domingo, 10 de janeiro de 2016

Picciani é o mais cotado para liderança na Câmara

• Ala anti-Dilma do PMDB terá dificuldades em eleição de fevereiro

Júnia Gama - O Globo

A ala peemedebista que faz oposição ao governo Dilma Rousseff pode sofrer uma derrota na volta do recesso do Legislativo, em fevereiro, quando será escolhido o novo líder do partido na Câmara. Depois de uma operação que tirou o cargo de Leonardo Picciani (PMDB-RJ) durante uma semana, levando Leonardo Quintão (PMDB-MG) à liderança do partido — com as bênçãos do vice-presidente Michel Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) —, os dissidentes no PMDB enfrentam dificuldades para encontrar um nome de consenso para o posto.

O Palácio do Planalto, por considerar o posto estratégico no enfrentamento do impeachment e de outras batalhas no Congresso este ano, trabalha nos bastidores para manter Picciani, um aliado que defende uma posição clara contra o afastamento da presidente. A avaliação no governo é que, com o esfriamento do apelo pelo afastamento da presidente Dilma e sem um candidato forte para antagonizar com Picciani, sua recondução ao cargo se torne cada vez mais provável.

Há também uma análise no núcleo palaciano de que Michel Temer não deverá entrar de cabeça para eleger um antigovernista para a liderança, já que ele próprio está em busca de votos para se reeleger à presidência nacional do PMDB e um embate com o diretório do Rio de Janeiro poderia dificultar a empreitada.

Já o grupo dissidente, embalado por Eduardo Cunha, quer emplacar um nome de Minas Gerais que não esteja comprometido com o governo e possibilite um número maior de votos pró-impeachment no PMDB. A expectativa na semana passada era que os dissidentes conseguissem fechar um consenso na bancada mineira, o que acabou não ocorrendo. O deputado Newton Cardoso Junior (PMDB-MG) tem trabalhado para viabilizar seu nome na liderança e se reuniu nos últimos dias com Cunha e com Temer. Mas Newton tem tido dificuldades na bancada mineira para obter apoio, já que a ala ligada a Leonardo Quintão ainda quer para levá-lo ao posto.

Novas reuniões estão marcadas para esta semana. Deputados de outros estados passaram a ser cogitados para a disputa, mas o grupo anti-Dilma já admite, reservadamente, que ficou enfraquecida a possibilidade de derrotar Picciani. Com isso, tentarão inviabilizar a recondução do líder alegando que isto só poderá ocorrer se ele obtiver dois terços dos votos. Esse discurso já foi citado por Eduardo Cunha ao GLOBO e vem sendo repetido pelos dissidentes.

Temer pede a deputados que baixem as armas


  • Vice inicia reaproximação com o líder Picciani, que Cunha tentou derrubar

- O Globo

Ciente da insatisfação dos caciques do Senado, o vice-presidente Michel Temer voltou a dedicar sua atenção para onde sempre teve seu lastro político: a Câmara. Na última semana, Temer pediu a deputados que baixem as armas em relação à disputa pela liderança e “deixem a poeira baixar para enxergar o horizonte”. O vice também telefonou para os principais caciques do partido — inclusive os do Senado — pedindo que tentem um acordo até a convenção de março.

O vice-presidente iniciou, inclusive, uma reaproximação com o líder do PMDB na Casa, Leonardo Picciani (RJ), que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tentou derrubar. Mas alguns peemedebistas duvidam que o pai de Leonardo, Jorge Picciani, que controla o PMDB do Rio, “perdoaria” a manobra contra seu filho, que chegou a ser destituído da liderança e depois a reassumiu.

Aliados de Temer alardeiam, no entanto, que ele tem o apoio do prefeito do Rio, Eduardo Paes, do governador Luiz Fernando Pezão e do ex-governador Sérgio Cabral.

— O general do Michel é o Eduardo Cunha, que ainda tem o controle de parte da bancada — diz um peemedebista.

Perda de diretórios
Esta semana, Temer se encontrou até com o ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, no que foi visto como uma tentativa do governo de superar o malestar do fim do ano.

— Ele quer fazer as pazes com todo mundo — disse um interlocutor de Dilma.

Senadores, no entanto, dizem que Michel está muito fragilizado com a perda de apoio de diretórios importantes, como os de Rio, Paraná, Ceará, Amazonas, Maranhão, Alagoas, Pará, Paraíba, Tocantins, Roraima, Rondônia, Sergipe e Pernambuco. Para completar, Santa Catarina e Minas Gerais estariam divididos. Os peemedebistas do Senado dizem que Padilha e o ex-ministro Moreira Franco, outro braço-direito de Temer, não têm votos e nem a simpatia do partido. Mas aliados do vice minimizam:

— Daqui até março duas palavras vão ditar o quadro: LavaJato. Não estou falando de ninguém que está sendo investigado ou que será candidato. Em tempo de Lava-Jato, é tempo de mergulhar e todo mundo só vai falar de unidade. Então isso aí vai ser levado em banho-maria. Antes de março ainda tem janeiro e fevereiro. Tem que conversar, conversar e, na hora de assinar o contrato, vai depender da Lava-jato, que vai influenciar o ambiente político dentro e fora do PMDB — disse o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

Temer põe ‘pé na estrada’ pelo controle do PMDB

• Vice vai iniciar giro pelo País para tentar consolidar apoio para sua recondução ao comando do partido e impedir movimentações de grupo de Renan

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com mapa dos representantes do PMDB que têm poder de voto nas mãos, o vice-presidente da República, Michel Temer, iniciará no fim deste mês um giro pelo País na tentativa de consolidar apoio a sua recondução ao comando da legenda e de impedir as movimentações do grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Segundo apurou o Estado, o vice tem hoje o apoio de cerca de 60% do partido. Com o receio de ter a liderança partidária posta em xeque e diante da proximidade da Convenção Nacional da legenda, prevista para março, Temer montou um grupo específico para cuidar da sua campanha, que contará com a participação do presidente da Fundação Ulisses Guimarães, Moreira Franco, e do ex-ministro Eliseu Padilha.

O tour deve começar pela Região Sul, onde historicamente o vice detém maior número de apoio. A princípio, as viagens serão feitas com recursos da legenda. Segundo o secretário-geral do PMDB, deputado Mauro Lopes (MG), além das visitas às principais capitais do País, a campanha também deve contar com uma estrutura de call center para efetivar contatos com representantes do partido nas cidades em que Temer não puder visitar. De acordo com um aliado, Temer vai procurar delegados da sigla para saber o que eles acham da direção atual e até encomendou pesquisas.

A decisão de Temer pelo início da campanha ocorre de olho nas sinalizações de que o grupo liderado pelo senador Renan Calheiros lançará um candidato para disputar o comando da cúpula da legenda. Entre os nomes cotados está o do senador Romero Jucá (RR).

Rio. No tabuleiro da batalha interna, os dois lados disputarão os votos dos representantes do Rio de Janeiro, Estado que conta com o maior número de delegados na convenção. No cenário atual, Temer está em desvantagem na corrida pelos votos dos peemedebistas fluminenses. Lideranças do PMDB do Estado ressaltam que não ficou no esquecimento a manobra do vice, realizada no fim do ano passado, para tentar tirar o deputado Leonardo Picciani (RJ) da liderança da bancada da Câmara. Segundo integrantes da legenda, se houver disputa na convenção, o Rio irá apoiar o movimento liderado por Renan.

Com receio de haver um acirramento na disputa pelo comando do PMDB, Temer passou a adotar, nesta primeira semana do ano, um discurso de “unidade” e “harmonia”. “Ele vai pregar a unidade partidária ressaltando que o PMDB é o maior partido do Brasil se estiver junto, se estiver desunido não vai ter peso para bancar a posição de ser uma alternativa ao PT e ao PSDB em 2018”, afirmou o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), aliado do vice.

A passagem de Temer pelos diretórios estaduais também servirá para ele ouvir a sigla a respeito de um possível desembarque do governo. “Ele não vai tocar no tema, mas é óbvio que essa questão vai entrar nas discussões, os companheiros vão se colocar”, disse Darcísio Perondi (PMDB-RS).

Após apoiar Aécio, família Picciani se une por Dilma

• Com patrimônio declarado de R$ 27 milhões, Jorge, Leonardo e Rafael pregam ‘coerência'

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

RIO - Na eleição municipal de 1985, Jorge Picciani, morador da periferia carioca, formado em contabilidade e estatística e produtor rural em uma fazenda no interior do Estado, decidiu entrar para a política. Filiou-se ao PSB e foi às ruas fazer campanha para o ex-deputado Marcelo Cerqueira, que disputava a prefeitura, e para o jornalista João Saldanha (PCB), candidato a vice. Picciani tinha um filho de cinco anos, Leonardo, outro de três, Felipe, e Rafael estava a caminho. Cerqueira não foi eleito, mas o novato militante gostou da experiência.

Passados 30 anos, Jorge, de 60, foi eleito seis vezes deputado estadual, é presidente do PMDB-RJ e da Assembleia Legislativa. Leonardo, aos 36, cumpre o quarto mandato de deputado federal. Rafael, de 29, é deputado estadual como o pai, licenciado para ocupar a secretaria de Transportes da capital fluminense. Felipe, de 34, cuida dos negócios da família. Em 2011, nasceu o caçula Arthur.

