domingo, 27 de setembro de 2015

Merval Pereira - Mais um passo

- O Globo

Agora que o procurador-geral da República autorizou que o ex-presidente Lula seja ouvido pela Polícia Federal, a princípio como testemunha, no âmbito da Operação Lava-Jato, é preciso deixar claro que desde o início tudo está muito estranho. Qual a razão de o delegado da Polícia Federal ter solicitado autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para inquiri-lo, já que ele não goza da prerrogativa de juízo?

Mais névoas surgem com a preocupação de Rodrigo Janot em demarcar o status jurídico de Lula no inquérito como testemunha, afirmando não haver indícios contra ele. Ora, o procurador-geral da República não tem atribuições, à luz da Lei Orgânica do Ministério Público da União, para se imiscuir na condução de inquérito policial no que toca às pessoas que não gozam daquela prerrogativa.

Os membros do Ministério Público têm independência no exercício de suas funções, não estando, nesse aspecto, subordinados ao procurador-geral (artigo 127, § 1º, CF). As atribuições do PGR como chefe do MPF estão arroladas nos artigos 46 a 50 da Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).

Ele só tem atribuições para atuar no STF (artigo 46) e no STJ (artigo 48), à parte as suas funções junto ao TSE. Pois bem. Nenhum daqueles dispositivos legais o autoriza a se imiscuir nos feitos em trâmite na primeira instância, de atribuição, tão somente, dos procuradores da República (artigo 70, caput).

Segundo especialistas, o PGR, em seu parecer, extrapolou suas funções, usurpando as atribuições dos procuradores da República e da Polícia Federal. Não cabe ao ministro Teori Zavascki decidir sobre a condução de inquérito policial, no que toca aos que não têm prerrogativa de juízo.

O que teme Janot? Possivelmente, o fantasma da prisão preventiva de Lula. Segundo Janot, para Lula passar a investigado, “é necessário que a autoridade policial aponte objetivamente o fato a ensejar a mudança de status, o que será oportunamente avaliado”.

Temos dois fatos que podem levar a essa mudança de status de Lula: a colaboração premiada de Ricardo Pessoa, que já foi enviada para a força-tarefa da Operação Lava-Jato pelo Supremo no que se refere a acusados sem foro privilegiado, que é o caso de Lula; e a provável delação premiada do ex-deputado Pedro Corrêa, do PP, que já teria declarado aos procuradores de Curitiba que tratou diretamente com Lula a nomeação do diretor Paulo Roberto Costa com a função específica de levantar dinheiro para seu partido.

Corrêa teria dito, ainda, que a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, também tratou com ele de assuntos relativos ao escândalo da Petrobras, e, após eleita presidente, participou de negociação entre grupos do PP para acalmar as divergências sobre divisão de dinheiro entre membros do partido. Segundo o deputado, Dilma se queixava de que aquela era uma “herança maldita” que recebera de Lula.

Ter-se livrado de inquérito do mensalão sobre pagamentos de propinas em Portugal, se por um lado é motivo de alívio para Lula, por outro não significa que esse episódio não será devidamente esclarecido. Ele está sendo apurado na Lava-Jato também, e em inquérito em Portugal que envolve o ex-primeiro-ministro português Sócrates.

PMDB se prepara
A entrada da senadora Marta Suplicy no PMDB teve todos os ingredientes de um grande ato político, e marca uma diferença fundamental entre os dois maiores partidos da base governista. Enquanto o PMDB se prepara para abandonar o governo — por meio de discursos de seus principais líderes ontem e do de Marta, enaltecendo as qualidades conciliatórias de Michel Temer, e depois daquele programa de propaganda eleitoral em que deixou de lado os pruridos e colocou-se na oposição —, o PT tenta estancar a sangria que vem sofrendo a partir do prazo final para troca de partido aos que querem concorrer às eleições municipais de 2016. Sangria da qual Marta, que disputará a prefeitura de SP, e Alessandro Molon, que deve ser o candidato da Rede à prefeitura do Rio, são os melhores exemplos.

Dora Kramer - Reforma nasce torta

- O Estado de S. Paulo

Não há a menor chance de dar certo o acerto que a presidente Dilma Rousseff tenta fechar com o escalão inferior do PMDB na base da entrega de ministérios em troca de apoio no Congresso.
É o tipo da árvore que nasce torta e, portanto, morrerá torta. Dilma escolheu para liderar a tropa em sua defesa justamente o batalhão que mais lutou contra ela na campanha da reeleição: a seção regional do partido no Rio de Janeiro.

O interlocutor da presidente, Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara, é filho de Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio e comandante do movimento que pregava voto em Aécio Neves e o rompimento da aliança com o PT já no ano passado.

Esse grupo que não queria ver Dilma reeleita é o mesmo que hoje está à frente da negociação de ministérios com a presidente. “Negociação” é maneira de dizer. O termo correto é chantagem. O impasse que fez suspender o anúncio oficial do troca-troca deu-se pela ameaça do líder Picciani de retirar os nomes que indicara - e com isso deixar Dilma só - caso as nomeações não sejam feitas nos termos exigidos.

Basicamente quer a pasta da Saúde e ver o atual ministro da Aviação, Eliseu Padilha, fora do governo. Dilma ficaria, neste caso, em situação difícil, pois a demissão de Padilha pareceria um gesto hostil ao vice-presidente, Michel Temer, a quem o ministro é ligado.

Por trás da aproximação de Picciani com o governo estão dois movimentos: ele próprio se fortalecer para ser reconduzido à liderança do partido na Câmara e buscar o enfraquecimento do grupo de Temer, onde estão os oposicionistas mais convictos, para mais adiante tentar tomar o controle do PMDB. Sonho antigo da seção do Rio, ex-governador Sérgio Cabral à frente.

Trata-se de um mero negócio em que só um lado leva vantagem. Leonardo Picciani não tem prestígio nem força para entregar o apoio prometido ao governo. Praticamente um novato no Parlamento, conseguiu se eleger líder da bancada com a ajuda de Eduardo Cunha e, assim mesmo, ganhou por apenas um voto de diferença.

Na verdade, nem parece muito preocupado em cumprir o prometido. Ou não teria sugerido que a pasta dos Portos, hoje ocupada por Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho, fosse entregue ao deputado José Priante, primo e adversário político de Jader. Se aceita a proposta, dos quatro deputados do PMDB do Pará, Dilma perderia o voto dos três ligados ao senador.

Conviria à presidente se informar sobre a reação que já se arma no PMDB. O vice-presidente por motivos óbvios não criará atritos, mas outras lideranças farão o contra-ataque. O ex-ministro Geddel Vieira Lima, opositor do governo e influente no partido, avisa que o discurso dos oposicionistas do PMDB tenderá daqui em diante a ficar cada vez mais radical.

“A presidente lamentavelmente se entrega a esse jogo degradante, mas nós não podemos deixar o partido todo se desmoralizar por causa de meia dúzia de mercenários”, radicaliza.

Último tango. A senadora Marta Suplicy, que ontem se filiou ao PMDB, não falou mais com Lula desde a decisão de deixar o PT. Mas, nesse meio tempo, recebeu dele um recado: “Você estava certa”, comunicou o mensageiro.

Referia-se à conversa que Marta teve com ele no ano passado, quando mais uma vez tentou convencê-lo a concorrer à Presidência. Entre outros argumentos, ponderou ao ex-presidente que, se reeleita, Dilma iria “transformar o Brasil numa Argentina”.

Bernardo Mello Franco - A Rede de Marina

- Folha de S. Paulo

Depois de duas campanhas frustradas à Presidência, a ex-senadora Marina Silva ganhou um partido para chamar de seu. O TSE finalmente aprovou a criação da Rede Sustentabilidade, que poderá disputar as eleições municipais de 2016.

A sigla nasce com plataforma ambientalista clara, mas foge da classificação ideológica. "Nem direita, nem esquerda. Estamos à frente", repete Marina, com uma frase que confunde mais do que explica.

Em relação ao governo Dilma, a ambiguidade é a mesma. "Nosso objetivo não é ser de oposição pela oposição, nem de situação pela situação", diz a ex-senadora, que apoiou o tucano Aécio Neves no segundo turno das eleições de 2014.

