segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

A democratização do País, como se sabe, não nos veio de uma ruptura com o regime anterior, e sim de uma transição, cujos termos implicavam, na prática, a preservação do estatuto da propriedade agrária tradicional. Nas novas circunstâncias do Brasil democratizado, contudo, o processo eleitoral traz de volta com o PSDB e, principalmente, com o PT a agenda do moderno, exemplar na sua crítica ao legado varguista em matéria sindical. O tema da autonomia dos movimentos sociais diante do Estado parecia ter ganho com a vitória de Lula a sua oportunidade de enraizamento na nossa história política.

Porém, em surpreendente guinada, o PT no governo absolve a Era Vargas. E, pior, valoriza a modernização autoritária levada a efeito no governo Geisel, que o governo Dilma tentará pateticamente radicalizar em condições já inteiramente adversas, levando à exaustão um modelo de política, hoje confinado ao que há de mais recessivo e anacrônico em nossa sociedade, que cumpre agora derrotar nas urnas.

--------------------
*Sociólogo, PUC-Rio. “Lembrar junho de 2013”, O Estado de S. Paulo, 7/1/2018.

Rubens Bueno: O capo e a ameaça petista

- Blog do Noblat/Veja

Na Chicago da época da Lei Seca, Al Capone corrompe, controla e corrói a cidade da forma que ele deseja por meio de sua atividade rentável do comércio ilegal de bebidas alcoólicas e venda de proteção. Eliot Ness é um agente federal que chega na cidade com a missão de acabar com as atividades ilegais.

O trecho acima, que copiei da sinopse do filme “Os Intocáveis”, drama policial norte-americano de 1987, dirigido por Brian De Palma e escrito por David Mamet, bem que podia ser adaptado para narrar a história de Lula e dos governos petistas no Brasil e o esforço do juiz Sérgio Moro e da equipe da Operação Lava Jato para combater a corrupção e prender os criminosos que montaram uma organização criminosa que dominou a estrutura do Estado por 13 anos.

Na ficção, o final da trama todos conhecem. No Brasil real, o veredicto pode ser conhecido no próximo dia 24 de janeiro, quando o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará o julgamento em segunda instância do chamado processo do tríplex do Guarujá. Em julho do ano passado, ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Marcus Pestana: Uma travessia para o futuro

- O Tempo (MG)

A vida é feita de sonhos, desafios, decepções, oportunidades, riscos, incertezas e ameaças. Aí residem “a dor e a delícia” da existência humana. Crises, tragédias, guerras, revoluções, epidemias dividem a cena com grandes descobertas, feitos heroicos, inovações, gestos comoventes, eventos empolgantes. É a eterna busca da felicidade na trajetória da civilização, entremeada por acontecimentos que parecem transformar a vida numa busca sem sentido e lógica. Basta ver as escaramuças entre o líder norte-coreano Kim Jong-un e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para suspeitar que alguma coisa deu errado na construção humana. Ou a assombrosa desfaçatez dos líderes políticos brasileiros que levaram a corrupção a sua expressão máxima de cinismo.

Mas o combustível da construção do futuro são a fé e a esperança. O período de festas de final de ano é propício a sua renovação. Como se os primeiros dias de janeiro trouxessem novas energias que alterassem por si o rumo das coisas. É preciso dar razão àquelas palavras: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite de exaustão”. Já que assim é, vamos lá imaginar novos horizontes.

A liberdade humana não é absoluta, e o papel dos líderes não é ilimitado. As escolhas se dão dentro das margens das condições objetivas historicamente determinadas. Os processos coletivos demandam líderes que interpretem valores e projetos, mas estes só são eficientes se as condições sociais, culturais e econômicas sopram a favor. A acidentalidade tem um papel importante, mas o destino é feito de escolhas e processos conscientes.

Marcus André Melo: Promessas in(críveis)

- Folha de S. Paulo

A mãe de uma bolsista em uma escola em Cambridge (Reino Unido) entrou na Justiça contra o secretário de Educação do governo de Tony Blair (1997-2007). Ela alegou que o Partido Trabalhista havia violado uma promessa de campanha de manter as bolsas de estudo. Em sua sentença, o juiz afirmou que uma promessa de campanha não tinha valor legal, mas lamentava aquele "estado de coisas".

Mentir ao eleitor não é crime no Reino Unido nem em democracia alguma. Está aberta a temporada de promessas de campanha e a mentira corre solta no país. Muitos denunciam golpes ao mesmo tempo em que fazem alianças com os próprios golpistas. Também denunciam reformas, mas uma vez eleitos serão os primeiros a implementá-las.

A pior forma de abuso –a corrupção– envolve em geral uma promessa negativa: a de manter-se probo. Muitos prometeram e prometem "não roubar nem deixar roubar". Parece não haver registro de recurso ao Judiciário no Brasil contra violação de promessas de campanha. E menos ainda contra um partido.

Contudo há notícia de candidato registrando promessa de campanha em cartório –como Mão Santa, candidato ao governo do Piauí, em 1999. Ou Beto Richa, em 2004. O recurso ao cartório não deveria surpreender no país cartorial por excelência. Mas expressa a falência da representação.

Cláudio Gonçalves Couto: Onde está o fascismo?

- Valor Econômico

Uma onda de muita intolerância ronda as democracias

Em tempos de Trump, extrema direita europeia e aumento da radicalização política, talvez devamos levar a sério por aqui os pendores neofascistas. Em seu breve ensaio sobre "O que é o fascismo?", George Orwell mostrava como a palavra se tornara, no pós-guerra, um termo com inúmeras serventias e pouco significado, deixando de ser conceito para virar xingamento ou metáfora. Alertava, porém, que o uso leviano do termo não eliminava a coisa à qual se referia.

Um dos modos de produzir a falácia conceitual apontada por Orwell é chamar de fascismo qualquer coisa que a ele possa ser associada por conter traços em comum, por seu posicionamento relativo num determinado espectro, ou por pura distorção.

Exemplo da falácia dos traços em comum foi um experimento feito há poucos anos com determinados congressistas, utilizando-se frases selecionadas de um texto doutrinário do fascismo italiano. O ponto comum em todas essas frases era o enaltecimento do papel do Estado; quanto aos congressistas, não eram amostra representativa do conjunto dos parlamentares. O resultado foi que, de um modo geral, indivíduos de esquerda se mostraram mais concordes com as sentenças do que legisladores de centro ou direita. Conclusão a que chegou o responsável pela enquete: a esquerda é fascista.

Denis Lerrer Rosenfield: O dia da ira

- O Globo

Apresentar o julgamento de Lula como um ato político de “luta” contra os ricos está mais para o hilário do que para o simplesmente cômico

Coincidências, no mais das vezes, encobrem nexos necessários entre fatos, discursos e palavras. Casualidades também revelam projetos e tendências que, assim, se expressam. Pode igualmente ocorrer que tenham um sentido manifestamente intencional, tornando semelhantes projetos políticos que ganham, desta maneira, uma afinidade eletiva. Tal é o caso do ex- ministro José Dirceu, que declarou ser o dia 24 deste mês, data do julgamento do ex-presidente Lula em Porto Alegre, o “dia da ira”.

O parentesco político em questão é com os grupos terroristas islâmicos, no caso o Hamas, que tem na violência e na destruição do outro os seus meios de ação e a sua finalidade própria. No caso deles, a destruição do Estado de Israel; no nosso, a destruição da democracia representativa ou, em outra perspectiva, do Estado democrático de direito.

