sexta-feira, 13 de março de 2020

Merval Pereira - Legislação eficiente

- O Globo

A lei prevê isolamento de pessoas doentes ou contaminadas, a quarentena de gente com suspeita fundada de contaminação

Embora tenha se mostrado apático até ontem em relação à pandemia do Codiv-19 que está afetando o mundo, o governo Bolsonaro aprovou ainda em fevereiro deste ano uma ampla legislação que dá às autoridades de saúde uma gama variada de possibilidades jurídicas para enfrentar a crise.

Antecipando-se ao que viria, o governo mostrou capacidade de previsão. O preocupante é que nem o próprio presidente Bolsonaro, na sua fala de ontem em rede nacional, nem o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, se lembrem dessa lei, que foi aprovada em decisão rápida pelo Congresso.

O presidente Bolsonaro, que apareceu de máscara junto ao ministro da Saúde em sua live, não se referiu aos poderes que o governo tem para enfrentar a emergência de saúde pública, e o ministro Moro, entrevistado na Central Globonews, respondeu de maneira genérica às questões de segurança pública relacionadas à sua pasta.

Diversas decisões previstas na legislação dependem de aprovação dele e do ministro da Saúde. A Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, prevê um amplo arsenal de medidas administrativas para a guerra contra a disseminação do novo vírus, afinadas aos padrões determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Prevê até mesmo “restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos”, exatamente o que o presidente dos Estados Unidos fez ao proibir temporariamente a chegada de aviões vindos da Europa. Para essa medida, será preciso a autorização também do ministério da Justiça.

Bernardo Mello Franco - Um discurso para a claque

- O Globo

Bolsonaro só passou a levar o coronavírus a sério depois que a doença bateu à sua porta. Mesmo assim, preferiu dedicar o pronunciamento oficial na TV à claque governista

Demorou, mas parece que a ficha caiu. Dois dias depois de chamar a epidemia do coronavírus de “fantasia”, Jair Bolsonaro apareceu de máscara no rosto. Apesar de todos os alertas, o presidente só passou a levar a ameaça a sério quando a doença bateu à sua porta.

O caso de Fabio Wajngarten ilustra os riscos de travar uma guerra permanente com os fatos. Na quarta-feira, a colunista Mônica Bergamo informou que o secretário de Comunicação Social havia se submetido ao teste do vírus. Ele sabia que a notícia era verdadeira, mas preferiu iludir a opinião pública e atacar o jornalismo profissional.

“Em que pese a banda podre da imprensa já ter falado absurdos sobre a minha religião, minha família e minha empresa, agora falam da minha saúde. Mas estou bem, não precisarei de abraços do Drauzio Varella”, escreveu, usando o nome do médico para fazer militância política.

Horas depois do tuíte, confirmou-se que o secretário está mesmo com o coronavírus. Ele ainda pode ter transmitido a doença a dois chefes de Estado. Além de viajar com Bolsonaro, participou de jantar com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Wajngarten foi atendido num dos melhores hospitais do país e não apresenta sintomas graves da doença. Espero que ele se recupere logo. Também torço para que aproveite o período de isolamento para refletir sobre os erros da comunicação do governo.

Míriam Leitão - O ponto em que as crises se encontram

- O Globo

É preciso adotar medidas para que uma crise temporária não seja permanente na economia. Mas o governo ainda não apresentou respostas efetivas

Há um ponto em que as crises se encontram e se parecem. Esta é diferente na origem, um vírus que se espalha de forma assustadora, podendo atingir uma dimensão desconhecida. A partir daí começam as semelhanças. Atividade econômica suspensa produz PIB menor. O mundo perderá crescimento e pode entrar em recessão. Mudanças bruscas em valor dos ativos produzem inúmeras consequências, principalmente se apanha o país num contrapé, que é o nosso caso. Quando a bolsa cai fortemente, isso leva à perda de riqueza que afeta todos, principalmente os pequenos investidores.

Esta tem sido uma semana devastadora. Ontem, o dia foi de quedas tão brutais nas bolsas que os analistas pararam de comparar com 2008, mas ao colapso da bolsa em 1987, que ficou conhecido como Black Monday. No Brasil, um rápido balanço mostra o seguinte: desde o início do ano, a perda de valor de mercado chega a R$ 1,5 trilhão, segundo cálculos da Economática. Somente ontem houve recuo de R$ 489 bilhões, a maior perda diária da história da bolsa brasileira. A Petrobras já perdeu R$ 240 bilhões em valor no ano. O índice Ibovespa recuou aos 72.582 pontos e voltou ao mesmo patamar de junho de 2018.

Como nunca houve tanta pessoa física na bolsa brasileira, e os estrangeiros saíram nos últimos meses, essa perda de valor afeta diretamente a economia real. O investidor que vê uma desvalorização brusca de seus ativos ficará retraído para tudo o mais, do consumo ao crédito a investimentos com qualquer nível de risco. Assim vão se formando os canais pelos quais a oscilação das ações afeta a tomada de decisão e a economia real.