Marina só desce do muro para criticar a tentativa de abertura de um processo de impeachment. "Não se muda presidente da República porque se discorda dele. Não faço discurso de conveniência", afirma.

A Rede nasce muito menor que sua líder. Terá cotas mínimas de fundo partidário e tempo de TV. No Congresso, terminou a primeira semana com dois deputados e nenhum senador. O nanico PSC, do pastor Everaldo, controla 13 cadeiras na Câmara e uma no Senado.

Apesar da dificuldade na largada, a ex-senadora diz que não tentará ser prefeita do Rio ou de São Paulo em 2016, como gostariam alguns aliados. "Meu domicílio eleitoral é no Acre. Não serei candidata artificialmente em outro lugar", ela me disse, em conversa recente.

O 34º partido brasileiro promete praticar a "nova política", mas seu objetivo mais visível não é tão novo assim: lançar Marina ao Planalto em 2018, pela terceira vez.

FHC sabe o que diz ao acusar Dilma de "vender a alma ao diabo" para governar. Na Presidência, ele deu o Ministério da Justiça a Renan Calheiros. Seus ministros de Minas e Energia e da Previdência eram indicados por Antonio Carlos Magalhães.

Luiz Carlos Azedo - Ideias liberais

• A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado

- Correio Braziliense

Uma das consequências intangíveis da morte de Tancredo Neves (PMDB), digamos assim, talvez tenha sido fato de o país não ter passado por uma experiência de governo liberal. A derrota da ditadura militar foi protagonizada por uma ampla frente política hegemonizada por políticos liberais, sob a liderança de Ulysses Guimarães, mas não resultou em sua chegada ao poder por uma fatalidade.

O governo de José Sarney, o vice que assumiu, premido por uma Constituinte democrata radical, pela retirada em ordem dos militares e pela hiperinflação, não pode ser caracterizado como um governo liberal, embora tenha o mérito de ter conduzido a transição à democracia.

Grosso modo, diametralmente opostos, os governos de Collor de Mello, neoliberal, e Itamar Franco, nacional-desenvolvimentista, também fugiram do perfil liberal. O mesmo ocorreu com os governos de Fernando Henrique Cardoso, de caráter social-liberal, e de Lula, protagonista de um neopopulismo que derivou na roubalheira revelada pela Operação Lava-Jato.

O castilhismo
O “castilhismo” de Dilma é um ponto fora da curva, mas serve de referência para o debate sobre as dificuldades de tradução das ideias liberais e, de um modo geral, das políticas clássicas no Brasil. Todas as ideias que chegam por aqui, de alguma forma, são mitigadas pelas características ibéricas de elites, como o velho patrimonialismo, que está vivíssimo, e também do povo, que ressuscita o “sebastianismo” cada vez que aparece um salvador da pátria.

O melhor exemplo de “tradução” perversa das ideais liberais no Brasil talvez seja a Constituição de 1824, de autoria de dom Pedro I, que institucionalizou a monarquia após a Independência — num contraponto aos Estados Unidos — e introduziu, como cláusula pétrea, o direito à propriedade privada na legislação brasileira. Com isso, a nascente aristocracia brasileira garantiu segurança jurídica ao regime escravocrata, que sofria forte oposição da Inglaterra, sustentando-o até 1888.

Após a abolição, a monarquia ruiu. Mesmo com a proclamação da República, no ano seguinte, a revolução burguesa no Brasil só veio a se completar mais de cem anos depois da Independência, com a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Sua vitória, porém, foi também uma nova derrota das ideais liberais pelo “castilhismo” gaúcho. Desde então, nenhum partido político conseguiu representar de forma robusta as ideais liberais no Brasil.

O “castilhismo” é uma vertente do positivismo cujo principal ideólogo foi o político gaúcho Júlio de Castilhos. Substitui a ideia liberal do equilíbrio entre as diferentes ordens de interesse, como elemento fundamental da organização da sociedade, pela ideia de moralização dos indivíduos através da tutela do Estado. Para os castilhistas, a falência da sociedade liberal decorreria das transações empíricas, fruto da procura de interesses materiais.

O slogan “pátria educadora” é uma tradução perfeita dessa concepção de tutela do Estado sobre a sociedade. Do ponto de vista prático, no governo Dilma, essa concepção gerou incrível sucessão de intervenções desastrosas nas atividades econômicas do país. O resultado é a desorganização da economia.

A retórica das “virtudes republicanas”, usada e abusada na gestão petista, acabou desmascarada pela Operação Lava-Jato. Revelou-se, por trás da atuação do PT e seus aliados, “sórdidos interesses materiais” que supostamente o governo petista pretendera combater. A “faxina” ensaiada por Dilma no começo do primeiro mandato, na verdade, está sendo feita pelo “poder moderador” da Justiça Federal, o que nada mais é do que a afirmação do velho princípio liberal do equilíbrio entre os poderes.

A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado, ao intervencionismo na economia, à cobrança exagerada de impostos, ao excesso de regulação cartorial, aos achaques, à corrupção e aos serviços públicos ineficientes. Isso se reflete com muita força nas redes sociais e nos protestos de rua contra o governo. A expansão do mercado interno via consumo, do empreendedorismo e das atividades de serviços, que agora se retraem, ampliou a base social do liberalismo individual, como ideologia e concepção política. Mas não há um partido que o represente.

Eliane Cantanhêde - A volta dos que não foram

- O Estado de S. Paulo

Em meio a tantas crises, o Brasil vive algo como a volta dos que não foram. Se Marina Silva respira aliviada e o tucano Aécio Neves diz que agradece todos os dias ao seu anjo da guarda por ter se livrado do desastre, tenta-se adivinhar o que se passa pela cabeça do vice-presidente Michel Temer.

Todo político, em todo lugar do mundo, delicia-se com os holofotes, só pensa em vencer e tem um objetivo na vida: o poder. Uns até para melhorar sua cidade, seu estado, seu país, o mundo. Outros disputam o poder pelo poder. Outros tantos querem mesmo é garfar algum. Em qualquer caso, o alvo maior de um político é a Presidência da República.

Isso, evidentemente, é ainda mais forte nos vice-presidentes, em especial se as coisas vão de mal a pior para os titulares e eles se veem ali na boca de assumir o mandato, colocar a faixa e posar para a foto oficial. Mas nem sempre esse passo rampa acima prenuncia o melhor dos mundos. Hoje, parece o pior dos mundos.

Pelo relato de amigos, Michel Temer até se posiciona para “não fugir às responsabilidades”, mas está longe de parecer desesperado para sentar na cadeira de Dilma Rousseff e esfregando as mãos de excitação para virar presidente. Dizem, inclusive, que vez ou outra bate a insônia e até um certo pânico: “E se?”

A previsão é de recessão por dois anos consecutivos, pela primeira vez desde 1930 e da “Grande Depressão” de 1929. A indústria vai ladeira abaixo, a inflação passa dos 9%, os juros são de 14,25%, o dólar atingiu o recorde de R$ 4,25 e o desemprego só cresce. Você gostaria de presidir um país quando o mercado formal de trabalho cortou quase 1 milhão de vagas em 12 meses e o corte de agosto é o pior para o mês desde 1995? Temer gostaria?

Os movimentos sociais ligados ao PT se mostram cada vez mais desconfortáveis e o próprio PT virou biruta de aeroporto, com o líder do partido na Câmara defendendo a queda dos três ministros mais fortes, os da Fazenda, Casa Civil e Justiça. Ou seja, o líder petista articula o desmanche do governo. Se já é assim com o governo do PT, como seria numa transição com Temer? Sem falar que Lula está ferido, mas continua vivíssimo.

Temer, assim, está numa posição semelhante à de Aécio, a de quase chegar lá, mas dizer que é melhor não chegar (ou não ter chegado). Assim como o PT fez história e chegou aos píncaros da glória fazendo oposição sistemática a todo e qualquer governo, Aécio descobriu as delícias de se livrar das obrigações do Executivo, criticar dia e noite o governo dos outros e ainda ter tempo para a família.

O mesmo vale para a senadora Ana Amélia, que perdeu o governo do Rio Grande do Sul e assiste de camarote, ou do plenário, às agruras do “vitorioso” José Ivo Sartori com a falta de dinheiro para tudo, as greves e os processos na Justiça. Como vale para Jofran Frejat, adversário de Rodrigo Rollemberg, que assumiu um DF destroçado pelo antecessor Agnelo Queiroz e anuncia aumento de impostos, passagens de ônibus e metrô, até do zoológico. Um inferno.

