segunda-feira, 25 de junho de 2012

Rio, sem mais:: José Roberto de Toledo

Durante a Rio+50, os participantes desfrutam uma temperatura entre 21ºC e 27ºC, em pleno inverno de 2042. Isolados em ambientes refrigerados, os poucos que assistiram à Rio+20, três décadas antes, não se dão conta dos dois graus a mais de temperatura. A grande maioria não tem nem como comparar. Acompanha a conferência através de seus avatares virtuais, a milhares de quilômetros de distância.

Para os que estão lá pessoalmente, pegar uma praia não é opção. A chuva é tão insistente que beira os 100 milímetros por mês - uma média que, relatam os mais velhos, era comum apenas nos meses de verão. Os paulistas, quando pegam a ponte-aérea (o trem-bala é ainda um projeto), dizem estar indo para a terra da garoa.

Trinta anos atrás, o noticiário a respeito da cúpula internacional sobre desenvolvimento sustentável pouco espaço ganhara na mídia estrangeira. Agora, chega às manchetes (um anacronismo ainda em uso) dos jornais que restaram. O aquecimento global não é mais uma hipótese em busca de confirmação, nem preocupação exclusiva dos que eram chamados de abraçadores de árvores. A pecha caiu em desuso, pela falta do que abraçar.

A rápida mudança do clima transforma o mapa econômico e epidemiológico. Áreas antes próprias à agricultura viraram pista de "sandboard". Doenças ditas tropicais infestam as zonas temperadas da Europa e Estados Unidos. Os mosquitos transmissores se adaptam às temperaturas cada vez mais altas. Com demanda dos ricos, a indústria farmacêutica, enfim, decide investir numa vacina contra a malária.

No Brasil, a Rio+50 disputa espaço com o noticiário catástrofe. As manchetes são para a seca inclemente no Nordeste. As chuvas estão 35% mais raras do que eram na época da Rio+20. A estiagem emenda o verão ao inverno, ano após ano. Na média, a temperatura no interior da Bahia, de Pernambuco e do Ceará subiu quase três graus em 30 anos. A vegetação da caatinga cede espaço a um grande areal - "uma oportunidade para o turismo de aventura", diz a propaganda oficial.

A quatro meses da vazante máxima, o Amazonas está no nível mínimo da história; as cidades, isoladas por fios d"água que não suportam a navegação. Os veículos anfíbios vendidos ao governo como solução do problema atolam no lodaçal em que se transformaram rios e igarapés. Desde que a chuva diminuiu em 1/3 no espaço de uma geração, chovem ideias progressistas para a região. Um candidato promete o PALF: Programa de Asfaltamento dos Leitos Fluviais.

(...) É 2092. A Rio+100 é cancelada. Chuvas torrenciais fazem desabar encostas e morros sobre o asfalto. As praias foram engolidas pelo oceano. Na maré alta, a avenida Atlântica é reivindicada pelo próprio. A Riotur tentar compensar o prejuízo vendendo a cidade como a Veneza do século 22, já que a original submergiu há décadas.

Em São Paulo, o calor abafado e úmido é definido, saudosamente, como "amazônico". O Tietê há muito saiu de sua calha e recuperou as várzeas do entorno. Em comum com a época da Rio+20, só a poluição do rio, que mais um governador promete limpar até o fim do mandato. De passagem pela São Paulo alagada, um carioca das antigas respira fundo e comenta: "Pelo cheiro, esta sim é a Veneza do século 22".

Na caatinga brasiliense, dois deputados paraguaios - um colorado e um liberal, os dois partidos que se alternam no poder desde o impeachment relâmpago de um presidente-bispo que era considerado um pai por muitos conterrâneos - prosseguem na sua missão de reconhecimento, cortando o território de sul a norte. Após atravessar o que antigamente era chamado de Chaco/Pantanal, chegam a Brasília. Visitam as ruínas do Estádio Nacional - exemplar da arquitetura copalina, que dominou as obras públicas pré-2014. Reza a lenda que só uma partida foi jogada no seu gramado.

Antes de seguirem para a savana amazônica - uma enorme reserva de caça que vai de Sarneyrama ao novo Estado de Tapajós - os paraguaios consultam arquivos digitais para entender a radical mudança da paisagem brasileira. O colorado lê o documento oficial da Rio+20, "O futuro que nós queremos", e conclui: "Eles não eram muito ambiciosos".

O liberal descobre outro texto divulgado à época da conferência. O relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas previa chuvas decrescentes no Norte-Nordeste, e muito mais precipitação no Sul-Sudeste. "Tá tudo aqui." Ao que o colorado replica: "Ninguém leu. Se leu, não acreditou".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Abençoado por Deus:: Rubens Ricupero

A culpa dos desastres no Brasil é menos da natureza e mais da imprevidência e injustiça dos homens

Surpreenderá a maioria saber que o Brasil aparece em 12º lugar no registro de desastres naturais em mais de 200 países nos últimos 30 anos. Então, o país não é "abençoado por Deus"? Não fomos poupados por tsunamis, terremotos, vulcões, furacões?

É que esquecemos o começo da letra: vivemos "num país tropical". Sofremos do excesso de nossa maior vantagem. Com perto de 14% do total, o Brasil detém a maior parcela de água doce não imobilizada em gelo. Só que às vezes é água demais concentrada em pouco espaço e tempo curto.

A rigor, como essa é característica dos trópicos, nossos desastres são menos naturais que ocasionados pela imprevidência e pela injustiça dos homens. Estudos de demógrafos como George Martine e Ricardo Ojima mostram que o maior problema ambiental do Brasil não é o de mitigar a emissão de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento da Amazônia. Caso não haja retrocessos como o do Código Florestal, devemos atingir a meta prometida em Copenhague de reduzir o desmatamento em 80%.

O desafio principal, em termos de sofrimentos e perdas de vidas, é o da adaptação a inundações e deslizamentos de quem vive em aglomerados subnormais ou sub-humanos. Segundo o Censo de 2010, são 11,4 milhões de pessoas, metade das quais no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belém. Em Salvador, uma em cada quatro vive nessa situação.

Obviamente não é por querer ficar mais perto do céu que muitos vão morar em topos e encostas de morros, em mangues ou em cima de lixões. Foram condenados a isso pela urbanização selvagem que nas duas últimas décadas aumentou a população das cidades em 50 milhões, mais que a Argentina, o Uruguai e o Paraguai somados!

O certo teria sido, 60 anos atrás, abrir eixos de transporte, tomando o cuidado de desapropriar antes os terrenos vizinhos a fim de evitar sua valorização explosiva. Como não se fez isso e se tentou impedir a entrada das massas que deixavam o campo, agora será mais caro e difícil.

Não existe, porém, alternativa, pois as cidades continuam a crescer, sobretudo nas periferias. Por sorte, o fim da explosão demográfica atenuou o ritmo da urbanização, o que pode melhorar as coisas.

Em quase todas as periferias existem reservas de terrenos guardados vazios para especulação. Por que as prefeituras, sempre tão apertadas em recursos, não os tributam de modo pesado, combatendo a especulação? Onde não se pode esperar, deve-se desapropriar por interesse social. Ao mesmo tempo, é preciso organizar mercados de terrenos populares fiscalizados contra abusos.

O descaso pelos pobres originou uma estrutura urbana dualista. De um lado, bairros jardins de regulamentação estrita, contornável pagando propinas a fiscais corruptos como o latifundiário urbano que controlava as licenças da Prefeitura de São Paulo. Do outro, anarquia e caos em periferias entregues à exploração de especuladores.

O resultado é a tragédia previsível de todos os verões ou crimes como o trucidamento, em Pirituba, de pobre casal de jovens trabalhadores atraído pelo sonho de comprar um terreno para morar! Isso não é culpa de Deus nem da natureza, mas de nós mesmos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Mercado financeiro reduz projeção de crescimento pela 7ª vez seguida

Segundo boletim Focus, do Banco Central, agora analistas acreditam que o PIB irá crescer 2,18% em 2012

Eduardo Cucolo

BRASÍLIA - O mercado financeiro reduziu pela sétima semana consecutiva a previsão de crescimento da economia brasileira em 2012, que caiu de 2,30% para 2,18%, de acordo com a pesquisa Focus, divulgada há pouco pelo Banco Central. Há quatro semanas, a projeção estava em 2,99%.

Para 2013, a previsão de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) recuou pela terceira semana e passou de 4,25% para 4,20%. Há quatro semanas, estava em 4,50%.

Um dos fatores que puxam para baixo a expectativa de desempenho do PIB é o fraco crescimento do setor industrial. A projeção para a expansão do setor em 2012 caiu de 0,63% para 0,50%. Há quatro semanas, estava em 1,58%.