O economista Márcio Garcia, da PUC do Rio, diz que o problema é haver uma dinâmica que contamina setores e se espalha pelos países, como o próprio vírus.

Luiz Carlos Azedo - Ilustre passageiro

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“”A reação dos países à epidemia é proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, esclarecimento da população e escala de medidas de contenção por parte dos governos”

Um dos mais famosos “cases” da propagada brasileira é um anúncio de bondes: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”. O poeta Bastos Tigres levou a fama, mas a autoria seria do farmacêutico Ernesto de Souza (1864-1928), criador da fórmula, que até hoje serve de exemplo nas escolas de comunicação, por causa da simplicidade de seus versos. De acordo com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, de 8 de agosto de 1920, a fórmula do Rum Creosotado, produzido pela centenária Drogaria Granado, era mesmo aquela que aparece na propaganda, com “fartos elementos para a hygiene dos pulmões”: iodo, hypophosphito de sódio (NaH2PO2), e de cálcio [Ca(H2PO2)2]. Naquela época, como grande público tinha baixa escolaridade, os versos e a ilustração facilitavam a propagação do anúncio boca a boca.

Seu principal concorrente era o Biotônico Fontoura, criado em 1910 pelo médico Cândido Fontoura para sua esposa. Seu amigo Monteiro Lobato, que tomava o produto para combater o cansaço, batizou a fórmula exaltando suas propriedades e o nome do criador. O Biotônico ganhou muita fama por causa da Lei Seca dos Estados Unidos (1920-1933), para onde foi exportado e fez muito sucesso como remédio que podia ser comprado nas farmácias, mas que servia para aliviar a abstinência dos beberrões, por causa do teor de 9,5% de álcool. No Brasil, era usado como abridor de apetite das crianças, misturado com leite condensado e ovos de pata, um coquetel antianêmico. Em 2001, a Anvisa proibiu que produtos destinados às crianças tivessem qualquer quantidade de álcool em sua composição, razão pela qual o produto foi modificado, ganhando os sabores morango e uva, sem álcool, para as crianças. Rico em ferro, é vendido até hoje, por R$ 26.

A propósito do tipo faceiro, ilustre passageiro ao lado, era o caso do secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, que viajou aos Estados Unidos com o presidente Jair Bolsonaro e seus familiares e está com coronavírus. Toda a comitiva presidencial — parentes, ministros, assessores civis e militares, parlamentares — fez exames ontem para saber se alguém mais foi contaminado. Fábio está em isolamento, depois de fazer novo exame em São Paulo; o resultado da contraprova confirmou a infecção. Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, fizeram o teste no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, e não apresentam sintomas da doença.

Desdenhar do coronavírus é a mesma coisa que acreditar que o Rum Creosodato resolveria o problema dos pulmões, numa época em que a penicilina não havia sido descoberta e, por isso mesmo, não existiam antibióticos capazes de curar a tuberculose, e a pneumonia era quase fatal. Essa suposição é alimentada pela baixa letalidade da epidemia (entre 0,5% e 3,5% dos infectados), que atinge grupos de risco (cardiopatas, diabéticos e idosos). O problema é a velocidade da propagação da epidemia, que aumenta sua letalidade por causa da incapacidade de o sistema de saúde atender o crescimento exponencial de casos graves, que exigem entubação dos pacientes em leitos de UTIs. Até a volta dos Estados Unidos, Bolsonaro tratava o assunto de forma até leviana, comparando o coronavírus a uma simples gripe e culpando a imprensa — sempre ela — pelo justificado temor que se disseminou na população, o que é muito diferente de pânico.

César Felício* - Bolsonaro na encruzilhada

- Valor Econômico

Coronavírus muda dinâmica entre governo e Congresso

Não faltaram tiros de advertência antes de o Congresso detonar a pauta-bomba contra o governo Bolsonaro. A derrubada do veto presidencial ao projeto que amplia a base populacional a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) está longe de ser um ato inaugural.

E nem teria como ser, afinal se tratava de uma tréplica do Congresso, depois do presidente ter decidido barrar a proposta votada pela Câmara e Senado.

O projeto que aumentou o limite de renda per capita para receber o benefício de 25% do salário para a metade era bastante antigo, do ex-senador catarinense Casildo Maldaner. Tramitou no Legislativo por nada menos que 23 anos. Passou no Senado no fim de novembro, sem que o governo esboçasse reação. Bolsonaro vetou a proposta no dia 20 de dezembro.

A relação entre Executivo e Legislativo no Brasil é péssima desde o início do governo, mas a crise envolvendo o Orçamento impositivo - estopim para a derrubada do veto - estava delineada com perfeição desde o fim de 2019.

Ainda falta no governo Bolsonaro, onde pululam militares no Palácio do Planalto, uma figura como Golbery do Couto e Silva, o ministro da Casa Civil de Geisel e do início do governo Figueiredo. A ele é atribuída uma frase, que teria sido dita a líderes da oposição:

“Segurem seus radicais que nós seguramos os nossos.”