Pois é, os vitoriosos sentem-se derrotados, os derrotados sentem-se no mínimo aliviados. E Temer balança. Mas aqui vai o anticlímax: quem conhece a política e sabe o quando o poder inebria aposta que, com inferno ou sem inferno, com crise ou sem crise, Aécio e Marina adorariam ter sido eleitos, Ana Amélia e Frejat adorariam assumir o Rio Grande do Sul e o DF e os governadores Tarso Genro e Agnelo dariam a vida para serem reeleitos. É da índole do político.

Não depende de Temer, depende da história, da Justiça, do “baixo clero” do PMDB, do Congresso e de um fator fundamental da política, o “imponderável”, mas as articulações correm soltas e o fato é que, se necessário, o vice está prontíssimo para assumir. A insônia e a angústia dele ninguém vê, mas o programa de TV do PMDB todo mundo viu. Alguma dúvida?

Fernando Gabeira - Um abraço no urso

O Globo – Segundo Caderno

Li em alguma parte que Lula aconselhou Dilma a abraçar o urso. Era no contexto da relação com o PMDB, portanto abraçar o amigo urso. Mas a imagem do urso me trouxe lembranças da adolescência, quando esperava, na banca da Rua Halfeld, a chegada da revista “Senhor”. Um banquete literário e visual, porque a revista era diagramada por um dos gênios das artes gráficas brasileiras: Bea Feitler.

Foi através da revista que travei contato com “O urso”, de William Faulkner. Era um animal formidável, com um ferimento na pata, provocado por uma armadilha. Todos o temiam, mas desejavam encontrá-lo. Lembro-me de que um dos índios que ajudavam os caçadores dizia que até os cachorros se preparavam para um dia encontrar o urso. Sabiam, como os humanos, da importância do acontecimento.

O urso que Dilma precisa encarar é a realidade sombria que seu governo trouxe ao país e sua incapacidade pessoal de achar o caminho. Esse urso não creio que ela abrace. Mas continuará rondando seu acampamento.

No princípio da semana passada, conversava com um grupo de amigos em Niterói sobre a crise política e econômica. Quando saí, o motorista me esperava nervoso: dois homens armados o sequestraram e roubaram tudo que havia no carro. No caminho de volta ao Rio dei aquele soco na testa: tinha falado muito das duas crises e apenas mencionado a que mais me preocupa — a crise social.

O fim de semana tinha sido marcado por arrastões na Zona Sul do Rio e os debates que sempre surgem nesses períodos. Queria lembrar que assim como as coisas mudam dependendo da luz que as banha, esses fatos têm de ser examinados no contexto mais amplo de um país em recessão, com queda no PIB e a perda de R$ 1 trilhão no valor de mercado das empresas nacionais.

Tanto o desemprego como o aumento da violência urbana são indicadores bastante evidentes. No cotidiano da estrada, vejo alguns mais sutis: aumenta o número de andarilhos e, agora, os encontro mesmo em rodovias secundárias.

Embora Dilma não queira abraçar o urso, as pessoas que trabalham estão tendo de encarar a crise, nas ruas ou diante da televisão, com o fluxo das notícias negativas. Muitos de nós enfrentam duras realidades cotidianas, buscando proteger os entes queridos. Mas ainda não decidíamos encarar o urso ombro a ombro e despachar um governo que se impôs pela delinquência. Um governo assim não cai de maduro. Haverá tensão, violência verbal, grandes transtornos.

Mao Tse Tung dizia que a revolução não é um piquenique. No caso do comunismo, foi mais uma sucessão de massacres. A derrubada do governo petista é algo muito mais suave do que uma revolução. Mas também não é um simples clique no computador. Será preciso fazer mais, ou então nos conformamos apenas com os ritmos e os prazos da Operação Lava-Jato.

Desdobrada logicamente, a Lava-Jato vai derrubálos. Um tesoureiro do partido do governo foi condenado a 15 anos de prisão. Recebeu milhões em propina. Será que guardou tudo na sua mochila? Ou destinou a um partido que financiou a campanha de Dilma? É impossível uma investigação séria parar no tesoureiro. Mesmo se o Supremo derrotar a Operação Lava-Jato, como parece ser sua intenção, ele não devolverá credibilidade aos bandidos que governam o país.

A fórmula brasileira é mais sutil que a da Venezuela. Os ministros não se identificam tanto com o governo. São medíocres o bastante para saber que, sem o PT, jamais estariam sentados ali. Mas por quanto tempo essa obviedade dos crimes do petismo deixará de ser o ponto central dos cálculos políticos no Brasil? Não há futuro com o PT.

O tempo em que permanece no poder é um tempo de “no future”, como diziam os punks em Berlim. A palavra punk ganhou uma nova dimensão na nossa linguagem cotidiana; é algo bizarro e desagradável. E, no momento, a cena nacional é punk.

Na praia de Niterói, antes tão pacata, percebi os limites de apenas falar da cúpula, quando a crise, a 20 metros da minha cadeira, surpreendia com um revólver na cabeça. É preciso fazer mais. Mas é arriscado empregar mal a energia. Neste momento, as tarefas são garantir a sobrevivência cotidiana e combater um sistema criminoso.

Os políticos profissionais que podem fundir essas duas tarefas têm sido muito ausentes. Verdade é que já apresentaram o pedido de impeachment. Mas ainda não discutem que país será o Brasil, após a queda do lulopetismo.

A rejeição maciça a um governo talvez seja suficiente para derrubá-lo. Mas, se surgirem algumas ideias claras sobre o futuro, o processo fica mais rápido.

Vivi muitas crises no Brasil, em quase todas com a certeza, às vezes ilusória, de que as influenciava com minha ação. Esta é mais tentacular, pantanosa. Estou vendo a morte de um projeto que há pouco mais de uma década parecia o novo. Os prazos se encurtaram dramaticamente. Ou nós nos atrasamos muito. De qualquer forma, é preciso correr. Se ficar, o bicho pega.

Samuel Pessôa - As chances perdidas de Dilma

- Folha de S. Paulo

• Depois de guerra civil, a inflação é a forma menos civilizada que há de gestão do conflito distributivo

A dívida pública cresce em bola de neve. A incapacidade da presidente em encaminhar o desequilíbrio das contas públicas deixa uma nuvem de incerteza sobre os agentes econômicos. É impossível planejar e investir em uma sociedade em que o Tesouro Nacional não consegue estabilizar a trajetória da dívida pública.

A instabilidade fiscal é um sinal de que nossa sociedade não é capaz de chegar a um acordo para ter gasto público compatível com o que ela mesma decide entregar ao Estado na forma de receita.

Dito de outra forma, não estamos conseguindo enfrentar nosso conflito distributivo de forma civilizada. Esse é o sentido mais profundo da perda do grau de investimento. O selo de bom pagador é dado àquelas sociedades que, a partir de alguns consensos, administram seu conflito distributivo civilizadamente.

Nós estamos às portas de um processo disfuncional de financiamento público, que os mais velhos conhecem bem, o imposto inflacionário. Depois de guerra civil, a inflação é a forma menos civilizada que há de gestão do conflito distributivo.

É importante lembrarmos que, nas sociedades modernas, o conflito distributivo ocorre –mais do que no chão de fábrica, na forma de conflito direto capital-trabalho– no interior do orçamento público.

Tudo sugere que o Banco Central não subirá mais os juros. A inflação prevista para 2016 e 2017, que até algumas semanas atrás caminhava respectivamente para 5% e 4,5% (portanto, na meta em 2017), voltou a se descolar. As melhores contas que conseguimos fazer sugerem inflação em 2016 na casa de 6,5%.

O que ocorre? O mercado se convenceu de que a presidente não conseguirá criar condições para que a trajetória de crescimento da dívida se estabilize. Levy é extremamente respeitado, mas não é Deus.

A contínua piora da dívida pública eleva o risco-país, o que rebate no câmbio, que, por sua vez, aumenta a expectativa de inflação, apesar da forte recessão econômica e do aumento do desemprego.