Para 2013, economistas preveem ritmo maior, com avanço industrial de 4,20%, projeção que subiu em relação aos 4% estimados na semana passada. Um mês antes, no entanto, a pesquisa apontava estimativa de expansão de 4,25% no próximo ano.

Analistas ainda mantiveram a previsão para o indicador que mede a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB em 2012, em 35,70%. Para 2013, a projeção caiu de 34,25% para 34,00%. Há quatro semanas, as projeções estavam em, respectivamente, 35,83% e 34,50% do PIB para cada um dos dois anos.

O piso para o crescimento da economia projetado na pesquisa Focus recuou de 1,72% para 1,60%. O número está próximo do 1,5% projetado na semana passada pelo Credit Suisse, previsão que foi classificada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, como "uma piada". O teto para o crescimento neste ano continua sendo de 3,5%, segundo a pesquisa. Para 2013 e 2014, as estimativas ficam no intervalo entre 3% e 5,5%.

Inflação e juro

O mercado financeiro reduziu a projeção de inflação medida pelo IPCA para 2012 e para 2013. Para 2012, a mediana das estimativas recuou pela sexta semana seguida e passou de 5,00% para 4,95%. É a primeira vez desde a pesquisa realizada em 25 de março de 2011 que a projeção para a inflação oficial no País fica abaixo de 5% para 2012. Há quatro semanas, a estimativa do mercado estava em 5,17%.

Já para 2013, a projeção recuou pela segunda semana consecutiva, de 5,54% para 5,50%. Há um mês, estava em 5,60%.

A projeção de alta da inflação para os próximos 12 meses também caiu pela segunda semana consecutiva, passando de 5,49% para 5,48%, conforme a projeção suavizada para o IPCA. Há quatro semanas, estava em 5,52%.

Nas estimativas do grupo dos analistas consultados que mais acertam as projeções, o chamado Top 5 da pesquisa Focus, a previsão para o IPCA no cenário de médio prazo se manteve em 5,02% para 2012 e em 5,50% para 2013. Há um mês, o grupo apostava em alta de 5,18% e 5,80% para cada ano, respectivamente.

Na pesquisa Focus, a mediana das estimativas para o patamar da taxa Selic ao final de 2012 seguiu em 7,5%, abaixo da taxa atual de 8,50%. A expectativa dos analistas continua sendo de corte na reunião de julho de 0,50 ponto porcentual, para 8%.

A taxa voltaria a subir em abril de 2013, para encerrar o ano que vem em 9%, projeção que foi mantida pela segunda semana. Quatro pesquisas antes, analistas projetavam taxas de 8% e 9,5% para o fim de cada ano, respectivamente.

Câmbio

A taxa de câmbio para o fim de 2012 se mantém abaixo de R$ 2,00 nas estimativas dos analistas consultados na pesquisa Focus realizada pelo Banco Central. A mediana das projeções para o preço da moeda estrangeira no fim deste ano permaneceu em R$ 1,95, de acordo com a pesquisa divulgada hoje. Para o fim de 2013, ficou em R$ 1,90. Há um mês, analistas previam dólar a R$ 1,90 no fim de 2012 e a R$ 1,85 no fim de 2013.

Para o fim de junho, a estimativa subiu de R$ 2,03 para R$ 2,04. Para o fim de julho, ficou em R$ 2,00 pela segunda semana seguida.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Se aprovado, fim do fator previdenciário será vetado por Dilma

João Villaverde e Lucas Marchesini

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff vai vetar o projeto que extingue o fator previdenciário, caso ele seja aprovado pela Câmara dos Deputados, informou uma fonte do governo. Dilma é favorável ao fim do fator, mas não aceita a simples extinção. O Ministério da Previdência Social defende que o mecanismo seja substituído por uma fórmula que soma o tempo de contribuição com a idade - a soma deve ser de 95 anos para mulheres e de 105 anos para homens. Como, no entanto, esta fórmula ainda não foi discutida em âmbito de governo, o fator previdenciário deve permanecer.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirmou ao Valor na semana passada que "há pressão para a votação do fim do fator previdenciário", e que a questão recebeu apoio maciço dos líderes dos partidos. O Palácio do Planalto ainda avalia que a votação pode ser "contornada", segundo afirmou uma fonte, mas que, no cenário em que o projeto seja votado e aprovado no Congresso, Dilma "não hesitará" em vetar.

"Trata-se de algo impopular, porque ninguém é a favor do fator previdenciário, nem o próprio governo, mas não podemos substituir uma fórmula sem colocar outra no lugar", resumiu uma fonte graduada do governo.

O Valor apurou que o assunto foi tratado no Palácio do Planalto entre os ministros da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, há cerca de um mês, quando o projeto que prevê a extinção do fator previdenciário ganhou força na Câmara dos Deputados. O principal defensor do projeto é o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), presidente licenciado da Força Sindical e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.

Nas conversas conduzidas por técnicos da Previdência Social com líderes das centrais sindicais, entre o fim do ano passado e o início deste ano, a fórmula "95/105", como é conhecida, foi rechaçada pelos sindicalistas. As centrais defendem a substituição do fator previdenciário por uma combinação entre tempo de contribuição e idade que some 85 anos para mulheres e 95 anos para homens.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A Implosão da Mentira:: Affonso Romano de Sant'Anna

(ou o episódio do Riocentro-fragmentos)

Fragmento 1.

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".

domingo, 24 de junho de 2012

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna : política

Estamos vivendo a hegemonia da pequena política?

"Há grande política agora no País. A Rio+20 é um momento de grande política. Houve uma passeata no Rio de Janeiro, praticamente não anunciada, que reuniu 30 mil pessoas em nome da defesa de múltiplos direitos."

Werneck Vianna, Luiz, professor-pesquisador PUC-Rio. Entrevista: ‘Aliança nos jardins de Maluf foi rendição’. O Estado de S. Paulo, 24/6/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Torturador rompe silêncio de 41 anos sobre Casa da Morte
A degradação no curso dos rios do Rio
Montreal: a conferência que deu certo
Sem avanço nas florestas

FOLHA DE S. PAULO
Brasil e vizinhos discutem sanções contra o Paraguai
Infalível ele não é, diz Serra sobre apoio de Lula e Haddad

O ESTADO DE S. PAULO
Novo presidente afirma que "não há golpe" no Paraguai
Brasil visou na Rio + 20 ação contra pobreza
Plano de saúde do Senado tem mais privilégios
Inadimplência em alta atrasa plano de estímulo

CORREIO BRAZILIENSE
Paraguai provoca um nó na América do Sul
Alerta no ar: Piloto volta após falha no AeroDilma

ESTADO DE MINAS
Quando Dilma chorou

ZERO HORA (RS)
O advogado das grandes encrencas
Paraguai: O país da instabilidade

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Dívida escraviza recifense
Pesquisa sobre perfil definiu a escolha do candidato do PSB

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

O 'mensalão' e a dialética entre forma e conteúdo :: Luiz Werneck Vianna

Ainda é cedo, mas marinheiros treinados em perscrutar o horizonte, instalados no cesto da gávea no maior mastro do navio, sondando as proximidades do mês de agosto, data marcada para o julgamento do processo do "mensalão" no Supremo Tribunal Federal (STF), já alardeiam mar tranquilo à frente. Há pouco, uma reunião pouco republicana entre um ex-presidente da República, um membro do STF e um ex-presidente dessa alta Corte, influente homem público, no escritório desse último, carregou os céus de nuvens sombrias, mas a sua rápida e surpreendente dissipação só veio confirmar o diagnóstico de tempo benigno para os navegantes.

A previsão não deixa de ser espantosa, vistas as coisas a partir do que temos experimentado ao longo da nossa história. Desde sempre, como um habitus entranhado na cultura nacional, estivemos obedientes a uma regra não explícita que se traduziria no primado que as questões de conteúdo deveriam exercer sobre as de forma. Tal habitus - para continuar flertando com muita liberdade com categorias do sociólogo Pierre Bourdieu - como que estaria inscrito em nosso próprio corpo, convertido, pelo uso continuado, numa espécie de ideologia natural nascida das próprias condições singulares em que se teria forjado o nosso Estado-nação, em que teria cabido ao primeiro termo a criação demiúrgica do segundo.

Essa particularíssima condição da nossa formação não escapou ao gênio de Euclides da Cunha, que a ela atribuiu, em texto de À margem da história, o caráter do excepcionalismo brasileiro, um país que teria nascido a partir de uma teoria política a ser, gradual e paulatinamente, internalizada pela sociedade em busca dos ideais civilizatórios do Ocidente.

