sábado, 13 de abril de 2019

Merval Pereira: Estado calamitoso

- O Globo

A cada ano, as milícias ficam mais poderosas no Estado do Rio, disputando com o tráfico de drogas o comando de territórios

Acidade está abandonada, dominada pela bandidagem. O estado vive uma calamidade permanente, há anos. Não é possível que dois prédios de cinco andares sejam erguidos sem que o poder público fiscalize. Não apenas na Muzema, mas em várias localidades da cidade, anos após anos reportagens mostram o crescimento vertical de comunidades como a Rocinha. Somos um espelho do que acontece no Brasil todo, onde os milicianos já estão presentes disputando espaço com os traficantes e outros criminosos.

Formadas por militares da ativa e da reserva, têm ligações com as polícias locais e trabalham as informações internas que recebem para se manterem longe do alcance da lei. Não se deve falar de omissão, mas de cumplicidade dos diversos órgãos governamentais, pois só assim pode ser explicado o fracasso de seguidos governos estaduais em controlar as milícias e suas ações.

Os governos falharam redondamente no combate ao crime organizado, e a recente tragédia do fuzilamento de um músico por militares é consequência disso. As UPPs, que eram parte de um projeto que deu certo durante algum tempo, foram desperdiçadas pela politicagem do governador Sérgio Cabral, que, para eleger Pezão seu sucessor, espalhou UPPs indiscriminadamente pela cidade, perdendo a capacidade técnica de eficiência.

Fernando Gabeira: O Rio que passou

- O Globo

A chuva da última segunda-feira não foi apenas mais uma chuva. Ela tem de ser considerada um marco na necessidade de repensarmos a vida na cidade

Quando é que o Rio se estrepou? Vargas Llosa começa um romance perguntando o mesmo sobre o Peru. O estudo da gênese da derrocada cabe num romance. A tarefa central é como evitar o colapso maior. Algumas circunstâncias não animam. A primeira delas, de ordem geral: os eventos extremos devem continuar independentemente do esforço planetário para reduzir emissões. Eles já fazem parte do cenário irreversível. É difícil imaginar uma performance melhor do poder local. Ainda que os governos melhorem, seu limite é nítido.

O único fator de esperança está na sociedade, no seu potencial solidário. Não me refiro a uma solidariedade apenas quando as coisas acontecem.

Ela precisa ser constante e organizada. Nos lugares sujeitos a ciclones e furacões já uma grande preparação para enfrentá-los, inclusive cartilhas sobre o que fazer. Visitei uma comunidade em São Gonçalo onde havia um bote num lugar determinado, lista dos moradores que não podem se mover, que dependem de hemodiálise, além dos lugares de refúgio.

Claro que a Defesa Civil comunitária não basta. Ela apenas revela um potencial de reduzir os danos. Mas serve de inspiração para um trabalho muito mais amplo. Ninguém recomenda de boa-fé apenas enxugar o gelo. Mas é necessário uma compreensão do buraco em que caímos para, pelo menos, tentar sair dele. Faltam líderes? Se limitamos o conceito de líder apenas aos políticos, certamente falta. Mas o tipo de reação social necessário traz à tona líderes em diferentes dimensões que não dependem de votos.

*Sérgio Besserman: Saída é criar espaço para o diálogo

- O Globo

Nas últimas décadas, as milícias, o narcotráfico e a informalidade econômica se misturaram à política e à própria governança do Estado, limitando a capacidade de a sociedade carioca transformar ideias em ações, formar consenso para realizar transformações necessárias. Isso tudo esgarçou nosso tecido social.

O sociólogo Roberto DaMatta fala na questão das leis da casa e das leis da rua, e o Rio de Janeiro é talvez o lugar que melhor ilustra nossa incapacidade coletiva de fazer essa distinção. Aqui, a casa está na rua.

É claro que um ambiente de raiva e polarização não ajuda, mas a saída é criar espaços para o diálogo na sociedade que proporcionem a força para transformação das quais precisamos.

*Economista e professor da PUC-Rio

*Ivanir do Santos: Falta uma liderança que entenda o Rio

- O Globo

Nunca houve uma chuva como essa, e, num momento como esse, fica evidente que você tem uma liderança na cidade que não é liderança, é uma limitação. Falta uma liderança que consiga entender a diversidade e a pluralidade que tem nessa cidade. Não pode pegar os componentes fundamentais na identidade do Rio de Janeiro e tratar como uma coisa pequena.

Num momento como esse, era para a sociedade toda estar mobilizada. Todos os setores, todas as religiões, todos os grupos culturais e intelectuais, para mudar o rumo da cidade. Toda crise é sinal de oportunidade. Cabe aos cidadãos trazer para si a responsabilidade de construir um projeto plural no futuro, procurar apoiar uma liderança que nos respeite.

*Babalaô e doutor pela UFRJ

Míriam Leitão: O retorno da intervenção

- O Globo

Há dois caminhos e só um é certo. Foi isso que a queda das ações da Petrobras mostrou ontem. Os preços dos combustíveis podem ser fixados tecnicamente pelas mais diversas fórmulas, mas jamais decididos pelo presidente da República. O caminho escolhido por Jair Bolsonaro foi o mesmo usado pela ex-presidente Dilma e que produziu um grande prejuízo para a estatal. Não é pelo adiamento em si do reajuste do diesel, é porque ele rasga a política de preços e contradiz a agenda liberal do ministro Paulo Guedes.

Há várias formas de reajustes que obedeçam as leis de mercado. Nenhuma delas comporta uma decisão tomada por um telefonema do Palácio do Planalto. A revisão pode ser diária, quinzenal, ou por uma fórmula, mas tudo tem que ter parâmetro transparente. A greve dos caminhoneiros exibiu um problema concreto. Os motoristas saíam com um frete contratado e no meio da viagem o preço do insumo subia. Isso os levava ao prejuízo. O governo Temer encontrou uma nova fórmula de reajustes mais espaçados, com compensações à Petrobras pelo Tesouro. E por que compensar a estatal? Porque quem dá subsídio é o Tesouro e jamais uma empresa de capital aberto, do contrário há uma distorção de preço e o uso político da estatal.

Durante a campanha, Jair Bolsonaro foi perguntado várias vezes sobre o assunto. A política de preços estabelecida no governo Temer, depois da greve, acabaria no fim de dezembro. A nova administração teria que pensar numa saída. Qual seria? Ele tinha apoiado a greve dos caminhoneiros em mais um ato populista da sua campanha. O economista indicado como futuro ministro é um liberal e, por óbvio, contra o controle de preços. Perguntado sobre essa contradição, ele dava respostas vazias — “isso é com o posto Ipiranga” — ou era ambíguo. Há uma hora em que a ambiguidade se esclarece. Foi agora, com a decisão de Bolsonaro de mandar o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, revogar o aumento do diesel.

Luiz Carlos Azedo: Secos e molhados

- Nas entrelinhas / Correio Brasiliense

“As conversas de Bolsonaro com os líderes do Centrão foram muito protocolares, apesar da aparente informalidade, e muito pouco resolutivas”

O presidente Jair Bolsonaro assinou, ontem, 18 decretos para comemorar os 100 dias de governo, entre os quais os projetos de autonomia do Banco Central e de educação domiciliar, muito polêmicos. Após a cerimônia em que anunciou a medida, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez um balanço das realizações do governo, dizendo que o presidente havia cumprido mais do que as 35 metas anunciadas no Plano dos 100 dias. O pacote mistura medidas de grande alcance para a economia com mudanças meramente burocráticas, como num armazém de secos e molhados.