Nessas circunstâncias, é possível que o BC avalie que subir mais os juros apenas aumenta o custo da dívida sem sinalizar queda de inflação. Ou pior ainda, que o aumento do endividamento, que segue novas rodadas de subida dos juros (que se aplicam sobre a dívida pública), agravará mais a inflação pelo canal do risco-país e, portanto, do câmbio. Nesse caso, estamos na chamada dominância fiscal: a incapacidade de resolver o problema fiscal atinge tal ponto que tira do BC a capacidade de pôr a inflação na meta. O conflito distributivo que ocorre no interior do Orçamento soluciona-se incivilizadamente: imposto inflacionário.

A presidente impediu, no passado, o ajuste que a teria evitado. Segundo a então ministra-chefe da Casa Civil, o plano de ajuste fiscal de longo prazo proposto em 2005 era "rudimentar". A ideia foi abortada.

Houve excepcional crescimento da receita entre 1999 e 2010, de 6,9% ao ano deflacionado pelo IPCA, comparado ao crescimento real médio do PIB de 3,4% no mesmo período. Isto permitiu que o dia da verdade fosse jogado para frente.

Mas ele começou a chegar em 2011: deste ano até 2014, o crescimento real da receita recorrente foi de 2,1%, ante PIB que também cresceu 2,1%. Era a segunda chance que Dilma tinha, agora como presidente, de contribuir para o ajuste fiscal civilizado. Resolveu varrer para baixo do tapete nosso desequilíbrio fiscal.

Ele reapareceu quatro anos depois, num momento em que nossa presidente se tornou politicamente um zumbi. Parece que vamos para a inflação.
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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Rolf Kuntz - Um governo em liquidação

- O Estado de S. Paulo

Num aperto danado, com 985 mil empregos formais fechados em um ano, a presidente Dilma Rousseff resolveu vender o Ministério da Saúde ao PMDB, em troca de proteção contra o impeachment e de apoio a medidas de ajuste. A oferta, quase no estilo “família vende tudo”, envolve um pacote ministerial. Mas a decisão de trocar o companheiro Arthur Chioro por um peemedebista qualquer tem significado particular.

Durante anos, o governo tentou impingir ao público a imagem de grande preocupação com a saúde. Também tentou propagar o mito de realizações importantes no setor. Além disso, desde a extinção do imposto do cheque, a CPMF, em 2007, petistas do alto e do baixo clero lamentaram, num choro incessante, a perda de um tributo apontado como essencial para a saúde. Agora, de repente, o ministério, até há pouco tratado como joia da coroa, torna-se tão vendável quanto um sofá usado.

Além disso, os R$ 32 bilhões esperados da nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira deverão reforçar – quem diria? – as finanças da Previdência. Foi essa a finalidade apontada pelos ministros econômicos quando propuseram a recriação do mais aberrante dos tributos brasileiros.

Nenhum cidadão razoavelmente informado e com pelo menos dois neurônios em operação levou a sério, em qualquer momento, a propaganda oficial sobre a política de saúde – ou, a propósito, sobre a política educacional do PT. Da mesma forma, só os muito desinformados e muito desprevenidos acreditaram no vínculo entre a CPMF e os programas de saúde. O imposto do cheque sempre serviu, de fato, para engordar a receita geral do Tesouro e para sustentar, especialmente no período petista, a gastança do governo federal.

Se educação e saúde fossem mesmo prioritárias, para os governos e para seus aliados, a aplicação de recursos nos dois setores nunca dependeria de verbas vinculadas nem de tributos carimbados.

Vinculação fiscal – exceto, talvez, por períodos limitados e em casos muito especiais – distorce o uso de recursos, torna a administração menos eficiente e menos criativa, dispensa a competência e abre espaço para a corrupção. Quando é obrigatório gastar certo volume de dinheiro, a tendência a gastar mal torna-se muito forte. Tudo isso é confirmado pela experiência brasileira. Além disso, a repentina mudança da finalidade oficial da CPMF elimina qualquer dúvida sobre o interesse real do governo.

Parte dos congressistas ainda se opõe, pelo menos vocalmente, à recriação desse tributo. O apoio dos petistas parece garantido. Além do mais, governadores interessados numa lasca do bolo pressionarão parlamentares pela aprovação com alíquota de 0,38%, quase o dobro da proposta pelo Executivo (0,20%). Há, entre os chamados formadores de opinião, quem aponte a CPMF como um tributo justo, por incidir, supostamente, mais sobre o rico e poupar o pobre. Essa crença é uma bobagem.

Mesmo se ganhasse uma carteirinha para ficar livre do imposto na ponta do consumo, o pobre ainda seria onerado pela incidência nas fases anteriores da circulação. Cumulatividade é um de seus defeitos.

Os ministros econômicos sabem disso e conhecem também as outras más características do imposto do cheque. Mas deixam de lado esses detalhes, ou por darem pouco valor à qualidade e à funcionalidade dos tributos ou por julgarem muito difícil, talvez impossível, consertar as contas federais sem esse recurso.

A tarefa é complicada, de fato, porque a ampliação constante dos gastos obrigatórios, como os salários, os benefícios da Previdência e também as despesas vinculadas, tornou mais engessado, ano a ano, um orçamento já pouco flexível. Mesmo assim, muito provavelmente seria possível aumentar os cortes, de forma significativa, se houvesse disposição e coragem para uma redução severa dos postos de livre nomeação e para um exame detalhado de todos os programas.

Em 2011, quando houve um ensaio, ou encenação, de faxina ministerial, foi descoberto um enorme desperdício de recursos. Perdia-se muito dinheiro em projetos mal concebidos e mal executados. Gastava-se em programas de utilidade duvidosa. Queimavam-se grandes verbas em convênios com ONGs muitas vezes despreparadas para a prestação dos serviços contratados.

Houve muito barulho, na época, e até a esperança de eliminação das bandalheiras mais evidentes. Nada indica, no entanto, uma alteração efetiva dos padrões dominantes na administração. Ao contrário: nos anos seguintes, bastaria acompanhar a execução dos programas ligados à Copa do Mundo para verificar a persistência, e até o agravamento, dos maiores vícios.

A devastação da economia, acelerada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, coincidiu com o engessamento maior do Orçamento federal e com maior degradação dos padrões administrativos. O fiasco permanente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apenas disfarçado pelos números do programa habitacional, confirmou muito claramente a incompetência crescente da gestão pública. Mas o funcionalismo nunca deixou de crescer e o aumento da folha sempre superou a inflação. Ao mesmo tempo, subsídios continuaram e continuam sendo canalizados para grupos escolhidos.

A resposta da presidente consistiu, até agora, em propor remédios para fechar as contas em 2016.

Para este ano, a expectativa de um pífio superávit primário de 0,15% do PIB, reafirmada há poucos dias, depende de cerca de R$ 43 bilhões de receitas extraordinárias – tão extraordinárias e voláteis quanto o apoio comprável com nomeações. Nenhuma solução de maior alcance foi sugerida seriamente. Para conseguir apoio a esse quase nada a presidente põe à venda o governo. A Standard & Poor’s limitou-se a rebaixar a nota de crédito do País. A autodegradação do governo é muito mais séria do que isso.
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* Jornalista

Vinicius Torres Freire - Dilma e as invasões bárbaras

• Avanço da ruína econômica não atingiu cada canto da vida cotidiana, mas vai bater na porta

- Folha de S. Paulo

O desastre provocado por Dilma Rousseff ainda não se espalhou por todo e cada canto da economia, embora muito problema já tenha sido encomendado, faltando apenas a entrega. Um pacote-bomba, por exemplo, é a Petrobras –resta apenas saber o tamanho desse presentão oferecido pela presidente.

Ainda assim, um passeio nem tão aleatório pela economia permite descobrir lugares da "vida cotidiana" que não foram devastados pelo ataque dos hunos, Isto é, a bárbara política econômica de 2011-14. Dá tempo, pouco, de evitar o avanço da ruína.

Há motivos para se preocupar com o aumento da inadimplência e, talvez, seus efeitos em bancos, tanto mais porque temos recessão garantida pelo menos até meados de 2016. Inadimplência e pagamentos atrasados de empréstimos têm aumentado desde o final de 2014, desacelerando um pouco desde março, por aí. No entanto, estão em níveis bem mais baixos do que os verificados de 2011 a 2013.