Na tradição dessa leitura, a construção da ordem no Estado nascente seria uma criação dos juristas imperiais, magistrados que, encarnando os desígnios das elites à testa do Estado, imporiam vertebração e o sentimento de unidade a uma sociedade entregue às suas paixões e ao particularismo dos potentados locais, tal como na demonstração clássica de José Murilo de Carvalho. O conteúdo nos viria de cima e os procedimentos formais, declarados no estatuto liberal que nos regia, deveriam ser confrontados, de um lado, com o poder discricionário dos governantes - o Direito Administrativo claramente hegemônico diante dos demais ramos do Direito - e, de outro lado, com o poder de fato das elites senhoras de terras e do sistema produtivo da época.

Sob esse duplo contingenciamento, os procedimentos e as formas próprias ao estatuto político liberal deveriam ceder quando importassem ameaças de lesões ao plano da ordem que se queria impor ou mesmo se viessem a afetar interesses dos potentados locais em seus domínios patrimoniais. Sem um Poder Judiciário autônomo diante do Poder Executivo e na ausência de uma esfera pública, cuja formação efetiva somente vai germinar com as lutas abolicionistas, a modelagem discricionária do Direito Administrativo se vai comportar como o instrumento mais adequado para que o conteúdo ideado pelo vértice político procurasse suas vias de realização.

Essa dialética difícil entre forma e conteúdo se vai projetar no cenário republicano, o Estado Novo tendo significado um momento de exasperação da imposição do conteúdo sobre a forma, aí não mais orientado pelos ideais civilizatórios, e, sim, pelos da modernização do País. A Carta de 1937, em seu artigo 135, comanda sem subterfúgios que a precedência "do pensamento dos interesses da Nação" deveria se impor aos interesses individuais, cabendo ao Estado a leitura e vocalização desse pensamento. Na fórmula, pois, o pensamento da Nação se substantiva, enquanto os procedimentos para sua realização são meramente instrumentais.

O curso do processo de modernização subsequente, em boa parte cumprido em contexto mais amável às instituições do liberalismo político - salvo o hiato do regime militar -, preservou essas marcas congênitas à nossa formação, como no governo JK, em que se contornou o Poder Legislativo com a criação dos então chamados grupos executivos, a fim de viabilizar, pela ação discricionária da administração pública, seu programa de metas para a aceleração da industrialização do País.

A Carta de 1988, ao instituir os termos da democracia política no País, deu início a uma mutação em nossa vida republicana, ainda em andamento e não de todo percebida, qual seja a que se expressa na tendência de converter o constitucionalismo democrático em novo paradigma dominante no sistema jurídico-político, afetando as antigas primazias exercidas pelo Código Civil e o poder discricionário das esferas administrativas. A emergência dessa tendência - escorada por institutos próprios, entre outros, o Ministério Público, as ações civis públicas e as de controle da constitucionalidade das leis - modera, quando não inibe, o decisionismo de nossa tradição política.

Pode-se entender o assim chamado processo do "mensalão" como uma tentativa de reação anacrônica do conteúdo contra a forma, pois o que, na verdade, se intentava, embora por métodos nada republicanos, era insular a vontade política dos governantes, no suposto de que somente deles provinha a melhor interpretação dos interesses da Nação. A tentativa se frustrou, foi criminalizada e, agora, chega aos tribunais. Quanto à sorte do seu julgamento, a essa altura se trata de questão menor, confinada às artes dos especialistas em técnica jurídica, uma vez que, no que importa, a sociedade e suas instituições já demonstraram recusar aos governantes o monopólio para decidir sobre quais são os verdadeiros interesses da Nação. No mais, é como se dizia antes da invenção da ultrassonografia: nunca se sabe o que vai sair de barriga de mulher ou da cabeça de um juiz.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Menos 440 mil empregos

Estudo mostra que criação de vagas se desacelera cada vez mais no país devido à crise

Geralda Doca

A crise internacional e a desaceleração da economia brasileira já afetam o mercado de trabalho. Embora os dados oficiais do governo apontem a criação de 737,8 mil empregos com carteira assinada no ano, uma análise mais aprofundada desses números revela que alguns setores importantes, como a agropecuária e a indústria, registram perda líquida crescente de vagas. No mês passado, já descontados fatores sazonais, a geração líquida de empregos no país foi de 52 mil postos (sem o ajuste, o número foi de 139.679), abaixo dos 90,6 mil registrados em abril, destaca o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec) do Bradesco. O banco reduziu em 440 mil postos a estimativa de criação de empregos em 2012. Era de 1,7 milhão no primeiro trimestre e passou para 1,26 milhão.

O estudo do Depec, baseado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, mostra que o comércio, setor que de fevereiro a abril exibia recuperação na geração de vagas, voltou a reduzir o ritmo em maio. E, no setor de serviços, a desaceleração cresceu.

A análise mostra que até a construção civil, que apresentou o maior dinamismo entre os segmentos do mercado de trabalho nos quatro primeiros meses do ano puxado por lançamentos imobiliários antes da crise, recuou em maio, seguindo os demais setores com queda nas contratações.

Segundo o levantamento - que desconta fatores sazonais como safra e contratações atípicas - a criação de postos na indústria saiu de uma média mensal de 43,5 mil em 2010 para um resultado negativo de 1,4 mil entre abril e maio deste ano. O ritmo lento da economia afetou as contratações em cinco setores da indústria, que fechou postos de trabalho nas áreas de metalurgia, materiais de transporte, têxteis, calçados, alimentos e bebidas.

Até setor de serviços vem perdendo vagas

Na agropecuária, o quadro é preocupante, pois a média de desligamentos subiu de 2,4 mil em 2010 para 12,9 mil entre abril e maio deste ano. No comércio, a média de empregos criados em 2010 foi de 43,1 mil. Já nos primeiros dois meses do segundo trimestre caiu para 22,7 mil.

Mesmo no setor de serviços, que costuma suportar melhor as crises, o saldo médio de vagas caiu de 72,2 mil em 2010 para 48,4 mil entre abril e maio. Embora os serviços tenham respondido por quase a metade dos postos de trabalho, alguns segmentos, sobretudo instituições financeiras, transportes e comunicação, ensino, administração e venda de imóveis (corretores), e técnicos vêm perdendo vagas nos últimos dois meses.

Para os analistas do Depec, uma retomada do emprego só ocorrerá em meados do terceiro trimestre, entre agosto e setembro, se confirmada a esperada aceleração do crescimento. O economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, está menos otimista. Ele destacou que a indústria, que paga melhores salários, está há alguns meses reduzindo empregos:

- Parece-me pouco provável um retorno do emprego no segundo semestre, porque a economia vai crescer pouco, depois de ficar praticamente estagnada. E a criação dos postos de trabalho não será suficiente para forçar uma queda na taxa de desemprego.

Para o professor de Relações do Trabalho da USP, José Pastore, dificilmente o governo poderá comemorar resultados como em anos anteriores, porque os investimentos, que geram empregos, estão caindo.

- É preciso aguardar a reação da economia - disse Pastore, acrescentando que o recuo nos investimentos está ligado ao custo elevado dos empresários com o aumento real dos salários, sem contrapartida na produção, o que reduz a margem de lucro.

Os dados regionais da pesquisa revelam que as maiores oportunidades de trabalho estão concentradas na região Centro-Oeste, onde o nível do emprego vem crescendo desde janeiro. Nas demais, a geração de postos tem desacelerado, sendo o pior resultado registrado no Norte, que vive uma dinâmica fraca desde julho de 2009.

Morador de Brasília, Gustavo Moita, que trabalhava como auxiliar de escritório no ramo de pecuária em Redenção (PA), perdeu o emprego há um mês com três colegas. De volta à capital, quer tentar uma vaga na área imobiliária, mais promissora, segundo ele:

- Os pecuaristas do Pará estão reclamando que a situação está muito difícil, mesmo para quem exporta.

Elaine Cristina Luz, mãe de quatro filhos e separada, foi demitida de uma empresa de serviços gerais (limpeza e conservação), após quase oito anos de casa. A alegação foi corte de gastos, disse, ao pedir o seguro-desemprego:

- Não esperava ser dispensada depois de sete anos e meio na empresa. Mais seis funcionários também foram demitidos de uma única vez.

Para analistas, as medidas do governo, como corte de juros, aumento de crédito e consumo ajudam, mas são insuficientes. O Caged mostrará saldo de vagas, mas cada vez menor, estimam. Não é um cenário de recessão, mas de crescimento menor, disse Camargo.

FONTE: O GLOBO

Roberto Freire compara Mantega a Cândido, de Voltaire

Silvana Mautone

O presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS) e deputado federal Roberto Freire criticou hoje o "otimismo exagerado" do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele o comparou ao personagem Cândido, de Voltaire - na sátira do escritor francês, Cândido, grande otimista que tem uma vida perfeita, se desilude após enfrentar dificuldades.