Paralelamente à trajetória política, Picciani construiu um patrimônio que, da pequena fazenda em Rio das Flores (RJ), transformou-se em um conglomerado pecuário, especializado em genética bovina. De 2011 em diante, os negócios foram ampliados para setor de mineração. Os três políticos da família somavam, em 2014, um patrimônio de R$ 27,431 milhões, a maior parte proveniente da holding Agrobilara, que tem como nome fantasia Grupo Monte Verde, do qual Jorge Picciani é presidente. As informações estão na declaração de bens enviada à Justiça Eleitoral.

Conhecida na política fluminense, sob a liderança do patriarca Jorge, a família Picciani ganhou destaque nacional em meados do ano passado, quando se aproximou da presidente Dilma Rousseff e reforçou o movimento contra o impeachment. Com o governador Luiz Fernando Pezão e o prefeito Eduardo Paes, Picciani pai fez do diretório estadual o principal esteio de Dilma no PMDB.

Líder do PMDB na Câmara, Leonardo foi destituído no início de dezembro e reconduzido uma semana depois, com a ajuda do governo e de Pezão e Paes, que liberaram secretários para assumir vagas na Câmara e reforçar o grupo pró-Picciani. Em fevereiro, o líder tentará a reeleição com uma bancada dividida entre governistas, aliados de Picciani, e oposicionistas, próximos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do vice-presidente Michel Temer.

A recondução de Leonardo será uma vitória do governo e manterá os Picciani em papel de destaque na articulação contra o impeachment. Caso contrário, Leonardo estará em minoria na bancada de 66 deputados e perderá influência na condução do processo. Jorge Picciani afirma que a liderança do PMDB não é questão de vida ou morte. “O fundamental é manter a coerência. Nossa posição contra o impeachment não vai mudar”, disse.

A incerteza sobre o futuro da liderança não afasta a decisão de que, independentemente do resultado, o clã Picciani estará unido em defesa de Dilma, assim como esteve afinado, em 2014, na campanha do tucano Aécio Neves para presidente. E, no início do ano passado, trabalhou pela eleição de Cunha para o comando da Câmara.

Encerradas as eleições, Picciani criticou o PSDB pelo processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que questionava a lisura do pleito e também reprovou o movimento de Aécio e dos tucanos em defesa do impeachment. “Quando a eleição acaba, o resultado tem que ser respeitado”, sustenta. A aliança com o PSDB no plano nacional foi um ponto fora da curva das alianças da família, que apoiou Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e 2006 e Dilma em 2010, quando Jorge Picciani foi candidato ao Senado. Embora fizesse parte da chapa de Dilma, Picciani não teve apoio de grande parte dos petistas, que se dedicaram apenas à campanha de Lindbergh Farias (PT), que acabou eleito.

Aezão. Quatro anos depois, Picciani liderou a dissidência do PMDB e criou o movimento Aezão, que unia Aécio Neves e Pezão. O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, presidente do PSDB da capital, destacou que, embora a campanha de Aécio ganhasse com a aliança, o PMDB do Rio também foi favorecido na campanha de Pezão.

Depois disso, na visão do deputado federal Otávio Leite, presidente do PSDB fluminense, sob a liderança de Picciani, o PMDB do Rio, com exceção de Eduardo Cunha, assumiu uma “face petista”. “Os principais líderes do PMDB do Rio são mais Dilma do que setores do próprio PT. É típico do PMDB estar à sombra do poder”, afirmou.

A deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ) endossa a associação dos Picciani com o pragmatismo. Representante de outro clã da política fluminense, a parlamentar diz que o crescimento do PMDB do Rio deu-se com a filiação de seu pai, Anthony, e da mãe, Rosinha, após as eleições de 2002. O rompimento foi após a campanha que elegeu Sérgio Cabral governador em 2006. “A tática de rachar é típica do Picciani”, disse.

Em relação a Cunha, o afastamento da família Picciani começou em julho passado, quando o presidente da Câmara anunciou o rompimento com o governo. A relação azedou de vez quando ele ajudou a derrubar Leonardo da liderança da bancada. Agora, o clã tem relação apenas protocolar com Cunha, mas Picciani evita comprar briga em público com o correligionário. “Do ponto de vista pessoal, continuo querendo bem a Eduardo. Me surpreende, sim, do ponto de vista político. Ele poderia ter dado uma grande contribuição ao País na presidência da Câmara.”

Na Assembleia Legislativa do Rio, Picciani tem boa relação com a oposição e ajudou Pezão a aprovar projetos que tentaram aliviar a gravíssima crise econômica do Estado. É aliado do governador, mas critica a gestão de Pezão. No plano federal, repete que faz questão de não indicar nomes ao governo, embora lhe tenha sido oferecido desde 2002. Em vez de nomeações, pediu apoio ao filho na relatoria de projetos importantes na Câmara.

Em 2014, com Jorge e Rafael candidatos à Assembleia, o clã montou uma delicada geografia eleitoral: o pai, que tinha forte votação na capital, abriu espaço para o filho. Resultado: Jorge repetiu a votação de 2006, última vez que havia sido eleito deputado estadual, e o filho, mesmo com menos votos do que em 2010, se reelegeu.

/ Colaboraram Vinicius Neder e Marcio Dolzan

Negócios da família Picciani incluem boi e brita

• Patrimônio é de mais de R$ 27 milhões, segundo as declarações de bens do patriarca, Jorge Picciani, e dos filhos Leonardo e Rafael

Antonio Pita - O Estado de S. Paulo

RIO - De uma fazenda de leite e café no município fluminense de Rio das Flores, na década de 1980, o braço político da família Picciani ergueu um patrimônio de mais de R$ 27 milhões, segundo as declarações de bens do patriarca, Jorge Picciani, e dos filhos Leonardo e Rafael, prestadas à Justiça Eleitoral em 2014. A evolução se deu a partir de 1998, com investimentos em melhoria genética de gado nobre, e a partir de 2011, com a aquisição de participação na mineradora Tamoio, fornecedora de brita para importantes obras da Olimpíada no Rio.

A família tem fazendas no Rio, Minas e Mato Grosso, reunidas na empresa Agrobilara, referência no melhoramento genético das raças nelore e gir leiteiro. As ações do conglomerado representam a principal valorização do patrimônio – de 2006 a 2014, cresceram quase seis vezes, saindo de R$ 6,5 milhões para mais de R$ 24 milhões. Também são sócios da empresa o filho Felipe, que administra os negócios da família, e Márcia, ex-mulher de Picciani, mãe de Leonardo, Felipe e Rafael. Os R$ 27 milhões não incluem bens de Márcia e Felipe.

Bens. Em 2010, o ex-governador Anthony Garotinho (PR), ex-aliado e hoje adversário do clã, questionou o patrimônio da família, pelo fato de as declarações de bens de Leonardo e Rafael informarem o mesmo número de cotas da Abilara (2.020 para cada um), com valores diferentes. As cotas de Rafael valiam R$ 1,7 milhão. As de Leonardo, R$ 712 mil. À Procuradoria Regional Eleitoral, a família informou que Rafael já era sócio da Agrobilara desde 2004, enquanto Leonardo era sócio com o pai de outra empresa, Agrovás, que se incorporou à Agrobilara em 2008. Segundo a família, houve redistribuição de cotas para que todos os sócios tivessem a mesma quantidade, mas com valores patrimoniais diferentes.

Em 2004, a Agrovás, fazenda em São Félix do Araguaia (MT), foi incluída na lista de propriedades com trabalhadores em condições análogas à escravidão, feita pelo Ministério Público do Trabalho. A fiscalização identificou 55 funcionários sem carteira assinada, sendo 14 sem qualquer documentação – entre eles, um adolescente sem acesso a escola.

A família fez um acordo judicial que envolveu o pagamento de R$ 250 mil para financiar iniciativas do Ministério Público do Trabalho voltadas à erradicação do trabalho degradante. Segundo Jorge Picciani, os trabalhadores tinham sido contratados por um empreiteiro para construir 20 casas para funcionários da fazenda. “Nosso erro foi não ter exigido do empreiteiro que todos tivessem carteira de trabalho e que fosse cumprida a legislação trabalhista.”

Derrotado na eleição de 2010 para o Senado, o patriarca assumiu a presidência do PMDB-RJ em 2011 e voltou as atenções para os negócios da família. A Agrobilara adquiriu 35,5% das ações da empresa Tamoio Mineração, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. A empresa fornece brita para as obras do Parque Olímpico e da via expressa BRT Transolímpica, também na zona oeste, executadas por empresas privadas contratadas pela prefeitura. Picciani nega que a proximidade com o prefeito e companheiro de partido Eduardo Paes tenha influenciado na escolha da Tamoio.

Importância no cenário nacional é relativa, avalia pesquisador

• Para Ricardo Ismael, Jorge Picciani tende a continuar no Legislativo estadual, deixando para Leonardo e Rafael candidaturas futuras a prefeito, governador ou senador

O Estado de S. Paulo

Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, a família Picciani se destaca como aliada diante da fragilidade do governo Dilma Rousseff, mas tem importância relativa no cenário nacional. 