Note- se que o ex- ministro, já condenado, usa tornozeleira eletrônica e está pendente de um julgamento para então saber se voltará ou não à prisão. Normalmente, uma pessoa que se encontra em tal condição deveria usar da prudência, pois está pagando por crimes cometidos, salvo se se considera acima da lei ou, na versão petista, um “preso político”. Ou seja, a lei valeria para todos os cidadãos, exceção feita para os petistas e, sobretudo, para seus líderes mais importantes, como é o caso do ex- presidente Lula.

Vinicius Mota: A riqueza da política

- Folha de Paulo

Os Bolsonaros enriqueceram enquanto faziam política, como mostrou esta Folha. O caso específico pode ter uma justificativa plausível, e o que se espera em especial do presidenciável da família é que esclareça cabalmente os motivos da multiplicação patrimonial.

Já quando o conjunto dos representantes eleitos num mesmo território enriquece de modo desproporcional, não deveria haver dúvida quanto ao diagnóstico. Estamos falando, nesse tópico, de corrupção.

Um estudo recente a quantificar o bônus financeiro de entrar para a política numa nação emergente, do economista Ray Fisman (Universidade de Boston) e colegas, enfoca a Índia deste início de século.

Nas assembleias estaduais da gigantesca federação indiana, a evolução anual do patrimônio declarado de um deputado correu de 3% a 5% mais depressa que a do adversário derrotado na eleição distrital, em condições similares de largada. Significa acúmulo adicional de riqueza de 30% a 60%, na média, em dez anos.

Gaudêncio Torquato: Os tons da campanha eleitoral

- Blog do Noblat/Veja

O cabresto financeiro curto e a diminuição do tempo de campanha elegem as coligações como a maior prioridade dos partidos que lançarão candidatos

Como será a campanha eleitoral deste ano? Que prioridades comporão a agenda partidária? A resposta a estas questões exige, inicialmente, saber quais as diferenças entre o pleito deste ano e o de 2014. Vejamos: 1. Não serão permitidas doações aos partidos por empresas; 2. A campanha em rádio e TV terá a duração de 35 dias, enquanto a campanha de rua não poderá ultrapassar 45 dias. (Na anterior, durava 45 dias na mídia e 90 nas ruas). Teremos, portanto, uma campanha mais modesta do ponto de vista de recursos financeiros e mais curta que a anterior.

Sob essas mudanças, resta aos resta aos candidatos as alternativas: aumentar a visibilidade junto ao eleitorado; usar novos meios para cooptar eleitores, pois contarão apenas com as verbas a saírem do Fundo Especial de Financiamento de Campanha- FEFC – aprovado pelo Senado e pela Câmara, de cerca de R$ 1,7 bilhão. ( Em 2014, só para as candidaturas presidenciais as despesas somaram R$ 652 milhões, 13% do total gasto com as campanhas estaduais para governadores e deputados). Para este ano, a projeção é de um gasto de R$ 300 milhões na campanha presidencial, a metade da anterior.

Coligações
O cabresto financeiro curto e a diminuição do tempo de campanha elegem as coligações como a maior prioridade dos partidos que lançarão candidatos. Quanto mais ampla a coligação, maior tempo de mídia eleitoral. O rádio e a TV são os meios que propiciam a massificação do nome e dos programas dos candidatos. Lembrando: o PT deverá dispor de 5 minutos e 13 segundos e o PSDB, de 4 minutos e 11 segundos. Seis outros partidos – MDB, PP, PSD, DEM, PR, PSB – deverão dispor de 18 minutos e 12 segundos. Logo, o caminho que resta aos candidatos é procurar formar coligações com grandes e médios partidos, de forma a aumentar sua exposição na mídia.

Leandro Colon: O conselho de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

"Conselho meu e eu faço: eu sonego tudo que for possível". A frase é de Jair Bolsonaro, em seu terceiro mandato de deputado, durante uma entrevista a um programa na TV Bandeirantes em 1999.

"Se puder, não pago (imposto) porque o dinheiro vai pro ralo, pra sacanagem. Prego sobrevivência. Se pagar tudo o que o governo pede, você não sobrevive", admitiu.

Reportagem publicada pela Folha neste domingo (7) revelou que Bolsonaro e seus três filhos com mandato multiplicaram os patrimônios em anos de atuação na política.

São 13 imóveis com preço de mercado de pelo menos R$ 15 milhões. A maior parte deles está localizada em áreas de alta valorização no Rio.

Os principais apartamentos e casas foram adquiridos nos últimos dez anos por valores registrados bem abaixo da avaliação da prefeitura do Rio. O caso mais curioso é de uma casa de Bolsonaro em um condomínio na Barra, à beira-mar.

Cida Damasco: Déjà vu

- O Estado de S. Paulo

Crise na segurança se repete e clima eleitoral pode polarizar debate

Em Natal, tropas federais patrulham as ruas, para conter a violência que explodiu com a greve de policiais civis e militares, como reação aos atrasos no pagamento de salários, e levou à decretação de estado de calamidade pública. No complexo prisional de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana, já são três rebeliões em uma semana, com registro de mortos e feridos. O PCC, facção criminosa com presença em 42 cidades do Estado, é apontado como o pivô do motim, numa disputa de poder com o Comando Vermelho.

Se alguém tem a impressão de que já viu este fato e/ou outros parecidos há pouco tempo, não está enganado. E não se trata do fenômeno de “déjà vu”, que identifica a sensação de que já se esteve antes naquele lugar, já se viu aquelas pessoas ou já se viveu aquela situação. Exatamente um ano atrás, conflitos desse tipo pipocaram em Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, alimentando discussões em série sobre cortes de verbas nos Estados, excessos da política prisional e ausência do poder do Estado nas cadeias do País. Mais que debates, a crise do início de 2017 motivou parlamentares a desencavarem projetos da área de segurança que estavam nas gavetas, reforçando a velha tendência do Brasil, segundo a qual, para todo problema que surge ou se agrava, a solução é uma nova lei – quando, muitas vezes, o mais racional seria simplesmente cumprir o que já está na legislação existente.

Angela Bittencourt: 2018: Lula, Previdência e 'nova' regra de ouro

- Valor Econômico

Ativos brasileiros vão bem, mas no pacote emergente

Comemoração antecipada dá azar. Essa crença é forte no Brasil, onde o mercado financeiro já está em contagem regressiva para 2018. Desta vez, Iemanjá não participa. O marcador do ano, que chega em dezesseis dias, em 24 de janeiro, é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS). Lula foi condenado, em primeira instância, a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. Se a condenação for confirmada pelo TRF-4, Corte de segunda instância, Lula pode ser impedido de concorrer às eleições de 2018. Para o mercado financeiro, esse é o primeiro evento prático da corrida eleitoral que culminará nas urnas em outubro. Para os brasileiros, essa pode vir a ser a apoteose da Lava-Jato.

"O julgamento de Lula é hoje o evento nacional mais relevante para o mercado. Em seguida vem o placar da decisão, porque ela nos dará a probabilidade de Lula ser ou não candidato a presidente. O resultado que sair do TRF-4 dará a partida para os arranjos políticos das candidaturas. A partir daí veremos se, nesta eleição presidencial, serão respeitados padrões históricos de distribuição de tempo de TV e de que forma serão contabilizadas as participações por mídia social. Alguns candidatos terão baixíssima presença na TV, mas vão explodir nas redes sociais", diz um executivo do mercado.

"O máximo que escutamos de consultores políticos competentes é que a mídia social será muito importante nesta eleição. Mas o quanto será importante e como será trabalhada, pouco se sabe sobre isso no Brasil."