Todo este ambiente de impasse fez diminuir o otimismo em relação à manutenção de ambiente para aprovar no Congresso a agenda pró-mercado, como vinha sendo feito. Chegamos aos idos de março, com as eleições se aproximando e o coronavírus tracionando a escalada do pânico.

O cronograma de 15 semanas que seriam as disponíveis este ano para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para aprovar sua agenda este ano - conforme o próprio ministro disse em encontro com parlamentares - corre, célere, sem que fique claro sequer quem é o interlocutor do Planalto com o Legislativo. Quem era no começo do governo? Onyx Lorenzoni? Bebianno? Santos Cruz? e quem é agora? Braga Netto? Ramos? Jorge Oliveira? Rogério Marinho?

Claudia Safatle- Uma visão crítica da inteligência nacional

- Valor Econômico

Para Delfim, governo deveria focar na PEC Emergencial

Delfim Netto, 92 anos, ficou em frente à TV por três horas, assistindo a votação no Congresso que derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro à ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e concluiu: “Acabou a inteligência no Brasil”.

A reação dos parlamentares ao impor uma grave derrota ao governo de Bolsonaro foi um ato impensado, irresponsável mesmo. “Explodiram o teto do gasto!”, reagiu o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto.

Ao derrubar o veto presidencial, o Congresso criou uma despesa permanente da ordem de R$ 20 bilhões por ano sem indicar a devida receita para financiar a nova despesa.

O BPC, instituído pela Constituição de 1988, equivale a um salário mínimo por mês e destina-se às pessoas deficientes e idosos a partir de 65 anos cuja renda familiar per capita seja menor do que um quarto do salário mínimo. Com a derrubada do veto, ele passa a cobrir, também, idosos e deficientes com renda familiar per capita equivalente à metade de um salário mínimo.

O governo, por seu turno, não tem feito nada para melhorar o ambiente entre o Executivo e o Legislativo. Ao contrário, cada vez que o presidente da República fala é para insuflar o mal-estar das relações políticas.

“O problema ideológico atingiu tal dimensão que a coisa mais pecaminosa é ter lógica”, desabafou Delfim.

Por mais meritório que possa parecer, o Congresso criou um gasto no pior momento possível, em meio à hecatombe do coronavírus, que está causando destruição por onde passa e já se instalou por aqui.

“Foram ver se tinha gasolina no carro e acenderam um fósforo”, continuou o ex-ministro. “A maior burrice é repetir medidas que já não deram certo no passado na pretensão de que agora elas darão certo”, completou ele, referindo-se à votação de quarta-feira no Congresso.

Fernando Abrucio* - Factoides não vão tirar Brasil da crise

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Hoje, o presidente se refugia num discurso cada vez mais beligerante e ideológico, e busca proteção nos militares e na ameaça da volta do petismo

Produzir factoides é a principal estratégia de governar do bolsonarismo. Desde o início do governo, os brasileiros são brindados todos os dias com uma nova história, uma frase de impacto ou alguma notícia que nunca se concretizará. Nesta novela, é preciso lutar incessantemente com inimigos, reais ou imaginários, e a emoção prevalece sobre a razão. Por enquanto, mesmo tendo um mandato atribulado em tão curto espaço de tempo, Bolsonaro mantém o apoio de um terço da população e sonha com a reeleição. Mas será que esse modelo será capaz de lidar com a imensa crise que o Brasil enfrentará neste ano?

Apesar de as ações do governo Bolsonaro parecerem muitas vezes irracionais e de difícil explicação, é possível definir os desafios que ele vai enfrentar e dizer se seu estilo é eficaz para lidar com tais situações. Para desenvolver este argumento, a visão de Maquiavel, pai da teoria política moderna, é essencial.

O grande filosofo florentino dizia que duas categorias são centrais para analisar as lideranças políticas. A primeira é a fortuna, que representa a situação objetiva de cada época, ao passo que a segunda é a virtù, que diz respeito às habilidades políticas dos líderes.

Só que não há uma única forma de se fazer política, pois cada momento exige características distintas dos governantes. O que pode ser eficaz num determinado caso pode não ser noutro, e o político bem-sucedido, na visão de Maquiavel, é o que consegue se adaptar a realidades diferentes, que exigem estratégias específicas.

Na eleição de 2018 houve um casamento perfeito entre a fortuna e a virtù de Bolsonaro. Ele percebeu que a maior parte do eleitorado queria um candidato que combinasse duas características: ser antipetista e “outsider”. Assim, tendo os petistas e a classe política tradicional como principais inimigos, construiu uma campanha em nome da renovação - embora ele mesmo fosse deputado há 28 anos, o público o percebeu como um novo “condottiere”. O destino, ademais, trouxe-lhe um episódio paradoxal: a facada, que quase o matou, mas que lhe deu mais força eleitoral.

