segunda-feira, 25 de junho de 2012

Rio, sem mais:: José Roberto de Toledo

Durante a Rio+50, os participantes desfrutam uma temperatura entre 21ºC e 27ºC, em pleno inverno de 2042. Isolados em ambientes refrigerados, os poucos que assistiram à Rio+20, três décadas antes, não se dão conta dos dois graus a mais de temperatura. A grande maioria não tem nem como comparar. Acompanha a conferência através de seus avatares virtuais, a milhares de quilômetros de distância.

Para os que estão lá pessoalmente, pegar uma praia não é opção. A chuva é tão insistente que beira os 100 milímetros por mês - uma média que, relatam os mais velhos, era comum apenas nos meses de verão. Os paulistas, quando pegam a ponte-aérea (o trem-bala é ainda um projeto), dizem estar indo para a terra da garoa.

Trinta anos atrás, o noticiário a respeito da cúpula internacional sobre desenvolvimento sustentável pouco espaço ganhara na mídia estrangeira. Agora, chega às manchetes (um anacronismo ainda em uso) dos jornais que restaram. O aquecimento global não é mais uma hipótese em busca de confirmação, nem preocupação exclusiva dos que eram chamados de abraçadores de árvores. A pecha caiu em desuso, pela falta do que abraçar.

A rápida mudança do clima transforma o mapa econômico e epidemiológico. Áreas antes próprias à agricultura viraram pista de "sandboard". Doenças ditas tropicais infestam as zonas temperadas da Europa e Estados Unidos. Os mosquitos transmissores se adaptam às temperaturas cada vez mais altas. Com demanda dos ricos, a indústria farmacêutica, enfim, decide investir numa vacina contra a malária.

No Brasil, a Rio+50 disputa espaço com o noticiário catástrofe. As manchetes são para a seca inclemente no Nordeste. As chuvas estão 35% mais raras do que eram na época da Rio+20. A estiagem emenda o verão ao inverno, ano após ano. Na média, a temperatura no interior da Bahia, de Pernambuco e do Ceará subiu quase três graus em 30 anos. A vegetação da caatinga cede espaço a um grande areal - "uma oportunidade para o turismo de aventura", diz a propaganda oficial.

A quatro meses da vazante máxima, o Amazonas está no nível mínimo da história; as cidades, isoladas por fios d"água que não suportam a navegação. Os veículos anfíbios vendidos ao governo como solução do problema atolam no lodaçal em que se transformaram rios e igarapés. Desde que a chuva diminuiu em 1/3 no espaço de uma geração, chovem ideias progressistas para a região. Um candidato promete o PALF: Programa de Asfaltamento dos Leitos Fluviais.

(...) É 2092. A Rio+100 é cancelada. Chuvas torrenciais fazem desabar encostas e morros sobre o asfalto. As praias foram engolidas pelo oceano. Na maré alta, a avenida Atlântica é reivindicada pelo próprio. A Riotur tentar compensar o prejuízo vendendo a cidade como a Veneza do século 22, já que a original submergiu há décadas.

Em São Paulo, o calor abafado e úmido é definido, saudosamente, como "amazônico". O Tietê há muito saiu de sua calha e recuperou as várzeas do entorno. Em comum com a época da Rio+20, só a poluição do rio, que mais um governador promete limpar até o fim do mandato. De passagem pela São Paulo alagada, um carioca das antigas respira fundo e comenta: "Pelo cheiro, esta sim é a Veneza do século 22".

Na caatinga brasiliense, dois deputados paraguaios - um colorado e um liberal, os dois partidos que se alternam no poder desde o impeachment relâmpago de um presidente-bispo que era considerado um pai por muitos conterrâneos - prosseguem na sua missão de reconhecimento, cortando o território de sul a norte. Após atravessar o que antigamente era chamado de Chaco/Pantanal, chegam a Brasília. Visitam as ruínas do Estádio Nacional - exemplar da arquitetura copalina, que dominou as obras públicas pré-2014. Reza a lenda que só uma partida foi jogada no seu gramado.

Antes de seguirem para a savana amazônica - uma enorme reserva de caça que vai de Sarneyrama ao novo Estado de Tapajós - os paraguaios consultam arquivos digitais para entender a radical mudança da paisagem brasileira. O colorado lê o documento oficial da Rio+20, "O futuro que nós queremos", e conclui: "Eles não eram muito ambiciosos".

O liberal descobre outro texto divulgado à época da conferência. O relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas previa chuvas decrescentes no Norte-Nordeste, e muito mais precipitação no Sul-Sudeste. "Tá tudo aqui." Ao que o colorado replica: "Ninguém leu. Se leu, não acreditou".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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