Parte da conta do futuro calote já deve estar no correio, decerto. O desemprego nas maiores metrópoles passou de 5% em agosto de 2014 para 7,6% em agosto passado. O salário médio caiu 3,5% (descontada a inflação). O total dos rendimentos baixou mais de 5%, horror inédito em mais de década. Mas não há indícios de inadimplência descontrolada adiante –por ora.

A despesa média das famílias com pagamentos de juros e amortização de suas dívidas está em nível alto, 21,9% da renda mensal, porém quase estável desde 2013. Não aparenta disparada (mas, dado o modo como é calculada, a medida não parece muito precisa no curto prazo). Em 2005, quando tal medida começou a ser calculada, o comprometimento da renda com o serviço da dívida era de 16,5%. Na crise anterior, 2008-2009, em torno de 19%. O pior momento foi o final de 2011.

Isto posto, não convém brincar com fogo. As famílias tentam se desendividar –em um ano caiu quase 5% o total de crédito para pessoas físicas (com taxas livres, em termos reais). Mas os juros estão em alta, a renda, em baixa. Perigo.

O estoque de patrimônio financeiro das famílias, aplicações em fundos de investimento e poupança, padece, mas não se vê colapso, embora faltem dados consolidados atuais. Dada a disparada de juros de agosto-setembro, pode ter havido ou sobrevir estrago mais feio nos fundos.

Uma redução acentuada da riqueza financeira das famílias tende a ter impacto adicional na confiança já deprimida e no consumo. De resto, baques em fundos de renda fixa criam problemas para o governo rolar sua dívida (o grosso das aplicações desses fundos são empréstimos para o governo).

Em agosto, nos total dos fundos havia R$ 2,9 trilhões; na poupança, R$ 645 bilhões (caiu para R$ 641 bilhões na semana passada).

Nos anos ruins de 2002 e de 2008, o patrimônio líquido dos fundos caiu 18% e 11%, respectivamente. Neste ano, o patrimônio dos fundos mal cresce. Mas não há tombo –por ora.

Evitar desastres maiores e mais amplos, da Petrobras ao crediário, exige conter a disparada de juros e dólar, para ficar no popular, o que depende de um plano imediato de contenção do aumento da dívida pública, como todo mundo está cansado de ouvir. Não há sinal de tal coisa no horizonte

O recado do dólar – Editorial / Folha de S. Paulo

• Alta da moeda americana eleva risco inflacionário e ameaça prolongar a recessão, encurtando o prazo para o ajuste das contas públicas

Na semana que passou, o país assistiu atônito a uma depreciação abrupta do valor de sua moeda. Flutuando agora ao redor dos R$ 4, as cotações do dólar indicam que se esgota rapidamente o prazo para evitar um cataclismo econômico de difícil reversão.

A intensidade da oscilação cambial traduz o descrédito, praticamente unânime entre credores e investidores, quanto à capacidade do governo Dilma Rousseff (PT) de oferecer uma estratégia consistente para estancar a expansão acelerada da dívida pública.

Se não são debelados a tempo, movimentos de pânico como o atual se convertem em profecias autorrealizáveis –e o círculo vicioso começa justamente quando o mercado, incerto quanto à solvência futura do Tesouro, busca segurança na moeda norte-americana.

Impulsionada por essa demanda, a alta do dólar encarece os importados, pressiona a inflação e torna mais remota a queda dos juros do Banco Central. Ao mesmo tempo, disparam as taxas cobradas nos empréstimos de prazo mais longo, cruciais para o financiamento do governo e do setor privado.

Uma trapalhada grosseira da administração petista foi o que disparou tais alarmes financeiros. No final de agosto, foi enviado ao Congresso um projeto de Orçamento para 2016 em que as receitas esperadas eram insuficientes para cobrir as despesas com pessoal, programas sociais, custeio e obras.

Tamanha sandice custou, dias depois, a perda do certificado de investimento seguro conferido ao país por uma das principais agências de classificação de risco. A passo de tartaruga, o Planalto procura agora restaurar a peça orçamentária –mas os danos a serem sanados mudaram de patamar.

As contas dos especialistas já dão como certa uma escalada da dívida pública neste ano, de 59% para o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto. Se nada for feito, essa proporção, que já é a maior entre as economias emergentes, chegará aos 80% até 2018.

Com tal trajetória, serão inevitáveis novos rebaixamentos na nota de crédito do governo e dificuldades crescentes para a venda dos títulos da dívida federal –fenômeno que já começa a ser observado.

Juros internos em elevação travam o crédito para os investimentos das empresas e o consumo das famílias, levando ainda ao aumento da inadimplência. Já a depreciação cambial traz uma ameaça mais imediata às empresas com dívida em moeda estrangeira.

Um caso crítico é o da Petrobras, nada menos que a maior empresa do país em patrimônio. Os passivos da estatal já foram inflados em R$ 100 bilhões desde o final de junho apenas devido à derrocada do real. Não por acaso, os papéis de sua dívida negociados na praça já incorporam o risco de insolvência.

Mantido tal quadro, não é apenas uma recessão mais profunda e prolongada que se avizinha. À medida que se esvaem as condições de endividamento, resta ao governo recorrer crescentemente à inflação para corroer o valor de suas despesas e fechar as contas orçamentárias. É o que ocorre hoje na Argentina e na Venezuela.

O mundo político, deploravelmente, não dá sinais de perceber a rapidez da degradação do quadro econômico. Alheia ao que ocorre no mundo real, na ilha da fantasia que é Brasília, a presidente se ocupa de negociações com o baixo clero do PMDB em um esforço para sustar um processo de impeachment.

Na ausência de ajuda do Planalto durante a semana tensa, o Banco Central se viu obrigado a atuar. O presidente da instituição, Alexandre Tombini, anunciou a disposição de vender dólares das reservas oficiais, se necessário, e obteve algum recuo das cotações.

Com a ajuda adicional de uma intervenção do Tesouro, que recomprou títulos de investidores em estado de quase desespero, chegou-se à sexta-feira (25) com menos nervosismo. A melhora será efêmera, entretanto, se não houver ações enérgicas.

Fazer caminhar no Congresso o ajuste emergencial, baseado na proposta de emenda constitucional que ressuscita a CPMF, é apenas um primeiro e difícil passo. Afinal, o superavit primário (receitas menos despesas, excluídos gastos com juros) almejado, de 0,7% do PIB, ainda será insuficiente para estabilizar a dívida.

A despeito da gravidade do momento, um fator fundamental diferencia a crise atual de suas antecessoras, todas causadas ou reforçadas pela histórica escassez de moeda estrangeira. Desta vez, o país dispõe de reservas volumosas, de US$ 370 bilhões, e não enfrenta maiores dificuldades nas transações com o resto do mundo.

Descarta-se, assim, a necessidade de ajuda financeira de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, tão comum no passado. As fragilidades, por graves que sejam, são domésticas, e a saída da crise depende de providências ao alcance do governo e do Congresso.

Erros na diplomacia limitam exportações na crise – Editorial – O Globo

• A forte desvalorização cambial impulsiona as vendas ao exterior, mas não como em crises anteriores, porque o lulopetismo amarrou o país ao Mercosul

O comércio exterior, no deserto de boas notícias em que se transformou o país, virou um oásis. Depois de fechar em déficit no ano passado — de US$ 3,9 bilhões, o pior resultado desde 1998 —, a balança comercial passou a acumular saldos positivos: de janeiro a agosto, obteve um superávit de US$ 7,2 bilhões. O fato é alvissareiro, mas precisa ser relativizado. O superávit é sempre bem-vindo numa economia sob suspeição de credores — haja vista o rebaixamento da nota de risco —, mas ele tem sido acumulado em boa parte devido à recessão interna. Pela queda, portanto, das importações, e não pelo vigor das exportações, também em baixa. Nos primeiros oito meses do ano, elas caíram 16,7% e 21,3%, respectivamente.

A relação de dependência que o Brasil estabeleceu com a China, ávida importadora de commodities nacionais — minério de ferro, soja —, tornou o país vulnerável a instabilidades oriental. É o que acontece com a redução do ritmo de crescimento chinês. Na faixa dos 7%, ele continua robusto, mas distante das taxas de 10%, e até mais, de passado recente. A desaceleração se reflete na queda substancial de cotações de matérias-primas, com impacto negativo direto nas exportações brasileiras.