As medidas anunciadas, ontem, também foram incluídas no balanço de realizações. “Existem ações que precisavam estar delimitadas e apresentadas. Como o estudo em casa, a questão do Banco Central. São coisas que vão se prolongar. Nosso compromisso era ter uma ação dentro dos 100 primeiros dias que mostrasse que o governo estava trabalhando nisso”, explicou Lorenzoni. Na avaliação do governo, a reforma da Previdência será aprovada no primeiro semestre deste ano; a reforma tributária será o passo seguinte. “Iniciaremos no segundo semestre a descentralização dos recursos para estados e municípios. Vamos caminhar para uma reforma tributária que simplifique o sistema”, anunciou.

Entre as medidas de maior alcance anunciadas ontem estão a minuta de termo aditivo de revisão do contrato de cessão onerosa, firmado entre a União e a Petrobras em 2010; o projeto de lei complementar que garante autonomia ao Banco Central; e o projeto que será enviado ao Congresso para regulamentar a educação domiciliar, com “requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir”. Outro projeto padroniza o procedimento adotado para instituições públicas e privadas para a nomeação dos seus dirigentes, passando a prever que os dirigentes e administradores de bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa, tenham de ser aprovados pelo Banco Central, usando critérios que serão estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional.

O Rubicão do governo, porém, continua sendo a Previdência. Enquanto Bolsonaro fazia o balanço, deputados do chamado Centrão se articulavam na Câmara para inverter a pauta da próxima sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com objetivo de votar a PEC das emendas impositivas de bancada ao Orçamento da União antes do relatório sobre a reforma da Previdência. Pedem precedência por se tratar de um projeto da própria Casa, que foi alterado no Senado e, por isso mesmo, precisa ser novamente apreciado pelos deputados, antes de ser promulgado.

A inversão da pauta depende do presidente da comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que sofre forte pressão. Caso não aceite a mudança, o próprio plenário da CCJ pode inverter a pauta, o que não é improvável. Os articuladores do governo veem na mudança uma manobra para atrasar a reforma e aumentar o poder de barganha do Centrão. Na verdade, as conversas de Bolsonaro com os líderes do Centrão foram muito protocolares, apesar da aparente informalidade, e muito pouco resolutivas. Havia expectativa de nomeação de um político para o Ministério da Educação, mas essa não foi a opção do presidente da República, que nomeou o economista Abraham de Bragança Vasconcelos Weintraub para o cargo.

Marcus Pestana: O complexo desafio do emprego no mundo da inovação

- O Tempo (MG)

Na última semana, refleti sobre valores abstratos e subjetivos essenciais para nossa vida, tais como, ética e liberdade. Mas, longe de qualquer determinismo economicista, é preciso reconhecer que a vida humana é movida primariamente por necessidades muito concretas e objetivas, como a própria sobrevivência.

Desde as comunidades primitivas, o processo de trabalho vem se sofisticando. Das sociedades coletoras nômades até a era da Internet e dos robôs, o mundo do trabalho foi sacudido por ondas de inovação que revolucionaram as formas de organização produtiva. O crescimento da economia com base no aumento dos investimentos e do consumo, por si só, garantia o aumento geral do bem estar, do emprego e dos salários.

Isto não é mais verdade absoluta na economia do século XXI, após o choque de inovações trazido pelas novas tecnologias e as mudanças na produção de bens e serviços.

Precisamos reciclar a discussão no Brasil. Vários dos debates presentes – previdência, reforma tributária, estratégias de desenvolvimento – estão olhando pelo retrovisor, sem considerar a mudança de paradigma acontecido no mundo e no país, onde a economia, organizada pelo mercado maestro dos fatores de produção e com forte presença do Estado nacional, foi substituída por novos arranjos produtivos num mundo globalizado.

Julianna Sofia: Malabarismo fiscal

- Folha de S. Paulo

Guedes descumprirá promessa de zerar déficit em 2019, e rombo para 2020 só cresce

O primeiro Orçamento com as digitais de Jair Bolsonaro deverá ser tão encruado quanto a peça que o presidente herdou do antecessor, Michel Temer. Na montagem das diretrizes orçamentárias de 2020, a equipe econômica encontra dificuldades para reduzir o tamanho do buraco nas contas, e a meta de déficit primário deverá superar R$ 120 bilhões. Neste ano, a previsão é de R$ 139 bilhões.

Paulo Guedes (Economia) assumiu o ministério prometendo algo irreal: zerar o rombo fiscal ainda em 2019. Não entregará a mercadoria —nem agora, nem ano que vem.

A economia anda de lado. As previsões de crescimento vêm sendo derrubadas semana após semana. Com a atividade fraca, a receita de tributos do governo federal também cai. Dinheiro das privatizações e do megaleilão de petróleo do pré-sal são esperados, mas o próprio Executivo tem sido conservador nas previsões de quanto será arrecadado e de quando os recursos extras ingressarão no caixa do Tesouro.

Hélio Schwartsman: Nova política de drogas

- Folha de S. Paulo

Se há um consenso, é o de que não há tratamento único que sirva para todos

A Política Nacional de Drogas do governo Bolsonaro vai priorizar programas que busquem a abstinência do usuário, em vez da redução de danos. Penso que é um erro.

Há políticas públicas que são “one size fits all” (de tamanho único) e outras que não são. Um bom exemplo da primeira é a definição do método de alfabetização. Não há criança que aprenda a ler sem desenvolver a consciência fonológica, daí que é importante ensinar explicitamente a correspondência entre sons e letras.

Um bom corpo de trabalhos científicos feitos em outros países corrobora a ideia de que os métodos fônicos são superiores. Nunca será o caso de proibir técnicas diferentes, mas faz sentido apostar mais no que comprovadamente funciona melhor.

A questão da dependência é totalmente diferente. Se há um consenso na psiquiatria, é o de que não há tratamento único que sirva para todos os pacientes. Se o sujeito é um dependente pesado e tem inclinações religiosas, o internamento numa comunidade terapêutica com vistas a alcançar a abstinência tende a ser uma boa pedida.

*Demétrio Magnoli: Rumo ao segundo Israel?

- Folha de S. Paulo

Netanyahu rompe com o consenso sionista que se estendia da esquerda à direita

A reeleição de um líder político deve, normalmente, ser examinada sob o registro da continuidade. A regra não se aplica ao triunfo de Binyamin Netanyahu nas eleições gerais israelenses. Na campanha, o primeiro-ministro prometeu anexar as colônias israelenses na Cisjordânia e declarou que "Israel não é um Estado de todos os seus cidadãos".

À luz do "Deus de Trump" (apud Ernesto Araújo), Netanyahu avançou os sinais vermelhos sempre respeitados pela corrente principal do sionismo. Nesse passo, ameaça levantar a âncora que prende Israel à rocha da democracia.

A maior vitória militar de Israel trouxe com ela um desafio de natureza existencial. Depois da Guerra dos Seis Dias (1967), o Estado judeu converteu-se em potência ocupante dos territórios palestinos (Jerusalém Oriental, Cisjordânia, faixa de Gaza).