‘Ou o País expulsa o populismo ou cai no buraco’, diz professor

Sonia Racy / O Estado de S. Paulo

Para Rubens Figueiredo, a sociedade está ‘indignada, mas apática’e continuar avançando com as reformas e rejeitar soluções fáceis é a única saída realista para o País não afundar

Para o cientista político Rubens Figueiredo, a presença de fake news conturbando a campanha presidencial não vai ser esse problemão todo de que se fala, pois o eleitor “confia cada vez menos nas redes sociais” para se informar sobre política. Mas ele admite que “no Brasil, indignação virou categoria de análise” — e ganha a discussão “aquele que se mostrar mais indignado”.

Envolvido hoje com a implantação do G5, um grupo de cientistas políticos disposto a buscar soluções que funcionem para tirar o País do atoleiro, ele vê os avanços obtidos “como numa maratona, passo a passo, não como no salto tríplice”. “A chave é apresentar medidas boas para o Brasil e que sejam aceitas também por políticos e corporações”. Mas admite, nesta entrevista a Gabriel Manzano, que os riscos no horizonte são sérios. “Ou avançamos com as reformas e expulsamos o populismo ou vamos cair num buraco do qual será muito difícil sair depois.”

A seguir, os principais trechos da conversa.

Muita gente anda perplexa com a naturalidade com que a classe política ignora o interesse público e o espírito republicano. O comércio de votos por dinheiro e favores ocorre às claras, sem receio de nada. De que modo voltaremos a um padrão civilizado?

Eu sou muito cético em relação a uma reforma política definitiva, tipo uma “reforma revolucionária”. O sistema evolui como em uma maratona, não numa prova de salto tríplice. Nessa marcha, tivemos a fidelidade partidária, a cota para mulheres, o fim dos showmícios, a proibição de distribuir brindes, depois o projeto da Ficha Limpa, agora aprovou-se uma cláusula de barreira – ainda que muito tímida – e caminhamos rumo ao voto distrital misto. É um bom pacote de avanços.

Nesse mesmo cenário temos uma enorme maioria do eleitorado que não gosta de política, não se informa, acaba votando na manutenção de feudos e do clientelismo. Os avanços de pouco serviram.

Não podemos andar a 200 por hora numa carroça. Não se trata de pôr a culpa na estrutura política, ela é ruim mesmo. Temos o presidencialismo de coalizão, uma fragmentação partidária que é a maior do mundo e um Estado gigantesco. Com tantos obstáculos fica difícil funcionar.

Temos pela frente uma eleição ameaçada pelas fake news e um TSE se dispondo a controlá-las. Vai conseguir?

Os dados mostram que o eleitor confia cada vez menos nas redes sociais como fator de informação política. Em geral, as consideram pouco confiáveis. Mas é uma eleição de incerteza. Pela primeira vez se prevê punição pra quem divulga fake news. Incerteza e novidades serão as tônicas da disputa.

O TSE e seu aparato de controle conseguirão impedir essa desinformação, dirigida a um público já pouco informado?

Não, acho muito difícil controlar isso. Você tem redes como o WhatsApp, sobre as quais ninguém tem controle. Uma fake news contundente, divulgada poucos dias antes da eleição, pode ter forte peso. Mas acho que, com a repetição dessas notícias, o eleitor ficará cada vez mais precavido.

A busca do “novo” na política, que inclui grupos tentando formar candidatos fora do esquema, pode alterar a paisagem?

O que sei é que não se forma uma liderança de uma hora para outra. Lideranças são produto de anos e anos de trabalho. Considere ainda que esses novos interessados têm pela frente o desafio do financiamento de campanha, o limite de R$ 1 milhão pra deputado estadual e R$ 2,5 milhões para federais. E a sociedade vive um momento interessante: ela está indignada, mas apática. Acho difícil que partidos com pouquíssimo tempo de TV consigam votação expressiva. Imagino que o Congresso vai se renovar um pouco mais que a média, mas não a ponto de se mudar o estilo de fazer política no Brasil.

‘Só Alckmin pode vencer Lula’, afirma Beto Richa

Entrevista com Beto Richa

Governador do Paraná diz que petista tem rejeição ‘considerável’, enquanto colega paulista oferece ‘segurança’

Luiz Maklouf Carvalho, Enviado especial, O Estado de S. Paulo

CURITIBA - "Só Alckmin pode vencer Lula, se este for candidato em 2018", disse ao Estado o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). No último ano de seus dois mandatos - o que o impede de candidatar-se à outra reeleição - o governador afirmou que está "fortemente inclinado" a cumpri-lo até o fim, o que significa não ter de se desincompatibilizar para concorrer a um novo mandato legislativo.

Nesse caso, se engajaria mais fortemente na candidatura tucana à Presidência da República. Richa nem considerou, na entrevista, que ainda haverá prévias para definir o candidato. Para ele, é o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin. "Aqui no Paraná o PT nunca venceu eleição presidencial", lembrou. "O Alckmin tem tudo o que os brasileiros querem depois de tanta turbulência: segurança, experiência e seriedade."

Avô de três netos aos 52 anos, e piloto automobilístico há 34 - sua sala exibe os troféus que ganhou na recente 500 milhas de Londrina, pilotando uma Maserati alugada - Richa falou sobre a situação do senador Aécio Neves (PSDB-MG). "Nunca pedi e jamais pediria empréstimo pessoal a empresários", disse. "Mas eu não posso querer que todas as pessoas pensem como eu. Ele tem as suas explicações, a sua argumentação, e vai se defender na Justiça. Ninguém pode ser condenado antecipadamente."

Ex-deputado estadual por duas vezes, ex-prefeito de Curitiba reeleito, o governador teve seu pior momento em abril de 2015. A tropa de choque da Polícia Militar reprimiu com violência desmedida professores e alunos que se manifestavam contra um projeto de lei que mudava o custeio do Regime Próprio da Previdência Social dos servidores estaduais. Richa foi aos piores índices de popularidade - agora com alguma melhora.

"Se eu não tivesse enfrentado a manifestação, e aprovado a lei, não teria feito o ajuste fiscal", disse. O Paraná, segundo os números oficiais, está entre os Estados com melhor situação fiscal do País. A redução da despesa corrente caiu em R$ em 2,2 bilhões. A arrecadação cresceu R$ 900 milhões. Os investimentos subiram de R$ 2,8 bilhões em 2015 para R$ 7,8 bilhões em 2017 e estão previstos R$ 8,4 bilhões para este ano. O salário do funcionalismo está em dia. "Ninguém tem a receita do sucesso, mas as medidas de austeridade servem para todo mundo", disse o governador. "Ou a pessoa pensa na política ou pensa em fazer o que é necessário ser feito."

• O sr. já resolveu se vai disputar o Senado ou se fica até o fim do governo?

Eu ainda não sei. Porque o melhor momento do meu governo é agora. A casa está em ordem, fizemos todo o ajuste fiscal, o equilíbrio das contas públicas, tem muito investimento acontecendo. Mas a minha tendência é continuar até o final do governo. Tenho pensado seriamente nessa hipótese.

• Nesse caso, o sr. se engajaria na campanha do Alckmin, se a candidatura se confirmar...

De qualquer forma eu sou soldado. Já disse isso a ele, já disse isso no partido. Qualquer missão que me derem eu cumpro com muita honra. Até porque acredito no PSDB, partido que o meu pai (José Richa) fundou, ao lado de figuras ilustres, como Mário Covas, Fernando Henrique, Pimenta da Veiga, José Serra, Tasso Jereissati...

