estado há pelo menos duas décadas. Megaempresário das telecomunicações, é um milionário poderoso. Controla boa parte da mídia italiana.

Fundou em 1993 o partido Forza Italia, que disseminou uma mixórdia de "teses" em defesa dos valores tradicionais, da liberdade pessoal, da identidade nacional contra os imigrantes, do combate à corrupção, da redução do déficit público, numa mistura oportunista de neoliberalismo e fascismo. Impulsionado pela televisão e abusando do imediatismo e da demagogia, ganhou espaço entre pequenos e médios empresários, profissionais liberais, gente das cidadezinhas e das classes médias urbanas. Venceu as eleições de 1994 e governou com uma aliança abertamente de direita (neofascistas do MSI, separatistas da Liga Norte, correntes cristãs). Demitiu-se sete meses depois, mas se tornou líder e fator de unificação das forças mais direitistas e conservadoras do país.

Combateu encarniçadamente os governos Amato, D"Alema e Prodi, de centro-esquerda, entre 1996 e 2001. Começou, então, a acumular denúncias e processos legais: conluio com a máfia, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, participação em homicídio, corrupção e suborno de policiais, financiamento ilegal de partidos. Não chegou a ser condenado, mas as acusações foram compondo sua persona.

Voltou à presidência do Conselho de Ministros em 2001. Foi derrotado por Romano Prodi em 2006, mas retornou ao posto dois anos depois. Forza Italia já havia então virado Povo da Liberdade.

O populismo histriônico e autoritário de Berlusconi, seu poderio midiático, os interesses econômicos que representa e o sistemático desprezo que nutre pelos ritos, pela Constituição e pelas instituições políticas italianas são uma ameaça permanente à democracia. A Itália decaiu muito no período em que ele tem dado as cartas. A estagnação econômica, o desemprego, o empobrecimento dos trabalhadores são hoje evidentes. A política está corroída pela compra de parlamentares e magistrados, pelo cerceamento das oposições, pelo monopólio da informação. O sistema democrático sangra por todos os poros.

Berlusconi cresceu impulsionado pelo uomo qualunque, o italiano médio, fascinado pelo poder e com certo cafajestismo intrínseco, como observou Geraldo Di Giovanni, da Unicamp. A "pequena Itália" - com sua pequena política, seu localismo provinciano, sua resistência à vida cívica superior e ao Estado democrático - lhe tem fornecido bases e oxigênio. O Cavaliere é uma espécie de alter ego desse universo de italianos, escreveu o professor José Claudio Berghella: "introduziu no Estado italiano um modo camorrístico de fazer política e estruturar instituições."

Sua ascensão, porém, não teria ocorrido sem o esfacelamento ético-político e cultural da esquerda italiana, em particular a de extração comunista, que hoje, desgastada intelectual e organizacionalmente, não é sequer sombra de seu passado. Tem baixa competência operacional, não consegue se unir nem definir um rumo programático. O Partido Democrático, seu maior subproduto, tem sido incapaz de atuar com vigor, coerência e credibilidade. Os diversos grupos que florescem à sua esquerda, menos ainda.

Berlusconi também foi auxiliado pela emergência da "vida líquida" na Itália, pelo capitalismo globalizado e pela disseminação da cultura do espetáculo, que contribuíram para desorganizar as forças do trabalho, minar os partidos políticos e embaralhar a relação entre representantes e representados.

Trata-se de um político pequeno, sem nenhum traço de estadista. Seria uma figura entre o folclórico e o patético, que passaria despercebida não fosse a irrupção em praça pública de suas taras e perversões privadas. Como escreveu Sérgio Augusto no Aliás (20/2/2011), o Cavaliere "abusou do poder, do fisco, da propriedade privada, da coisa pública, do sistema bancário, mas só depois que abusou do sexo virou um caso de polícia promissor".

Acossado por denúncias e revelações sórdidas, Berlusconi está sendo mais uma vez levado aos tribunais, agora por abuso de poder, extorsão e prostituição de menor (a marroquina Karima "Ruby" el Mahroug). Declarou que não está preocupado, mas não pôde permanecer indiferente nem à fixação de seu julgamento para o dia 6 de abril nem ao protesto de centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas de todo o país, em 13 de fevereiro, para exigir sua renúncia e sua condenação em nome de "mais respeito pela liberdade e pelos direitos das mulheres". Acusou-as de subversivas a serviço da esquerda, valendo-se de um surradíssimo chavão antidemocrático.