O rápido crescimento demográfico palestino descortinou a perspectiva de configuração de uma maioria populacional árabe no conjunto geopolítico Israel/Palestina. O exercício da soberania sobre uma maioria destituída de direitos políticos terminaria por corroer os fundamentos democráticos de Israel. O Estado judeu teria que escolher entre a democracia e a ocupação.

Os Acordos de Oslo (1993) surgiram como solução para o dilema. A paz pela partilha da Terra Santa em dois Estados não só atenderia à demanda nacional palestina como protegeria o caráter judeu e democrático de Israel. O fracasso dos acordos de paz recolocou o dilema. Netanyahu oferece, agora, sua própria solução: a ocupação permanente, a renúncia à democracia, a refundação de Israel como Estado baseado na discriminação étnica oficial.

*Nabil Bonduki: A verticalização nas favelas fará novas vítimas

- Folha de S. Paulo

Especulação imobiliária informal e ação do crime ajudam a explicar tragédias


“Coloquei dois caminhões carregados com 32 toneladas na garagem para ver se o prédio aguentava, e aguentou. Por si só o prédio não cai. Só se for por um castigo divino”

O relato, de um pedreiro que construiu um prédio de cinco andares em um assentamento precário em Perus (zona norte de SP), registrado em uma reportagem da Veja SP (5/4/2019), explica parcialmente a tragédiaque ocorreu ontem na comunidade de Muzema, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde dois prédios caíram matando duas pessoas e ferindo outras tantas.

A ação do crime organizado, como a milícia, que é hoje um investidor no mercado imobiliário ilegal das “comunidades”, explica o outro lado da questão.

A tragédia explicita, de forma dramática, a transformação acelerada das favelas das grandes metrópoles em um território de especulação imobiliária informal, aberto para um selvagem processo de produção de moradias, que objetiva apenas a obtenção de um ganho financeiro, distante do “estado de necessidade”, que justifica a tolerância em relação à favela.

O prédio construído em Perus, sem responsável técnico, sem projeto arquitetônico, sem cálculo estrutural e sem registro imobiliário, tem cinco apartamentos de 50 a 70 metros quadrados que são alugados por R$ 500 a R$ 700. Não se exige comprovação de renda nem fiador. Se não pagar o aluguel, o inquilino é ameaçado e retirado à força.

*Oscar Vilhena Vieira: A lei à margem da lei

- Folha de S. Paulo

A violência do Estado é uma consequência de sua própria incapacidade

A morte do músico Evaldo Rosa do Santos, 46, está longe de ser um incidente, um lamentável erro de um pequeno grupo de militares jovens e despreparados que, dominados pelo medo e forte emoção, dispararam nada menos que 80 tiros contra o veículo que transportava sua família. Ela é fruto de décadas de descaso com a segurança pública e, no dizer do escritor Mia Couto, também "a manifestação de uma outra lei que se quer fazer à margem de toda a lei".

A morte de civis pelas forças de segurança do Estado brasileiro tem sido uma prática sistemática ao longo da nossa história. Durante o regime militar, foi uma política de Estado, que levou à execução, à tortura e ao desaparecimento de centenas de dissidentes, como demonstrado pela Comissão Nacional da Verdade. A Lei de Anistia, de 1979, permitiu que militares e civis envolvidos na repressão e na prática de crimes contra a humanidade se evadissem de suas responsabilidades.

Nas últimas décadas, foram milhares as pessoas mortas em confrontos com alguns setores das polícias que passaram a funcionar à margem da lei. Apenas em 2017, mais de 5.100 pessoas, em especial jovens negros que habitam nossas periferias, perderam a vida em embates com órgãos de segurança; isso sem falar nas incontáveis mortes provocadas por milícias e esquadrões da morte, que funcionam com a omissão ou conivência do Estado.

João Domingos: Político, não liberal

- O Estado de S.Paulo

Veto de Bolsonaro ao aumento do diesel não deveria causar surpresas

Causou certa perplexidade no mercado e entre pessoas de tendências liberais na economia a decisão do presidente Jair Bolsonaro de, anteontem, mandar a Petrobrás suspender o reajuste de 5,74% no preço do diesel. Não é próprio dos liberais vigiar a política de preços de uma empresa, mesmo que seja estatal, disseram inúmeras vozes.

O próprio Bolsonaro revelou que tomou mesmo a decisão de vetar o reajuste no preço do diesel, o maior porcentual desde que assumiu o governo. E o fez, segundo ele, porque está preocupado com o transporte de cargas, com os caminhoneiros, por serem pessoas que movimentam riquezas de norte a sul, leste a oeste, devendo ser tratados com o devido carinho.

Bolsonaro acrescentou que sempre disse que não entende de economia. E que os que disseram que entendem de economia afundaram o Brasil, numa referência direta à presidente cassada Dilma Rousseff, que submeteu a Petrobrás a um rígido controle de preços e quase quebrou a empresa. O presidente informou ainda que convocou a direção da Petrobrás para que explique por que aplicaria um reajuste superior à inflação do ano.

Há alguns pontos a serem considerados a respeito da decisão de Bolsonaro quanto ao veto ao aumento do preço do diesel. A decisão dele foi política. Ele não quer saber de arrumar encrenca com os caminhoneiros, que aqui ou em qualquer lugar do mundo causam um estrago sem tamanho na economia e na vida das pessoas quando fazem bloqueio de estradas. É só se lembrar do que ocorreu no País há menos de um ano com a greve dos caminhoneiros. Até hoje a economia se ressente daquela paralisação.

Adriana Fernandes: No cangote de Guedes

- O Estado de S.Paulo

Equipe econômica está levando um baile no Congresso por conta da desorganização do governo na articulação política

A crise política entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso formou uma ferida aberta que hoje representa uma ameaça real ao processo de saneamento das contas públicas.

A desorganização do governo na articulação política é tamanha que a equipe econômica está levando um baile no Parlamento em propostas que podem atrapalhar a política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de colocar as contas públicas no azul o mais rápido possível.

A rapidez na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo foi um primeiro sinal dessa fragilidade. Outros movimentos sucessivos nos últimos dias mostraram que os parlamentares estão dispostos a seguir à risca o script oferecido de bandeja pelo próprio presidente da República ao passar a bola do protagonismo da agenda econômica ao Congresso.

Focada na tramitação da proposta de reforma da Previdência, a área econômica também não parece estar afinada com o Palácio do Planalto para minimizar as perdas em outras batalhas mais silenciosas que começam a ganhar força no Congresso.

Pelo contrário, Bolsonaro sinalizou que pode atender à bancada ruralista e dar um perdão de R$ 17 bilhões da dívida dos produtores com o Funrural, espécie de contribuição previdenciária do setor. Uma decisão que contraria as diretrizes da agenda liberal do seu ministro da Economia.