“Leonardo Picciani está em Brasília, é líder do PMDB, tem força na circunstância do momento. O Planalto vai fazer de tudo para mantê-lo líder. Leonardo tem a liderança contestada por grande parte do PMDB, mas tem a bênção do Palácio do Planalto e é favorito para se manter líder. Mas, olhando para a frente, isso não vai fazê-lo mais popular no Rio de Janeiro”, diz Ismael.

Segundo o pesquisador, Jorge Picciani tende a continuar no Legislativo estadual, deixando para Leonardo e Rafael candidaturas futuras a prefeito, governador ou senador. “O pai está convencido de que não pode tentar cargo majoritário e agora vai apostar nos filhos. A liderança de Leonardo ainda vai ser testada e Rafael tem muito o que caminhar.”

O PMDB que ainda está com Dilma, na avaliação do professor, deverá se afastar da presidente a partir do ano que vem. Peemedebistas da situação e da oposição defendem candidatura própria para presidente em 2018.

Ferreira Gullar: Um susto

- Folha de S. Paulo

A primeira manhã deste novo ano não foi das melhores para mim. É que minha gata, chamada Gatinha, sumiu.

Moro em Copacabana, a uma quadra e meia da praia e a uma quadra do Copacabana Palace, isto é, não muito longe do palanque e do local onde se realizam os shows do final do ano. Ali se junta uma multidão de espectadores. Não preciso dizer o que acontece à meia-noite do dia 31 de dezembro, quando se deflagra o fulgurante espetáculo da queima de fogos, comemorativo da passagem do ano.

Maravilha! Mas nem tudo é de fato maravilhoso para quem, como eu, mora onde moro.

Mal anoitece e as pessoas, às dezenas, às centenas, começam a passar sob minha janela em direção à praia. E esse número vai crescendo à medida que se aproxima da meia-noite. Já eu, aqui no meu apartamento, mal suportando o calor infernal, não tenho como ir para a casa de alguém, nem ninguém consegue vir para minha casa.

O bairro está praticamente fechado. Cláudia, minha companheira, que mora no Flamengo, não teve como vir até aqui a pé, já que a distância é grande e o calor insuportável. Lamentamos a situação por telefone e decidimos, dentro em breve, mudar de bairros.

Conversa de tempo de crise. A verdade é que minha neta Celeste e seus dois filhos, que já estavam no bairro, vieram para cá e aqui ficaram até pouco antes do foguetório, quando foram para a avenida Atlântica. Eu, que não suporto barulho, fiquei aqui mesmo, vendo o espetáculo pela televisão.

O locutor afirmava que 2 milhões de pessoas ocupavam a praia de Copacabana para assistir à queima de fogos. Exagero. A televisão, anos atrás, afirmava que eram 1 milhão de espectadores; depois, passou para 1 milhão e meio e, nos últimos anos, aumentou para 2 milhões. Mas parece que vai parar por aí porque, senão, em breve haverá mais gente assistindo ao foguetório do que a população da cidade.

É uma mentira sem importância, mas pega mal para um veículo cuja função é informar o público, e não enganá-lo. A consequência foi que, este ano, passaram a afirmar que, no Réveillon de Salvador, havia 1 milhão e meio e, em Fortaleza, 1 milhão...

A verdade é que a avenida Atlântica mede 3.800 metros de extensão, e que a grande concentração de gente é em frente ao Copacabana Palace, onde fica o palco. O resto da avenida tem muito menos gente, dispersa pelas pistas e calçadas próximas aos edifícios. Parte desse espaço é também ocupada por ambulâncias, camburões e mesas e cadeiras dos restaurantes e bares. Pelas contas que fiz, mesmo que toda a avenida estivesse ocupada só por gente, esse total não alcançaria 500 mil pessoas. Quando se sabe que dez Maracanãs lotados somam 750 mil, não há o que discutir.

Mas deixa para lá. O que importa mesmo é que o foguetório deste ano bateu todos os recordes de explosões, atordoando os moradores do bairro, particularmente os que, como eu, residem perto da praia. Na sala, onde fiquei vendo o espetáculo pela televisão, o barulho era suportável, mas quando fui até a área de serviço, nos fundos do apartamento, levei um susto, tal o impacto das explosões que parecia um bombardeio aéreo.

Foi quando entendi por que a gatinha sumira. Se quando soa a campainha da porta ela se assusta e corre para o quarto dos fundos, o que não terá pensado ao ouvir aquelas explosões terríveis?

Coitadinha, pensei comigo. E saí a sua procura. Fui até o meu quarto onde durmo e ela também. Espiei debaixo da cama, ela não estava. Espiei debaixo do guarda-roupa, também não estava lá. Quem sabe ela se escondeu atrás da mesa de cabeceira, ou embaixo da televisão ou...

Não estava em parte alguma. Comecei a ficar grilado. Pode ser que esteja no escritório, pensei, e fui até lá. Também não estava. Por via das dúvidas, procurei-a nos dois outros quartos, onde ela não vai nunca. Nem sinal.

Assustado, voltei para a sala, sentei-me na poltrona e fiquei a pensar. Fugir, não fugiu, porque as portas estavam trancadas. Será que morreu de susto?

Foi então que ela surgiu na sala, soltou um miado e pulou no meu colo, ronronando. Abracei-a, aliviado.

Nazim Hikmet: Hoje é domingo

Hoje é domingo.
Hoje me deixaram ir ao pátio, para o sol,
Pela primeira vez.
Pela primeira vez em minha vida
Eu me choquei ao ver
O céu,
Quão longe está,
E que azul,
Que vasto é.
E lá fiquei a observá-lo,
Imóvel, pasmo.
Depois sentei-me sobre a terra
Com respeito e devoção.
Sentindo contra as costas a parede branca.
Quem quer saber das ondas que anseio por rolar,
Quem quer
Saber das lutas e do amor,
Quem quer
Sentir a liberdade?
Agora,
É só o solo, o sol e eu...
Estranhamente alegre sob o céu.
------------------
Nazim Hikmet (1902-1963), o mais renomado poeta turco.

Teresa Cristina - Corra e Olhe o Céu

sábado, 9 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Ana Maria Machado

Pode-se, por exemplo, debater o parlamentarismo, tema levantado logo no início da crise por Eduardo Jorge, do PV, e, em seguida, mantido em foco por políticos de um espectro variado, de José Serra a Roberto Freire, passando por formas híbridas de semipresidencialismo e semiparlamentarismo, lembradas por outros. Não para mudar as regras no meio do jogo e reduzir os poderes de alguém eleito segundo outro modelo. Mas para o futuro, a fim de que o assunto deixe de ser tabu ou remédio mágico, lembrado apenas quando se evidencia que o sistema de pesos e contrapesos não está funcionando a contento e faz falta a garantia constitucional de uma função moderadora.

E no plano pessoal, em vez de hostilidade e ameaça de olho por olho, ainda é bom ouvir Chico: “Olhos nos olhos quero ver o que você diz”.

------------
Ana Maria Machado é escritora, ‘Olhos nos olhos’, O Globo, 9.1.2016

Cristovam Buarque: Preocupação e esperanças

• Explosão social pode ser percebida na violência urbana

- O Globo

Olhando do início de 2016, a sensação é de caminharmos para uma decadência econômica, uma explosão social, um caos político, uma degradação moral; e duas esperanças.

A decadência econômica se observa na desindustrialização com primarização do PIB; sucessivos anos de recessão; regressão na posição entre os países do mundo; incapacidade de inovação; baixa competitividade; ausência de produtos de alta tecnologia; déficits públicos estruturais crescentes; educação básica deficiente, ensino superior fraco e desvinculado do setor produtivo, sistema nacional de ciência e tecnologia atrasado, empresários com aversão ao risco, sem gosto por inovação, dependente do protecionismo; baixa taxa de poupança, burocratismo, instabilidade jurídica, um sistema previdenciário estruturalmente deficitário e nada incentivador do trabalho; quebra de confiança, leis trabalhistas antiquadas e prejudiciais ao trabalhador contemporâneo. Tudo a indicar muito mais do que uma simples crise que passaria em alguns meses, mas um longo processo de decadência que pode durar muitos anos.

A explosão social pode ser percebida na violência urbana, que já caracteriza uma guerra civil; na desarticulação do sistema de saúde, na insalubridade, da qual o vírus zika é um exemplo dramático, mas não excepcional, na falta de água encanada e esgoto, no descaso com a infância, na baixa escolaridade; na ausência de forças sociais aglutinadoras, na violência contra mulheres e crianças; em uma Constituição com profusão de direitos e ausência de deveres; na generalização do uso de álcool e outras drogas.

O caos político refletido na falta de credibilidade nos poderes Executivo e Legislativo; partidos desmoralizados, sem propostas, sem identidades ideológica e moral entre seus filiados, juventude descrente, sem causa, sem utopias, judicialização e instabilidade legal, falta de espírito público entre os políticos, ausência de patriotismo, corporativização do processo eleitoral e legislativo.