Não que não se devesse aproveitar o ressurgimento da China como potência mundial. Foi este fato histórico que levou o país a resgatar a dívida externa com divisas chinesas. Mas faltou uma estratégia para quando o ciclo de expansão acelerada do parceiro comercial mudasse de velocidade. Mas, como sempre condicionados por instintos ideológicos, os governos Lula e Dilma mantiveram o comércio exterior brasileiro amarrado a uma relação neocolonial com os chineses e a um Mercosul em crise. Tudo agravado pela aliança do lulopetismo com o kirchnerismo argentino, responsável por permitir a entrada no bloco comercial de aliados geopolíticos contrários a qualquer maior abertura comercial ao mundo — Venezuela, Bolívia e Equador. Uma gritante contradição.

Com o bolivarianismo chavista, o PT comunga o protecionismo. Tanto que veio a crise mundial a partir de 2009 e o Mercosul continuou fechado em si mesmo, enquanto o mundo, à falta de um tratado global de liberalização do comércio no âmbito da OMC, acelerava o fechamento de acordos bilaterais. Que beneficiam outro bloco comercial latino-americano, oposto ao Mercosul, a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile), aberta ao mundo. Como em crises anteriores, a grande desvalorização do real ajuda as exportações brasileiras. As de manufaturados têm sido bastante favorecidas, pelo câmbio e pelo vigor da retomada americana.

Mas, sem acordos bilaterais com mercados importadores de grande porte, o Brasil não pode contar com o comércio exterior como alavanca para sair da recessão da mesma forma que aconteceu em outros momentos. Mais um prejuízo a ser debitado na conta deste ciclo de quase 13 anos de lulopetismo no Planalto.

Eleição sem maquiagem – Editorial / O Estado de S. Paulo

É evidentemente saneadora a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no dia 17, que pôs na ilegalidade as doações eleitorais de empresas. Restabelece-se, assim, o princípio democrático de que ninguém além do eleitor pode ditar o rumo das eleições e do governo eleito. Mas há um outro desdobramento, tão ou mais saudável, que deve ser observado: agora, sem o dinheiro que entrava à beça, restará aos partidos elaborar, já para as eleições de 2016, uma campanha que conquiste votos não pela magia de caríssimos marqueteiros, que vendem aos incautos o que jamais poderá ser entregue, mas sim pela proposição de ideias e programas, no corpo a corpo das ruas.

Já era hora de dar um basta na desabalada gastança eleitoral, fruto da cornucópia de empreiteiras, bancos e grandes companhias muito interessadas em transformar políticos em seus delegados no Legislativo e no Executivo. É certo que política é também encenação, mas as campanhas, com a fartura proporcionada pelo poder econômico das pessoas jurídicas, se transformaram em mero espetáculo, em que o eleitor é ludibriado por efeitos especiais que escondem a ausência de propostas concretas para a vida do País.

Hoje, no conforto de um estúdio de TV, acompanhado de imagens edulcoradas sobre sua alegada competência, o candidato jamais corre o risco de ser contraditado, de ter de dar explicações, de olhar nos olhos do eleitor. Mesmo os debates pela TV, que deveriam ser o lugar do confronto de ideias, foram descaracterizados de tal modo que os candidatos não correm nenhum risco de ter de falar a sério.

O impacto financeiro do fim das doações eleitorais por parte de empresas será muito grande. A principal fonte de financiamento das campanhas passará a ser o Fundo Partidário, que hoje conta com R$ 867 milhões – valor que não cobre nem 20% do total despendido nas últimas eleições municipais, em 2012, conforme mostrou reportagem do Estado.

O PT, que gastou cerca de R$ 835 milhões naquela eleição, teria condições de cobrir apenas 14% de suas despesas. Calcula-se que os partidos terão de cortar até 65% de seus gastos se quiserem se adequar à nova realidade no ano que vem.

Essa estimativa é conservadora, porque o Fundo Partidário serve também para as despesas administrativas dos partidos. Assim, é muito provável que esses recursos sejam insuficientes, mantido o padrão atual, para viabilizar mesmo modestas candidaturas.

É sempre possível que os políticos se mobilizem para aumentar o Fundo Partidário, cujo crescimento tem sido exponencial. Somente neste ano, a elevação obtida pela articulação das lideranças do Congresso foi da ordem de 200%. Essas manobras obscenas, no entanto, têm limite, pois dependem de um Orçamento federal cada vez mais limitado. Para alcançar o valor necessário para bancar as campanhas no padrão perdulário da eleição de 2012, que consumiu mais de R$ 4,6 bilhões, seria necessário quase sextuplicar o Fundo Partidário. É altamente improvável que o Executivo destine mais dinheiro para esse Fundo, pois isso significaria retirar verbas de diversos programas.

Agora, os partidos e seus candidatos terão de buscar financiamento diretamente com as pessoas físicas e também terão de se expor mais, conversar mais e apertar mais mãos se quiserem se eleger. Essa conjuntura tende a mudar drasticamente o tipo de campanha – e de política – que se pratica no Brasil.

Para os partidos aos quais não interessa o autêntico debate – como o PT, sempre avesso a expor suas contradições –, essa nova situação é obviamente desconfortável. Tanto é assim que, diante da perspectiva de ficar sem a contribuição das empreiteiras, o partido – que em seus primórdios se financiava graças à garra de sua militância, mas desde sua chegada ao poder se viciou no dinheiro fácil – passou a defender o financiamento público. Não surpreende: com sua capacidade de convencimento bastante abalada, resta ao PT esperar pelo dinheiro arrancado compulsoriamente dos eleitores, petistas ou não.

Ferreira Gullar - Ao mestre Mário, com saudade

• Mário Pedrosa leu os meus poemas e disse: 'Você se meteu numa encrenca, mas esse é seu caminho'

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Depois de muitos anos, passei esta semana em frente ao prédio onde morou Mário Pedrosa, na rua Visconde de Pirajá, em Ipanema. Fui subitamente arrastado ao passado e me vi entrando por aquele portão, subindo de elevador até o oitavo andar e logo me deparando com ele, de meias e chinelos, na cadeira de embalo onde se sentava para conversar conosco.

Digo conosco porque estávamos quase sempre em grupo quando íamos visitá-lo. Visitar talvez não seja a palavra certa, já que íamos para conversar sobre as questões da arte concreta, por ele introduzida no Brasil naquele começo da década de 1950.

Principalmente sobre isso, mas também sobre literatura, arte e política, uma vez que Mário, embora tendo há muitos anos abandonado a militância partidária, continuava a pensar e a discutir aquelas questões. Claro que isso não excluía o papo amigável, bem-humorado, que era um dos traços de seu temperamento.

Costumo dizer que aprendi muito com ele, não apenas nas conversas, mas também nos livros que me emprestava. Eram livros de crítica de arte, de história da arte, de filosofia. Não fosse isso, dificilmente, por exemplo, teria eu lido os filósofos pré-socráticos.

Quando entrei em crise, ao desintegrar a linguagem poética nos últimos poemas de "A Luta Corporal", foi a ele que recorri. Mostrei-lhe os poemas, ele os leu e me disse: "Você se meteu numa encrenca, mas esse é seu caminho. Precisa dar um tempo". E meu deu para ler um livro em que conheci Heráclito, Parmênides, Pitágoras. Não resolveu meu problema, mas me afastou dele por algum tempo.

Mário não vivia nos dando lições, nem a mim nem aos artistas que aderiram ao concretismo e, quando ocorreu a ruptura dos dois grupos –os concretistas paulistas e os cariocas– não tomou partido, muito embora não concordasse com a visão excessivamente teorizante dos paulistas.

Essa ruptura foi precipitada por um artigo de Haroldo de Campos propondo que, a partir de então, a poesia concreta fosse feita com base em equações matemáticas.

Eles nunca fizeram poema algum baseado nessa teoria, enquanto o grupo do Rio prosseguiu em suas realizações, a partir da intuição e da inventividade.

Não é verdade, portanto, que a arte neoconcreta tenha nascido em contraposição ao grupo paulista. Aquela ruptura se deu em junho de 1957 e o neoconcretismo nasceu em 1959, quando redigi o Manifesto Neoconcreto. E não nasceu por pretendermos inventar um novo movimento; nasceu quase que por acaso.