• O sr. se dá bem com o governador Alckmin?

Muito bem, admiro demais. É um grande político, um gestor responsável, decente, sério. Eu gosto muito do jeito dele. Eu coordenei, no Paraná, todas as campanhas do PSDB - menos a do Fernando Henrique. Serra duas vezes, Aécio, Geraldo Alckmin. Todos eles ganharam as eleições aqui no Paraná, onde o PT nunca venceu.

• O sr. acredita que o Alckmin tenha chances reais de ganhar a eleição contra o Lula - se assim acontecer?

O Lula é uma incógnita. Ninguém sabe ao certo se ele vai ser candidato.

• O Fernando Henrique disse outro dia que preferia derrotá-lo no voto. O que o sr. acha?

Primeiro, a lei tem que ser respeitada. Se por acaso contrariar a Lei da Ficha Limpa, no julgamento colegiado de segundo grau, me parece que (o Lula) não poderia ter a candidatura registrada. Ele merece um julgamento isento, com todo o direito de defesa. A Justiça está aí, para punir os culpados, mas também absolver os inocentes.

Bolsonaro nega que acordo inclua presidente do PSL como vice da chapa

Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - O acerto do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) para se filiar ao Partido Social Liberal (PSL), anunciado na sexta-feira, representa uma guinada na pré-candidatura à Presidência da República que passou a sugerir a instabilidade de decisões de uma equipe de campanha ainda em formação, com disputa de poder entre os principais assessores e lances dignos de leilão, embora o parlamentar negue.

Ao Valor, em entrevista concedida ontem, Bolsonaro afirmou que sua filiação interessa ao presidente do PSL, o empresário e deputado federal Luciano Bivar, pois o partido precisa superar a cláusula de barreira que entrará em vigor na próxima eleição - e sua candidatura à Presidência puxará votos para os candidatos da sigla à Câmara dos Deputados. Bolsonaro negou que Bivar tenha pedido o cargo de vice da chapa em troca de lhe oferecer a legenda. "Negativo, isso está em aberto, pode ser qualquer um, até mesmo você".

Quanto aos seus próprios interesses, Bolsonaro disse que o acordo lhe dá mais garantias de concorrer ao Planalto. Afirmou que desistiu de ir para o PEN/Patriota porque o presidente do partido, Adilson Barroso, poderia rifar sua candidatura a qualquer momento, ao deter o controle de uma instância partidária incomum. "O PEN tem uma particularidade, que é o conselho, que manda mais que todo mundo. Não adiantava ter cargos na executiva nacional. Eu ficaria sob risco. É como se eu estivesse no quartel e me dessem o comando do batalhão, mas acima de mim tem um general", comparou.

Mas no PSL também haverá um general e dono de partido. "Tudo bem, o vice-presidente vai ser nosso. E confio na palavra dele [Bivar]. Não vou desconfiar dele", disse. Sendo assim, por que não poderia ter confiado no presidente do PEN; o que deu de tão errado para procurar se filiar a outro partido? Bolsonaro prefere evitar o assunto e afirma que o PEN é "página virada".

Com imóvel próprio, Bolsonaro ganha auxílio-moradia da Câmara

Camila Mattoso, Ranier Bragon / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), recebem dos cofres públicos R$ 6.167 por mês de auxílio-moradia mesmo tendo um imóvel em Brasília.

Ambos são deputados federais. O apartamento de dois quartos (69 m²), em nome de Jair, foi comprado no fim dos anos 90, quando ele já recebia o benefício público, mas ficou pronto no início de 2000.

O político recebe da Câmara o auxílio-moradia desde outubro de 1995, ininterruptamente. Eduardo, desde fevereiro de 2015, quando tomou posse em seu primeiro mandato como deputado.

Ao todo, pai e filho embolsaram até dezembro passado R$ 730 mil, já descontado Imposto de Renda.

Além do apartamento na capital, os políticos da família Bolsonaro têm mais 12 imóveis no Rio, a maior parte adquirida nos últimos dez anos, como mostrou a Folha neste domingo (7).

O auxílio-moradia é pago a deputados que não ocupam apartamentos funcionais no DF. Como há mais deputados do que vagas em imóveis destinados a eles, a Câmara desembolsa para cada um desses, por mês, R$ 4.253.

Há duas formas de pagamento: 1) por meio de reembolso, para quem apresenta recibo de aluguel ou de gasto com hotel em Brasília, 2) ou em espécie, sem necessidade de apresentação de qualquer recibo, mas nesse caso com desconto de 27,5% relativo a Imposto de Renda.

Jair e Eduardo Bolsonaro utilizam essa segunda opção, o que rende mensalmente, para cada um, R$3.083.

O auxílio-moradia pode ser recusado pelos congressistas.

Partidos ensaiam lançar ‘não políticos’ em sete Estados

Pré-candidatos oriundos do setor empresarial e do Judiciário buscam espaço no cenário eleitoral em siglas novas ou pequenas

Renan Truffi e Julia Lindner / O Estado de S. Paulo

Em pelo menos sete Estados, “outsiders” tentam viabilizar candidaturas aos governos locais, mas enfrentam resistência diante de alianças firmadas pelos partidos com mais representatividade no Congresso e dificuldade em conseguir melhorar índices de intenção de voto. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast aponta que, a dez meses da eleição, pré-candidatos vindos da área empresarial e do Judiciário buscam espaço em Minas, Rio, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Tocantins e São Paulo.

A iniciativa de lançar nomes de fora da política para a disputa estadual em 2018 parte, principalmente, de siglas menores ou criadas recentemente.

O partido Novo, registrado em setembro de 2015, é a principal legenda dos outsiders: são três pré-candidatos já lançados e outras duas em negociação.

Criada no mesmo ano pela ex-ministra Marina Silva, a Rede Sustentabilidade busca nomes na Justiça. “A única forma de oxigenar o sistema político é trazendo novos nomes e ideias, não só de jovens, mas pessoas experientes de outras áreas que poderiam ser candidatas”, disse o porta-voz da Rede, Zé Gustavo.

Donos das maiores bancadas no Congresso, partidos como PSDB, PT e MDB não têm investido nesse perfil. “A renovação por renovação não diz nada. Tem de renovar com qualidade e valorizar a experiência”, afirmou o secretário-geral do PSDB, Marcus Pestana.

Perfil novo. Conhecido como um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o juiz aposentado Márlon Reis vai disputar o governo do Tocantins pela Rede.

Em 2012, foi o primeiro juiz a exigir que os candidatos divulgassem antecipadamente os doadores de campanha, o que se tornou lei nacional. “Sou um outsider porque não fazia parte dos mecanismos partidários. Só recentemente cheguei para esse tipo de atuação, mas sempre estive na política. São poucos (outsiders) disputando cargos majoritários pela dificuldade de mobilizar grandes contingentes eleitorais”, disse Reis.

Mato Grosso do Sul é outro Estado em que um outsider do Judiciário pode disputar o cargo de governador. O juiz aposentado Odilon de Oliveira, que se filiou ao PDT, ficou conhecido por combater o narcotráfico na fronteira com o Paraguai. Aos 68 anos, está aposentado desde outubro. Uma semana antes de deixar o cargo, decretou a prisão do italiano Cesare Battisti – revogada posteriormente.

Em Minas, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, os outsiders são filiados ao Novo e da área empresarial. “Nossa maior dificuldade foi encontrar pessoas dispostas a participar e abrir mão da atividade profissional para se dedicar a um possível mandato”, explicou Moisés Jardim, presidente do partido.