Se seguir com esse plano, além de prejuízos para a marca que pretende emplacar no seu governo do fim do toma lá dá cá, o presidente também pode correr o risco de ser punido por crime de responsabilidade fiscal. Uma advertência que foi alardeada pelo hoje desafeto de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

José Márcia Camargo*: Racionalidade no gasto com justiça social

- O Estado de S.Paulo

A redução da desigualdade é um aspecto importante da Nova Previdência que tem recebido menos ênfase

A proposta de reforma da Previdência tem dois aspectos importantes. De um lado, gera uma redução de gastos com aposentadorias e pensões da ordem de R$ 1,2 trilhão em dez anos. Se essa poupança fosse igualmente distribuída ao longo dos anos, seriam R$ 120 bilhões por ano. Isso significaria zerar o déficit primário do setor público, sem qualquer esforço adicional de redução de gastos com saúde, educação, segurança pública, etc. Se levarmos em consideração que o Brasil gasta hoje 14% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com previdência e assistência social e tem 9,5% de sua população com 65 anos ou mais, este é um ponto extremamente importante e tem sido justamente enfatizado nas discussões.

Entretanto, existe um segundo aspecto da proposta de reforma que tem recebido menos ênfase, mas que, em razão do elevado nível de desigualdade na distribuição da renda no País, é também de grande importância, qual seja, a questão da justiça fiscal.

Como veremos, mesmo que todos os grupos de trabalhadores deem alguma contribuição para a redução de gastos com previdência, caso a proposta seja aprovada como foi enviada ao Congresso Nacional, os grupos de renda mais elevada deverão contribuir com uma parcela substancialmente maior do que os grupos de renda mais baixa.

Para atingir este objetivo, calculamos a diminuição total de gastos que será obtida em cada uma das propostas e dividimos pelo número de trabalhadores que serão atingidos. Em outras palavras, calculamos o sacrifício per capita de cada grupo de trabalhadores.

Mario Vitor: Procuram-se moderados

- Revista IstoÉ

O atual cenário, construído a partir das manifestações em 2013, levou o sujeito ponderado ao ostracismo. À mudez absoluta

Se há um argumento que funciona na nossa política é o vitimismo. Assumir o papel do perseguido, daquele que não tem espaço para expor suas ideias ou que, na melhor das hipóteses, se vê intimidado quando ousa defendê-las em voz alta, é batata.

A sensação de injustiça acaba gerando dois sentimentos centrais, ambos positivos para quem se esconde debaixo de tal capa: pena e simpatia. Com isso, fica mais fácil angariar aliados para sua causa.

Funciona tão bem que levou a esquerda ao poder, espaço em que se encastelou por quase duas décadas. Serviu também na medida para impulsionar o bolsonarismo na última eleição. Contudo, verdade seja dita, se há uma minoria neste País, esta não se espelha em nenhum dos polos ideológicos que hoje se digladiam e envenenam o debate público.

Radicais à esquerda e à direita disputam, isso sim, a hegemonia. E achatam aqueles que realmente configuram um grupo menor, às vezes tido como pária em um ambiente forjado pelo acirramento da disputa.

Falo dos moderados.

Murillo de Aragão: O expresso do futuro

- Revista IstoÉ

Somos herdeiros do amor de quem nos legou invenções e progresso. Sem amor, o futuro não existiria nem na forma de esperança

Mauricio Puerta, astrólogo e arqueólogo colombiano, deparou-se certa feita com uma indígena caminhando por uma montanha de seu país. Ela levava consigo um pacote que Puerta não identificou de pronto. Ao ser indagada, respondeu que carregava o futuro. O futuro era o seu bebê, cuidadosamente abrigado dos ventos da montanha.

A sua singela resposta passava uma profunda noção a respeito da importância da continuidade, de nosso caráter transitório e da nossa responsabilidade como passageiros e condutores do expresso para o futuro. Mostrava igualmente que, no passado, já fomos também uma expectativa de futuro. Cuidaram de nós. Florescemos e construímos o presente. E, ainda agora, somos lançados rumo ao futuro. O que fazer desse “continuum”?

Ricardo Noblat: O pagador de promessas

- Blog do Noblat / Veja

O capitão e suas circunstâncias

Diga-se o que quiser do presidente Jair Bolsonaro a propósito dos seus primeiros cem dias de governo, menos que seja um mal pagador de promessas. Ou menos que sua eleição foi um estelionato eleitoral assim como a de tantos outros que o antecederam no cargo.

Bolsonaro está simplesmente fazendo o que prometeu fazer e o que resumiu assim durante a campanha do ano passado: “Eu sou o candidato contra o sistema. Eu vou quebrar o sistema”. Pode até não quebrar, mas se empenha para isso, sim.

Fracassaram todas as tentativas até aqui de normalizá-lo. O que significaria: pô-lo sob as rédeas curtas do sistema político, partidário e econômico. Antes de tudo, Bolsonaro é ele e as suas circunstâncias, e não é de todo mal que assim seja. Só aprendemos votando.

Mal seria se ele decepcionasse os milhões de eleitores que o puseram na presidência. Os que já começaram a abandoná-lo são apenas aqueles que o cavalgaram na esperança de derrotar o PT. Os demais seguem acreditando nele.

Bolsonaro sempre defendeu um Estado forte, regulador, capaz de intervir em quase tudo em nome do bem dos brasileiros. O Brasil acima de todos e só abaixo de Deus. Não foi de graça que como deputado tanto votou no Congresso alinhado com o PT.

Nada mais justo, pois, que resista a vestir a fantasia de liberal. Não é. Jamais será um liberal por sua própria formação. Nada entende de economia como já disse e repete. Mas não foi só por ignorância que decidiu meter-se na política de preços da Petrobras.

Foi por duas razões pelo menos: para pagar a dívida com os caminhoneiros que paralisaram o país há menos de um ano e que em seguida votaram em peso nele, e porque é mínima sua adesão às chamadas regras do mercado. Se preciso, que o mercado exploda.

Novamente Bolsonaro e o PT acabam por juntar os trapinhos. Lula e Dilma manipularam os preços dos combustíveis por achar que o mercado não pode tudo todo o tempo. Bolsonaro não pensa diferente deles, embora se negue a admitir.

No caso de Lula e Dilma havia uma razão a mais: a manipulação dos preços tinha a ver também com o seu desejo de se eternizarem no poder. Oito anos de Lula, oito ou quatro de Dilma, mais quatro ou oito de Lula, quem sabe mais oito de um aliado… Quase deu certo.

Bolsonaro, não. Ele foi candidato a presidente para reeleger os filhos e arrumar a vida da família. Aí o maluco do Adélio Bispo mudou seus planos esfaqueando-o em Juiz de Fora às vésperas da passeata do 7 de setembro. Acertou até na data.

Bolsonaro reconhece que sua vida foi salva por milagre, e que outro milagre salvou-o da derrota previsível. Suas recentes manifestações a respeito indicam que ele não estava pronto para governar. Que não gostaria de governar. Que governa de má vontade.

Mas uma vez que governa, não está disposto a renunciar ao que pensa, isso não. Ao cargo, muito menos porque seus filhos não deixariam, nem seu orgulho. Mas não é desejo dele ir além do atual mandato desde que possa exercê-lo naturalmente ao seu modo.

Rio, terra sem lei

Uma esculhambação
É possível que a prefeitura do Rio não soubesse que milicianos haviam construído em área de proteção ambiental e sem autorização dos órgãos competentes os dois prédios que desabaram, ontem, na Zona Oeste da cidade matando cinco ou mais pessoas e deixando outras tantas feridas?