O contexto do primeiro ano de governo era todo favorável ao novo presidente. Alta popularidade, expectativas muito positivas, Congresso a favor de reformas como nunca antes, oposição dividida e enfraquecida. Bolsonaro poderia ter montado uma coalizão parlamentar com pouquíssimo esforço em termos de divisão de poder.

José de Souza Martins* – O dedo oculto

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Um único dedo, de uma mão, O dedo indicador das digitações armou a subversão política da frágil República e colocou no desvio nosso destino como povo e nação

O Brasil aceitou naturalmente a informação de que a perturbação nacional do processo democrático, que culminou com os surpreendentes resultados das eleições de outubro de 2018, tivesse sido decidida pela intervenção das redes sociais na formação da opinião eleitoral.

Um único dedo, de uma única mão, o dedo indicador das digitações, armou a subversão política da frágil República e colocou no desvio nosso destino como povo e nação. Pelo fato elementar de que a mudança resultante passou a ser expressão de uma vontade única, a de um pequeno grupo de pessoas que agem como uma só e personificam uma só. A que resulta de caprichos ideológicos e sectários e deformações de uma mente autoritária, antipolítica, que trata o povo e a democracia como estorvos.

A força subversiva do dedo antidemocrático refabrica o país, relativiza a força legítima das instituições políticas, o modo da interferência popular no traçado do destino da nação, reformula direitos políticos, cria uma nova categoria de brasileiros de terceira classe, os que votam sem saber no que estão votando, os que já não são considerados sujeitos de direito e de vontade política.

O sociólogo e filósofo francês Henri Lefebvre (1901-1991), há algumas décadas, já havia chamado a atenção para o renascimento do caráter estamental, pré-moderno e pré-capitalista, na sociedade moderna. Nesse sentido, uma sociedade resultante de um novo peneiramento social, que exclui multidões das possibilidades que o capitalismo é capaz de criar e não é politicamente capaz de distribuir e realizar.

Entrevista/ Rodrigo Maia: ‘Não podemos imaginar que Guedes tenha pensado de forma tão medíocre’

Segundo presidente da Câmara, lista de projetos enviada pelo ministro à Casa não resolve crise de curto prazo com coronavírus

Leandro Colon, Julia Chaib | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que a agenda dos próximos 45 dias será focada no combate aos efeitos econômicos do coronavírus. Na sua opinião, o governo tem de apresentar medidas de curto prazo para discussão. Segundo ele, a ausência disso incomodou deputados e senadores que se reuniram com o ministro Paulo Guedes (Economia) na quarta (11).

“Guedes não tinha uma coisa organizada ou não quis falar. Se olhar os projetos, tem pouca coisa que impacte a agenda de curto prazo ou quase nada”, disse.

Maia recebeu a Folha nesta quinta (12) na residência oficial da presidência da Câmara.

As propostas econômicas em andamento no Congresso, listadas por Guedes em ofício enviado aos parlamentares na terça (10), segundo o deputado, não resolvem a turbulência dos próximos meses.

Para Maia, a reforma administrativa, ainda a ser enviada pelo governo, não é uma solução no momento.

“A reforma administrativa estar atrasada incomodava até 15 dias atrás”, afirmou.

O presidente da Câmara disse ainda que terá sido “medíocre” se Guedes pensou em transferir a responsabilidade para os deputados sobre a solução da crise ao ter cobrado a votação da agenda. “Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado isso com essa intenção. A crise é tão grande que a gente não tem direito de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo possa ter pensado de forma tão medíocre.”

• Os parlamentares ficaram frustrados com Guedes porque não ouviram medidas concretas e ele ainda tentou dividir a responsabilidade dizendo que a solução é política. Como o senhor avaliou o encontro e a reação dos colegas? 

Compreendi o que ele [Guedes] quis dizer. Precisamos continuar olhando projetos de lei e emendas constitucionais que ajudam a melhorar o ambiente de negócios no país. Em relação a essa parte da participação dele, entendi muito bem. O que preocupou os parlamentares é que certamente teremos impacto de curto prazo e que essas reformas de médio e longo prazo não vão resolver. Temos uma crise de pandemia de um vírus que começa a crescer no Brasil.

O que incomodou os parlamentares é que não sentimos e não vimos, se ele [Guedes] não podia falar ou se ainda não organizou, as soluções para os problemas de curto prazo, como nos setores da aviação civil e de serviços.

São dois eixos: como impacta a saúde dos brasileiros e como impacta a vida econômica e social. São duas urgências. Essa primeira está bem organizada. Por outro lado, como o governo vai reagir em relação à queda da atividade e a algum risco de perda de emprego? Essa parte incomodou os deputados e senadores. A falta dessa parte.

O que eu falei a alguns deputados é que certamente o governo agora está começando a fazer suas simulações. Nós queremos ajudar o governo também, claro, com a organização do diagnóstico feito por eles. A indústria automobilística, por exemplo, teve um resultado em setembro ruim. O setor de serviços vai desempregar muito? O setor de aviação precisa de apoio? Como faz com as empresas de turismo que compram assentos nos aviões, quartos de hotel olhando o futuro e vai começar a ter um cancelamento?