O Novo cogita lançar o líder do movimento Vem Pra Rua, Rogério Chequer, para disputar o governo de São Paulo. Já o ex-técnico da seleção brasileira de vôlei Bernardinho pode ser candidato no Rio. No Rio Grande do Sul, o partido estuda Mateus Bandeira, ex-presidente do Banrisul. Em Minas, o escolhido foi o empresário Romeu Zema Neto, do Grupo Zema.

No Distrito Federal, o pré-candidato é Alexandre Guerra, presidente da rede de restaurantes Giraffas. Para ele, partidos tradicionais tentam firmar candidaturas com base em “coalizões e distribuição de cargos”, enquanto o Novo busca “mérito”.

O descompasso das eleições: Editorial/O Estado de S. Paulo

Em 2017, mais uma vez se pôde constatar como é difícil atingir padrões razoáveis de governabilidade no País. Apesar de estarem claros os grandes objetivos que deviam ser perseguidos pelo poder público – realizar o ajuste fiscal, recuperar a economia e promover as necessárias reformas estruturantes –, nos momentos decisivos ficaram patentes as dificuldades de relacionamento entre Executivo e Legislativo.

Certamente, o ativismo do Poder Judiciário contribuiu para dificultar as coisas, com interferências no já instável equilíbrio institucional. Por exemplo, a tolerância do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR) no caso envolvendo a delação do pessoal da JBS, dando por válidas coisas que distavam muito do regramento legal. Não fossem as liberdades assumidas por Rodrigo Janot, é bem provável que a reforma da Previdência já estivesse aprovada.

De toda forma, o problema da governabilidade transcende os eventuais – às vezes, tão constantes – equívocos do Poder Judiciário. Ele também supera as circunstâncias pessoais das autoridades do momento. Logicamente, quando se tinha Dilma Rousseff sentada na cadeira presidencial, as coisas assumiam ares tragicômicos. Mas é preciso reconhecer que, à parte as idiossincrasias dos governantes, vige no País um sistema político que continuamente produz entraves à governabilidade.

Sem autocrítica: Editorial/ O Globo

Mesmo economistas ligados ao PT admitem que a situação fiscal estava insustentável

O papel da oposição é, por óbvio, oporse. Então, mesmo diante das muitas evidências de que a economia está em recuperação, o PT e legendas que compunham a aliança que sustentou Lula e Dilma no poder negarão qualquer melhoria. Bem como legendas que se alinham à esquerda, mesmo sem terem feito parte da gestão lulopetista. É do jogo político.

Como o PT perdeu muitas oportunidades para fazer autocrítica, não deverá reconhecer que a debacle que a dupla Lula- Dilma causou na economia, com o “novo marco macroeconômico”, se garantiu a reeleição da presidente, em 2014, também criou as condições para ela ser impedida pelo Congresso. Enquanto jogava o país na mais profunda recessão jamais sofrida, segundo as estatísticas oficiais ( aproximadamente 8% de retração do PIB no biênio 2015/ 2016; queda de 10% na renda per capita, jogando no desemprego uma população de mais de 14 milhões de pessoas.

Houve uma alteração radical na condução da economia do primeiro governo Lula, com Antonio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, para a segunda gestão, com Dilma Rousseff na Casa Civil e Guido Mantega na Fazenda. A crise mundial aprofundada em 2008/ 9 serviu de pretexto para o lulopetismo aplicar, enfim, a velha receita intervencionista sempre defendida pelo PT até desembarcar no Planalto.

Beabá orçamentário: Editorial/ Folha de S. Paulo

O governo entabula negociações com o Congresso a fim de evitar um novo vexame na gestão do Orçamento –um aumento da dívida pública que pode sujeitar autoridades do Executivo a processos por crime de responsabilidade.

Há o risco de que, neste ou no próximo governo, o passivo federal cresça de modo a violar um artigo da Constituição que, de tão fundamental, é conhecido entre estudiosos como "regra de ouro".

Trata-se de um princípio de prudência e respeito pelas gerações futuras. O texto estipula que se deve tomar empréstimo apenas para financiar aumentos de capital, isto é, investimentos em obras ou ativos que aumentem a rentabilidade do patrimônio público e a capacidade da economia de produzir.

Dito de outra maneira, não se deve aumentar a dívida com o objetivo de pagar as chamadas despesas correntes –salários, aposentadorias, serviços e manutenção da máquina e da burocracia estatal.

Com exaustão das receitas, resultados pífios nas privatizações e gastos irresponsáveis, caso dos reajustes salariais concedidos aos servidores, o governo federal se encontra à beira de descumprir a norma inscrita na Constituição.

Assim, a fim de evitar processos judiciais, a administração de Michel Temer (MDB) e o Congresso preparam algum relaxamento provisório da "regra de ouro".

O foco precisa ser o controle das despesas públicas: Editorial/Valor Econômico

Os constituintes de 1988 decidiram colocar um limite à irresponsabilidade fiscal dos governantes: escreveram no texto constitucional que os governos estaduais, municipais e federal estavam proibidos de realizar operações de crédito que excedessem o montante das despesas de capital, que são os investimentos, as inversões financeiras e as amortizações da dívida. Não era mais possível, portanto, contrair dívidas para pagar gastos correntes, como, por exemplo, salários de servidores, benefícios assistenciais e previdenciários, conta de luz e água, entre outros.

A esse dispositivo foi dado o nome de "regra de ouro" das finanças públicas. Os constituintes repetiram na Constituição uma regra que, então, era adotada por boa parte dos países desenvolvidos. A ideia era que o endividamento público só se justificava se fosse para fazer investimentos, pois eles aumentariam a capacidade produtiva do país e gerariam fluxos financeiros futuros. Fazer dívida para aumentar gastos correntes presentes era transferir a conta para as gerações futuras, o que não podia ser admitido.

A regra pressupõe que o Orçamento do governo seja permanentemente equilibrado. O endividamento público só aumentaria para financiar os investimentos realizados e não para cobrir despesa corrente. Quando não existe equilíbrio do orçamento, não há como cumprir a "regra de ouro", pois o gasto corrente excedente será financiado, necessariamente, pelo endividamento.

John Lanchester: Marx 200 anos

- London Review of Books, vol. 34, n. 7

Se se quer pensar sobre o que Marx teria feito do mundo de hoje, deve-se começar por lembrar que Marx não foi empirista. Nunca foi dos que creem que se possa chegar à verdade usando fulgurantes fragmentos da experiência, ‘dados de pesquisa’, como os chamam os cientistas, reunindo-os num retrato-colagem da realidade. Posto que isso é o que muitos de nós fazemos quase todo tempo, aí está uma diferença fundamental entre Marx e o que chamamos de senso comum, noção que Marx detestava, porque via o senso comum como o modo como uma específica ordem política e de classe converte a sua realidade construída, em conjunto aparentemente neutro de ideias que são apresentadas como dados da ordem natural. O empirismo, porque recolhe as suas provas da ordem existente de coisas, é inerentemente dado a aceitar como realidades, coisas que não passam de prova dos vieses e das pressões ideológicas subjacentes.

Para Marx, o empirismo sempre confirmará o status quo. Teria portanto detestado muito especialmente a moderna tendência de argumentar a partir de ‘fatos’, como se ‘fatos’ fossem porções neutras da realidade, livres das marcas d’água da história, das interpretações, dos vieses ideológicos e das circunstâncias do modo como foram produzidas.