Entrevista / "Chineses vão ganhar batalha contra os EUA", diz sociólogo francês Alain Touraine

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Para o francês Alain Touraine, a América perderá o domínio da tecnologia em alguns anos para a China

PARIS - Aos 93 anos, o sociólogo francês Alain Touraine começou a escrever seu último livro. Durante 59 anos de carreira acadêmica, já publicou quase 20 obras, daquelas de verdade, faz questão de precisar, em uma conta em que não entram os textos feitos para se distrair ou para entrar no debate da hora. "O último nunca é fácil. Com a minha idade, a probabilidade é que não dê tempo para outro depois", diz, em tom de confidência. Em um apartamento entulhado de livros, ele mora sozinho com um gato e fala do mundo com a mesma intimidade que tem com as ruas de Montparnasse, percorridas há décadas a caminho de suas aulas na École des Hautes Études de Sciences Sociales, em Paris. "Sobre o que vamos falar? Da Europa, do Brasil, da França?", pergunta, enquanto sorve um pequeno gole de Amaro, "licor italiano feito a partir de ervas", detalha.

Touraine continua dando seminários de manhã, já sobre o tema do "livro-testamento" ainda sem título, mas com grandes ambições. Suas duas perguntas básicas são: em que sociedade viveremos e quem serão os atores principais do século XXI? De alguma maneira, esse é seu tema desde os anos 60, quando escrutinava o mundo para entender o que batizou de sociedades pós-industriais, na época em que as fábricas começam a desaparecer e emergir o sujeito forjado pela modernidade, que se mobiliza não só pela consciência de classe, mas, cada vez mais, pela sua identidade e/ou sua cultura.

Foi ele um dos primeiros teóricos dos movimentos sociais, acompanhando desde o Solidariedade, na Polônia, ao Chile nos anos 70; do feminismo nas ruas de Paris aos protestos antinucleares na Alemanha. E assim continua até hoje. "O lugar das mulheres e dos imigrantes continuará a ser o grande debate deste século", diz.

Para marcar a criação dos 50 anos do Comitê de Pesquisa dos Movimentos Sociais, ele foi homenageado, em janeiro, com duas jornadas de debates, em que dialogou com dois famosos ex-alunos: numa delas, conversou sobre a França e a Europa com o sociólogo espanhol Manuel Castells e, em uma segunda, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre América Latina. Está pessimista com o Brasil. "Bolsonaro é um fenômeno, mas ele mesmo não tem nenhuma força política, nem nenhuma intenção, nenhum programa de governo", diz.

Valor: Os intelectuais fizeram um manifesto, lançando o senhor e Edgar Morin como candidatos à eleição do parlamento europeu. Por que não prosperou?

Alain Touraine: Foi um pequeno projeto, mas Morin tomou a palavra meio autoritariamente, dizendo que não se deveria fazer isso. Eu, que acreditava mais nessa possibilidade, concordei que era praticamente impossível lançar essa lista. Teríamos como bandeira "Por uma Europa migrante e solidária". Mas todos são contra a solidariedade com os imigrantes, salvo alguns intelectuais e alguns velhos católicos.

Valor: Vivemos em um momento de direitização na França e na Europa?

Touraine: Não diria isso. Estamos vivendo com partidos nem de direita nem de esquerda, mas "hors politique " [literalmente, fora da política]. É verdade que existem mais governos de extrema-direita do que de extrema-esquerda. É consequência de um fenômeno quase sem equivalência na história, o desmoronamento do sistema político ocidental. É bem recente. Na França, o ano traumatizante foi 2015, o dos atentados ao "Charlie Hebdo", e depois o Bataclan. Para a maioria, o ano marcante foi 2016, primeiro com o Brexit e, depois, com a eleição de [Donald] Trump. Não foi apenas uma crise. Foi o desmoronamento dos sistemas políticos da Inglaterra e Estados Unidos. Em 2017, apareceu [Emmanuel] Macron, quando na França não havia nem direita nem esquerda, era terra arrasada. Em 2018, teve o início do regime na Itália, com muitas características fascistas, o que não é um detalhe. E ainda veremos acontecer o desmoronamento do partido social-democrata alemão, um fenômeno prodigioso: a ruptura entre os sindicalistas, que formam a metade da social-democracia, e os intelectuais agora transmutados em ecologistas.

Ecos de Dilma: Editorial / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro intervém no preço do diesel para agradar a caminhoneiros

Durou poucos dias a trégua que Jair Bolsonaro (PSL) parecia oferecer a seu governo. Deixada de lado a briga com o presidente da Câmara dos Deputados que dificultava a reforma da Previdência, o presidente fomentou uma nova crise com a decisão atabalhoada de intervir no preço do óleo diesel.

Nesta sexta-feira (12), o combustível deveria ficar 5,7% mais caro nas refinarias, como a Petrobras havia anunciado no dia anterior. Seria o primeiro reajuste desde o final de março, quando a estatal definiu que as mudanças do preço, destinadas a acompanhar as cotações internacionais, se dariam em prazos não inferiores a 15 dias.

Já na noite de quinta, porém, a empresa recuou por meio de uma nota vexatória, em que atribuía a nova orientação de suspender o aumento a supostos novos cálculos e considerações técnicas —e não a uma ingerência política.

A embromação foi logo desmoralizada. Um líder dos caminhoneiros —categoria que mais uma vez ameaça com uma paralisação desastrosa para o país— agradeceu de público a Bolsonaro. Mais tarde, o próprio presidente relataria sua participação no episódio.

“Já falei que não entendia de economia, quem entendia afundou o Brasil”, justificou-se. A condução da medida mostra que seu despreparo transcende tal ignorância.

A invasão da Petrobrás: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro invadiu a Petrobrás. Em mais uma ação desastrada, ele mandou suspender um aumento de preço do diesel, chocou o mercado, assustou os investidores e derrubou as ações da companhia, o que causou uma perda de seu valor de mercado de R$ 32,4 bilhões. Agiu como seus antecessores petistas, deixou-se levar pelo voluntarismo e interveio na gestão de uma grande empresa de capital aberto. A política petista quase quebrou a estatal. A intervenção do presidente Bolsonaro lembra uma história de erros catastróficos, interrompida no governo do presidente Michel Temer, quando a administração da petroleira foi profissionalizada e voltou ao caminho certo. A ação do PT, dirão os defensores do presidente, favoreceu uma orgia de corrupção e nada parecido deve ocorrer neste governo. Pode ser, mas a mera intervenção na política de preços e em vários outros aspectos da administração seriam suficientes para impor perdas enormes.

“Não sou intervencionista. Não vou praticar a política que fizeram no passado, mas quero os números da Petrobrás”, disse o presidente. Essas palavras são tão assustadoras quanto a ordem de suspender o aumento de preço do diesel. Na mesma declaração o chefe de governo negou ser intervencionista e exigiu a apresentação dos números para sua avaliação. Essa exigência é uma clara e inegável intromissão num assunto tipicamente empresarial, a fixação do preço de um produto. Será o presidente Bolsonaro incapaz de perceber esse fato tão simples?