A degradação moral é percebida na generalização da corrupção; nos péssimos exemplos dos líderes; na apologia ao jeitinho; na valorização do individualismo; na legitimação da prática da vantagem a qualquer custo; e no desprezo ao mérito.

A primeira esperança vem da descoberta dos erros cometidos: punição a políticos corruptos; na certeza de que o ilusionismo vinha conduzindo a economia, com jogadas de marketing e contabilidade criativa; na percepção da necessidade do equilíbrio fiscal e de que a dinâmica econômica no século XXI não vem de subsídios fiscais aos setores ineficientes, mas da promoção da eficiência e da inovação. A segunda esperança vem da consciência de que não basta retomar o crescimento, é preciso reorientar o rumo do país para um novo tipo de progresso, baseado, sobretudo, na educação de qualidade para todos.

-------------------
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Igor Gielow: E o ano mal começou

- Folha de S. Paulo

As hostes governistas passaram 2015 tentando vender a falácia segundo a qual não era o Planalto o responsável pela crise em que o país se encontra. Na política, a culpa era da "oposição golpista", do Cunha, dos jornalistas. Na economia, dos efeitos da Lava Jato e do cenário externo desfavorável.

Ao menos na área econômica, houve uma ligeira inflexão a partir das declarações recentes de Dilma Rousseff e de seu novo e a cada dia mais frágil anteparo, Jaques Wagner. Um inespecífico mea-culpa tomou forma, variante pálida da admissão de dolo representada pela quitação das pedaladas fiscais –onde estarão os porta-vozes do indesculpável que as negavam agora?

É pouco, e tardio. Se o ano acabou com alívio para o Planalto, com a momentânea amarração do impeachment pelo Supremo, a sensação que o começo de 2016 transparece é a de exaustão. E a Lava Jato apenas começou sua nova temporada, esbarrando em Wagner de saída.

Se ainda mantém o discurso de vitimização, Dilma tem dado sinais contraditórios ao defender medidas sensatas na economia, como mexer na Previdência. Ela se posiciona como uma mandatária forte em início de gestão, mas é o oposto.

Nenhuma proposta de reforma estrutural no Brasil pode ser comprada pelo valor de face, claro, mas é curioso ver Dilma apostar numa agenda que afronta o que lhe restou de base de apoio no petismo de resultados.
Não é crível ver nisso tudo um aceno ao empresariado, já que mais impostos também estão no pacote. Já a aposta na injeção de crédito na economia parece só uma reprise de filme ruim. Falta credibilidade hoje.

Como tudo pode piorar, a opacidade da ditadura modernete chinesa pode estar a esconder uma hecatombe econômica externa de verdade, dando ao governo motivos para lembrar amargamente do popular dito derivado da psicanálise: "Cuidado com o que você deseja".

Merval Pereira: Mágica ruim

- O Globo

“Estamos na UTI sangrando. E temos uma poupança, as reservas cambiais, que pode estancar o sangramento. Não vamos utilizar esse remédio?”. Com esse raciocínio, que parece óbvio mas é apenas simplista, o governador petista do Piauí, Wellington Dias, dá um reforço político à ideia defendida por Lula, e encampada pelo PT em documento oficial, de o governo Dilma usar parte das reservas cambiais do país para estimular o crescimento econômico.

Pelos cálculos do partido, se o governo recorresse a US$ 130 bilhões dos US$ 368,7 bilhões que o país tinha em 7 de janeiro deste ano, poderia lançar pacote de infraestrutura e investimentos de grande porte, melhoraria a situação fiscal e ainda continuaria com muitos milhões de dólares em reservas.

Dilma rejeita a ideia, assim como o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas a pressão política é forte, e é preciso reafirmar que essa “mágica” simplesmente não existe. Dias tem razão em um ponto, as reservas são como a poupança de uma família. E, como toda família que retira dinheiro da poupança para pagar suas dívidas, também o país aumenta seu risco.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz que esse é um “truque antigo do Delfim Netto (ex-ministro da Fazenda), que usava, sobretudo, os bancos federais para receber dinheiro depositado no exterior e internava os recursos aqui”. Mas é um truque ruim, diz Franco, que explica didaticamente:

“O dinheiro que está lá fora não compra coisas em reais, alguém tem que ter os reais, e quem tem os reais é o Tesouro, é o Banco Central. O BC vende títulos públicos, pega os reais e compra os dólares da reserva. Portanto, aumenta a dívida interna. Mas, para fazer isso, você não precisa usar o dinheiro das reservas”, ironiza o ex-presidente do BC.

Outro economista, Armando Castelar, do Ibre/ FGV, diz que a ideia não faz sentido. “É mais um passe de mágica fiscal que tenta fazer de conta que é possível gastar sem ninguém pagar a conta. Conta que, já aprendemos, ou deveríamos ter aprendido, aparece daqui a pouco”.

Desdobrando o raciocínio de Franco, Castelar lembra que, se o governo vai usar as reservas, vai resgatar esse fundo, transformando-o em dinheiro. “Isso significa vender dólares no mercado local em troca de reais. Dados os valores envolvidos, significa que a curto prazo o real tenderia a se apreciar frente ao dólar (pois aumentariam a oferta de dólares e a demanda por reais), prejudicando as exportações das indústrias”.

Ao mesmo tempo, muita gente iria aproveitar a valorização do real para comprar dólares e colocar seu patrimônio fora. “Essa operação teria implicações diretas sobre o mercado financeiro, pois diminuiria a quantidade de dinheiro (reais) na mão do setor privado, na medida em que esse foi passado para comprar os dólares. Para manter a política monetária, o BC teria de comprar títulos públicos do setor privado e emitir reais, para restabelecer a quantidade de reais na economia”.

O setor privado terá ficado com mais dólares, menos títulos públicos e a mesma quantidade de dinheiro. O BC, com mais títulos públicos e uma dívida maior em dinheiro. O Tesouro, com menos reservas (dólares) e mais dinheiro. O resultado final seria uma queda adicional da confiança, gerando mais queda do PIB e possivelmente mais inflação, analisa Castelar.

De outro lado, vem a questão do que o governo faz com os reais que recebeu em troca das reservas. Se ele “tentar aquecer a economia”, significa que vai usar o dinheiro que, no fim das contas, foi emitido pelo BC para aumentar o gasto público. “Significa expansão fiscal e monetária. Vai totalmente na contramão do que o BC está tentando fazer. Para segurar a inflação, o BC vai provavelmente tentar tirar esse dinheiro, ou pelo menos parte, da economia, vendendo dívida pública no seu portfólio, como fez na virada do ano para enxugar o dinheiro do pagamento das pedaladas. A dívida pública vai aumentar”.

Como a crise é motivada por falta de confiança e credibilidade, o resultado líquido vai ser menor confiança, mais inflação e mais queda do PIB. Afinal de contas, teremos mais dívida pública e mais risco nas contas externas. Armando Castelar ainda ressalta um problema adicional para o Tesouro brasileiro: a exposição cambial, em um momento em que a China desacelera e o Fed (BC dos Estados Unidos) quer subir juros.

Márcia Cavallari Nunes; A caixa de surpresas das eleições municipais

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Em outubro de 2016, os eleitores brasileiros elegerão prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios. Mas, neste ano, a eleição será regida sob novas regras, aprovadas na minirreforma política promulgada em setembro de 2015.

As principais mudanças que impactarão diretamente as campanhas e, consequentemente, as pesquisas eleitorais são: os candidatos serão oficializados em 15 de agosto, não mais no início de julho, como ocorria até 2014; as campanhas eleitorais terão a duração de apenas 45 dias, metade do que era antes; o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV será transmitido durante 35 dias, 10 a menos do que na eleição anterior; o voto será impresso e o eleitor deverá conferi-lo antes de concluir a votação.

Outra mudança é que, desta vez, haverá mais tempo para inserções comerciais do que para o programa eleitoral gratuito, o que pode encarecer as campanhas, que neste ano não terão financiamento de pessoa jurídica.

Além disso, o eleitor está sob o impacto das operações da Polícia Federal, que a cada semana acrescenta novos nomes à lista de envolvidos. Tudo isso sem contar com a crise financeira pela qual passa o país, com inflação alta, desemprego crescendo e sem perspectiva de melhora no curto prazo, segundo as projeções econômicas.

Com tudo isso, a pergunta que fica é: como será que o brasileiro vai votar na próxima eleição?

As pesquisas eleitorais cumprirão o importante papel de acompanhar a movimentação das opiniões dos eleitores ao longo de todo processo eleitoral. Vale sempre lembrar que o objetivo da pesquisa não é o de acertar o resultado da eleição, e sim retratar o presente, e não o futuro, da decisão do eleitor.

Para complicar mais um pouco esse quadro já bastante complexo, ao longo de diversas eleições percebemos que a decisão de voto do eleitor está cada vez mais tardia e também mais volátil, principalmente em se tratando de eleições municipais. Esse processo se dá não por alienação do eleitor, mas sim porque ele espera até o último momento para decidir o seu voto com convicção. O espaço de tempo para a formação das opiniões será bem mais curto, portanto, poderia se imaginar que os atuais prefeitos que concorrerão à reeleição levariam alguma vantagem, mas, em pesquisa nacional recente, observa-se que as avaliações dos prefeitos brasileiros, em média, não estão nada bem.