O setor de entretenimento vai começar a cancelar eventos como já está acontecendo nos Estados Unidos. Essas variáveis de curto prazo é que eu acredito que os deputados e senadores sentiram falta na apresentação do Guedes.

Bruno Boghossian – Crise real, liderança imaginária

- Folha de S. Paulo

Presidente conduziu país por caminho perigoso ao sustentar discurso da 'fantasia'

Foi preciso que o vírus entrasse no Palácio do Planalto para que o presidente suspendesse sua anticampanha de saúde pública. Dias depois de dizer que a proliferação da covid-19 era fantasia, Jair Bolsonaro apareceu de máscara nas redes e sugeriu adiar os protestos a favor do governo marcados para domingo.

O presidente conduziu o país por caminhos perigosos no início da semana. Sustentou um discurso que desdenhava dos riscos e só corrigiu a rota depois que um assessor recebeu resultado positivo de teste para o vírus. Bolsonaro pode ter evitado prejuízos maiores, mas já fabricou uma crise de liderança e confiança.

Enquanto o mundo entrava em parafuso diante da pandemia e os mercados derretiam, ele fracassou em dar o devido senso de urgência ao combate ao vírus no Brasil. Sustentou, ao contrário, que a covid-19 não era "isso tudo que a grande mídia propaga" e repetia que "outras gripes mataram mais do que essa".

Hélio Schwartsman - Covid-19, a solução darwiniana

- Folha de S. Paulo

Até o ponto de inflexão, epidemias progridem em ritmo avassalador

Respondo hoje à provocação do leitor Claudio Rangel: "Começo a achar cada vez mais que há um dramático exagero na reação ao coronavírus. Talvez dar 'shutdown' no mundo como estamos fazendo acarrete muito mais externalidades (mortes) do que se 'deixássemos a coisa rolar'. Numa visão utilitarista, não seria melhor assumir que o vírus é um elemento de seleção natural e levar a vida (quase) normalmente? Haveria um colapso maior nos sistemas de saúde por 1, 2, 3 meses, mas depois voltaria ao normal e o resto do mundo seguiria funcionando".

Eu penso que não. Mesmo na visão utilitarista, é importante que nos esforcemos para reduzir o ritmo dos contágios. O problema de fundo aqui é que, na fase inicial da epidemia, nós lidamos com uma função exponencial —algo que a intuição humana tem dificuldade em processar. Se você lembrou da história do grão de trigo e o tabuleiro de xadrez popularizada por Malba Tahan, acertou.

Até atingir o ponto de inflexão, epidemias progridem em ritmo avassalador. Um exemplo calculado por Grant Sanderson, do canal 3Blue1Brown, dá bem a dimensão do problema. Se você tem 21 mil infectados e a epidemia cresce a uma taxa de 15% ao dia, haverá, dentro de 61 dias, 105.873.570 infectados.

Reinaldo Azevedo – Até vírus dá lição a Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

A estupidez impune no governo federal é de tal ordem que essa gente está recebendo ensinamento de microorganismo

O “Encontro Anual da Educação Já”, promovido pela ONG Todos Pela Educação, começou e terminou no dia 9, embora previsto para mais dois. Priscila Cruz, presidente-executiva da entidade, passou mal e fez o teste para detecção da covid-19. Deu negativo felizmente. O episódio, no entanto, deu “positivo” para o vírus das trevas.

Abraham Weintraub, ministro da Educação, que comanda o segundo maior orçamento da Esplanada — ou terceiro caso se inclua a Previdência, mas acho impróprio —, resolveu se manifestar no Twitter. Postou oito mensagens atacando Priscila. No momento mais eloquente, mandou ver: “Para fechar o bloco de informações sobre Priscila Cruz e sua ONG ‘Todos pela Educação’: CORONAVÍRUS!!!".

É pouco? Veio a conclusão: “Salmos 94:23: O Senhor fará recair sobre eles a sua própria iniquidade, e os destruirá na sua própria malícia; o Senhor nosso Deus os destruirá.” Weintraub afirmava com todas as letras que a covid-19 é um castigo divino que atinge os que ele considera adversários do governo.

Vinicius Torres Freire – Na peste, Bolsonaro fala para fanáticos

- Folha de S. Paulo

Em cadeia nacional, disse só que sistema de saúde tem limites e fez política com a militância

A preocupação com a covid-19 se alastra pelo Brasil quase inteiro. Jair Bolsonaro vai então à TV para dizer, em primeiro lugar, que há uma pandemia declarada no mundo e que o sistema de saúde “tem limites” para atender os doentes.

Trata-se de frase tanto óbvia quanto atrocidade que intranquiliza ainda mais o país inteiro. Atrocidade desestabilizadora é um dos motes deste desgoverno.

O que pretende fazer desses limites? Dane-se.

O que tem a dizer ao país sobre providências para conter a epidemia, que ele chamava de “fantasia” da mídia faz dois dias? Dane-se.