Vítimas de uma cidade sem ordem: Editorial / O Globo

Omissão do poder público está por trás de desabamento de prédios ilegais na Muzema, região controlada por milícias

As causas do desabamento de dois prédios de cinco andares, construídos ilegalmente na comunidade da Muzema, no Itanhangá, Zona Oeste do Rio, ainda estão sendo investigadas, mas já se pode descartar que o desmoronamento tenha sido fatalidade. Ao contrário. São muitos os fatores que conspiraram para a tragédia, que deixou pelo menos cinco mortos e 13 desaparecidos. E todos convergem para a ausência do poder público — prefeitura, estado e União —, que faz vista grossa para o crescimento, na região, de um Estado paralelo, governado por milicianos.

Agora, com as famílias chorando os mortos e bombeiros buscando pessoas em meio aos escombros, a sociedade se pergunta, perplexa, como prédios totalmente ilegais puderam ser construídos ao longo de meses, e ocupados como se fossem legais. Já existem algumas pistas. E elas não absolvem ninguém. Depois do colapso, ocorrido quatro dias após o temporal que matou dez pessoas no Rio, a prefeitura apressou-se em dizer que a Defesa Civil Municipal interditara os prédios em fevereiro deste ano. Medida que não surtiu qualquer efeito.

Vladimir Carvalho finaliza documentário sobre líder comunista

Por Amir Labaki* / Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Integrante do juri da competição brasileira do festival, diretor finaliza documentário sobre o líder comunista baiano Giocondo Dias

Aos 84 anos, aparentando dez a menos, Vladimir Carvalho participa até o próximo domingo (14) do júri da competição brasileira do É Tudo Verdade 2019 - 24º Festival Internacional de Documentários. Reprisa assim sua atuação como jurado da primeira disputa do evento, em sua segunda edição, em 1997.

Entre estes 22 anos, honrou-nos lançando longas-metragens em disputas, foi celebrado com retrospectiva por seus 80 anos, em 2015, e participou de incontáveis debates nas sedes em São Paulo e no Rio e durante itinerâncias no Recife e em Brasília, onde fixou residência há quase meio século.

A participação no júri, tendo por colegas a professora de cinema Sheila Schvarzman e o diretor Cristiano Burlan, criou a oportunidade para Carvalho lançar em São Paulo o DVD de seu mais recente documentário, "Cícero Dias, O Compadre de Picasso" (Bretz Filmes, R$ 49,90). Em parceria com o IMS-SP, a tarde de autógrafos foi aberta por um bate-papo com o público, que tive o privilégio de mediar.

Durante quase uma hora, o diretor paraibano de "A Bolandeira" (1968) e "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1991) entreteve a plateia com memórias e reflexões. Remeteu a um debate familiar de 1948 entre seu pai e um tio, sobre o escândalo provocado pela primeira exposição de Cícero Dias (1907-2003) no Recife após uma década de estadia parisiense, marcada por sua guinada abstracionista, o interesse aceso em torno da obra do pintor de "Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife" (1931).

Mais de meio século mais tarde, contou Carvalho, uma viagem para participar em 2005 do festival Paris Cinéma ofertou-lhe a oportunidade, não planejada, de gravar as duas primeiras fitas mini-DV que catalisariam seu documentário. Aqueles primeiros registros documentavam a grande exposição de Cícero Dias então em cartaz na Maison de L'Amérique Latine e o ateliê ainda preservado do pintor, além de entrevistas com sua viúva, Raymonde (1918-2013), e sua filha, Sílvia.

Uma hora antes do debate, conversei com Vladimir Carvalho exclusivamente para esta coluna. Comecei perguntando-lhe o que mudara na cena documental no Brasil no intervalo de duas décadas entre suas participações no júri. Ele destacou como o festival estabeleceu "uma plataforma" que "deu nova visualidade" aos documentários. "A área da distribuição e da exibição vai cedendo e vendo nossos filmes com outra ótica", sustenta.

Estas duas décadas foram as da superação da tradicional produção cinematográfica com película pela gravação digital. Indago a ele, que desenvolveu sua filmografia durante quase meio século em filme, qual foi o impacto. "O digital, para nós que fazemos documentário, foi uma mão na roda", comemora. "Você filma vendo o resultado. Você começa até a montar. Você monta filmando", destaca.

Carlos Pena Filho: Soneto das metamorfoses

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Mônica Salmaso: Suburbano coração

sexta-feira, 12 de abril de 2019

*Opinião do dia: 'cidadania democrática' (Habermas)

A inclusão do outro é analisada por Habermas em diferentes âmbitos: no contexto mais abstrato da argumentação moral, que visa explicitar o teor cógnito de uma moral universalista do respeito igual e da responsabilidade solidária por cada um; em discussões e posicionamentos sobre o desenvolvimento do Estado nacional e a concepção liberal igualitária de cidadania democrática em sociedades plurais, multiculturais globalizadas; nas concepções de direitos humanos e nas reflexões sobre o cosmopolitismo e direito internacional; no âmbito das lutas por reconhecimento no contexto dos Estados constitucionais democráticos; nas concepções normativas de democracia e na defesa da concepção de política deliberativa a partir do aprofundamento dos vínculos entre Estado de direito e democracia radical.

*Denilson Luís Werle, professor de Ética e Filosofia no Departamento de Filosofia da UFSC. Apresentação à edição brasileira de “A inclusão do outro – Estudos de teoria política” (Jürgen Habermas) p.14, Editora Unesp, 2018.

Vera Magalhães: Projetos desconexos para vencer impressão de paralisia

- O Estado de S.Paulo

Empacotamento de medidas díspares evidencia ansiedade de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas

O que fica do discurso de pouco mais de quatro minutos de Jair Bolsonaro na solenidade de lançamento de um pacote desconexo que junta medidas importantes e outras irrelevantes por ocasião dos cem dias de governo é frase do presidente de que sua administração navega em “céu de brigadeiro”.

Trata-se de uma boa dose de desconexão da realidade que marcou os três meses inaugurais de seu mandato. O empacotamento de medidas tão díspares, no entanto, trai as palavras do presidente e evidencia uma ansiedade generalizada de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas bestas e inexperiência da equipe —a começar do comandante.

Entre as medidas relevantes estão o projeto que dá autonomia ao Banco Central, o acordo de cessão onerosa com a Petrobras, a uniformização de regras para nomeações de dirigentes de bancos públicos com as exigências que já vigoram para instituições privadas e o “revogaço” que vai limpar a burocracia estatal de uma série de normas já caducas.

São importantes porque estão em linha com promessas de campanha de destravar a economia, dando-lhe uma diretriz liberal e pró-investimento e porque sinalizam o caminho, também vendido como promessa por Bolsonaro, de profissionalizar a gestão pública.

Há aquelas medidas-pegadinha, que querem afetar grande importância quando não têm a mínima. Nesse rol estão a extinção de cargos que já estavam vazios e de conselhos criados pelo assembleismo petista que estavam desativados e —ao contrário do que podem pensar os bolsonaristas iludidos— não implicavam em jetom para os integrantes.

Há ainda as medidas que são meros “calhaus”, jargão jornalístico para uma notícia ou anúncio que você encaixa para tapar buraco numa página. Nesse grupo estão coisas exóticas como a uniformização do domínio “.gov” nos sites oficiais e a mudança na forma de tratamento nas comunicações oficiais.

Eliane Cantanhêde: Mares revoltos

- O Estado de S.Paulo

Mais do que metas, a grande marca dos cem dias se resume a uma palavra: ideologia

Há dois balanços dos cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro: o do próprio Bolsonaro, que admite “mar revolto”, mas vê “céu de brigadeiro”, e o da opinião pública, que só vê o “mar revolto” que engoliu 15 pontos na popularidade do presidente.