Eu, por outro lado, sou empirista. Nem tanto porque creia que Marx erre sobre os efeitos de distorção das pressões ideológicas subjacentes; mas porque não me parece possível encontrar ponto de vista livre daquelas pressões. Então, passa a ser dever de cada um fazer o melhor possível do que consiga ver, e, sobretudo, nunca fingir que não vê os dados mais desconfortáveis e/ou contraditórios. Mas essa é uma profunda diferença entre Marx e meu modo de falar sobre Marx, que Marx consideraria filosoficamente e politicamente completamente inválido.

Considerem-se essas passagens do Manifesto Comunista, que Marx escreveu com Engels em 1848, depois de ser expulso da França e da Alemanha por seus escritos políticos:

O capitalismo submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou cidades enormes.

O capitalismo [...] não deixou que restasse nenhum outro nexo entre homem e homem além de um cru interesse individual, de um invisível pagamento à vista”.

O capitalismo foi o primeiro a mostrar o que pode conseguir a atividade humana. Conseguiu maravilhas que ultrapassam em muito as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas, conduziu expedições que deixam à sombra todos os anteriores êxodos de nações e cruzados. O capitalismo criou forças produtivas mais massivas e colossais que todas as gerações anteriores juntas.

O capitalismo não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e, portanto, os meios de produção e com eles todas as relações da sociedade. Revolução ininterrupta da produção, perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, incerteza perene e perene agitação distinguem a época capitalista de todas as anteriores. Todas as antigas indústrias nacionais preexistentes foram destruídas e são diariamente destruídas. Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pela produção do campo, descobrimos novas necessidades, que exigem, para serem satisfeitas, produtos de terras e climas distantes.

Crises comerciais põem em risco, cada vez mais ameaçadoramente, a existência de toda a sociedade capitalista. Nessas crises, grande parte não só dos produtos existentes, mas também das forças produtivas previamente criadas, são periodicamente destruídas.

Difícil não concluir desses fragmentos selecionados que Marx foi extraordinariamente presciente. Realmente, teve o mais espantosamente acurado insight da natureza e trajetória e direção do capitalismo. Três aspectos que se destacam aqui são o tributo que Marx paga à capacidade produtiva do capitalismo, que excede muito a de qualquer outro sistema político-econômico jamais conhecido; a reconstituição da ordem social que acompanha aquela capacidade produtiva; e a tendência inerente do capitalismo às crises, a ciclos de crescimento e quebradeira.

Mas, nesse ponto, tenho de confessar que não reproduzi as frases exatamente como Marx as escreveu: onde escrevi “capitalismo”, Marx escreveu “a burguesia”. Estava falando sobre uma classe e o sistema que serviu ao interesse dela, e fiz parecer que estivesse falando só sobre um sistema. Marx não usa a palavra “capitalismo”. A palavra jamais aparece na primeira parte de Das Kapital. (Confirmei isso com um comando “localizar palavra” e encontrei três ocorrências, nos três casos erro de tradução ou uso impreciso do plural (al. Kapitals – em alemão, Marx jamais fala de algum Kapitalismus). Dado que Marx é amplamente e muito justamente considerado o maior crítico do capitalismo, aí está uma omissão que dá o que pensar. Seus termos preferidos foram “economia política” e “economia política burguesa”, os quais, para ele, englobavam tudo, de copyrighs à ideia contemporânea de direitos humanos e até o próprio conceito de indivíduo autônomo independente.

Minha opinião é que Marx não usou a palavra “capitalismo”, porque essa palavra implicaria que o capitalismo seria um dentre vários sistemas concorrentes possíveis – e Marx não acreditava nisso. Ele não achava que fosse possível ultrapassar o capitalismo, sem uma virada radical da ordem social, política e filosófica existente.

Manuel Bandeira: Madrigal Melancólico

O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é a vida!

Roberta Sá - Quem te viu, quem te vê

domingo, 7 de janeiro de 2018

Luiz Werneck Vianna*: Lembrar junho de 2013

- O Estado de S.Paulo

Cumpre derrotar nas urnas o que há de mais recessivo e anacrônico na nossa sociedade

Chegamos afinal, depois de muitas tropelias, ao ano das eleições. As ruas estão em silêncio, embora atentas, e os quartéis, entregues às suas fainas habituais. O rebuliço e as incertezas vêm do lugar menos previsível, o Poder Judiciário, pelas ações de alguns dos seus membros, embalados por concepções salvacionistas alheias às eventuais consequências dos seus atos. Seja como for, de ciência provada agora sabemos que nossas instituições estão dotadas de surpreendente resiliência, ainda de pé em meio a tantos anos de severa turbulência. Sem ufanismo, é forçoso reconhecer que a Carta de 88 tem provado ser uma âncora segura para a nossa democracia.

Aos poucos, os eixos em torno dos quais gira a conjuntura começam a se deslocar dos tribunais para os lugares afetos aos temas e procedimentos da soberania popular. Já se vive, embora tardiamente, o momento crucial em que partidos selecionam seus candidatos e programas, vale dizer, os rumos futuros a serem trilhados pelo País. Em que pesem os argumentos retóricos em defesa de paradigmas antes influentes, a questão incontornável é que, mesmo de modo silencioso, como é do nosso estilo, estamos deixando para trás o tempo da modernização que aqui vingou de Vargas a Dilma.

O melhor marcador dessa mudança não está, como supõem os que se satisfazem com explicações fáceis, tanto no programa reformista do governo Temer, mas, sobretudo, nas jornadas de junho de 2013, na verdade, um movimento massivo da juventude em torno de direitos, inclusive os de participação política. Na agenda de junho de 2013 não se faziam presentes os temas clássicos da modernização, antes hegemônicos, mas os da agenda do moderno, centrados nas questões das liberdades civis e públicas.

Fernando Henrique Cardoso*: Ainda há tempo?

- O Estado de S.Paulo

É cedo para responder. O Brasil precisa de bom senso. O pior pode sempre acontecer

Começo de ano. A praxe indica que nestas ocasiões é melhor expressar os desejos de um próximo ano melhor e lastimar o que de ruim houve no anterior, sem deixar de soprar nas brasas de esperança suscetíveis de serem encontradas no meio de desvarios e extravagâncias porventura havidas. Será?

Não sei. Fui formado com a obsessão da dúvida metódica cartesiana. A certa altura, lendo Pascal, percebi que mesmo para os mais crentes o caminho da salvação não se encontrava no cômodo embalar da fé sem pitadas de dúvidas. Melhor tê-las e tentar responder, com a lógica (e a esperança), ao demônio da descrença. Por isso coloco o ponto de interrogação no título deste artigo.

Mantenho a esperança, mas convém reconhecer que 2017 mostrou que não dá para ter certeza de que os riscos da guerra e do irracional não prevaleçam. Já tivemos sonhos de cooperações entre Estados quando os diplomatas se dedicavam ao multilateralismo para resolver problemas ou pelo menos promover convergências de opiniões, mas só vemos confrontações. Quantos atentados terroristas houve? Muitos. E mesmo que um só tivesse havido, matando crianças e adultos que nada têm que ver com as fúrias políticas e religiosas dos fanáticos, já seria suficiente para assustar a Razão. Que dizer do Boko Haram, das mortes provocadas pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico, dos atentados na Tunísia, no Iêmen ou onde mais seja, que prosseguem no caminho perverso do ataque, já antigo, às torres gêmeas ou ao Bataclan? O mundo parece percorrer um longo ciclo de desrazão que pode muito bem levar a uma guerra mundial.