"Nós já estamos começando a perceber a incapacidade do governo, basta demonstrar que temos um ministro da Fazenda que é um Cândido. Cândido significa uma figura de um grande escritor francês, que era um otimista exagerado. Tudo ele via às mil maravilhas embora o mundo fosse uma realidade dramática."

Freire disse que Mantega "é um ministro que diz que vamos crescer 5% e crescemos 2,7%, que fica irritado quando dizem que não vamos crescer 2% este ano. Irritação não adianta para mudar a realidade."

Freire criticou a política econômica dos governos Lula e Dilma, que, na sua opinião estimularam o "consumo exagerado" sem resolver problemas básicos como saneamento, educação e saúde. Segundo ele, foi incentivado "o consumismo exacerbado, despreocupando-se da produção, da poupança, das bases de um país do futuro". "Nós estamos enfrentando o início de uma crise com forte impacto na sociedade", afirmou. Segundo ele, a presidente Dilma não fala a respeito "porque é cria disso".

Freire participou hoje do evento que formalizou a candidatura de Soninha Francine (PPS) à Prefeitura de São Paulo.

FONTE:: O ESTADO DE S. PAULO

PMDB já admite 'buscar outro caminho'

Cúpula do partido, insatisfeita com Dilma, discute projetos eleitorais e aposta que ciclo de poder do PT está perto do fim

Júnia Gama

BRASÍLIA . A cúpula do PMDB tem manifestado nos bastidores cada vez mais desconforto na relação direta com a presidente Dilma Rousseff. As queixas sobre o tratamento que o partido, aliado de maior peso no Congresso e que tem o vice-presidente Michel Temer, recebe do Palácio do Planalto já não são expressas apenas reservadamente, como até pouco tempo atrás. E o aumento da tensão nessa relação está motivando dirigentes do PMDB a dizer publicamente não só que o partido está insatisfeito, mas que trabalha uma alternativa para o futuro em 2014.

- Se for possível a reedição da aliança, (tudo) bem, se não for, o PMDB vai buscar outro caminho. Se isso ocorrer, há uma tendência de aliança com outros partidos. Vamos sair dessas eleições municipais mais fortalecidos, temos candidatos em mais de três mil municípios. Um partido desse tamanho não pode deixar de ter um candidato próprio ou na vice para as eleições presidenciais - afirmou ao GLOBO o presidente da legenda, senador Valdir Raupp (PMDB-RO).

O senador confirma que existe um "problema de relacionamento" com o governo federal, já que o partido não costuma ser ouvido pela presidente nas decisões estratégicas.

- A liberação de emendas e a questão dos cargos são coisas muito secundárias, se dependesse de mim nem teríamos cargos no governo, porque é uma coisa que só traz desgaste. Há um problema de relacionamento na formulação das políticas, o PMDB gostaria de ser um pouco mais ouvido nessa questão das políticas públicas, da economia, da infraestrutura e da execução dos programas do governo - disse Raupp.

Nas reuniões reservadas dos partidos, os peemedebistas tratam de projetos eleitorais futuros de forma mais aberta e até ofensiva. Nessas conversas, avaliam que o PT já está no final de seu ciclo de poder, que, no máximo, terá mais um mandato no Palácio do Planalto.

Um deputado do partido que se relaciona bem com os petistas acredita que o PT já deve estar preparando um plano de retirada a partir das próximas eleições presidenciais:

- Nada dura para sempre. Já são dez anos de poder, e o natural é que os ciclos se esgotem a cada período.

FONTE: O GLOBO

Partido debate reaproximação com tucanos

Parceria de Dilma com Eduardo Campos, do PSB, incomoda

BRASÍLIA . Mas até a eventual saída do PT do comando da cena política nacional, o partido do vice Michel Temer quer se manter, no mínimo, como a legenda forte que sempre deu sustentação aos governos. Ou ter voos próprios, o que é mais difícil com o atual quadro partidário, sem opções de presidenciáveis.

- O PMDB não quer ser engolido pelo projeto hegemônico do PT. Para isso, é preciso ter alternativas desde já - destaca outro dirigente do partido, referindo-se à possibilidade de alianças com outros partidos, inclusive da oposição.

No horizonte do partido, caso desande de vez a relação com o PT ou com a presidente Dilma Rousseff, está uma reaproximação com os tucanos.

- Por que não PMDB e PSDB em 2014? - dizia um peemedebista numa recente reunião.

Um outro colega completou:

- O sonho do PMDB era ter trazido o Aécio para o partido.

Integrantes da legenda afirmam que a reedição da aliança com Dilma Rousseff irá depender ainda, além da relação direta entre os dois partidos, de como estará a economia quando 2014 chegar. Caso não apresente melhoras significativas e a presidente perca popularidade, avaliam, o ex-presidente Lula pode voltar com tudo. Nesse cenário, o PMDB se sente mais confortável e acolhido sem, no entanto, abandonar o projeto de voo solo.

Além das queixas sobre a baixa participação do partido junto ao governo, o tratamento dado a expoentes do PMDB também causa mal-estar. Segundo avaliam, a relação com Dilma, que já era muito difícil, ficou pior ainda depois que ela desautorizou o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, que, em entrevista ao GLOBO, admitiu negociar alguns pontos da Medida Provisória do Código Florestal.

Foi preciso uma "operação abafa" para que caciques da legenda não manifestassem publicamente o descontentamento com a atitude da presidente. Michel Temer chegou a sugerir que Mendes Ribeiro entregasse o cargo. Mas prevaleceu o pensamento pragmático de que ainda não seria o momento adequado para expor as feridas.

A aproximação entre Dilma e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também incomoda o PMDB. A presidente demonstra mais afinidade com Campos do que com o vice-presidente. O partido, no entanto, aposta que a relação entre PT e PSB sai desgastada com os recentes embates eleitorais em São Paulo, Recife e Fortaleza. E tentará capitalizar em cima desses episódios.

- O confronto entre PT e PSB em São Paulo, com a saída de Erundina da chapa de Haddad, ajuda o Chalita a crescer. Qualquer confronto abre espaço para que outro candidato avance. Isso também pode pesar favoravelmente para nosso lado em 2014 - afirma Raupp.

FONTE: O GLOBO

Infalível ele não é, diz Serra sobre apoio de Lula e Haddad

A caminho da quarta disputa pela Prefeitura de São Paulo, José Serra (PSDB) minimiza o peso da popularidade do ex-presidente Lula na campanha de seu escolhido, Fernando Haddad (PT). "Infalível ele não é", diz em entrevista a Daniela Lima, lembrando que já derrotou dois candidatos apoiados por Lula.

Serra oficializa hoje sua candidatura, ao lado de Gilberto Kassab (PSD).

Entrevista José Serra

Ter cara de candidato à Presidência não é um problema, ajuda

"É um fator a mais para votarem em mim", diz Serra, que lança hoje sua 4ª candidatura a prefeito de SP

Daniela Lima

SÃO PAULO - Aos 70 anos, José Serra (PSDB) se prepara para enfrentar a quarta campanha à Prefeitura de São Paulo e mira como principal adversário o petista Fernando Haddad, de 49, pinçado à disputa pelo ex-presidente Lula.

Em entrevista, o tucano diz não "menosprezar" o peso do apoio de Lula, mas afirma que o ex-presidente não é "infalível". "Em 2004, o Lula apoiou a Marta [Suplicy] e eu ganhei. Em 2006, ele apoiou o [Aloizio] Mercadante e eu ganhei. Em 2008, ele apoiou a Marta e o [Gilberto] Kassab ganhou. Infalível ele não é."

Serra oficializa sua candidatura hoje, de braços dados com o prefeito Gilberto Kassab (PSD). Ele defende a gestão do aliado e credita a reprovação do prefeito à impressão -"injusta", assegura-, de que Kassab abandonou a cidade para criar o PSD.

Serra trabalha para afastar as críticas por ter deixado a prefeitura em 2006, diz já não sonhar com a Presidência e tenta minimizar o impacto da imagem de presidenciável.

"O fato de acharem que posso ser presidente não é um problema, é um fator a mais para votar em mim. Quem pode mais, pode menos."

Folha - Como foram os dias que antecederam a decisão de se candidatar a prefeito?

José Serra - Quando você tem uma decisão fundamental a tomar a respeito de candidatura, você não pode ser ambíguo. Ou você é, ou você não é. Foi uma decisão essencialmente solitária, levando em conta as diversas opiniões e as circunstâncias.

Por que resistia a disputar?

Disputei uma eleição muito recente, em 2010. Achei que devia ficar um período maior cuidando da minha vida. Mas, na política, você não é dono das circunstâncias.