Foi assim: no final de 1958, Lygia Clark sugeriu que o grupo do Rio fizesse uma exposição de seus trabalhos mais recentes e que eu escrevesse o texto de apresentação da mostra. Aceitei a proposta, mas para isso teria que conhecer os trabalhos a serem expostos.

Pois bem, depois que os vi, convenci-me de que o que fazíamos – tanto os artistas plásticos como os poetas– já não se identificava com o concretismo; era outra coisa. Pedi, então, uma reunião do grupo e sugeri que passássemos a nos definir como "neoconcretos" e que, em vez da apresentação, escreveria um manifesto lançando a nova tendência.

Assim foi que, meses depois, em março de 1959, abria-se, no Museu de Arte Moderna do Rio, a primeira exposição neoconcreta. Como se vê, o neoconcretismo surgiu do modo próprio como o grupo do Rio desenvolvia suas experiências.

Outro aspecto a ressaltar é que o manifesto neoconcreto, ao contrário dos demais, não prometia nada, não profetizava o futuro, apenas procurava definir o que de novo surgira do trabalho de seus integrantes. Noutras palavras, tanto os artistas plásticos quanto os poetas não partiam de teorias para realizar suas obras; partiam da própria experiência, do que descobriam em seu trabalho criativo.

Mário Pedrosa não participou de nada disso, pois não estava no Brasil. Ganhara, em 1958, uma bolsa da Unesco para estudar arte japonesa no Japão e lá ficou até meados de 1959. De volta ao Rio, brincou: "Vocês me deram o golpe. Esperaram eu viajar para sepultar o concretismo". E eu lhe respondi: "Quem mandou você ir para o Japão?"

E rimos os dois, nos divertindo com a brincadeira.

Beth Carvalho - Lama nas ruas

Affonso Romano de Sant'Anna - A implosão da mentira

Fragmento 1

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

Fragmento 2

Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.

Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre. Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial?mente,
mente partidária?mente,
mente incivil?mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
—diária/mente.

Fragmento 3

Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval/mente.
Por isto, desta vez, não é Galileu
quem mente.
mas o tribunal que o julga
herege/mente.
Mentem como se Colombo partindo
do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente.

Mentem desde Cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.

Fragmento 4

Tanta mentira assim industriada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que absorve a vida indiferente.

Penso nos animais que nunca mentem.
mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.
Penso nas flores
cuja verdade das cores escorre no mel
silvestremente.

Penso no sol que morre diariamente
jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.

Fragmento 5

Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade.

E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva.

sábado, 26 de setembro de 2015

Opinião do dia – Roberto Freire

Enquanto o governo de Dilma Rousseff demonstra não ter outra preocupação além de evitar a abertura de um processo de impeachment no Congresso Nacional, os brasileiros assistem ao definhamento de nossa economia e veem importantes conquistas obtidas pelo Plano Real nas últimas duas décadas serem ameaçadas pelo lulopetismo.
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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS. ‘A urgência do impeachment’ – Diário do Poder, 24 de setembro de 2015.

Janot defende depoimento de Lula na Lava-Jato

Janot pede ao Supremo que Lula seja ouvido pela PF na Operação Lava Jato

• Procurador-Geral dá aval a delegado da Polícia Federal que solicitou ao STF autorização para interrogar o ex-presidente, na condição de testemunha, dentro da investigação sobre esquema de desvios de recursos e pagamentos de propinas na Petrobrás

Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou nesta sexta-feira, 25, um parecer ao Supremo Tribunal Federal no qual recomenda ao relator das investigações da Lava Jato na Corte, ministro Teori Zavascki, que aceite o pedido da Polícia Federal para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato.

Se Zavascki autorizar o depoimento, Lula será ouvido como testemunha no inquérito que apura a formação de uma organização criminosa para praticar os atos de corrupção e desvios de recurso na Petrobrás.

No dia 11 deste mês, o delegado da PF Josélio Sousa solicitou ao STF a autorização para ouvir Lula, além dos ex-ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Ideli Salvatti, titular de Relações Institucionais de Dilma Rousseff. O pedido, no entanto, necessitava do parecer de Janot antes de ser analisado pelo Supremo.

Janot opinou a favor de todos os depoimentos solicitados pela Polícia Federal. No parecer, ele destaca que o ex-presidente será ouvido como testemunha, não como investigado. Segundo ele, até o momento não há o que “justifique” a ampliação da lista de investigados perante o Supremo.

“Quanto aos novos nomes indicados pela autoridade policial, não há nada de objetivo até o presente momento que justifique uma ampliação, perante o STF, do escopo de pessoas investigadas. Isso não impede, entretanto, que as pessoas mencionadas pela Polícia Federal sejam ouvidas no presente inquérito, por ora, como testemunhas”, afirmou Janot.

De forma cuidadosa, o parecer aponta que os nomes mencionados pela Polícia Federal não são investigados, mas ressalta que a competência do Supremo em matéria criminal é “excepcional”, apenas para casos com foro privilegiado. A frase sugere que, se autoridade sem foro – caso do ex-presidente – for investigada, o inquérito deve tramitar na primeira instância, em regra.

Em segundo lugar, diz Janot, “há investigações em curso no primeiro grau de jurisdição envolvendo fatos correlatos ao tratado no primeiro inquérito”. Para que os nomes apontados pela Polícia Federal passem de testemunha para investigados, disse Janot, “é necessário que a autoridade policial aponte objetivamente o fato a ensejar a mudança do status, o que será oportunamente avaliado”.

No ofício da Polícia Federal, o delegado aponta que indícios devem ser buscados para identificar eventuais vantagens pessoais recebidas pelo então presidente, como atos de governo que “possibilitaram que o esquema” fosse mantido. “A investigação não pode se furtar de trazer à luz da apuração dos fatos a pessoa do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, na condição de mandatário máximo do País, pode ter sido beneficiado pelo esquema em curso na Petrobrás, obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal”, afirmou o delegado da PF.

Apesar de não existir uma investigação formal contra Lula, o nome do ex-presidente já foi citado no escopo da Lava Jato em conversas interceptadas pela Polícia Federal. Relatórios também mostraram que o Instituto Lula, mantido pelo ex-presidente, recebeu doações de empreiteiras envolvidas no esquema de desvios e corrupção na Petrobrás.

Dilma. No mesmo ofício, a Polícia Federal apontou que a presidente Dilma Rousseff não pode ser investigada por uma vedação prevista na Constituição, segundo a qual presidentes da República não podem ser responsabilizados por atos estranhos às funções enquanto estão no exercício do mandato. Ontem, o PSDB recorreu ao Supremo para tentar abrir uma investigação sobre Dilma.
Por meio do Instituto Lula, o ex-presidente afirmou que não iria comentar a decisão do procurador-geral porque não havia sido notificado oficialmente.

Janot defende que Lula seja ouvido na Operação Lava Jato

• Decisão final será do ministro do STF Teori Zavascki; tendência é de que ele acolha a manifestação do procurador-geral

Janot quer que PF ouça Lula sobre Lava Jato

• Decisão final será do ministro do STF Teori Zavascki; tendência é de que ele acolha a manifestação do procurador-geral

• Procuradoria no DF pediu arquivamento da última investigação em curso envolvendo Lula e o caso do mensalão

Márcio Falcão, Gabriel Mascarenhas e Reynaldo Turrolo Jr. – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em parecer enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou nesta sexta-feira (25) a favor de que o tribunal autorize a Polícia Federal a ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na condição de testemunha, em inquérito que investiga políticos com mandato no esquema de corrupção da Petrobras.

A decisão final será do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato. A tendência é de que ele acolha a manifestação da Procuradoria.

No documento, o procurador-geral destaca que não há elementos objetivos para incluir o petista como investigado na Lava Jato e que as apurações de pessoas sem prerrogativa de foro, como é o caso do ex-presidente, ocorrem na primeira instância, sendo concentradas na Justiça do Paraná.

Janot também se manifestou a favor de que sejam ouvidos como testemunha o presidente do PT, Rui Falcão, José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli, ambos ex-presidentes da Petrobras, José Filippi Jr., ex-tesoureiro das campanhas de Lula e Dilma, e os ex-ministros Ideli Salvatti, Gilberto Carvalho e José Dirceu.