Agora é saber como o futuro mostrará sua face. As reservas democráticas do país podem estar adormecidas e desorganizadas, mas pulsam a todo momento. A sociedade civil mostrou força nas manifestações de rua. Poderá crescer com isso e ajudar a que as oposições democráticas e de esquerda saiam do marasmo, acertem o passo e façam algo para projetar a "grande Itália" no lugar que merece ocupar.

Professor Titular de Teoria Política da UNESP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A construção do futuro::José Aníbal

O papel histórico do PSDB na sociedade brasileira é o de qualificar o debate político, e não o contrário. Quando ouço cobranças por uma nova agenda para o Brasil, concordo com os que defendem uma revitalização do PSDB - desde que isto signifique um mergulho em nós mesmos, na mais exata aproximação com a ideia que construiu este partido.

Foi por nossa capacidade de pensar o país que chegamos, enquanto partido, tão jovens ao poder. O PSDB tinha apenas seis anos em 1994 e, no entanto, aquele seu programa está aí, consensual, defendido por nossos adversários.

É hora de deixar de lado a grita de nossos continuadores e pensar o futuro. Ninguém mais fala em crescer com um pouquinho de inflação. O governo atual faz ajuste fiscal. O BC é independente. O sistema financeiro é sólido. O país cresce. Os brasileiros vivem bem melhor hoje do que há 20 anos. Nós vencemos.

O Brasil é a nação mais dinâmica do mundo. É hora de tirar proveito das vantagens comparativas, não as relativas às riquezas naturais, mas as de nossa formação cultural. É hora de mudar o patamar de nossas aspirações.

A luta agora é para fazer do país um dos mais promissores no quesito qualidade dos serviços públicos. Forçar o Estado a ser eficiente, e fazê-lo indenizar as vítimas do analfabetismo, se não for capaz de derrotá-lo - uma Lei de Responsabilidade Social que obrigue o Estado a arcar com a sua ineficácia. Ele é caro demais para ser ruim.

É preciso ter metas sérias - como dobrar as vagas para todas as engenharias e biologias num prazo ambicioso. É obrigatório aumentar a oferta de eletricidade limpando a matriz energética. Não podemos esquecer: somos destinados a vender ao mundo soluções em sustentabilidade.

Já passou da hora de fazer valer nossas cláusulas pétreas constitucionais, sobretudo as afins à construção da paz e ao fortalecimento da democracia. E abandonar este devaneio do protagonismo brasileiro na política externa. Ele se resume à associação com regimes autoritários e cleptocratas como forma de abrir mercados. Uma política externa, se me permitem dizer, digna da hiena.

O Estado deve democratizar a informação ao povo, e não democratizar seu acesso à propaganda. Deve achar soluções legais para privilégios adquiridos, e enfrentá-los. Valorizar a competência, fazendo dos servidores a fortuna do Estado, e não o contrário. Eles farão a próxima revolução brasileira.

É preciso acabar com a miséria, e já nos prepararmos para o fim da ignorância. Colocar a assistência social para ser planejada pelos usuários, sobretudo as mães. E criar um plano nacional de urbanização de favelas, para que não se fale mais em falta de planejamento urbano.

Direitos civis que protejam escolhas privadas, metas de eficiência e penalidades para o transporte público de baixa qualidade, criar uma Justiça exemplar: é preciso botar tudo no papel.
Sem esquecer, claro, de enfrentar os gargalos políticos, que dão sobrevida aos hábitos que não nos servem mais. Precisamos de governos eficazes, e não dos eficazes em simpatia e alienação.

Em suma, ao PSDB é hora de elaborar os consensos dos próximos 20 anos. Uma agenda para o futuro, de uso geral, como foi a anterior. Por isso, a união do partido é inevitável.

Propus à bancada tucana na Câmara uma Conferência do PSDB para maio, a ser conduzida por Fernando Henrique. Ouvi de diversos companheiros a mesma resposta: já não era sem tempo.