Seus adversários citam o abandono do prefeitura em 2006, dizem que usou o cargo de prefeito como trampolim.

Minha saída deveu-se a uma circunstância: a necessidade de manter o governo do Estado nos eixos, inclusive para a cidade. A cidade tem duas prefeituras, a municipal e a estadual. O governador é um coprefeito. Isso já foi usado em 2006 e 2010. Inutilmente, uma vez que venci em São Paulo.

O sr. estava concentrado em questões nacionais. Tratará novamente de temas do país?

Não dá para ter dois sonhos ao mesmo tempo, num mesmo plano da vida. Meu sonho é ser prefeito. Então, não estou sonhando mais com a Presidência. Não consigo ter dois sonhos simultâneos.

O sr. vive uma ironia. Em tese, todo político gostaria de ter cara de presidenciável, mas isso se tornou um problema para o sr.

O fato de que as pessoas acham que eu posso ser presidente não é um problema, é um fator a mais para votar em mim para prefeito. Quem pode mais, pode menos.

A prefeitura é menos?

Como tarefa é dificílima, mas é menos que a da República. A nação paulistana para mim é um desafio tão grande quanto é a nacional.

Vai defender a gestão Kassab?

A partir do final dos anos 80, São Paulo teve três estilos de administração: Maluf-Pitta; o PT, com Erundina e Marta; e PSDB e DEM, comigo e o Kassab. A comparação dos nossos oito anos com os dos outros é amplamente favorável, sob qualquer indicador: financeiro, saúde, educação. Não há paralelo.

E a reprovação do prefeito?

Creio que vai haver maior reconhecimento a respeito da administração do Kassab, mas atribuo [a reprovação] ao fato de que ele se empenhou na criação de um partido, e a população vê o prefeito como um síndico. Como o partido foi um dos centros do noticiário, pode ter dado a ideia de que ele estava alheio à cidade, o que é errado, injusto. Política todos fazem. Ninguém fez mais do que o Lula.

A criação do PSD pode ter dado a sensação de que o prefeito estava ausente da cidade?

Imagina alguém no trânsito engarrafado, liga o rádio e está lá o prefeito falando do partido. A pessoa pensa: "Ele devia estar cuidando do trânsito". Agora, de fato, isso não subtraiu tempo do Kassab na administração da cidade. O próprio Kassab fará esse balanço, relembrará o que foi feito em cada área.

Haddad foi criticado pela aliança com Maluf, mas o PSDB também negociou com ele.

Foi uma negociação que não deu certo [com o PSDB]. E deu certo com o PT, porque certamente fizeram uma oferta que ele considerou boa.

O sr. tem aliança com o PR, sigla acusada de corrupção no Ministério dos Transportes e envolvimento no mensalão.

O fenômeno do mensalão é eminentemente petista. Mas [com o PR] trata-se de uma aliança voltada para a cidade. Eles participam do município, dão apoio ao governo do Estado. Terão presença no governo, no que depender de mim. Com pessoas que obedecerão a nossa orientação.

Chegou a conversar com o Valdemar Costa Neto (PR-SP, um dos réus do mensalão)?

Uma vez. Depois que o entendimento já havia sido feito. A mim, ele não fez nenhuma reivindicação.

Qual o impacto que o mensalão pode ter na eleição?

É uma incógnita. Mas para mim a questão do mensalão é de natureza jurídica, não política, não eleitoral. Sinceramente não estou preocupado com o efeito nas eleições.

Kassab esteve com o ex-ministro José Dirceu para tratar de alianças com o PT em outras cidades. Como avalia essa aproximação dele com o PT?

A política brasileira tem essas particularidades. Há uma heterogeneidade. No que se refere ao Kassab, nossa relação tem a ver com São Paulo. Agora, o partido dele tem orientações diferentes em diversos lugares.

Mas o sr. tem 100% de confiança no Kassab como aliado?

Há uma relação pessoal muito boa. De certo não será a política que nos afastará.

Como está o empenho do Alckmin na sua campanha?

Dedicado, mas moderado em função do cargo.

Falam na possibilidade de problemas por ele ter sido derrotado pelo Kassab em 2008.

Não houve nada disso até agora. Quero lembrar que em 2009 Alckmin se integrou ao governo, o que para mim foi motivo de orgulho. Em 2010 caminhamos juntos.

Lula tem se empenhado muito por Fernando Haddad.

Ele indicou e fez o candidato. Se empenharia em qualquer circunstância.

Que peso acha que o apoio do ex-presidente pode ter?

Só os resultados vão mostrar. Em 2004, Lula apoiou a Marta e eu ganhei. Em 2006, ele apoiou Mercadante e eu ganhei. Em 2008, apoiou a Marta e o Kassab ganhou. Em 2010, apoiou a Dilma e eu ganhei aqui na cidade. Infalível ele não é. Agora, longe de mim menosprezar o peso que ele possa ter.

Há um caso de corrupção na prefeitura, na Aprov. Hussain Aref Saab, que dirigiu o órgão do início de sua gestão, em 2005, até 2011, foi indicado pelo Kassab. Chegou a conversar com o prefeito sobre isso?

Nunca. Um prefeito assina milhares de nomeações. É impossível que acompanhe caso por caso. Eu nomeio um secretário e ele nomeia seus adjuntos, chefe de gabinete... Nunca ninguém me falou desse cidadão.

Depois do caso revelado, conversou com Kassab?

Ele me disse o que disse publicamente: que, assim que recebeu uma denúncia, passou a investigar.

Que providências pretende tomar, se eleito?

A ocasião faz o ladrão. Tem que eliminar a ocasião. O comportamento humano é impossível de prever. Tem que limitar possibilidades de transgressão e roubalheira.

O problema da cracolândia ainda não foi solucionado.

Vamos fazer algo parecido com o que fizemos com o cigarro. Campanha educacional, trabalho massivo. A intervenção [no início do ano] produziu efeitos positivos, mas é limitada.

Já tem o esboço de algumas propostas para a cidade?

Vamos aumentar a densidade das regiões e, ao mesmo tempo, fortalecer os bairros. Vamos ampliar a reciclagem, acabar com as áreas de risco e duplicar a operação delegada. Na área social, vamos ampliar a rede de cuidadores e criar um programa para o idoso. Poderá ser chamado de Terceira Idade Paulistana. E vamos estudar replicar o Expresso Tiradentes.

Tem projetos se ganhar, mas está preparado para perder?

Ninguém que entra numa disputa para ganhar está preparado para perder.

O sr. já fez uma reflexão sobre os motivos que levaram à sua derrota em 2010?

Mais ou menos. Eu não me detenho muito nas análises a respeito de 2010 porque é muito pouco tempo. Vez por outra vem uma ideia, vem algo do que aconteceu, enfim. Mas eu realmente não me prendo a isso. Mas é evidente que ao longo do tempo vai se decantar uma visão própria minha a esse respeito.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Luiz Werneck Vianna: 'Aliança nos jardins de Maluf foi rendição'

Sociólogo critica acordo do PT com malufismo e diz que limites como a defesa da identidade 'não podem ser ultrapassados'

Fernando Gallo

"A política ideal não pode prescindir da política real", diz Luiz Werneck Vianna, professor da Faculdade de Sociologia da PUC-Rio ao avaliar o pacto entre o PT e o PP de Paulo Maluf, que motivou a desistência de Luiza Erundina (PSB) da vice de Fernando Haddad. Nesta entrevista ao Estado, ele, porém, avalia: o PT ultrapassou o limite da defesa de sua identidade. "Fazer a aliança nos jardins da casa do Maluf é uma rendição."

Há, no episódio envolvendo Erundina, Maluf e o PT, o debate sobre a política ideal e a política real. Qual deve prevalecer?

A política ideal não pode prescindir da política real.

Qual o limite das concessões?

Essa aliança foi feita para realizar que valores? Ela serve para que o partido se fortaleça? Certos limites não podem ser ultrapassados. Um deles é a defesa da sua identidade. Que partido é esse que abdica do seu DNA e a todo momento faz mercado disso para obter vantagens? Essa aliança compromete o PT.

O PT precisa efetivamente dessa concessão por mais minutos de televisão? Em uma sociedade de massas, como a nossa, seria possível vencer sem eles?

Sem tempo nenhum é impossível. Mas o partido tinha tempo, e outras vantagens poderiam ser exploradas. Em nome desse tempo, a aliança vai interferir na imagem do candidato.

O PT argumenta que dirige o carro, e os aliados tidos como indesejáveis são apenas caronas.

Essa aliança não encontra sustentação em motivos fortes. O tamanho do perigo não justifica essa manobra audaciosa.

O partido avalia que o governo Lula não teria tanto êxito sem um amplo arco de alianças.