Fernando Gabeira: As brumas de janeiro

- O Globo

Viajaram todos no réveillon, fiquei só em casa, com uma delicada missão: acalmar os quatro gatos durante os 17 minutos dos fogos em Copacabana. No fim, deu certo. Vieram todos para a minha cama, redobrei a atenção com uma delas que tem o hábito de fazer xixi fora do lugar, quando contrariada. Nessa breve semana de férias, constatei que em 2018 vou trabalhar mais ainda. São as circunstâncias. Minha pergunta é esta: que tipo de qualidade necessito para encarar as novas tarefas?

Para fazer mais e melhor, destaco sempre uma delas, que nem sempre me acompanha, na trajetória agitada: concentração. Costumo levar na mochila um velho livro do sexto patriarca da Escola do Sul: Hui Neng, um sábio budista. Volta e meia, bate na tecla da concentração. No seu universo, a concentração é indispensável ao caminho espiritual. Mas nada impede que seja também um instrumento valioso na nossa vida cotidiana.

Definidos objetivo e método, nada melhor que usar os restantes momentos de férias para me dispersar. Ou, pelo menos, sentir a força avassaladora das múltiplas atrações que disputam nossa atenção. Dentro de casa, com livro, tevê e internet, é possível se perder completamente, em romances, ensaios, biografias, perfis, curtas, debates inteligentes e bobagens engraçadas.

Vi um perfil de Francis Bacon, cujos quadros sempre me impressionaram e a quem só conhecia de um livro de entrevistas. Fiquei triste com seu cotidiano pontilhado de crises, suicídio de um de seus amantes no momento de sua grande consagração internacional: a exposição no Grand Palais, em Paris. Lembrei-me de Van Gogh, pobre, dando sua própria orelha para uma prostituta. É como se fosse uma lenda: não me comove tanto. E pensei: as dores dos contemporâneos parecem ser as nossas dores.

Merval Pereira: A pequena política

- O Globo

O ministro Moreira Franco em entrevista ao GLOBO, justificando a política do “toma lá dá cá” explicitada por seu colega Carlos Marun, que exigiu o apoio à reforma da Previdência em troca de financiamentos de bancos públicos, disse que o sistema de reciprocidade existe desde a Roma Antiga.
De fato, se pegarmos o livro “A campanha eleitoral na Roma Antiga”, do historiador alemão Karl-Wilhelm Weeber, veremos que “operava o princípio da assistência recíproca”: “(...) A rede de amigos ativos na política constituía-se, no contexto da campanha eleitoral romana, um elemento de capital importância”.

Era importante, diz o historiador alemão, mobilizar velhos aliados, cobrar a gratidão por um benefício concedido, cercar-se de amigos ativos na política que tiveram apoio em situações análogas e, se possível, exibir a simpatia de apoiadores célebres, prestigiados, que possam fornecer referência sobre a capacidade do candidato.

“Sucesso gera sucesso”, um slogan válido até para a campanha eleitoral romana. Quanto mais numerosos e prestigiados eram os apoiadores, tanto mais provável que as pessoas simples seguissem esse “modelo”. Até mesmo os vizinhos tinham papel importante nas campanhas eleitorais.

Igor Gielow: Quando Bolsonaro é Trump

- Folha de S. Paulo

Há saborosas inconfidências trazidas à tona pelo jornalista Michael Wolff em seu bombástico livro sobre a Casa Branca de Donald Trump, a maioria delas crível.

O fato de o presidente ter tentado barrar a publicação só reforça esse caráter, mesmo que a prudência recomende um bom distanciamento ao ler esse tipo de obra e que o autor faça ressalvas sobre o que escreveu.

Isso dito, verdadeira ou não, a revelação de que Trump nunca acreditou na vitória e via na campanha um brilhante veículo para projetar seu ego, só para o desespero generalizado quando Hillary Clinton emergiu derrotada, é bastante coerente com tudo o que ocorreu na Presidência americana nos meses seguintes.

Impossível não pensar no Brasil. Olhando para trás, essa narrativa se encaixa à perfeição com o que vários auxiliares próximos de Marina Silva descreviam no tão distante 2014.

A então candidata a presidente chegou a liderar a corrida antes de ser destroçada pela campanha do PT.

Eliane Cantanhêde: Ataque especulativo

- O Estado de S.Paulo

Alckmin é a única opção do centro, mas é espicaçado por FHC, aliados e governo

A candidatura do tucano Geraldo Alckmin está sob ataque especulativo desde que ele fechou 2017 e entrou no ano eleitoral como a melhor (talvez única) opção de centro, mas sem empolgar os políticos, o mercado e o eleitorado. O pior golpe partiu justamente do principal líder do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique. Ao ser pragmático e realista, FHC beirou a crueldade ao analisar as chances do governador.

Em entrevista ao Estado, já no primeiro dia útil do ano, o ex-presidente lançou um misto de advertência e grito de guerra: ou Alckmin finalmente mostra que pode aglutinar o centro, convencer o eleitor e se viabilizar como candidato, ou o PSDB poderá, sim, apoiar “alguém com capacidade para juntar e que tenha princípios próximos aos nossos”.

Uma cacetada. E ganha ainda mais força porque Luciano Huck deixou uma ponta solta ao jogar a toalha e entrou em 2018 retomando conversas com o PPS, consultando institutos de pesquisas e botando sua tropa de prontidão. Dizem as más línguas que FHC respalda esses movimentos.

Vera Magalhães: Só gol contra

- O Estado de S. Paulo

Governo iniciou 2018 com o pé esquerdo, o que coloca em xeque ideia de votar Previdência em fevereiro

O governo Michel Temer está empenhado em votar a reforma da Previdência agora e não medirá esforços para isso, certo? A julgar pelas notícias destes primeiros dias de 2018 parece difícil de acreditar. Com a votação pela Câmara marcada para 19 de fevereiro, ou seja, logo ali, Temer assiste a uma debandada de ministros, sem que os indicados para suceder-lhes se comprometam com a aprovação da mudança nas aposentadorias e pensões.

Para além das desculpas de cada um para abandonar o barco, a impressão geral que essas saídas prematuras causa é a de que, candidatos, os auxiliares de Temer não queriam se comprometer com a articulação de uma reforma que ainda é impopular, apesar das campanhas de esclarecimento sobre sua necessidade e urgência.

Num governo mais estruturado, o presidente seguraria os afoitos para que só fizessem a marola depois da votação na Câmara e condicionaria a manutenção dos espaços dos partidos à aprovação da medida – afinal, uma coalizão tem de valer justamente para propostas que mudam os rumos do país, e não apenas para salvar a pele do presidente.

Samuel Pessôa*: Regra de ouro e nosso contrato social

- Folha de S. Paulo

É necessário que o não cumprimento da regra de ouro deflagre medidas corretivas automaticamente

O terceiro inciso do artigo 167 da Constituição Federal impede (ou veda) "a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta".

Essa vedação, conhecida por regra de ouro, impede que o governo se endivide para pagar gastos com custeio. Permite-se o endividamento para financiar o investimento em capital produtivo e a rolagem da dívida, isto é, emitir dívida nova para pagar dívidas vincendas.

No período em que a inflação era muito elevada, a regra de ouro não era problema. Com inflação alta, a maturidade da dívida pública era curta. O grosso do gasto público era com a rolagem da dívida pública.