Aos líderes, militantes e amigos, é hora de dar voz à inquietação comum a todos. E também de trazer novos talentos e competências, apartidários ou de outras siglas, e ouvi-los - sobretudo a juventude. Ao PSDB, é hora de manter a nossa média: estar pelo menos dez anos à frente deles.

José Aníbal é Secretário de Energia do Estado de São Paulo e foi presidente nacional do PSDB .

Como se soletra reforma política:: Wilson Figueiredo

Com os novos ricos lá em cima, os pobres lá embaixo e, por toda parte, a herança dos gastos feitos pelo antecessor, o novo governo teria mesmo de apelar para o modesto salário mínimo na hora de pagar as contas que começaram a chegar. O ex-presidente Lula marca de perto a sucessora e faz o possível para que o governo Dilma Rousseff não ganhe autonomia de vôo com a proposta de reforma política para valer.

Da parte de Lula, como ocorreu nas oportunidades em que a reforma foi cogitada no seu governo, era melhor do jeito que estava. Sem ela. Foi um jeito de se subentender sem se comprometer. Lula não tinha queixas da política (como era praticada e continuou) no primeiro mandato, cujo ápice foi o mensalão. Era interessado em confundir e descartar a reforma. Sabe lidar com os costumes e com quem pode contar.

Eventualmente, bem entendido. Para que mudar? O efeito final, seja como for, vai soterrar os dois mandatos anteriores sob o mesmo refrão - “nunca, antes, na história deste país”. Nem se cometeu tanta reincidência a título de coincidência.

Com sotaque de ex-candidato, José Serra não esperou cumprir-se o prazo de cem dias concedido a qualquer governante, extensivo ao perdedor, como se este governo fosse a inevitável continuação do anterior e não pudesse se habilitar às diferenças implícitas. O que a presidente Dilma Rousseff tem demonstrado - sobre modos de governar e liberdade de imprensa – é suficiente para medir a distância que a deixa cada dia mais longe da prática do lulismo (e não do próprio Lula). Semelhanças e diferenças dizem, de modo desigual, a mesma coisa, e se completam em qualquer língua. As coincidências não falam claro nem dizem tudo.

O que Serra refere como “festival de barganhas”, a título de novidade, vem - desde muito antes - se tornando a razão de ser da política brasileira, cuja sobrevivência, no deplorável estágio atual, só estará garantida se a reforma for transferida, sem data, para as calendas gregas. Governo, como qualquer atividade pública que não se preza, acaba em festivais de vários calibres.

Nunca é demais lembrar que Dilma Rousseff e José Serra se apresentaram em etapas diferentes da evolução política brasileira, e vieram da esquerda para o centro pela evolução universal da democracia. A ordem de circunstâncias relativas a um e outra - um na legalidade e outra no plano inclinado da ditadura - não altera o resultado. Serra viveu, sem ilusões, a limitação de esquerda depois de 1964, aplicou-se ao pensamento nacionalista no pequeno espaço político disponível. Acabou no exílio. Depois de do AI.5 (1968), por falta de alternativa, nada mais a fazer.

Na época em que não havia ação política legal, a juventude encaminhou Dilma para a via revolucionária. As diferenças entre a política e o apelo revolucionário se mantiveram na volta à legalidade. Não houve – antes e depois – qualquer convergência possível. O que se viu na campanha eleitoral, por intermédio de Lula, intensificou tensões históricas acumuladas em divergência sem proveito.

Serra observa que a presidente fala pouco e nunca de improviso “para fingir que nada disso é com ela”. E não é mesmo: é com Lula. A respeito do que não diz sobre o PSDB, estará Serra disposto a encarar? Depois deste “período de reflexão”, diz que vai “debater o Brasil”. Pois que se apresente, com os seus 44 milhões de votos e a experiência de deputado, senador, líder de bancada, ministro (duas vezes), prefeito de São Paulo (capital) e governador de São Paulo (Estado) na oportunidade da reforma política. Com ou sem reforma, a política é a arte do possível e, às vezes, do impossível. Quanto a revoluções, só depois se pode saber.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Lá Vem o Patto!::Urbano Patto

Ao vermos as revoltas populares no norte da África, voltam à memória coletiva, principalmente do Ocidente, as palavras de ordem da Revolução Francesa que verbalizaram o sepultamento do feudalismo e do absolutismo e abriram o caminho para a implantação da democracia representativa.