O mesmo pode-se dizer em relação ao governo Fernando Henrique. Mas a identidade de PSDB e PT tem uma diferença na formação, no histórico político. O PT se pretendia uma força mobilizadora da sociedade para a mudança. Essa aliança com Maluf demonstra que esse caminho foi abandonado.

As mudanças ocorridas na última década teriam sido possíveis sem as alianças que o PT fez?

Não podemos olhar a política apenas por esse ângulo estreito dos partidos. Vivemos uma mutação de enormes proporções na história republicana brasileira. Essa mutação vem significando uma cada vez maior redução da capacidade decisória do governo diante da sociedade.

Estamos vivendo a hegemonia da pequena política?

Há grande política agora no País. A Rio+20 é um momento de grande política. Houve uma passeata no Rio de Janeiro, praticamente não anunciada, que reuniu 30 mil pessoas em nome da defesa de múltiplos direitos.

É tão simbólico o sacramento da aliança na casa de Maluf?

Vários analistas já observaram que o mundo simbólico tem a sua esfera própria. A aliança podia ter sido feita nos corredores palacianos. Fazê-la nos jardins da casa do Maluf pareceu mais como uma rendição. No Pacto Ribbentrop o Stalin não apertou a mão do Hitler! Ele mandou um embaixador.

O PT defende a tese de Paulo Freire, de que é preciso "unir os diferentes para combater os antagônicos". Faz sentido?

Faz. Desde que se tenha muito claro contra quem se aplica o antagonismo. É contra uma outra versão da social-democracia brasileira, o PSDB? Não chega a ser um antagonismo, uma oposição de classe contra classe.

O Maluf não é mais antagônico ao PT do que o PSDB?

Sim. A política brasileira está desarrumada porque você tem a mesma formação político-ideológica, a da social-democracia, arrumada em dois diferentes partidos, o PT e o PSDB. O PSDB é um antagonista falso. O verdadeiro antagonista deveria ser o atraso. O Sarney, o Maluf.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Rendição ao realismo:: Renato Lessa

Visitas de Lula ao escritório do ex-ministro Jobim e à residência de Maluf mostram caráter de intervenção personalizada e caprichosa

O lendário deputado norte-americano Tip O'Neill, presidente da Casa dos Representantes - a Câmara de Deputados dos EUA - de 1977 a 1987, certa feita pontificou que "toda política é local". Democrata da velha e boa cepa rooseveltiana, hoje, para os padrões da política praticada ao norte do Rio Grande, O'Neill seria considerado um esquerdista ferrenho. Sua frase célebre admite distintas interpretações. Em comentário a uma biografia recente de O'Neill, o ex-governador de Nova York Mario Cuomo definiu a frase "all politics is local" como um motto do velho prócer democrata, falecido em 1994. A frase seria portadora da ideia forte de que o exercício da representação política exige vínculo com os representados e escuta para suas expectativas e apreensões. Em outros termos, o sistema representativo, fundado na necessária distinção entre representantes e representados, só faz sentido se houver vínculos entre ambos, não limitados aos jogos de captura de sufrágio.

Não é, contudo, essa a única maneira possível de entender a sentença de O'Neill. Em registro um tanto cínico, localismo pode significar tão somente precipitação e dissolução da política na pequena guerrilha, na esperteza da pequena área, na adoção de uma subespécie de maquiavelismo de fancaria. Precipitação que acaba por implicar uma continuada ressignificação da política, pela qual a lógica de curto prazo e o apetite infrene apresentam-se como devoradoras de patrimônios políticos e simbólicos duramente construídos. Localismo, nessa chave, não indica apenas escala de intervenção. Tomado em termos geográficos, o localismo é inevitável e não constitui, em si mesmo, um problema. Afinal, há problemas e conflitos que são locais.

Há, contudo, outra dimensão aqui envolvida, que pode ou não coincidir com o localismo geográfico. Trata-se da prática de uma cultura política fundada em um ativismo personalizado, pela qual voluntarismo e genialidade autoatribuída aparecem como o ápice da virtude política. Claro está que a vigência de tal padrão exige a crença na existência de sujeitos extraordinários, com recursos pessoais incomuns de clarividência e senso de oportunidade.

Duas intervenções políticas recentes, ambas sob a forma de visita, do ex-presidente Lula podem ser associadas ao predomínio da pior versão possível do axioma de O'Neill: as visitas ao escritório do ex-ministro Jobim, da qual quase não mais lembramos, e à residência de Paulo Maluf. Em ambas, o caráter de intervenção personalizada e caprichosa, ao contrário de esgotar seus efeitos locais, produz consequências de ordem mais geral.

Na visita ao ex-ministro Jobim, e na semana seguinte à introdução do tema da verdade, em chave maior, no debate público brasileiro - pela implantação da Comissão da Verdade -, o mesmo tema escorre pelo ralo, com a diversidade de versões a respeito do que ali se disse e das motivações dos dois interlocutores envolvidos (o ex-presidente e o ministro Gilmar Mendes). Diante da indeterminação da verdade, recomenda-se a incredulidade e a despresunção generalizada de inocência. Desconfio, contudo, que o ministro Gilmar não tenha se sentido infeliz com os efeitos públicos do evento.

Na visita ao deputado Paulo Maluf, independentemente do resultado líquido do encontro, sua marca, digamos, doutrinária é da lavra do ex-prócer arenista: foi sua doutrina - um tanto surrada, é claro - que parece ter dado sentido doutrinário à coisa, fixada no límpido enunciado: "Não existe mais direita e esquerda". Temo que o efeito da sentença sobre as mentes dos observadores comuns - ressalvo aqui os áulicos e os técnicos - seja semelhante ao da apresentação a estudantes de geometria do conceito de triângulo equilátero. Dir-se-á, tanto diante da sentença malufista, quanto do conceito geométrico, a mesma coisa: "Isso é evidente"; "Assim como um triângulo equilátero possui três lados iguais, não há diferença alguma entre direita e esquerda". Em outros termos, a frase malufista, tal como a demonstração do triângulo, traz consigo, com toda força, seu próprio efeito de verdade.

O que é grave em tudo isso é que não há passagem possível da geometria para a política; na geometria demonstra-se, na política usam-se argumentos. Quando um argumento político ganha foros de evidência geométrica, para além da inautenticidade aí implicada, é de vitória sobre formulações rivais que se trata. Em termos mais diretos, a teoria malufista passa por verdadeira, dada a supressão de alguma possível teoria rival.

A natureza dessa supressão merece atenção. Suspeito de que se trate de um esforço consistente e cumulativo de autossupressão do possíveis versões alternativas ao cinismo da indistinção. Por autossupressão entendo a adoção de um padrão político típico de um estado de natureza, ou, se quisermos, de um grau zero da política, no qual todos se igualam no pior e de modo necessário. A rendição a tal realismo é devoradora, no campo da cultura política, de expectativas e de patrimônios de difícil construção e consolidação, mas de facílima dissipação. Disso sabe bem Paulo Maluf, com razões de sobra para estar feliz.


Renato Lessa é professor titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense; investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; diretor presidente do Instituto Ciência Hoje

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO

Neocoronelismo urbano:: Carlos Guilherme Mota

Oposição de Erundina à aproximação Lula-Maluf reforça tese de que neste país o ‘novo’ nunca foi novo

Mal começado, o século 21 trouxe uma surpresa histórica: Lula se aliou a Maluf. O arco se fecha, e queima-se um bom candidato à condução da megacidade de São Paulo, capital financeira e cultural do País. Era só o que faltava para a caracterização completa dessa "república de coalizões" estapafúrdias, com seu futuro redesenhado nessa semana a partir da maior metrópole do País. Hoje, que significa mesmo ser republicano?

Encerra-se um ciclo histórico, deixando para trás as esperanças de efetiva e sólida renovação político-social por conta do líder operário que nos anos 1970 pusera paletó e gravata para encontrar-se, a pedido, com o chanceler alemão Helmut Schmidt no hotel Hilton, centro de São Paulo, e explicar-lhe a nova era e o novo sindicalismo, o que impactou o sistema civil-militar de então. O mesmo bravo líder que enfrentou a ditadura a partir da "república do ABC"; o paciencioso torneiro que disputou – até ganhar! – eleições presidenciais contra forças de herdeiros da ditadura, da mídia e do capital financeiro e, vencedor, encarnou a vanguarda das lutas sociais na América Latina; esse líder não conseguiu fugir ao modelo autocrático-burguês. Pena.