O que tem a dizer sobre o risco de paralisia de atividades econômicas? Sobre a tensão nos mercados financeiros, sobre o risco de acidentes na finança? Sobre a disparada das taxas de juros na praça, que ora tem cara de prenúncio de recessão? Dane-se.

O que importa, como logo se ouviu em seu discurso, é espalhar a epidemia de golpeamentos institucionais e fazer chacrinha como animador de auditório de fanáticos de extrema direita.

Foi assim no discurso em cadeia nacional na noite desta quinta-feira.

Logo depois de dizer que o sistema de saúde é limitado, Bolsonaro usou o tempo de TV da Presidência da República para se dirigir a sua militância e aos líderes se suas falanges, que planejavam uma espécie marcha sobre o Congresso, um protesto convocado contra o Parlamento, para domingo próximo (15).

Eliane Cantanhêde - Fantasia e pesadelo

- O Estado de S.Paulo

O presidente ainda acha que Bolsas, dólar e coronavírus são 'fantasias da grande mídia'?

É dramaticamente irônico que o presidente Jair Bolsonaro tenha dito que o coronavírus não passava de uma “pequena crise”, uma “fantasia” criada pela “grande mídia”, e apenas dois dias depois um dos contaminados no Brasil venha a ser justamente o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten. Vítima da “fantasia”? Vítima da imprensa?

O fato é que, agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou pandemia, os casos e mortes se multiplicam rapidamente por todos os continentes, as Bolsas despencam, eventos nacionais e internacionais são cancelados, um atrás do outro, e as escolas estão sendo fechadas.

A curiosidade é por que o presidente perde todas as chances de ficar calado. Fantasia? O coronavírus já atingiu centenas de milhares de pessoas no mundo, com perto de 5 mil mortes. No Brasil, já havia em torno de 80 casos confirmados e mais de 1.400 suspeitos em vários Estados e no DF.

A Bovespa já foi suspensa quatro vezes nesta semana, com as maiores quedas desde 1998, enquanto o dólar chegou a bater em R$ 5. É para brincar com uma coisa dessas? Ou para imitar seu ídolo Donald Trump? Ou para aproveitar para jogar descrédito sobre a mídia? Melhor do que isso seria o Planalto e o Ministério da Economia seguirem o exemplo do Ministério da Saúde. Mostrar serviço, atenção, presteza. Não é essa a sensação, nem em Brasília nem no mercado.

Em meio a tudo isso, é muito preocupante, sim, que Wajngarten tenha viajado no mesmo avião do presidente e tido contato o tempo todo com ministros e assessores da comitiva presidencial a Miami. Para constrangimento geral, ele também participou do jantar de Trump para Bolsonaro na restrita Mar-a-Lago e ainda tirou foto com Trump e o vice Mike Pence com aquele boné ridículo do “Brasil great again”. Já imaginaram se ele sai contaminando a cúpula da Casa Branca?

Celso Ming - Um tsunami atinge a economia brasileira

- O Estado de S.Paulo

Não é mais o momento para palpitar sobre quantos pontinhos irá cair o PIB, mas de distribuir paraquedas e coletes salva-vidas

A economia brasileira está sendo atingida por um tsunami. O momento não é mais para palpitar sobre quantos pontinhos mais cairá o PIB deste ano, mas de distribuir paraquedas e coletes salva-vidas.

Quaisquer modelos matemáticos que se empreguem mostram duas coisas: (1) diante do despreparo, os estragos do coronavírus tendem a se espalhar rapidamente também por aqui; e (2) mantida a tendência, a hemorragia das contas públicas será colossal.

Só porque é “abençoado por Deus e bonito por natureza”, como canta o samba de Jorge Ben Jor, não há por que poupar o Brasil dos flagelos que já atingiram tantos países.

Isso vai exigir providências que implicarão fechamento temporário de fábricas e do comércio. A hotelaria, companhias aéreas, empreendimentos ligados a congressos e turismo e companhias de transporte sofrerão forte impacto nas suas receitas. Empresas mais endividadas terão dificuldades para honrar seus compromissos. Não há ideia de como os bancos serão atingidos, mas se a clientela baquear não há, também, como evitar o impacto sobre eles e demais credores.

As contas públicas que já vinham sofrendo de raquitismo enfrentam ameaças em pinça. A primeira, relacionada com a queda de receitas, vai ligada à quebra da atividade econômica e da renda, à redução do consumo e também ao desemprego. Uma fatia da arrecadação deixa de acontecer.

É também a situação a que está exposto o setor do petróleo. A derrubada internacional dos preços, de 28% em apenas cinco dias úteis, não tem prazo para se recuperar. O governo federal vai perder royalties, contribuições especiais e receitas com leilões de áreas de exploração. Alguns Estados, especialmente Rio de Janeiro e Espírito Santo, cujos orçamentos são fortemente dependentes de receitas com royalties (sempre calculados sobre os preços), também levarão pauladas. Os Estados mais dependentes das receitas de ICMS sobre combustíveis – a maioria – também serão atingidos.