O pacote de medidas de ontem foi uma clara tentativa de fugir de um balanço analítico e forçar uma contabilidade aritmética. Na solenidade, Bolsonaro confirmou o 13.º salário para o Bolsa Família, a independência do Banco Central e o polêmico ensino domiciliar.

Muito além dessas questões pontuais, que geram acalorados debates, a palavra-chave dos cem dias de Bolsonaro é: ideologia. Enquanto condena o excesso de ideologia da era PT, o presidente se pauta, a cada ato, a cada fala, a cada viagem, exatamente por um excesso de ideologia. Só que do avesso.

Isso causou os piores momentos e as maiores críticas ao início do governo, com a divulgação de um vídeo asqueroso contra o Carnaval, os elogios chocantes aos ditadores sanguinários Stroessner e Pinochet, a constrangedora opinião de que o nazismo era de esquerda, a veneração quase infantil a Donald Trump, a reinvenção da diplomacia nas relações com Binyamin Netanyahu. Além de reinventar a história, Bolsonaro trouxe para a Presidência as suas crenças pessoais.

*Simon Schwartzman: O gigantismo do MEC

- O Estado de S.Paulo

Sugestão do caminho a seguir não chega a ser o mapa da mina, mas pode ser um roteiro

As preocupações ideológicas que marcaram a gestão de Vélez Rodríguez e aparentemente continuarão na agenda do novo ministro nem de longe refletem as questões que o Ministério da Educação, com um orçamento de R$ 123 bilhões e 450 mil funcionários em 2018, precisa enfrentar. Além de administrar uma rede própria com mais de cem instituições e 1,3 milhão de estudantes, o ministério é responsável por autorizar, avaliar e cuidar do desempenho dos estudantes e de todas as instituições de ensino superior federais e privadas, desenvolver os parâmetros curriculares de todos cursos de todos os níveis, manter em dia as estatísticas educacionais, administrar o crédito educativo e uma longa lista de programas como Proinfância, Dinheiro Direto nas Escolas, Livro Didático, Brasil Profissionalizado, Transporte Escolar e tantos outros.

Temas associados a valores e costumes algumas vezes surgem em alguns exames ou currículos, são questionados e repercutem na imprensa. Existem também controvérsias importantes sobre métodos de ensino, usos de novas tecnologias e modelos de organização do sistema escolar. São discussões que têm seu lugar, mas não deveriam distrair-nos da questão fundamental: o Brasil está gastando bem os 6% do produto interno bruto (PIB) que destina à educação? As pessoas estão aprendendo a ler, escrever e contar como deveriam? Sabemos que não, o que leva a indagar: o Ministério da Educação, com seus atuais formato e estrutura, é o melhor instrumento para mudar a situação, bastando, para isso, encontrar um bom ministro e uma equipe certa? Ou será que é necessário repensar de maneira profunda e ousada o papel do ministério e buscar alternativas?

O governo federal só contribui com 30% dos gastos públicos em educação, concentrados no financiamento de suas universidades, ficando o restante por conta dos Estados e municípios, sem falar nos grandes investimentos privados. No ensino superior, o governo federal só atende a 15% da matrícula, ficando 75% com o setor privado e o demais com os Estados. No ensino fundamental, a participação federal é irrisória – menos de 100 mil matrículas, ficando 85% com os Estados e municípios e 15% com o setor privado. No papel, o governo federal tem autoridade regulatória sobre todo o sistema, e a Constituição diz que o e ensino nos três níveis deve ser organizado em “regime de colaboração”. Mas, na prática, existe muita controvérsia sobre como essa colaboração deve funcionar e a dificuldade de o Ministério da Educação chegar ao “chão da escola” com suas orientações curriculares, avaliações e programas de apoio acaba resultando em interminável proliferação de portarias, instruções normativas, notas técnicas, resoluções, decretos e mudanças na legislação de efeitos desconhecidos, por falta de avaliação.

José de Souza Martins: Ideologia do nada

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Varrer e demolir não resolvem problemas sociais, políticos e econômicos. Varredor é uma profissão respeitável, depende de discernimento para saber o que varrer e o que preservar.  

A aspiração brasileira de termos no poder alguém que faça uma "limpeza" ideológica no país, um faxineiro da República, no lugar de um estadista, mais uma vez pode não dar certo. Já não deu em caso anterior. Jânio da Silva Quadros ascendeu politicamente tendo como símbolo de sua proposta política a vassoura. Toda suposta renovação por ele representada reduzia-se ao refrão de uma musiquinha de campanha: "Varre, varre, vassourinha...". Ganhou para perder. Poucos meses depois de assumir, renunciava.

Varrer e demolir não resolvem problemas sociais, políticos e econômicos nem aqui nem em Xiririca. Até porque varredor é profissão respeitável e nobre, depende de discernimento para saber o que varrer e o que preservar.

O golpe de 1964 veio de histórica ambição de poder dos herdeiros do tenentismo. Aliados aos que achavam que o Brasil só tomaria rumo se fossem varridos da política brasileira os supostos subversivos e os corruptos, nessa ordem, presumivelmente inimigos da pátria e da civilização cristã. Incoerente, para legitimar o poder usurpado, a ditadura teve que associar-se justamente aos corruptos. Tornou-se refém das oligarquias retrógradas, sujeitos históricos da corrupção institucionalizada. A corrupção era e ainda é um poder.

O governo resultante do golpe de Estado inovou no campo econômico, mas rendeu-se no campo político. Politicamente, então como agora, venceu o Brasil arcaico. Como agora, o regime sucumbiu à falsa inovação da cópia e da imitação. Faltou criatividade política e imaginação. Uma cópia foi a consigna "Ame-o ou deixe-o", plagiada de um dos ditos do macartismo americano, que perseguiu intelectuais, estimulou delatores e disseminou o obscurantismo. O povo brasileiro pode ser distraído, mas não é tolo. À vista das primeiras ações do regime autoritário, a frase se tornou "Mame-o ou deixe-o".

Maria Cristina Fernandes: Divórcio de bolsonaristas começou na estrada

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Unidos pela greve de 2018 e pelo candidato vitorioso ao Planalto, donos de transportadoras e caminhoneiros medem forças sobre o tatame da redução de margens imposta pela política de combustível 

Dezessete dias depois da posse do presidente Jair Bolsonaro, o empresário catarinense Emílio Dalçóquio falou para um grupo de interessados em aderir ao Instituto Lux Brasil, destinado a funcionar como um órgão regulador da direita nacional. "Temos que ter muito cuidado porque o próximo presidente pode ser um comunista verde-amarelo. Todo mundo ama Bolsonaro, mas quem é de direita?", disse, num auditório em Itajaí (SC), lotado de simpatizantes da causa.