O depoimento de Lula foi pedido pelo delegado da Polícia Federal Josélio Azevedo de Sousa. Em seu relatório, o delegado afirma que, apesar de não haver provas do envolvimento direto de Lula, a investigação "não pode se furtar" a apurar se o ex-presidente foi ou não beneficiado pelo esquema na Petrobras.

O delegado cita que o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa "presumem que o ex-presidente tivesse conhecimento do esquema de corrupção", tendo em vista "as características e a dimensão" do caso. Mas frisa que ambos não dispõem de elementos concretos que impliquem a participação direta do então presidente nos fatos.

Procurado pela Folha, o Instituto Lula afirmou que ainda não teve conhecimento do parecer da Procuradoria e, portanto, não iria se manifestar.

Dilma
Nesta sexta (25), com base no pedido de depoimento de Lula, o PSDB solicitou ao STF que autorize também a investigação de Dilma. O pedido será enviado ao ministro Teori, que pode analisá-lo individualmente ou enviá-lo para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste.

Apesar de não existir nenhuma acusação concreta sobre a suposta participação de Dilma na Lava Jato, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio, alega que a própria condição funcional de Dilma à época dos fatos "a coloca no centro dos fatos criminosos, exigindo, no mínimo, explicações plausíveis e aceitáveis para eventual alegação de que 'nada sabia".

Dilma foi ministra de Minas e Energia da Casa Civil no governo Lula e presidente do Conselho de Administração da Petrobras.

Mensalão
Também nesta sexta-feira (25), a Procuradoria da República no Distrito Federal pediu o arquivamento de um inquérito instaurado para investigar um suposto repasse de US$ 7 milhões da Portugal Telecom para o PT.

O ex-presidente Lula e o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci eram suspeitos de terem participado diretamente da negociação do repasse.

Essa era a última investigação em curso sobre eventual envolvimento de Lula em crimes correlatos ao mensalão.

A apuração foi aberta em 2013, a partir de um depoimento do publicitário Marcos Valério, preso desde novembro daquele ano por ter sido o operador do esquema, no qual ele disse que a transferência em questão foi acertada em uma reunião no Planalto, na presença de Lula e Palocci.

Segundo a Procuradoria, as investigações não conseguiram comprovar o desembolso de valores da empresa em favor do PT. Agora, o arquivamento aguarda análise da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, especializada em casos de lavagem de dinheiro.

Para Janot, Lula deve ser ouvido como testemunha

• PSDB pede que Supremo autorize PF a tomar depoimento de Dilma

Jailton de Carvalho e Carolina Brígido - O Globo

Em parecer para o Supremo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, concordou com o pedido da PF para ouvir o ex-presidente Lula, mas como testemunha. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável ao pedido da Polícia Federal para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no inquérito principal aberto para apurar as fraudes na Petrobras. O procurador sustenta, no entanto, que o ex-presidente deve ser ouvido na condição de testemunha, e não na de investigado, como queria a PF. Para Janot, ainda não há dado objetivo que justifique a inclusão de Lula no rol dos investigados.

Em relatório enviado ao STF, a PF alegou que Lula pode ter sido beneficiado de esquema de corrupção na Petrobras. Os policiais pediram autorização ao STF para investigar supostos benefícios pessoais auferidos pelo ex-presidente a partir dos desvios de verbas na estatal.

Ontem, o PSDB pediu ao STF que autorize a PF a investigar a presidente Dilma Rousseff e a ouvir o depoimento dela sobre o esquema de corrupção na Petrobras. O pedido foi feito ao relator dos inquéritos da LavaJato, ministro Teori Zavascki. A ação tem como base o pedido da PF para ouvir Lula. Se Teori Zavascki concordar com o pedido, caberá a Rodrigo Janot decidir se Dilma deve ou não ser alvo das apurações.

“Como ressaltado pelo próprio delegado Josélio Azevedo de Souza, as mesmas condições de participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se aplicam à presidente Dilma”, diz o PSDB na petição enviada ao STF. No entanto, a PF já explicou que Dilma não pode ser investigada por conta do artigo 86 da Constituição, segundo o qual “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

À oposição, Cunha diz que não dará andamento a impeachment

• Parlamentares esperam resposta para apresentar recurso contra decisão

André de Souza - O Globo

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), avisou ontem a integrantes da oposição que não deverá dar prosseguimento aos pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Caso isso se confirme, os defensores do impeachment deverão apresentar um recurso contra a decisão de Cunha.

Publicamente, no entanto, o presidente da Câmara negou já ter tomado uma decisão. Questionado sobre o assunto ontem em Goiânia, após participar de um fórum sobre Segurança Pública, ele respondeu:

— A mim, cabe despachar o juízo de admissibilidade. E esse juízo dos (pedidos de impeachment) que tem lá, eu vou despachar no seu tempo devido, de acordo com meu juízo decisório. Se eu tivesse decidido, já teria feito.

Se Cunha rejeitar de fato os pedidos, um deputado de oposição deve recorrer para que a decisão seja tomada pelo plenário. Em caso de maioria simples pela aceitação do pedido de impeachment, a denúncia prosseguiria, com comissão especial eleita em plenário.

Depois, dois terços da Câmara — 342 deputados — precisariam aprovar o impeachment, o que já levaria ao afastamento de Dilma. Em seguida, o processo seguiria ao Senado, onde também são necessários dois terços — 54 senadores — para aprovar o impedimento. 

Propaganda de Temer surpreende governo

• Tom de 'ultimato' do programa do PMDB exibido em rádio e TV deixa o Palácio do Planalto sob alerta

Vera Rosa , Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo se surpreendeu com o tom de ultimato dado pelo programa do PMDB, exibido em rede nacional de rádio e TV, na quinta-feira. No momento em que a presidente Dilma Rousseff negocia a ampliação da influência do PMDB na equipe, o partido diz que o Brasil não aguenta mais o aumento da carga tributária e afirma ser preciso apontar um rumo para o País não ficar "à deriva".

A propaganda foi ao ar quase duas horas depois do embarque de Dilma para Nova York, onde ela vai participar da Assembleia Geral da ONU. Em conversas reservadas, dois ministros do PT avaliaram que o vice-presidente Michel Temer apareceu no programa como uma alternativa para assumir o poder, em caso de impeachment de Dilma.

Sob o mote "É hora de reunificar os sonhos", a peça teve Temer como personagem central. Na tela, ministros, governadores, senadores e deputados do PMDB se revezaram em críticas ao governo e à falta de "propostas claras". A gravidade da crise política e econômica foi o pano de fundo.

Presidente do PMDB, Temer adotou a linha de estadista. "Na minha trajetória, como cidadão e homem público, já vivi e convivi com situações muito mais difíceis do que passamos agora", disse ele. "Vamos vencer esta batalha". Em agosto, Temer afirmou que o País precisava de alguém para "reunificar a todos". Depois, admitiu que se Dilma continuasse com a popularidade tão baixa, não resistiria até 2018.

Mesmo sem citar diretamente o pacote fiscal, a propaganda do PMDB fez uma constatação que provocou desconforto no governo. "Um Brasil que se dizia tão gentil com os seus filhos de repente resolve cobrar a conta. Isso dói", comentou a apresentadora.

Convenção. Dilma não viu o programa, mas foi informada sobre o seu teor. Para o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), o Planalto precisa ficar sob alerta. Em novembro, o PMDB fará uma convenção e há correntes que pregam a saída do governo. Um dos defensores da ideia é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

"Eu não acredito que o PMDB desembarque. É um partido fundamental para a governabilidade, mas não podemos negar que foram muitas as mensagens do programa de TV. E, para bom entendedor...", observou Delcídio.

Chamou a atenção do Planalto, ainda, o fato de a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, não ter participado do programa. Cristã nova no PMDB, Kátia é muito próxima de Dilma e tem reforçado as articulações políticas para reaproximar o partido do governo.

"Ela não quis gravar", disse o marqueteiro Elsinho Mouco, ao admitir que a
amizade com a presidente pode ter pesado na decisão. Mouco contou que a deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA) foi quem gravou a passagem prevista para Kátia. Procurada, a ministra preferiu não se manifestar.

Dirigentes do PMDB disseram ao Estado que o programa teve o objetivo de "falar para o eleitorado" da sigla e indicar caminhos para sair da crise.