Míriam Leitão: Números e sentimento

- O Globo

O ministro Henrique Meirelles teve outro dia que atravessar um supermercado, ao sair de um evento no Rio. Aproveitou e perguntou a uma consumidora como estava a inflação, certo de que ouviria alguma boa avaliação porque o país está com uma das menores taxas da história. “Está altíssima”, ela respondeu. Ele perguntou sobre o futuro, e ela disse que os preços subiriam.

Números bons o governo tem para mostrar na economia, mas a percepção da população não é essa. Como a recessão foi forte demais, toda a sensação de desconforto se mistura. A relação do Brasil com a inflação é complexa, porque, em geral, perguntados, os brasileiros costumam dizer que ela vai subir. Esse é um medo quase atávico, afinal, foram 50 anos de alta constante com episódios de hiperinflação ao fim daquele período.

Os consumidores só sentiram a diferença nos momentos em que a queda foi forte e somada a um aumento do nível de atividade. A última vez que isso aconteceu foi em 1994. Antes disso, em 1986. Nesses dois anos, houve efeito direto nas eleições. Em 1986, com o Cruzado, o PMDB teve uma vitória consagradora em todo o país. Em 1994, o candidato do governo Itamar a presidente, Fernando Henrique Cardoso, ganhou as eleições no primeiro turno derrotando os que tinham estado nos primeiros lugares nas pesquisas no início da disputa: Lula e Maluf.

Affonso Celso Pastore: Que Brasil queremos?

- O Estado de S. Paulo

Graças ao Banco Central, que ancorou as expectativas e recompôs a credibilidade antes de iniciar a queda da taxa de juros, e à aprovação da emenda constitucional que congelou os gastos primários reais, a confiança começou a ser restaurada. A isso se somam: a reforma trabalhista; a decisão de acabar com os subsídios implícitos do crédito por parte do BNDES; e várias ações no campo microeconômico. Confiança mais alta, juros mais baixos e a pequena melhora no mercado de trabalho levaram à retomada do consumo das famílias, mas, observando os dados e os riscos políticos, não há nada muito animador ocorrendo com os investimentos.

Sair da recessão é fácil. Difícil é o aumento persistente da taxa de crescimento, que depende da taxa de investimentos e da produtividade do trabalho. No passado distante, a demografia ajudava. Altas taxas de natalidade elevavam o crescimento da população em idade ativa, aumentando o PIB. Com um regime previdenciário de participação, os “moços” (em maior proporção) contribuíam para os benefícios pagos aos “idosos”. A mudança demográfica reduziu o crescimento da população de “moços” e sua contribuição para o PIB, e o aumento da proporção de “idosos” nos leva, a menos que se realize uma profunda reforma da Previdência, à crise fiscal.

Bolívar Lamounier: Como nos tornamos o que hoje somos?

- Revista IstoÉ

Somos uma gente impedida de empreender e trabalhar, pois té hoje não conseguimos nos livrar do Estado patrimonialista

Durante a primeira metade do século passado e até algumas décadas atrás, numerosos escritores tentaram compreender o “caráter nacional” brasileiro. Uns o descreviam como otimista, alegre, bondoso e cordial; para outros seríamos justo o contrário: pessimistas, tristes, egoístas, violentos. Prepotentes para uns, subservientes para outros.

Tais tentativas nunca deram bons resultados, pela singela razão de que partiam de uma premissa insustentável: a de que o caráter de um povo seja imutável ao longo do tempo e possa ser retratado por meio de um traço ou de um pequeno conjunto de traços comuns.

Auxiliado por Francisco Almeida e Zander Navarro, o senador Cristovam Buarque retomou a questão mencionada de uma forma instigante e inovadora no livro “Brasil, brasileiros: por que somos assim?” (Editora Verbena, 2017). Na condição de organizadores, os três convidaram dezesseis autores renomados a responder a questão, oferecendo cada um sua definição daquele “assim” do título – sua imagem dos brasileiros como povo – e tentando explicar como se formaram nossos traços predominantes.

Luiz Carlos Azedo: Salvadores da pátria

- Correio Braziliense

O sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham

A face mais popular do iberismo no Brasil é o sebastianismo, um mito messiânico originário do desaparecimento do D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, a 4 de agosto de 1578. Menino ainda, pois tinha somente 14 anos, o rei de Portugal não deixou herdeiros. Em consequência, a primeira nação da Europa ocidental, que vinha de um exitoso ciclo de expansão marítima, mergulhou num período de frustração e desgoverno, sendo anexada pela Espanha em 1580. À época, o episódio personificou o mito do Encoberto, muito conhecido entre os cristãos-novos, por causa das profecias de Gonçalo Antônio Bandarra, um sapateiro de Trancoso, cujas trovas incomodavam a Inquisição:

“Augurai, gentes vindouras, / Que o Rei que daqui há-de-ir, / Vos há-de tornar a vir/ Passadas trinta tesouras. / Dará fruto em tudo santo, /Ninguém ousará negá-lo;/ O choro será regalo/ E será gostoso o pranto.”

Em sua defesa, Bandarra sustentou, perante os inquisidores, que havia se inspirado na Bíblia, ao ler os livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, que profetizavam a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça aos povos da terra. Esse foi o ponto de partida para criação do mito, que mais tarde seria acalentado nas obras de Camões, do padre Antônio Vieira e até mesmo de Fernando Pessoa, que invoca o velho sebastianismo para mexer com os brios dos portugueses, diante da decadência em que se encontrava o seu país na primeira metade do século passado, desencantado com a República e a humilhação perante a Inglaterra.

Multa da Petrobras reafirma o crime do petróleo: Editorial/O Globo

Acusados e condenados costumam continuar a jurar inocência, mas a indenização bilionária que a estatal se propõe a pagar descredencia essas juras

Sempre negar é regra seguida por acusados de crimes. Mesmo que as evidências o desmintam, não importa que já seja um condenado. No mundo do colarinho branco, Paulo Maluf é o símbolo maior deste costume, e deve sair da Papuda sem mudar. No seu caso, de desvio de dinheiro de obras em São Paulo, lavagem e remessa para o exterior, na última passagem pela prefeitura da cidade, há, entre outras, provas documentais (assinaturas etc.). Mas isso não importa.

O mesmo se repetiu no mensalão do PT (também no do PSDB) e ocorre no petrolão, do PT e associados (MDB e PP, os principais). O ex-presidente Lula sempre negou o mensalão, mesmo que várias estrelas mensaleiras de primeira grandeza do partido tenham cumprido penas em prisão (José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares etc.), definidas pelo Supremo Tribunal.

A verdade acima de tudo: Editorial/O Estado de S. Paulo

As eleições gerais deste ano, mais do que todas as outras havidas desde a redemocratização, dirão mais sobre os eleitores do que sobre os eleitos. Das urnas sairá o atestado de maturidade da Nação. Muito tem sido dito sobre a importância deste pleito em especial e, não sem razão, do papel que ele terá na definição do futuro próximo do País.

Ainda que as candidaturas não estejam oficialmente determinadas, não seria incorreto afirmar que em outubro será dado aos brasileiros escolher entre dois caminhos diametralmente opostos: o conforto da esperança charlatã vendida pelos populistas e a dureza da verdade que precisa ser dita por aqueles que se julgam à altura de liderar o País com responsabilidade.

Em outras palavras, tratar-se-á de uma opção entre a manutenção das benesses fugidias, restritas a uns poucos e insustentáveis a médio prazo, e o apoio à adoção de medidas austeras, impopulares, porém absolutamente necessárias para o equilíbrio fiscal que irá pavimentar o caminho da retomada do crescimento econômico e da construção de um país mais justo.