Mesmo as monarquias que se mantiveram, tais como o Reino Unido, a Suécia e a Espanha, foram limitadas por regimes constitucionais e parlamentaristas. Nada de reinados, emirados, principados e estados teocráticos como os que hoje vemos ser contestados e derrubados na África e Oriente Médio.

Uma das marcas mais reveladoras das autocracias, ditaduras, populismos messiânicos e democracias frágeis é a permanência dos dirigentes máximos para além dos tempos normais da maturidade da sua geração e a transmissão hereditária ou automática do poder. Inevitavelmente, mesmo que no início possam ter respondido por sentimentos sociais e políticos de mudança, chegam, os líderes e os regimes, à degenerescência, à corrupção, à opressão e ao engessamento dos avanços da civilização.

É o medo do novo, das novas gerações, do surgimento de novos agentes políticos e sociais, de novas tecnologias, de novas formas de ver o mundo e de vivê-lo. Nesse medo da mudança misturam-se numa lógica perversa costumes, religião e política.
Basta ver a figura caricata de Muammar Gaddafi esbravejando, ameaçando com a fúria do inferno seus opositores, vestindo aquelas túnicas e turbantes, com a pele esticada pelas provavelmente incontáveis cirurgias plásticas, como que desejando parecer imortal, um deus. Um louco.

Guardadas as devidas proporções, sem a virulência e a maldade inerentes às ditaduras que estamos vendo ser questionadas no norte da África, mas decorrentes ainda de sua democracia frágil, no Brasil pode-se observar semelhanças que também retratam tentativas esclerosadas de manutenção do poder.

Mesmo com eleições ainda vemos a transmissão quase hereditária de poder em alguns Estados e Municípios; a manutenção de uma estrutura ultrapassada e medieval nos serviços públicos; a existência ainda de cargos e mandatos vitalícios e, pior, a prática de atos bárbaros, da mesma estirpe das atrocidades de Gaddafi, tanto por bandidos como por forças policiais.

Já se vão séculos desde quando embalaram revoluções, mas são sentimentos e conceitos que permanecem e permanecerão sempre importantes para serem lembrados e aplicados, aqui, no norte da África e em todo o mundo:

Liberdade, Igualdade e Fraternidade!


Urbano Patto, Arquiteto Urbanista e Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista -PPS- do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@hotmail.com.

FONTE: JORNAL DA CIDADE (PINDAMONHANGABA /SP)

Os outonos:: Míriam Leitão

Todo patriarca, todo autocrata têm seu outono. E eles se parecem no seu final mais do que no início. Delirantes, de óculos escuros, criminosos. Não fosse pela roupa, Muamar Kadafi poderia se passar por Augusto Pinochet com aqueles óculos escuros. A primavera dos povos da África sob regimes tirânicos ensina o resto do mundo sobre seus erros e prenuncia novas mudanças.

É preciso rever conceitos. O professor Hani Hazime, libanês de nascimento, brasileiro naturalizado, e especialista em estudos islâmicos da UFRJ, ensina até novas definições:

- Oriente Médio é conceito errado. Oriente é onde nasce o Sol, que é China e Japão. Os árabes não são orientais. A cultura árabe está baseada na herança judaico-cristã e helênica. A religião é monoteísta, todos filhos de Abraão. O Norte da África é tratado como parte do Oriente Médio.

Enfim, tudo está em revisão a partir das revoltas que pedem mudanças em toda uma vasta região governada por regimes autocráticos. O diplomata Roberto Abdenur não tem dúvida de uma coisa: estamos diante de um processo revolucionário:

- Houve dois momentos revolucionários na segunda metade do século XX. As rebeliões estudantis de 1968, na França, e a queda do muro de Berlim. A primeira alterou comportamentos, foi uma revolução generacional. A segunda mudou a geopolítica, com o fim do comunismo, extinção da União Soviética e democratização dos países da região. O que está acontecendo agora nesta extensa e nevrálgica área do mundo é uma revolução. Não sabemos o que vai dar, haverá desfechos variados, mas é saudável e positivo que centenas de milhões estejam se libertando de governos autocráticos e de oligarquias.