Elena Landau* - Sem rumo, sem laços

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro vive em outra dimensão; não indica estar preocupado com a crise

Ken Loach fez um filme forte. Para mim, mais perturbador que Parasita ou Coringa, muito bons e grandes vedetes do ano. Mas nesses me senti distante daquelas realidades, apesar da relevância da discussão sobre desigualdade de renda, pobreza e violência retratados. Em Você Não Estava Aqui, a experiência foi oposta. A direção é seca, com atores excepcionais, sem trilha sonora ou glamourização na atuação e na cenografia. A vida como ela é.

Cansado de pular de emprego, dos patrões e da falta de oportunidades compatíveis com sua experiência, Ricky resolve se arriscar e virar autônomo. Vai ser entregador de encomendas. É avisado na partida de todos os riscos que estava correndo, tanto pelo contratante de seus serviços quanto pela própria mulher. Mas se joga. Não vê alternativas. A realidade, no entanto, se revela muito pior que imaginava.

O filme é visto como uma denúncia sobre a precarização das relações trabalhistas. É mais que isso. Há questões importantes ali levantadas, como a queda do padrão de vida após a recessão de 2008, os adolescentes que perdem interesse no ensino tradicional e a terrível realidade da falta de emprego para a meia-idade. Todos temos por perto alguém vivendo a mesma situação de desesperança. É o retrato de uma família que poderia ser a nossa. Um soco no estômago.

É passado no Reino Unido, mas faz pensar sobre Brasil. O impacto da nova revolução tecnológica sobre mercado de trabalho ou a necessidade de adaptação do currículo escolar, que evite a evasão de jovens, são temas comuns. A grande diferença está na rede de proteção social, que aqui não existe. Lá, serviços públicos ajudam a família a lidar com a situação por eles inesperada. Transporte que permite à mulher, mesmo que com muito sacrifício, manter seu emprego como cuidadora; acesso à rede de saúde, e uma escola que mantém um acompanhamento rigoroso da frequência e desempenho dos filhos.

Simon Schwartzman* - Mussolini

- O Estado de S.Paulo

O ‘Duce’ tinha defeitos, mas a recuperação da Itália tudo justificava. Deu no que deu

Para entender os movimentos de extrema direita que ocorrem hoje, a leitura de M - O Filho do Século, de Antonio Scurati, recém-publicado pela Editora Intrínseca, que conta a história do surgimento do fascismo na Itália, é leitura obrigatória. É um romance documental, que faz lembrar o Romance de Perón, de Tomás Eloy Martinez, publicado em 1998 pela Companhia das Letras, que merece reedição.

O fascismo surge das cinzas ainda quentes da 1.ª Guerra Mundial, com seus 11 milhões de mortos. Vitoriosa, mas economicamente arrasada, a Itália se divide entre um governo liberal, que tenta reconstituir a economia, e um forte movimento socialista que ganha cada vez mais força no campo e nas cidades. Todos anseiam pela paz, mas Mussolini, que havia começado sua carreira como editor do jornal do Partido Socialista, Avanti!, e sido expulso do partido por defender a entrada na Itália na guerra, decide abraçar a morte, a violência e o nacionalismo como formas de ação política e busca do poder.

Seus principais parceiros, no início, são os remanescentes de uma tropa de elite desmobilizada, os Arditi, treinados para assassinar os inimigos, que depois da guerra se sentem frustrados e marginalizados. Scurati os descreve como passando o tempo embriagados, nos bordéis e envolvidos em atividades criminosas. São eles que Mussolini conquista pelo seu novo jornal, O Povo da Itália, cujo tema principal é o ataque aos que se opuseram à participação italiana na guerra, e os organiza com a criação, em 1919, do Fasci Italiani di Combattimento, os Grupos Italianos de Combate, simbolizados por uma caveira, que dão início ao movimento e ao Partido Fascista.

No início, Mussolini e suas milícias paramilitares são olhados com desprezo tanto pelos liberais, que controlam o governo nacional, como pelos socialistas, que cada vez mais controlam os governos locais e ganham espaço no Parlamento. A economia do país continua estagnada, a Itália não consegue participar da partilha do mundo colonial feita pelas potências europeias e os Estados Unidos, e o exemplo da revolução russa inspira entre os socialistas a ideia de que a hora da revolução italiana também está próxima. Mussolini, no início, ainda tentou manter um discurso a favor dos operários e camponeses; e compartilhava com os setores mais radicais do partido socialista a ideia de que o regime político liberal não servia para nada, os políticos eram, na melhor hipótese, incapazes e na pior, corruptos, e só uma revolução poderia resolver os problemas do país. Ambos acreditavam, com Marx e os anarquistas, que a violência era a parteira da história.