O saldo do conjunto dos prefeitos é negativo em 12 pontos percentuais (40% dizem que a administração do prefeito de sua cidade é ruim/péssima, 30% a consideram regular e 28% a avaliam como ótima/boa).

Por outro lado, os candidatos menos conhecidos terão mais dificuldades para se apresentar e conquistar o eleitor, em decorrência da curta campanha. Mas não é possível afirmar que os mais conhecidos sairão vencedores, pois há um grande desejo de mudança na forma de se fazer política do país. Pesquisa de dezembro do Ibope Inteligência mostra que a maioria (54%) afirma que votaria com certeza ou poderia votar em um candidato que não tivesse experiência política. Outro dado importante é que 40% declaram que votariam em um prefeito de oposição ao atual; 30% dizem que votariam no atual prefeito ou alguém indicado por ele e o restante se divide entre não votar (16%) e não saber ainda o que fará (15%).

Esses números mostram que as pesquisas serão fundamentais para acompanhar a evolução das opiniões e a possível transformação do eleitor brasileiro, que agora está empoderado. Ainda mais com a ampliação do acesso à internet!

Com poucos recursos financeiros, as campanhas on-line certamente ganharão mais importância. A internet e as redes sociais ainda não são os principais meios de informação que os eleitores utilizam para a tomada de decisão do voto, mas vêm ganhando força. A televisão continua sendo a principal fonte de informação para 51% dos brasileiros, seguida pelas conversas com amigos, parentes e colegas mencionada por 22%. Em outubro de 2008, eram apenas 3% os eleitores que disseram ter usado a internet como fonte de informação sobre as eleições municipais, enquanto hoje 19% mencionam que usarão a internet e as redes sociais para se informar sobre o próximo pleito.

Diante desse quadro, pode-se afirmar que as eleições de 2016 trarão muitas surpresas e viradas de última hora!
--------------
Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope Inteligência

Míriam Leitão: Número de um fracasso

- O Globo

Um número resume o fracasso do atual governo: 10,67%. Essa foi a inflação brasileira de 2015. Não é resultado do que se fez no ano passado, mas sim dos erros, vacilações, distorções do pensamento econômico e energético da presidente Dilma. Ela compartilha com o PT convicções que demonstram desprezo pela estabilidade. O Banco Central teve que escrever uma carta se explicando.

Oregime de metas de inflação tem rituais, e um deles é o Banco Central escrever uma carta ao Ministério da Fazenda explicando por que a inflação estourou o teto da meta. No caso atual, foi além até dos 10%. Deveria ser obrigado também que a presidente da República se explicasse. Dilma tomou decisões que levaram a esse resultado. O número pertence principalmente a ela.

Os economistas estão prevendo a queda da inflação ao longo deste ano. Esquadrinham cada número, de cada mês, pensam nas probabilidades de chover ou não, de cair o consumo por causa da recessão, noves fora o impacto de alta do câmbio. A chance maior é de o índice cair um pouco e terminar o ano de novo acima do teto da meta, no patamar de 7%. É alto, mas este é o cenário benigno.

Temores rondam os conhecedores da dinâmica da economia brasileira. O PT aumentou a indexação e elevou o percentual do dinheiro em circulação que está fora do alcance da política monetária, através dos empréstimos subsidiados ao capital. Isso faz com que o remédio amargo dos juros tenha efeito menor. O temor é o de que a inflação suba mais, pelos sinais de hesitação dados pelo governo. No fundo, pode haver até uma torcida por isso.

A inflação reduz a crise fiscal quando ela é grande demais e o governo não sabe como resolver o problema. É a pior forma de ajuste e a mais perigosa. Normalmente, é usada por incompetentes. Funciona assim: todos os custos governamentais não indexados caem pela corrosão inflacionária, e a dívida pré-fixada diminui também. O governo deixa a inflação fazer o trabalho sujo. Esse caminho é a véspera do desastre maior, que é a escalada dos preços.

Quem não entende os erros que cometeu não os corrigirá. Veja-se a patética entrevista da presidente Dilma Roussef. Ela não consegue dizer em que errou. Terceiriza a culpa. Alega que seu erro foi não ter visto que a crise externa era mais grave e não ter notado que a seca era forte demais. Tergiversações.

O que se abateu sobre o país foi o peso dos erros do governo Dilma: pedaladas, nova matriz, gastos excessivos, leniência com inflação, manipulação de preços. O mundo teve pouco a ver com isso. Durante a campanha, todos os bons jornalistas que a entrevistaram falaram sobre a gravidade da crise, que ela fingia não ver. A seca foi forte, sim, mas o que elevou a tarifa da energia foi a administração da política do setor. Ex-ministra da área, suposta especialista, Dilma reduziu os preços em ato de preparação da campanha eleitoral quando a seca já havia começado. Administrou mal os leilões, e as distribuidoras ficaram expostas e tiveram que comprar no mercado livre. O incentivo na hora errada e a barbeiragem nos leilões de oferta alimentaram a bola de neve de prejuízos das empresas. Aí o governo fez outro absurdo: mandou as distribuidoras pegarem empréstimos bancários e cobrarem o custo do crédito e dos juros dos consumidores na conta de 2015. Isso produziu o tarifaço que explica parte do estouro da inflação. Mas Dilma quer fixar a ideia de que foi apenas a seca. Culpa do imponderável, e não dela.

Há erros factuais e ideológicos no número 10,67%. Ele é pior porque castiga o Brasil em plena recessão. Normalmente, a frieza de um ambiente recessivo até impede a alta dos preços, mas o governo Dilma conseguiu servir esses dois purgantes ao país: inflação acima de 10% e PIB caindo quase 4%. Os erros factuais são os dos equívocos das decisões diárias, os ideológicos são mais profundos e nascem do conjunto de crenças do PT.

O partido não participou do esforço do país para estabilizar a economia e tentou sabotá-lo porque jamais entendeu o valor da estabilização. Esse ideário é que produz os monstrengos que foram inflacionando a economia. Esse resultado pertence ao PT e é responsabilidade de Dilma Rousseff. Contudo, é sobre o país como um todo que pesa esse número do fracasso.

Ribamar Oliveira: Há 30 anos, primeiro plano heterodoxo atacava inflação

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Lançado no dia 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado foi uma surpresa para a população brasileira. Da noite para o dia, a inflação galopante acabou. Os preços de bens e serviços foram congelados e quem tentasse fazer remarcação dos produtos seria preso. Houve euforia nas ruas e os inesquecíveis "fiscais do Sarney" chegaram a fechar supermercados em nome do então presidente da República. Aquilo parecia um sonho! Como ninguém tinha pensado nisso antes?, perguntavam-se os brasileiros de todas as faixas sociais e, principalmente, os líderes dos partidos de oposição.

O ex-presidente José Sarney, que enfrentava greves e séria crise política, com os partidos de sua base de sustentação ameaçando abandoná-lo, tornou-se, com o Plano Cruzado, um líder popular a quem todos queriam apoiar. Sua popularidade alcançou 90% de aprovação, de acordo com pesquisas divulgadas à época. Com o Cruzado, as pessoas não precisavam mais correr aos supermercados assim que recebiam os seus salários para comprar mercadorias antes que subissem de preço. Havia funcionários que atuavam initerruptamente com as máquinas de remarcar preços. Na espiral inflacionária, se o consumidor demorasse um dia a mais para fazer suas compras, o seu salário real seria menor e ele compraria menos.

É uma realidade difícil de ser entendida pelas novas gerações. Em novembro de 1985, a inflação tinha sido de 15%, em janeiro de 1986, de 17,8% e, no mês em que foi lançado o Plano Cruzado, bateu em 22,4%. Note o leitor: essas taxas de inflação eram ao mês! O país estava caminhando a passos largos, portanto, para a hiperinflação. Com a ajuda de jovens economistas, entre eles João Sayad, Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida, o então ministro da Fazenda Dilson Funaro colocou em marcha um tipo novo de plano de estabilização.

Até então, o receituário para combater a inflação alta era um rígido controle monetário e fiscal, que resultava em recessão econômica e desemprego. O Cruzado foi o primeiro choque econômico heterodoxo no Brasil - ou seja, não seguia o roteiro ortodoxo. A população ficou encantada: por um passe de mágica, a inflação estava eliminada! O pressuposto do programa era que o Brasil tinha cultura inflacionária, que foi alimentada durante décadas por mecanismos de indexação. Todos queriam proteger suas rendas. Para isso, os salários e os preços de bens e serviços eram corrigidos periodicamente com base em índices de inflação. Assim, a indexação terminava perpetuando a inflação.