Conversei com os dois no programa da Globonews. O assunto parece infindável. O executivo de uma empresa brasileira na Líbia disse há dez dias aos superiores no Brasil que tudo estava tranquilo em Trípoli. Ontem, já tinha retirado seus funcionários e abandonado as instalações. É espantosamente rápido como os processos se espalham. Hoje, tudo parece instável. Isso assusta a economia e alimenta esperanças na política. A médio prazo, lembra Abdenur, haverá a verdadeira estabilidade, porque o que parecia estável até agora era uma panela de pressão.

Hani Hazime acha que o que aconteceu até agora contraria a visão tradicional do Ocidente em vários pontos.

- Foram revoltas de jovens. Mais da metade desses países é formada por jovens. São multidões e não partidos políticos. Usam meios modernos, o que derruba o preconceito de um Islã avesso à modernidade. Não há religião até agora envolvida. Eles estão pedindo liberdade e democracia, o que o Ocidente dizia que não condiz com o Islã - diz o professor.

Abdenur alerta que cada país é uma situação:

- Afastados Ben Ali e Hosni Mubarak, começa uma transição política na Tunísia e no Egito tutelada pelos militares, mas sob forte pressão da opinião pública. Na Líbia, é diferente. Lá, o poder político estava concentrado em uma pessoa só, tem muito impacto na economia mundial, que não pode se ver sem 1,5 milhão de barris de petróleo e, dependendo da evolução, pode virar uma Somália no Mediterrâneo.

O grande peão é a Arábia Saudita. País que, como lembrou Abdenur, tem vivido há 80 anos a estranha situação de ter o nome de uma família: os Saud. Hani Hazime ilustra mais essa questão, lembrando que lá, na estrutura do poder, estão seitas radicais islâmicas.

- O golfo árabe não é árabe; em alguns países a maioria da população é paquistanesa ou indiana. No Bahrein, o conflito é religioso, parecido com o do Iraque, em que a maioria xiita é oprimida por uma minoria sunita. A grande pergunta é se as mudanças chegarão à Arábia Saudita. Acho difícil. Lá, atuam radicais islâmicos, como a seita wahabista, que foi adotada pela família real, e que usa isso e o fato de ser sede das duas cidades sagradas, Meca e Medina, para se impor. Lá, ninguém levanta a voz. Não haverá qualquer mudança sem ajuda externa. Isso não quer dizer invasão, mas sim conversas com a oposição, convencimento do governo, pressão por reformas - diz Hazime.

Abdenur, que já foi à Arábia Saudita várias vezes, lembra também que lá nasceu a Al Qaeda:

- Nos outros países, os regimes são desafiados pela esquerda. Na Arábia Saudita, há pressões por reformas, mas o principal risco é o regime ser assaltado pela direita, porque o principal alvo de Bin Laden sempre foi a derrubada da monarquia saudita. Outras monarquias da região têm mais enraizamento: a do Marrocos é um líder religioso e o da Jordânia representa os beduínos. Em alguns países há clamor por reformas, em alguns casos se soma a exigência de queda do ditador.

Hani Hazime disse que um grande teste será como o Ocidente vai lidar com os ventos da democracia sobre os territórios ocupados por Israel, onde os palestinos, ele diz, são tratados como cidadãos de segunda classe. Ele acha que o mundo Ocidental esqueceu seus valores e se guiou apenas por interesses. E que num momento em que se fala de proteção da Terra é necessário resgatar valores universais. Abdenur acha que o ponto é importante. Pensa que a região que passa hoje por convulsões foi tratada da mesma forma como os Estados Unidos trataram a América Latina na guerra fria. Os governos latinos não precisavam ser democráticos, apenas simpáticos aos Estados Unidos.

Aqui, o nosso Gabriel Garcia Marquez transformou em literatura a figura grotesca de um patriarca no seu outono. Eles caíram e tivemos a nossa primavera. Lá, a mudança da estação começou, mas é o tempo apenas do imprevisto.

FONTE: O GLOBO