- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Lançado no dia 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado foi uma surpresa para a população brasileira. Da noite para o dia, a inflação galopante acabou. Os preços de bens e serviços foram congelados e quem tentasse fazer remarcação dos produtos seria preso. Houve euforia nas ruas e os inesquecíveis "fiscais do Sarney" chegaram a fechar supermercados em nome do então presidente da República. Aquilo parecia um sonho! Como ninguém tinha pensado nisso antes?, perguntavam-se os brasileiros de todas as faixas sociais e, principalmente, os líderes dos partidos de oposição.
O ex-presidente José Sarney, que enfrentava greves e séria crise política, com os partidos de sua base de sustentação ameaçando abandoná-lo, tornou-se, com o Plano Cruzado, um líder popular a quem todos queriam apoiar. Sua popularidade alcançou 90% de aprovação, de acordo com pesquisas divulgadas à época. Com o Cruzado, as pessoas não precisavam mais correr aos supermercados assim que recebiam os seus salários para comprar mercadorias antes que subissem de preço. Havia funcionários que atuavam initerruptamente com as máquinas de remarcar preços. Na espiral inflacionária, se o consumidor demorasse um dia a mais para fazer suas compras, o seu salário real seria menor e ele compraria menos.
É uma realidade difícil de ser entendida pelas novas gerações. Em novembro de 1985, a inflação tinha sido de 15%, em janeiro de 1986, de 17,8% e, no mês em que foi lançado o Plano Cruzado, bateu em 22,4%. Note o leitor: essas taxas de inflação eram ao mês! O país estava caminhando a passos largos, portanto, para a hiperinflação. Com a ajuda de jovens economistas, entre eles João Sayad, Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida, o então ministro da Fazenda Dilson Funaro colocou em marcha um tipo novo de plano de estabilização.
Até então, o receituário para combater a inflação alta era um rígido controle monetário e fiscal, que resultava em recessão econômica e desemprego. O Cruzado foi o primeiro choque econômico heterodoxo no Brasil - ou seja, não seguia o roteiro ortodoxo. A população ficou encantada: por um passe de mágica, a inflação estava eliminada! O pressuposto do programa era que o Brasil tinha cultura inflacionária, que foi alimentada durante décadas por mecanismos de indexação. Todos queriam proteger suas rendas. Para isso, os salários e os preços de bens e serviços eram corrigidos periodicamente com base em índices de inflação. Assim, a indexação terminava perpetuando a inflação.
Era necessário desmontar os mecanismos de indexação para derrotar a inflação, argumentaram os jovens economistas que auxiliaram Funaro. Para isso, uma das medidas do programa foi o congelamento dos preços de bens e serviços pelo prazo de um ano. Os salários foram congelados pela média de seu valor dos últimos seis meses. O congelamento atingiu também a taxa de câmbio. Para simbolizar o fim da indexação, o governo acabou com a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), que deu lugar à OTN, sem correção monetária. No início, o governo concedeu abono ao salário mínimo, que significou aumento real de 16%, e abono aos servidores, que assim tiveram reajuste real de 8%. Essas medidas aumentaram o consumo, que já estava pressionado pelo ganho real dos trabalhadores provocado pelo fim da inflação.
O congelamento provocou desequilíbrio dos preços relativos da economia, pois muitos produtos foram pegos no momento em que acabavam de ter seus preços reajustados e outros ainda não tinham sofrido aumento. Além disso, o governo esqueceu de trazer a valor presente os preços de produtos vendidos a prazo. Por isso, alguns deles tiveram aumentos reais muito elevados. O desequilíbrio de preços paralisou a produção. Com o câmbio congelado, as reservas internacionais do país começaram a sumir. O governo Sarney também não conseguiu controlar os gastos públicos.
A forte elevação do consumo e a incapacidade dos empresários de aumentar a produção no curto prazo para atender à demanda levaram ao ágio, ao desabastecimento e a atitudes bizarras do governo, como a decisão de colocar a Polícia Federal para pegar bois no pasto e, desta forma, garantir carne para a população. Por razões eleitorais, os ajustes no Cruzado foram sendo adiados para depois da eleição daquele ano, em que o PMDB elegeu 22 governadores. Passado o pleito, os preços foram descongelados, as tarifas públicas reajustadas e alguns impostos elevados. Revoltada, a população partiu para o quebra-quebra. Após os ajustes no plano, a inflação voltou de forma ainda mais agressiva. Mas o conhecimento adquirido com o Cruzado e os demais planos heterodoxos permitiu a edição do Plano Real, que acabou com a hiperinflação.
Muitos anos depois, o país voltou a registrar, em 2015, inflação anual de dois dígitos. Uma situação que foi, em boa parte, provocada por mazelas, ainda que em menor grau, que levaram à hiperinflação do passado. Como o represamento de preços públicos, políticas fiscal e creditícia expansionistas e política monetária leniente. O desafio é impedir que a cultura inflacionária volte a fazer parte da vida do brasileiro.
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