Era necessário desmontar os mecanismos de indexação para derrotar a inflação, argumentaram os jovens economistas que auxiliaram Funaro. Para isso, uma das medidas do programa foi o congelamento dos preços de bens e serviços pelo prazo de um ano. Os salários foram congelados pela média de seu valor dos últimos seis meses. O congelamento atingiu também a taxa de câmbio. Para simbolizar o fim da indexação, o governo acabou com a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), que deu lugar à OTN, sem correção monetária. No início, o governo concedeu abono ao salário mínimo, que significou aumento real de 16%, e abono aos servidores, que assim tiveram reajuste real de 8%. Essas medidas aumentaram o consumo, que já estava pressionado pelo ganho real dos trabalhadores provocado pelo fim da inflação.

O congelamento provocou desequilíbrio dos preços relativos da economia, pois muitos produtos foram pegos no momento em que acabavam de ter seus preços reajustados e outros ainda não tinham sofrido aumento. Além disso, o governo esqueceu de trazer a valor presente os preços de produtos vendidos a prazo. Por isso, alguns deles tiveram aumentos reais muito elevados. O desequilíbrio de preços paralisou a produção. Com o câmbio congelado, as reservas internacionais do país começaram a sumir. O governo Sarney também não conseguiu controlar os gastos públicos.

A forte elevação do consumo e a incapacidade dos empresários de aumentar a produção no curto prazo para atender à demanda levaram ao ágio, ao desabastecimento e a atitudes bizarras do governo, como a decisão de colocar a Polícia Federal para pegar bois no pasto e, desta forma, garantir carne para a população. Por razões eleitorais, os ajustes no Cruzado foram sendo adiados para depois da eleição daquele ano, em que o PMDB elegeu 22 governadores. Passado o pleito, os preços foram descongelados, as tarifas públicas reajustadas e alguns impostos elevados. Revoltada, a população partiu para o quebra-quebra. Após os ajustes no plano, a inflação voltou de forma ainda mais agressiva. Mas o conhecimento adquirido com o Cruzado e os demais planos heterodoxos permitiu a edição do Plano Real, que acabou com a hiperinflação.

Muitos anos depois, o país voltou a registrar, em 2015, inflação anual de dois dígitos. Uma situação que foi, em boa parte, provocada por mazelas, ainda que em menor grau, que levaram à hiperinflação do passado. Como o represamento de preços públicos, políticas fiscal e creditícia expansionistas e política monetária leniente. O desafio é impedir que a cultura inflacionária volte a fazer parte da vida do brasileiro.

Demétrio Magnoli: Prova de fogo

- Folha de S. Paulo

"O governo brasileiro confia que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros." A nota do Itamaraty, precisa na linguagem e no tom, indica uma radical mudança de rumo do Brasil diante do regime chavista. É discutível se ela contribuirá para cercear a escalada autoritária de Caracas mas, certamente, oferece uma oportunidade histórica à esquerda brasileira. No passado, a esquerda europeia definiu sua natureza diante dos testes da URSS, da Hungria e da Tchecoslováquia. É esse o lugar que hoje ocupa a Venezuela, na América Latina.

"O Podemos tem que esclarecer de uma vez se defende a democracia na Venezuela", desafiou o jornal "El País" no 5 de janeiro. Há menos de três anos, Pablo Iglesias, que se tornaria o líder do novo partido de esquerda espanhol, celebrou o chavismo num ato convocado pela embaixada venezuelana em Madri. "Hugo Chávez era a democracia dos de baixo!", exclamou Iglesias um mês após a morte do caudilho. Mais tarde, confrontado com as urnas, ele trocou de registro, substituindo as referências à "revolução bolivariana" pelo elogio do modelo social-democrata dos países nórdicos, mas seu partido votou contra a resolução do Parlamento Europeu que pede a libertação dos presos políticos venezuelanos.

O Podemos não tem o direito de fingir que a história começa após a queda do Muro de Berlim –eis o sentido do repto do "El País". Na Europa, os partidos social-democratas completaram seu aprendizado democrático no entre-guerras, como fruto da experiência do stalinismo soviético. Depois, as invasões da Hungria (1956) e da Tchecoslováquia (1968) cindiram o movimento comunista, originando o eurocomunismo dos partidos italiano e espanhol, que declararam adesão ao princípio da democracia.

Na América Latina, por outro lado, a esquerda encontrou na Revolução Cubana um abrigo conveniente, isolando-se do debate de princípios que varria a Europa. Sob o teto de palha do castrismo, enfrentando regimes ditatoriais de direita, a esquerda latino-americana utilizou o antiamericanismo como um talismã capaz de silenciar os estrondos provenientes do Velho Mundo. Por aqui, magicamente, os intelectuais de esquerda conciliam a denúncia da ditadura de Pinochet com a apologia da ditadura de Castro. Mas a degradação autoritária da "revolução bolivariana" rompe o antigo encanto. Na hora do choque entre o regime chavista e a democracia representativa, as ruínas do século 20 amontoam-se diante de uma esquerda que teme olhar seu reflexo no espelho.

O presidente da Assembleia Nacional (AN) ordenou a remoção das imagens de Chávez que adornavam o plenário. A Venezuela testa o princípio da pluralidade: o conceito de que a nação não pertence a um movimento político. A maioria da AN empossou os três deputados ilegalmente impugnados por um tribunal servil à vontade do regime. A Venezuela testa o princípio da independência dos poderes: o conceito de que as prerrogativas do Executivo devem ser limitadas pelas instituições democráticas. A AN prepara-se para votar uma lei de anistia, libertando os oposicionistas encarcerados pelo regime. A Venezuela testa o princípio da liberdade política: o conceito de que a divergência de opinião é um direito sagrado dos cidadãos.

A prova de fogo ajudará a definir a natureza da esquerda brasileira. O PT nasceu da democracia, mas exibe uma alma dilacerada. De um lado, governou respeitando a Constituição e resistiu à tentação de buscar um terceiro mandato para Lula. De outro, acusa os críticos de representarem interesses estrangeiros, flerta com a censura e subordina as estatais aos interesses partidários. A nota do Itamaraty oferece ao partido a oportunidade de unificar intenção e gesto, jogando ao mar o lastro autoritário que o prende ao passado.

Ana Maria Machado: Olhos nos olhos

• Precisamos interromper o abandono da velha e boa conversa, substituída por agressões e ameaças. Não querer impor nossa visão

- O Globo

A “Pátria Educadora” apregoada nos slogans continua nos dando lições. E não apenas com oportunos lembretes sobre a herança greco-romana, neste momento em que historiadores protestam contra a alarmante notícia de que a nova Base Nacional Comum Curricular pretende abolir de vez o estudo da antiguidade ocidental, da Idade Média, do Renascimento e do Iluminismo, além de promover uma degola geral em outros temas. Para salvar um pouco da influência clássica, o Ministério Público e a Polícia Federal vão batizando suas ações de modo a nos lembrar alguns pontos dessa rica contribuição cultural.

A Operação Erga Omnes sublinhava que a lei se aplica a todos e ninguém a ela está imune, nem mesmo poderosos empreiteiros. A Operação Catilinárias trouxe à memória os discursos de Cícero contra o corrupto conspirador Catilina no Senado romano. Também em dezembro, com seu nome a se referir aos bem situados e bem postos em cargos estratégicos, a Operação Positus foi deflagrada para apurar fraudes e desvios de milhões do fundo de pensão dos Correios, o Postalis.

Mas nem só de latim vive a educação.

Entre as lições que recebemos nesta Pátria Educadora, uma das mais recentes e necessárias nos foi dada em dezembro pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, no STF, por ocasião do julgamento do rito do impeachment: pessoas consideradas de campos totalmente opostos podem estar de acordo, em assuntos fundamentais e da maior importância, com argumentos poderosos. Foi o que se viu nos votos dos dois na ocasião. Por mais surpreendente que pudesse parecer. Quem não concordava com a opinião deles nesse momento, como a maioria dos juízes que seguiu o voto do ministro Barroso, podia se basear também em um raciocínio igualmente lógico, convincente, bem fundamentado e respeitável.

Ou seja, ninguém é dono da verdade. Conversar com amigos (ou mesmo desconhecidos) pode nos mostrar outro ângulo da questão. Não precisamos de um Fla-Flu simplório e redutor, repetindo posições previsíveis, frases feitas e xingamentos, como o que nos últimos tempos parece dominar qualquer possibilidade de troca de ideias e entendimento de outros pontos de vista, diferentes dos nossos.

Esse fenômeno não é novo. O “nós contra eles” se acentua a cada campanha eleitoral, insuflado pela estratégia marqueteira de transformar adversário em inimigo. Piora muito com o uso de redes sociais em reações exacerbadas e imediatas, muitas vezes manipuladas. Piora mais ainda quando políticos se esquecem de que poderiam, ao menos, pensar no país em primeiro lugar e ter como meta alguma imagem de estadista — mesmo como simples modelo remoto.

Precisamos interromper esse abandono da velha e boa conversa, agora substituída por agressões e ameaças. Não querer impor nossa visão. Ouvir os argumentos alheios. E, se não nos convencem, argumentar de volta, em vez de desqualificar o outro. Mais razão e menos paixão.

Sabemos que, ao se eleger por pequena diferença, a presidente não fez o gesto de estender a mão aos adversários. Mas também o adversário, que elegantemente soube reconhecer a derrota e cumprimentar a vencedora, em pouco tempo estava mudando, em busca de atalhos fáceis (como sugestões de recontagem de votos e alianças diabólicas em busca de impeachment). Foi uma pena não ter se mantido fiel a sua promessa inicial após a eleição — a ideia de que a oposição iria constituir um shadow cabinet e que esses especialistas, ministros na sombra, produziriam um projeto alternativo para o país, enquanto não chegasse sua hora de ocupar o poder. Teria sido útil.

Quem acabou propondo possíveis saídas, com “Uma ponte para o futuro”, foi o PMDB, da base aliada. Sua Excelência, o Fato, traz a lógica ao debate. E algumas reformas estruturais inevitáveis, como idade mínima para a aposentadoria, o fim de privilégios inaceitáveis na área de pensões e flexibilização de regras trabalhistas vão aos poucos sendo ventiladas pelo próprio governo — que chega a admitir erros, pela boca do ministro da Casa Civil. Agora até mesmo a presidente reconheceu que não soube avaliar as consequências de sua política econômica. Antes tarde do que nunca.

Pode-se, por exemplo, debater o parlamentarismo, tema levantado logo no início da crise por Eduardo Jorge, do PV, e, em seguida, mantido em foco por políticos de um espectro variado, de José Serra a Roberto Freire, passando por formas híbridas de semipresidencialismo e semiparlamentarismo, lembradas por outros. Não para mudar as regras no meio do jogo e reduzir os poderes de alguém eleito segundo outro modelo. Mas para o futuro, a fim de que o assunto deixe de ser tabu ou remédio mágico, lembrado apenas quando se evidencia que o sistema de pesos e contrapesos não está funcionando a contento e faz falta a garantia constitucional de uma função moderadora.

E no plano pessoal, em vez de hostilidade e ameaça de olho por olho, ainda é bom ouvir Chico: “Olhos nos olhos quero ver o que você diz”.
------------
Ana Maria Machado é escritora

Inflação de erros e desmandos – Editorial / O Estado de S. Paulo

A inflação de 10,67% foi uma das grandes marcas da presidente Dilma Rousseff no primeiro ano de seu segundo mandato, continuação perfeita dos muitos erros e desmandos cometidos entre 2011 e 2014. O primeiro a pagar o vexame, oficialmente, será o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini. Ele terá de explicar ao ministro da Fazenda, em carta aberta, por que o aumento de preços ficou acima do limite de tolerância, de 6,5%. Essa carta é parte do ritual criado com o regime de metas, inaugurado no Brasil em 1999. Se estiver disposto a carregar a culpa, Tombini poderá cobrir a cabeça com cinzas, bater no peito e ajoelhar no milho, mas terá alguma dificuldade para explicar a falha. A taxa básica de juros, a Selic, subiu de 11,25% no começo do ano para 14,25% em setembro e aí continua. O Comitê de Política Monetária (Copom) deveria ter apertado mais o crédito, elevando os juros mais rapidamente e para níveis mais altos e, talvez, impondo aos bancos maiores depósitos compulsórios?

Se a carta for tão franca, no entanto, quanto têm sido as últimas atas de reuniões do Copom, as explicações assinadas pelo presidente do BC apontarão a presidente Dilma Rousseff e seus assessores, pelo menos os mais influentes, como os principais culpados pelo desastre da inflação. Esse desastre começou na primeira metade do mandato anterior, manifestou-se plenamente em 2015 e ainda afetará a vida dos brasileiros, talvez de modo menos espetacular, neste ano.

A inflação de 10,67%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi a maior em 13 anos, desde a turbulenta campanha eleitoral de 2002, quando a taxa oficial atingiu 12,53%. Além disso, pela primeira vez depois de 2004, o resultado final, no ano gregoriano, ficou acima do limite de tolerância. Mas desde 2010 a taxa anual tem sido bem superior à meta de 4,5%, já muito alta pelos padrões internacionais. A própria meta, somada à margem de dois pontos, já denota uma perigosa tolerância à inflação. Tudo se passou, desde 2010 e mais claramente a partir de 2011, início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, como se a meta oficial de 4,5% nunca fosse o alvo real da política econômica.

O primeiro grande erro desse mandato, cometido em 2011, foi a redução voluntarista da taxa básica. O Copom seguiu a preferência da presidente Dilma Rousseff, manteve essa política durante quase dois anos e só mudou de rumo quando a política monetária já estava desmoralizada e ninguém levava a sério os diretores do BC. Nesse ano a inflação bateu em 5,91% e no ano seguinte chegaria a 6,41%.

A irresponsável contenção dos juros, encerrada em 2013, foi apenas um dos episódios de voluntarismo – e desse os dirigentes do BC participaram. Outros episódios, como os de contenção política de preços e tarifas, criaram pressões acumuladas durante anos.

Em 2015, os preços administrados subiram 18,06%, puxados principalmente pelas tarifas de eletricidade, com alta de 51%. O intervencionismo irresponsável produziu mais que bombas inflacionárias de efeito retardado. Esse tipo de política impôs perdas enormes à Petrobrás, com o controle de preços dos combustíveis, custou bilhões ao Tesouro, em socorro às empresas de eletricidade, e desarranjou a economia do setor elétrico. Em 2016, os administrados ainda subirão pelo menos 7,5%, segundo projeção do mercado, por efeito da indexação e por necessidade de ajuste das empresas.

Mas o grande espetáculo da irresponsabilidade foi a devastação das contas públicas. O desarranjo fiscal continua sendo o principal combustível da inflação, como têm apontado os dirigentes do BC. Os desmandos na área fiscal impulsionaram a inflação diretamente, pelo excesso de demanda, e indiretamente, gerando insegurança e tornando o País vulnerável a pressões cambiais. A alta do dólar em 2015, de cerca de 50%, foi um importante fator de alta de preços. Tudo isso é conhecido. Mas quem deve explicações, pela lei, é o presidente do BC. Que juros teriam sido suficientes para compensar os erros e abusos do governo?

Colapso industrial – Editorial / Folha de S. Paulo

Após anos de retração, acentuada no ano passado, a produção manufatureira no Brasil caiu aos níveis de 2004. Um colapso que, de forma dramática para o país, evidencia o fracasso da política industrial dos governos petistas, nos últimos tempos fundada sobretudo no intervencionismo aventureiro e na ausência de estratégia coerente.

Como se o desastre geral já não bastasse para atestar a falência do modelo defendido pelo PT, a deterioração foi particularmente acentuada entre alguns dos setores mais protegidos e incentivados pelo governo, como o de máquinas e equipamentos e o automotivo.

De bilionários subsídios a financiamentos de bancos públicos, de políticas de conteúdo nacional a barreiras para importação, de aumento de tarifas a controle de preços de insumos, tentou-se de tudo.

Tudo de uma cartilha anacrônica, talvez conveniente para empresários ávidos por benesses e um mercado cativo, mas alheia aos grandes vetores de dinamismo no mundo moderno: a economia do conhecimento e da integração produtiva em bases globais.

Nada funcionou, naturalmente, em uma dinâmica bem exemplificada pelo setor automobilístico.

Em 2009, como resposta à crise financeira global, o governo Lula (PT) cortou impostos a fim de impulsionar a demanda. Os incentivos se prolongaram até 2014, embora com efeitos cada vez menores.

A produção respondeu e atingiu o pico de 3,7 milhões de unidades em 2013. Projetando vendas de 5 milhões adiante, as montadoras expandiram sua capacidade.

O mercado interno, todavia, já dava sinais de exaustão, e as fábricas perdiam competitividade. Em 2012, procurando contornar esse cenário, o governo aumentou as exigências de conteúdo nacional, na prática restringindo ainda mais o espaço para veículos importados.

Disso resultou uma indústria pouco inovadora, com produtos de qualidade inferior direcionados para um mercado protegido. Dito de outra forma, o setor se manteve dependente de uma demanda interna que, ainda pior, vinha se sustentando artificialmente.

Não espanta, portanto, o tamanho do ajuste forçado pela crise. As vendas caíram 26,6% em 2015, recuando para 2,6 milhões de unidades, pior nível desde 2008; cortaram-se 14,7 mil empregos, cerca de 10% do total.

Sem alternativa, as empresas são levadas a buscar novos caminhos, e o mercado externo se oferece como opção óbvia –especialmente diante da desvalorização do real.

A reorientação não deixa de ser um sinal auspicioso; o Brasil terá a ganhar se o governo começar a abrir progressivamente o mercado e celebrar acordos de comércio com mais países. Somente uma indústria competitiva e integrada ao restante do mundo pode sobreviver com as próprias pernas.

Dilma entre o PT e a realidade do país e do governo – Editorial / O Globo

• Enquanto a crise política espera o fim do recesso do Judiciário, governo parece se render à necessidade de um efetivo ajuste fiscal. A ver

Devido ao recesso do Judiciário, a crise política deu uma trégua, porque a evolução em duas de suas frentes — o pedido de impeachment da presidente da República e o futuro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) — depende de decisões do Supremo. No primeiro caso, esclarecimentos precisarão ser dados pela Corte, com a impetração de embargos de declaração pela Câmara, sobre o rito do impedimento definido na última sessão plenária de 2015; no segundo, está à espera do ministro Teori Zavascki, na sua volta do recesso, pedido da Procuradoria-Geral da República para o afastamento de Cunha da Mesa da Câmara, usada por ele para se defender de investigações. O assunto irá ao plenário do STF.