Qual a lógica da política na terra bandeirante? Será possível fazer-se uma análise crítica das forças políticas que comandam a cidade desde, digamos, os tempos da ditadura e dos prefeitos biônicos até hoje? De que maneira os grupos econômico-financeiros, empreiteiras e respectivas forças políticas se revezaram na briga pelo poder? E o que tudo isso tem a ver com o modelo caótico de cidade que temos hoje? Não parece haver dúvidas sobre a importância da disputa municipal deste ano nas futuras eleições presidencial e estadual, sobretudo quando se recorda que o PT, como o antigo PTB e o atual PDT, sempre tiveram dificuldades eleitorais neste Estado e nesta anticidade. Desafio para todos, inclusive para a presidente Dilma, que vai melhorando em sua caminhada, sobretudo quando guarda alguma distância dessa sombra que não quer calar.

A galeria dos ex-prefeitos paulistanos ostenta de tudo, em termos humanos e de interesses do capital. Nossa urbe, marcada pela preocupação com o bem comum (o "ben comun", como se lê nas Atas da Câmara já no século 16) e os interesses da coletividade, teve fortes lideranças, desde o Morgado de Mateus (1765–1775) até o verdadeiro estadista que foi Prestes Maia, já no século 20, estudado pelos eruditos Benedicto Lima de Toledo e Candido Malta Campos, este em sua obra fundamental Rumos da Cidade. Ao revisitarmos a galeria dos ex-prefeitos, sem preocupação de arrolamento, nota-se que alguns são destacáveis (Faria Lima, Olavo Setúbal, Mário Covas, Luiza Erundina, Marta Suplicy, José Serra), outros "esquecíveis" (Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Celso Pitta, Paulo Maluf). Mas convidemos o (e)leitor a avaliar o que cada um/uma representou ou ainda representa.

Na atualidade política, dizem os incautos ou muito espertos que direita e esquerda são definições que já não têm sentido. Carentes de leitura de livros, revistas e do mundo contemporâneo, lhes bastaria constatar as diferenças na França entre os projetos de um François Hollande e uma Marine Le Pen, ou no Brasil, entre os de Covas e Pitta, ou entre os de Maluf e (digamos) Lula.

O problema é que, de tempos em tempos, a capital paulista gera quasímodos políticos como Paulo Salim Maluf, um dos pilares da ditadura de 1964. O ex-governador, ex-candidato à Presidência da República e ex-prefeito de São Paulo (as ossadas de Perus não permitem esquecê-lo), nessa aproximação com o ex-presidente Lula com vistas à eleição municipal para escolha do novo prefeito da maior cidade da América Latina, obriga o cidadão minimamente ético e atento à História e a nossa vida política e social a se perguntar se não estamos vivendo mais uma ficção de mau gosto. Nesta agora cidade-pânico, penso no cidadão ativo que se recusa a ser alvo daquela frase ácida de Raymundo Faoro, quando dizia que "o Brasil é um país de otários", uma sentença dura do girondino radical, mas que se atualiza cada manhã ao tomarmos conhecimento do noticiário nacional, ou tentarmos entrar em um metrô (digamos, a Linha Vermelha, de Itaquera à Barra Funda), ou simplesmente atravessar a rua na faixa de pedestres. O problema é que o girondino gaúcho não logrou ensinar a radicalidade responsável ao seu amigo pernambucano, que deveria ser adotada como estratégia e referência em face dos "donos do poder". Ou seja, do patronato político brasileiro, incluídos os últimos lamentáveis ministros das Cidades, no ministério hoje nas mãos do PP de Maluf. Pobres cidades brasileiras…

Neste país de amnésicos, vale recordar o velho Marx, pois do PT, um partido de esquerda, poderíamos esperar tudo, menos a aliança Lula-Maluf. Marx dizia que, ao longo da história há fenômenos que podem se repetir: na primeira vez, ocorrem como tragédia; na segunda, como farsa. Historicamente, na prática, Paulo Maluf contradiz Marx, pois a primeira vez que ocupou posto público foi farsa, a segunda também, a terceira idem, e assim sucessivamente, até essa semana de sucesso… Mas Marx nunca foi bem lido por eles, ou talvez nem sequer lido, e muito menos pensado, sobretudo em suas páginas incômodas sobre os lumpesinatos – de onde provêm a massa dos eleitores de Maluf – que, despidos de ideologia ou filosofia, topam qualquer parada e constituem um freio para o avanço da História.

Como explicar o que aconteceu essa semana em São Paulo, senão pela confluência, para fins eleiçoeiros, de duas lideranças populistas para puxar as massas de seus respectivos eleitores? De uma parte, as gentes de Maluf, liderança que mobiliza moradores da periferia – muito menos do que se imagina, talvez Marta mobilizasse mais –, mas também segmentos da pequena burguesia, o curral decrescente e disperso de desavisados, "despossuídos" e politicamente deseducados. E, de outra parte, os eleitores de Lula e do PT, que, apesar das crescentes defecções, compõem o contingente daqueles que creem que seu carismático líder, historicamente importante, ainda representaria a possibilidade de superação, via reforma, do capitalismo selvagem e da redenção dos trabalhadores. Ou seja, da fração da classe operária que subiu ao paraíso, como espera subir a fração mais abaixo, que aguarda sua vez (e a inadimplência) na antessala das agências de automóveis.

Enfim, uma obra de antiarte política, o encontro Maluf-Lula, que nem a burguesia mais esclarecida e empenhada poderia imaginar, muito menos arquitetar um símile competidor em suas hostes. O resultado, convenhamos, é a massificação bruta de nosso capitalismo periférico, em que tudo vale nada. E que acelera o processo de deseducação cívica e política dos jovens, o desencanto dos maduros e a descrença dos democratas nos valores do socialismo reformista. Nesse processo, desceram pelo ralo o contrato social, as lutas de classes ("apagadas" justamente no período dos governos Lula), da cidadania pura e dura, das visões progressistas de mundo e de política. Enfim, dos valores humanistas. Recorde-se que Chico de Oliveira, um dos ex-fundadores do PT, já concluíra em 2006 que "o papel transformador do PT se esgotou" (Folha de S. Paulo, 24-7-2006, p. A-12). Naquele mesmo ano, o conservador liberal Claudio Lembo sentenciava: "Lula não tem tendência a ditador. É um operário do chão de fábrica. Conhece a vida de verdade. É um pequeno burguês, apenas isso" (Folha de S. Paulo, 31-12-2006). Após o levante do PCC em 15 de maio daquele ano, em que a sociedade civil paulistana se acoelhou, a "paz" voltava a reinar na capital do capital no Brasil…

A recusa da ex-prefeita Luiza Erundina em participar dessa aproximação com Maluf vem reforçar a tese de que, neste país velho e periférico, o "novo" não é novo, e nunca foi. Rapidamente, o supostamente novo ficou velho, correndo de costas em direção ao passado, como se vê na foto histórica, com o candidato Fernando Haddad sem graça entre dois Poderosos Chefões, foto antes inimaginável. A combativa ex-prefeita Erundina, com sua recusa em participar do jogo, demonstra que o pragmatismo rasteiro não pode passar por cima de valores éticos, na política como na vida. Convidado em seguida para o posto, Pedro Dallari optou por trilhar o mesmo caminho da ex-prefeita.

O fato é que a socialista paraibano-paulistana criou um forte lema para a nova sociedade civil brasileira: "Não aceito". E pôs em alerta seu próprio partido, que vem crescendo e conquistando papel importante no cenário nacional. Que ele só terá a ganhar com tal recusa, o tempo dirá. As lideranças burguesas nacionais e as dos trabalhadores, sobretudo aquelas pessoas cidadãs preocupadas com o ethos, a transparência e o mores positivo em política e na formação de um Brasil democrático, republicano e moderno, têm agora uma possibilidade de interlocução com gente de respeito. Quanto ao PT, terá que rever o lugar da ex-prefeita Marta Suplicy no quadro local e nacional; e o PSB de Eduardo Campos, de reavaliar o valor da ex-prefeita Luiza Erundina. Do mesmo modo, os outros partidos, sobretudo o PMDB, que não podem continuar a ter esse papel de vala comum dos descorados camaleões.

Na metrópole paulistana, testemunha-se nos dias atuais o fim da História. Mais precisamente, de uma certa e bela História, que alimentou as expectativas e siderou corações e mentes (lembram-se dessa expressão?) de três ou quatro gerações. Não se trata, está claro, do fim da História de Francis Fukuyama, ideólogo de sucesso e garoto-propaganda de um capitalismo predatório "avançado" e desistoricizante. Ou seja, daquela forma de organização econômico-social que só poderia dar no que deu, mas que gerou a reação social e político-ideológica positiva que resultou na eleição de Barack Obama – uma liderança bem formada política, cultural e ideologicamente. No Brasil, o momento é de desilusão das gerações, mas como a História continua, há que se buscar sinais de novos tempos, de uma nova era.