O próprio empresário se encarregou de responder às perguntas que levantara em meio a uma palestra em que não faltou a exibição de fotos de sua família ao lado da primeira-dama, Michele, e de toda a descendência bolsonarista. Pelas convicções exibidas na palestra, a verdadeira direita conservadora acha que Pinochet fez o que tinha que ser feito ("Todo mundo quer comer franguinho, mas ninguém quer ir lá esganar o franguinho"); o poder tem que ser transferido aos municípios ("Vão dizer que tem muito ladrão nas prefeituras, mas a gente vai lá e pega o ladrão na casa dele"); os filhos, mesmo quando crianças, têm que trabalhar como as do Eixo ("infelizmente os alemão, os italiano e os japonês perderam a guerra, mas tenho orgulho do povo trabalhador"); e, finalmente, a liberdade de mercado tem que ser total ("Não pode tabelar. Tá louco?").

Com sua regência verbal customizada, Dalçóquio notabilizou-se como uma das principais lideranças empresariais da paralisação que afetou o transporte rodoviário em todo o país no ano passado. Durante o movimento, que uniu empresas do setor e caminhoneiros autônomos, viralizaram vídeos em que Dalçóquio se mostrava como um bolsonarista raiz. Dizia que o foco daquele movimento não estava na estrada, mas na faculdade, "onde os jovens aprendem que houve ditadura no Brasil".

Claudia Safatle: Pacote para destravar o mercado de capitais

- Valor Econômico

Crédito privado pode ser a faísca que vai acender a economia

A área econômica do governo dispõe de uma lista com 67 medidas necessárias para destravar o desenvolvimento do mercado de capitais no país. São, em geral, exigências excessivas, regras complicadas demais ou cobrança inadequada de impostos que desestimulam o investidor.

Exemplos não faltam. A recente regulação brasileira dos fundos patrimoniais ("endowment funds") exige a identificação de absolutamente todos os cotistas. Mas é da natureza desses fundos a existência de cotistas que eles próprios não sabem quem são.

Outra questão é o "hedge" cambial para investimentos de longo prazo. Quando um investidor de projetos de infraestrutura faz o "hedge" cambial sobre operação de crédito, ele fica sujeito a cobrança de imposto sobre o resultado dessas operações em bases anuais. Isso o obriga a pagar o tributo nos anos em que o câmbio se deprecia e ele ganha, sem possibilidade de compensar nos exercícios em que a taxa de câmbio se aprecia e, portanto, ele tem prejuízo.

A solução é fazer o que já fizeram outros países, como a Malásia e a Austrália, que cobram o imposto sobre todo o período de duração do "hedge".

Há, também, uma família de medidas para a redução do custo para empresas de pequeno porte emitirem dívida, que é muito alto. A empresa precisa de recorrer a um banco e a exigência de publicação de informações é excessiva, na avaliação de fontes qualificadas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende abrir o país à concorrência internacional. O processo de fechamento do câmbio no Brasil, porém, é muito complicado, uma herança dos tempos em que o país era vulnerável a crises do balanço de pagamentos. Se há o objetivo, no futuro, de se ter uma moeda conversível, há vários passos intermediários de simplificação possíveis.

Bruno Boghossian: Contra Bolsonaro, PT se rebaixa e aposta em deboche infantil

- Folha de S. Paulo

Petistas entram no ringue da baixaria e replicam métodos que criticam no rival

O PT fez farra para divulgar um bilhete em que Lula dava parabéns a Zeca Dirceu pela provocação feita a Paulo Guedes na semana passada. “Eu fiquei tão orgulhoso de você que vou aprender a música da tchutchuca e do tigrão. Kkkk”, dizia a nota assinada pelo ex-presidente.

A chancela do petista confundiu os políticos do partido. Alguns deputados tinham ficado incomodados com o episódio. Eles acreditavam que a sigla ganharia mais se deixasse o deboche de lado e enfrentasse o governo com argumentos sérios. A gargalhada de Lula, porém, fortaleceu a turma que aposta nas práticas do jardim de infância.

Depois de ver Jair Bolsonaro ser eleito dando uma banana para o “politicamente correto”, propagando absurdos e desferindo ataques repugnantes para fazer sucesso nas redes sociais, alguns petistas parecem estar atrás de suas próprias curtidas.

Hélio Schwartsman: Por que agentes da lei atiram tanto?

- Folha de S. Paulo

Morte de músico prova que há algo de errado nas práticas de forças de segurança

O escandaloso fuzilamento do músico Evaldo dos Santos por tropas do Exército no Rio de Janeiro é a prova material de que há algo de errado nas práticas das forças de segurança brasileiras.

Ao menos na teoria, a principal diferença entre a polícia e o bandido é que a primeira atua tendo em vista o interesse público, enquanto o último age de acordo apenas com suas próprias conveniências. Sim, é mais difícil ser polícia do que bandido.

E, no que diz respeito à abordagem de suspeitos, o interesse da sociedade é duplo. De um lado, é preciso identificar e prender quem tenha infringido a lei, com o objetivo de promover a segurança pública. De outro, há o imperativo de preservar a vida e a integridade física da população.

Reinaldo Azevedo: Moro, o iluminista das trevas, reage à língua portuguesa

- Folha de S. Paulo

Moro se zanga e recorre às redes sociais quando suas propostas são postas a nu

O ministro da Justiça, Sergio Moro, resolveu enroscar com a pesquisa Datafolha sobre aspectos do seu "pacote anticrime". Recorre, como é hábito nesse governo, ao Twitter para inflamar as milícias nas redes sociais. Parece que não gostou de ver as suas propostas, transformadas em perguntas, sem as fantasias diversionistas da linguagem burocrática. Postas as suas proposições a nu, em particular as mudanças que pretende fazer nos artigos 23 e 25 do Código Penal —que confeririam licença explícita para matar—, o homem se zangou.

Não deixa de ser impressionante o prestígio de que ainda goza em setores consideráveis da imprensa. Poucos homens públicos, como ele, fizeram tanto, em tão pouco tempo, contra os direitos humanos. Jornalistas, com raras exceções, têm a questão como um valor inegociável, independentemente de convicções ou inclinações ideológicas. Moro, no entanto, tornou-se uma espécie de aguarrás da moral. Afinal, sua fama de caçador de corruptos o absolveria de todos os pecados do mundo. Espancando a língua portuguesa, o direito ou o bom senso, segue firme, com o queixo erguido, rumo às urnas. Dona "Rosanja" Moro observou, no dia 8 de fevereiro, no Instagram, que "2022 já começou". E, como notei aqui, ela não estava, por certo, pensando no "cônji" de Michelle.

Vinicius Torres Freire: Desânimo, a maior obra dos cem dias

- Folha de S. Paulo

Avaliação presidencial, mercado, confiança na economia, paz política: tudo piora

A barulheira virtual abafa várias notícias do mundo dos fatos da economia e da política, que seguem devagar quase parando e malparados, no entanto.

No universo do trabalho, dos negócios, das empresas e das expectativas, o assunto mais relevante dos cem dias do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro foi a estagnação produtiva e a reversão dos ânimos políticos e econômicos.

As empresas levantaram menos dinheiro no mercado de capitais neste primeiro trimestre do que no início de 2018 (venda de novas ações, empréstimos via debêntures e outros títulos, captações no exterior etc.). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (11) pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

O custo e o risco de levantar capital estão mais altos, em suma.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) rebaixou sua previsão de crescimento do PIB industrial para 2019 de 3% para 1,1%, também nesta quinta-feira. Reduziu sua estimativa do crescimento do PIB de 2,7% para 2%. Ainda está até otimista. O pessoal de consultorias e bancos já começa a chutar na direção de 1,5%.