Fatos se sucedem é no campo da economia, depois da troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa, na Fazenda, com reflexos no relacionamento, nunca tranquilo nos últimos tempos, entre a presidente, de um lado, e, de outro, PT e Lula.

Feita a troca, o PT, em nota, propôs a tal “virada à esquerda”. Dobrar a aposta na mesma política do “novo marco”, a causa da crise — portanto, um suicídio. Barbosa, ao ser ungido ministro da Fazenda, defendeu a reforma da Previdência e atraiu críticas petistas. Dilma referendou o auxiliar, ao reafirmar a decisão sensata de propor a reforma, em café da manhã, quinta-feira, com jornalistas.

Mesmo que seja uma conversão tardia à racionalidade, ela tem importância. Espera-se que a presidente haja compreendido que o PT procura manter a militância mobilizada devido às eleições deste ano. É consenso no partido, ou em seus segmentos mais realistas, que as eleições municipais devem expressar em votos a rejeição à legenda. E o mesmo deve acontecer em 2018.

A alternativa que a cúpula do partido encontra é a radicalização, uma espécie de toque de reunir a tropa. Mas não se governa um país desta forma. Ao contrário, se Dilma seguir o receituário lulopetista, pode até avivar a campanha do impeachment, pelo agravamento da crise econômica que provocará.

Ainda terá de ser contada a história desse reconhecimento da presidente de que precisa enfrentar os desequilíbrios fiscais. Reformar a Previdência pela fixação de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria ataca um dos mais importantes focos estruturais desses desequilíbrios. Há meses, seria impensável ouvir da presidente o reconhecimento de que o brasileiro se aposenta muito cedo (55 anos, em média).

Dilma continua dissimulada sobre o que aconteceu em 2014. Já era previsível, durante a campanha, que, ganhasse ela ou não, 2015 seria um período de grave crise. Nem se pode responsabilizar problemas internacionais e, de forma risível, a seca pela quebra do Tesouro.

Porém, afastar o suicídio da “virada à esquerda” e defender a melhor das reformas da Previdência são importantes mudanças, capazes de gerar reverberações políticas e partidárias. Se são para valer, veremos.

Governo vê fim de 'calmaria' com menções de investigados a Wagner

Marina Dias, Daniela Lima, Gustavo Uribe e Catia Seabra – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Planalto e oposição avaliam que a série de citações ao ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, colocou o coração do governo mais uma vez como protagonista do escândalo de corrupção na Petrobras.

Os dois polos também concordam que as notícias envolvendo o petista interrompem um período de "calmaria" no Executivo e contaminam a tentativa da presidente Dilma Rousseff de engatar uma agenda positiva antes da retomada do debate sobre o impeachment.

Outro temor é que o partido perca uma alternativa para a disputa presidencial de 2018. Wagner é apontado como plano B se o ex-presidente Lula não concorrer.

Dilma está preocupada com o que tem chamado de "tiroteio seletivo" contra o ministro, mas tem dito que as notícias não abalam a relação entre os dois nem criam risco à sua permanência no cargo. Segundo aliados, Dilma ressalta que, até agora, não há indício de que Wagner tenha obtido vantagem pessoal.

Delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró disse que o ministro recebeu recursos desviados da Petrobras para sua campanha ao governo da Bahia, em 2006. A informação foi revelada pelo jornal "Valor Econômico".

Cerveró disse que o aporte a Wagner foi dirigido pelo então presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que havia decidido transferir para a Bahia o setor financeiro da estatal. Para isso, OAS e Odebrecht foram contratadas para construir um prédio em Salvador.

Wagner apareceu ainda em em diálogos com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, um dos alvos da investigação.

Conversas obtidas no telefone do empreiteiro mostram que, às vésperas da eleição de 2014, Wagner prometeu interceder pela liberação de recursos federais para a empresa. Ele também é citado por executivos da OAS como interlocutor com o governo.

Blindagem
Nesta sexta-feira (8), dirigentes do PT e integrantes do governo se dedicaram à blindagem do ministro.

Secretário de Organização do PT, Florisvaldo Souza disse estar "vendo novos vazamentos seletivos e novos espetáculos", mencionando políticos de oposição. Também da Executiva petista, o deputado Paulo Teixeira (SP) disse que as acusações são "infundadas" e "fofocas de ouvir falar".

Líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE) afirmou que o caso exige que o Congresso "acompanhe com lupa as investigações e se pronuncie sobre o assunto tão logo retome suas atividades".

Nos bastidores, a oposição avaliou ainda que a menção a Wagner joga novamente os holofotes sobre a Casa Civil, pasta que já foi "palco de muitas crises" nos governos do PT –referência a personagens como José Dirceu, Erenice Guerra e Antonio Palocci, todos afastados do ministério em meio à acusações.

A ala do PMDB mais próxima ao vice-presidente, Michel Temer, reagiu com cautela às menções ao ministro. Pessoas ligadas ao peemedebista dizem que o caso só explicita "o grau de imprevisibilidade" no ambiente político.

Outro lado
O ministro Casa Civil, Jaques Wagner (Casa Civil), reagiu nesta sexta (8) ao trecho trazido a público da delação premiada de Nestor Cerveró que menciona seu nome.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o petista chamou de "ilação" a acusação do ex-diretor da Petrobras.

O ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli se disse despreocupado. "Estou no Pelourinho, vivendo as energias dos orixás baianos".

Para TCU, obra da OAS com Wagner foi superfaturada

• Tribunal de Contas da União aponta irregularidades no contrato citado em mensagem do empreiteiro Léo Pinheiro e o então governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil; segundo auditores, o preço final foi inflado em pelo menos R$ 9 milhões

André Borges - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma série de irregularidades, em especial superfaturamento, no contrato de obras que levou o empreiteiro da OAS Léo Pinheiro a pedir que o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, atuasse no Ministério dos Transportes para liberar um valor adicional de R$ 41,76 milhões para uma obra em Salvador quando ele governava o Estado.

O projeto, que envolveu a construção de 14 viadutos e de uma via expressa de 4 km de extensão até o porto de Salvador, passou pelo pente-fino de diversas auditorias e monitoramentos realizados pela corte de contas desde a sua licitação, em 2008, quando Jaques Wagner ainda era governador da Bahia.

O pedido de ajuda de Pinheiro foi revelado anteontem, pelo Estado. Nele, Léo Pinheiro solicita a Wagner que procure o então ministro dos Transportes, Paulo Passos, para liberar um valor de R$ 41,760 milhões ligado a esse contrato.

Ao se debruçar sobre o contrato de R$ 399,705 milhões firmado entre a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a OAS, o tribunal identificou um volume de pedidos materiais muito acima daqueles previstos no projeto básico do empreendimento. Apenas com a inclusão de novos serviços no contrato, segundo os auditores, o preço da obra foi inflado em pelo menos R$ 9,368 milhões.

As alterações no escopo original do projeto também foram acompanhadas pelo aumento de preços. Foi o que os auditores encontraram, por exemplo, ao analisar a compra de vigas metálicas usadas na obra. O preço cobrado pela empreiteira para este item foi de R$ 7,13 por quilo, quando o orçamento original feito pela Conder com a Gerdau Aço Minas indicava valor de R$ 3,62 o quilo. "A comparação do valor considerado pela OAS no termo aditivo com o preço informado pela Gerdau indica uma significativa diferença de 96,96% para elementos na mesma data base", aponta o TCU, que estimou uma diferença de R$ 3,926 milhões somente em relação ao serviço de fabricação desse material.

Depois de realizar uma série de reuniões com representantes da Conder, da OAS e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que era o principal agente financeiro do projeto, o TCU concluiu que diversas irregularidades não foram explicadas.

Em 2010, o diretor de operações da Conder, Armindo Gonzales Miranda, reconheceu que houve irregularidades na quantidade de itens incluídos na obra, mas culpou o "curto espaço de tempo" que o órgão baiano teve para informar o Dnit sobre as necessidades do projeto. A pressa, justificou Miranda, teria ocasionado os erros. O TCU verificou, no entanto, que a Conder teve quatro meses para apresentar seus estudos em 2007, prazo que depois foi estendido em mais seis meses. Armindo Gonzales Miranda teve seus argumentos rejeitados e foi multado em R$ 3 mil.
Ligado ao Ministério dos Transportes, o Dnit era o principal financiador do projeto, responsável pelo aporte de R$ 339,3 milhões, entre contratações de obras civis, despesas com desapropriações e construção de passarelas.

Defesa. O Ministério dos Transportes, a Conder e o Dnit não se manifestaram sobre o assunto, nem confirmam se os valores devidos do projeto foram efetivamente pagos à empreiteira. A OAS também não havia se pronunciou até a noite de ontem. Também procurado pelo Estado, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, não havia respondido à reportagem até a conclusão desta edição. Em nota emitida anteontem, ele negou irregularidades.