Como analisar tantas expectativas hoje frustradas? Neste país de tradição colonial, talvez a ascensão de Lula e o crescimento do lulismo possam ser entendidos por conta do velho gosto aristocrático pelo popular, cultivado até por frações da alta burguesia e de classes médias ascendentes, um "apreço" genérico por operários, sobretudo se qualificados e bem pagos. Operários que não tivessem seus macacões sujos de graxa, que fossem conversáveis (e conversíveis) como Lech Walesa, o polonês do Solidariedade. Tal "apreço’ lembra os abraços que o grande abolicionista e aristocrático Joaquim Nabuco dava nos militantes negros, eventualmente convidados a subir em seu palanque, mantendo, porém, ligeira distância.

"Tudo que é sólido se desmancha no ar", sabemos hoje. E os carismas e populismos, como o de Jânio Quadros, também se desfizeram com o tempo, por inconsistência. Hoje, ouvem-se os aplausos de plateias que, deseducadas e mal formadas, eventualmente também são atraídas pela musicalidade da "canção nova" e pela singeleza ideológico-teológica de padres-cantores e pregadores espertos. Amanhã, quem sabe isso mude.

Nesta terra de carismas fáceis e "miséria farta" (como diria Anísio Teixeira), em que a modernidade vem sendo adiada com método, "conciliação" e rigor, talvez estejam sendo geradas, em algum canto, novas visões de mundo, lideranças e mensagens menos simplistas e grosseiras sobre o que vem a ser política, sociedade, cultura. Pois a História continua…


Carlos Guilherme Mota, historiador, é professor emérito da FFLCH-USP e professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escreveu, entre outros livros, Ideologia da cultura brasileira (Editora 34)

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO

A visão instrumental das alianças:: Cláudio de Oliveira

A aliança entre o PT e o PP de Paulo Maluf em São Paulo tem causado polêmicas. A reação mais importante ao acordo foi da deputada Luíza Erundina (PSB), que desistiu de compor a vice na chapa do petista Fernando Haddad.

Tal coligação não é novidade. No segundo turno das eleições de 2002, Maluf apoiou a candidatura de José Genoíno ao governo do estado e a de Lula à Presidência da República. O apoio continuou nas eleições seguintes, inclusive nas municipais. Já no primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, o PP fez parte da ampla coligação que elegeu Dilma Rousseff presidente. O partido de Maluf participa do ministério desde o primeiro mandato presidencial de Lula.

Em entrevista à rádio Globo no sábado, dia 16 de junho, a deputada Luíza Erundina declarou que só fora informada da aliança com Maluf na sexta-feira, dia 15, momentos antes do ato de oficialização de sua candidatura a vice ao lado de Haddad. O ex-presidente Lula nega essa versão.

Para tranquilizar militantes e simpatizantes, dirigentes petistas declaram que Maluf não teria maiores influências num governo petista, caso Haddad vença o pleito. Ou seja, uma vez que o PT tenha conquistado a prefeitura, Maluf e seus partidários seriam alijados da administração ou colocados numa posição subalterna.

A declaração remete à velha visão instrumental das alianças. Os aliados seriam somente uma escada para a vitória do partido hegemônico. Não uma aliança com discussão de um programa comum e, uma vez conquistado o poder, compartilhamente deste com os aliados, não somente na ocupação dos cargos da administração, como especialmente na definição de políticas governamentais.

Tal visão me fez lembrar o antigo PCB, principal referência da esquerda brasileira de 1922 a 1980. Nas décadas de 1920 e 1930, o PCB exigia dos seus aliados o reconhecimento a priori da hegemonia do partido. Isto é, deveriam aceitar o papel determinante e de liderança dos comunistas numa frente.

Nos anos 1930, o PCB decidiu organizar uma frente antifascista. Fundou então a Aliança Nacional Libertadora, reunindo não só comunistas, como também outras correntes democráticas, como socialistas, social-democratas e liberal-democratas. Como presidente de honra da ANL foi escolhido Luiz Carlos Prestes, o legendário líder da Coluna contra o governo de Arthur Bernandes (1922 a 1926). De volta clandestinamente ao país, depois de exilado na União Soviética, Prestes àquela altura já era membro do PCB, indicado para o Comitê Central por determinação da Internacional Comunista, cuja sede era em Moscou.

Como presidente da ANL foi escolhido um não-comunista, o militar Hercolino Cascardo, que, como Prestes, havia participado do movimento tenentista. Entre outros membros da alta direção da ANL estava Miguel Costa, que dividiu com Prestes o comando da Coluna. Participou no início da década de 1930 da fundação do Partido Popular Paulista, de tendência social-democrata.

Ainda faziam parte do comando da ANL o prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto, de posições progressistas, e o ex-deputado Maurício de Lacerda, que em 1921 fez parte de uma tentativa de organização do Partido Socialista Brasileiro.

Apesar do desacordo dos seus aliados, o PCB resolve divulgar uma carta assinada por Prestes, na qual é lançada a palavra de ordem “todo o poder à ANL”, alusão a “todo o poder aos sovietes”, a senha para que os bolcheviques derrubassem pelas armas o governo russo em 1917 e fundassem o primeiro país comunista do mundo, a União Soviética. O então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, cassa o registro legal da ANL e aprova a Lei de Segurança Nacional.

Os aliados, entre eles, Miguel Costa, criticam a precipitação dos comunistas, propõem que a ANL passe a lutar primordialmente pela volta da organização à legalidade e defendem que seus membros atuem dentro da legalidade, no respeito à Constituição de 1934.

Todavia, sem discussões com seus aliados e contra a opinião de alguns de seus dirigentes — como Cristiano Cordeiro, um dos seus fundadores —, o PCB passa a articular um levante armado para derrubar o governo. O movimento foi facilmente sufocado, e os membros da ANL presos, inclusive os não-comunistas contrários ao levante. Pretextando a “ameaça do perigo vermelho”, Vargas organiza um golpe de Estado e implanta a ditadura do Estado Novo, que perdurou de 1937 a 1945.

Foi preciso passar por mais uma ditadura, de 1964 a 1985, para que o PCB colocasse a democracia como centro de sua política. O partido passa então a reivindicar a volta do Estado de Direito, a convocação de uma Constituinte, a organização de uma frente de oposição das forças democráticas, cujo programa e cujas táticas de atuação resultassem de um consenso de todas as suas correntes.

Surge o MDB, que irá derrotar a ditadura e cuja aliança de centro-esquerda, estabelecida nos trabalhos da Assembleia Constituinte, irá se impor ao “Centrão”, das forças conservadoras, e promulgará a Constituição mais democrática e mais avançada de nossa história republicana.

Mas será tarde: o PCB já deixara de ser a principal referência de esquerda no Brasil. Em 1980, entrara em cena o PT, cuja estreia eleitoral em 1982 foi com o lema nada pluralista: “Vote 3, o resto é burguês”.

Duas décadas depois, com ajuda do “resto burguês” — e não só do campo da esquerda, como o PCB, agora PPS, o PDT, o PSB e o PV, mas também de partidos efetivamente conservadores, como o PL, o PTB e setores do PFL —, o PT elege Lula presidente da República.

Lula entrega 20 ministérios para o PT e 1 para cada partido aliado. Apesar de ter 60% dos ministros, o partido tem apenas 20% das cadeiras no Congresso Nacional. A nomeação do deputado Miro Teixeira para o Ministério das Comunicações, como o representante do PDT, teria sido feita à revelia do presidente do partido, Leonel Brizola, que, menos de 3 meses após a posse do novo governo, rompe com Lula. Brizola acusa Lula e o PT de não discutirem a política econômica, o cumprimento do acordo com o FMI, as medidas de austeridade e de cortes de gastos públicos, inclusive sociais, implantada pelo então ministro da Fazenda Antônio Palocci, e se coloca contrário à reforma da Previdência do setor público proposta pelo governo.

A ala mais à esquerda do PT. liderada pela senadora Heloísa Helena, deixa o partido e funda o PSOL. E não só o deputado federal do PV, Fernando Gabeira, não foi recebido pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu; da mesma forma, o aliado PPS tenta em vão marcar audiência com o presidente da República para entregar e discutir documento partidário sobre a política econômica.

Parece que aquela velha concepção instrumental dos aliados deixou marcas profundas nos dirigentes de certos setores de esquerda, a maioria dos quais formados nas organizações de extrema-esquerda, de cultura política marxista-leninista, adeptas do líder da Revolução Russa de 1917, Vladimir Lenin. Para este, a democracia era apenas um invólucro formal, importando mais determinar a classe social que estava no poder e estabelecer assim a ditadura do proletariado (a democracia operária). De 1917 a 1990, os cidadãos russos tiveram de viver sob um sistema de partido único, com o pretexto de defender os interesses dos trabalhadores e combater seus inimigos.

Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL.