- Folha de S. Paulo
Se há um consenso, é o de que não há tratamento único que sirva para todos
A Política Nacional de Drogas do governo Bolsonaro vai priorizar programas que busquem a abstinência do usuário, em vez da redução de danos. Penso que é um erro.
Há políticas públicas que são “one size fits all” (de tamanho único) e outras que não são. Um bom exemplo da primeira é a definição do método de alfabetização. Não há criança que aprenda a ler sem desenvolver a consciência fonológica, daí que é importante ensinar explicitamente a correspondência entre sons e letras.
Um bom corpo de trabalhos científicos feitos em outros países corrobora a ideia de que os métodos fônicos são superiores. Nunca será o caso de proibir técnicas diferentes, mas faz sentido apostar mais no que comprovadamente funciona melhor.
A questão da dependência é totalmente diferente. Se há um consenso na psiquiatria, é o de que não há tratamento único que sirva para todos os pacientes. Se o sujeito é um dependente pesado e tem inclinações religiosas, o internamento numa comunidade terapêutica com vistas a alcançar a abstinência tende a ser uma boa pedida.
Se, porém, a cessação total do hábito já se demonstrou uma meta irrealizável para aquele paciente ou se ele rejeita a espiritualidade das comunidades terapêuticas —grande parte delas é ligada a igrejas—, pode-se adotar uma abordagem menos ambiciosa, que procure reduzir o número de episódios de uso e diminuir os impactos negativos para a saúde. Usuários cujo grau de dependência é mais baixo também podem beneficiar-se de estratégias que tentem reforçar o autocontrole, evitando o agravamento de sua condição.
Aqui, nem sequer é possível comparar direito programas de redução de danos com os baseados em abstinência, já que o que é considerado sucesso para um configura fracasso na métrica do outro.
Os serviços de saúde precisam oferecer alternativas para todos os perfis de usuário. Priorizar um tratamento é antirrepublicano, pois acaba excluindo parte dos pacientes.
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