O que a mídia pensa – Editoriais

Mundo em alerta – Editorial | O Estado de S. Paulo

As últimas informações sobre a pandemia do novo coronavírus recomendam que tanto as autoridades públicas como a população sigam obedientemente as orientações sanitárias. Não há razão para pânico – uma reação assim apenas agravaria o quadro –, mas é preciso prudência e diligência, para evitar o contágio e também as nefastas consequências de uma doença que tem afetado o mundo inteiro. Como as autoridades médicas alertam, medidas relativamente simples podem ser decisivas para reduzir as taxas de contaminação.

Vale destacar, em primeiro lugar, que o mundo está diante de uma situação excepcional. Numa medida inaudita para tempos de paz, a Itália decretou quarentena em todo o país, com recomendações para que a população não saia de casa. Em Madri, na Espanha, todos os museus estatais fecharam desde ontem suas portas ao público.

Música | Teresa Cristina - As rosas não falam

Poesia | Fernando Pessoa - Prefiro rosas

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Opinião do dia – Ascânio Seleme* (pessoa perigosa)

No auge de uma pandemia que se espalha de maneira geométrica e causa pânico em todo o mundo, o presidente deu uma entrevista afirmando que "o coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propaga”. Outra vez culpou a imprensa por exagerar a ponto de causar uma crise global que culminou com a queda do preço do petróleo. Esta deve ter sido, se não a maior, uma das maiores sandices já ditas por um presidente da República em todos os tempos. Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, e passou a ser uma pessoa perigosa.

*Ascânio Seleme, jornalista. “Eu ia escrever sobre o amor”, O Globo, 12/3/2020.

Luiz Carlos Azedo - Cavaleiros do Apocalipse

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Uma crise de relacionamento entre o presidente da República e o Congresso pode pôr tudo a perder. Bolsonaro subestima a pandemia de coronavírus”

O Apocalipse, o último livro da Bíblia, foi escrito por João, um dos quatro evangelistas — os outros são Mateus, Marcos e Lucas —, por volta de 95 d.C., na pequena ilha grega de Patmos, no mar Egeu. São visões aterradoras, nas quais quatro cavaleiros espalham fome, guerra e peste. Anjos trombeteiam castigos e catástrofes. Há trovões, relâmpagos e terremotos; chuvas de granizo, fogo e sangue. Pragas terríveis se disseminam, como vorazes gafanhotos e venenosos escorpiões. João prevê um confronto final entre Deus e o diabo, entre o bem e o mal. Para muitos, relata o fim do mundo, embora esse não seja o juízo dos teólogos cristãos. Em grego, apocalipse significa “revelação”, ou seja, o desvendamento de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus, o chamado juízo final: Deus manda os maus para o inferno e os bons para o paraíso.

Em 1348, a peste negra chegou à Península Itálica; para muitos, era o apocalipse. Foi uma das mais trágicas epidemias que assolaram o mundo ocidental. Assim como a Aids, que nesta semana registrou os dois primeiros casos de cura, a peste negra foi considerada um castigo divino contra os hábitos pecaminosos da sociedade. Originária das estepes da Mongólia, onde pulgas hospedeiras da bactéria Yersinia Pestis infectaram diversos roedores, que entraram em contato com zonas de habitação humana e se instalaram nos animais domésticos e nas peças de roupa. A peste foi disseminada pela chamada Rota da Seda e pelo comércio do Mediterrâneo. O intercâmbio comercial entre o Ocidente e o Oriente, reativado desde o século XII, explica a rápida propagação da doença pela Europa.

Não se tinha conhecimento, à época, para entender a doença, tanto sua variação bubônica, que atacava o sistema linfático, como a pneumônica, que atacava diretamente o sistema respiratório. Desconhecendo as origens biológicas da doença, muitos culpavam os judeus, os leprosos e os estrangeiros pela peste negra, embora as condições de vida e higiene nos ambientes urbanos do século XIV fossem grandes propulsoras da epidemia. Nas cidades medievais, lixo e esgoto corriam a céu aberto, atraindo insetos e ratos portadores da peste. A falta de higiene pessoal facilitava a propagação da epidemia, que se instalava por períodos de quatro a cinco meses. Cidades eram abandonadas ou se fechavam completamente, em quarentena. Um terço da população morreu.

Merval Pereira - Fora da realidade

- O Globo

Presidente deveria estar à frente da mobilização que seu próprio governo está fazendo contra o vírus

Enquanto os dirigentes de mais de cem países do mundo orientam seus cidadãos para que evitem aglomerações, e mesmo proíbem reuniões públicas, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, diz que o surto do novo coronavirus no mundo não é tão grave assim, e convoca manifestações populares para apoiar seu governo contra os demais poderes da República.

Diz-se que um estadista é aquele que se preocupa com as futuras gerações, enquanto um populista só pensa na próxima eleição. Essa talvez seja a melhor definição do tipo de líder que ele é, populista mais preocupado com seus interesses eleitoreiros imediatos.

O mundo está de pernas para o ar diante de uma pandemia mortal de que não se sabe o alcance, pois a contaminação é muito mais rápida do que vírus anteriores, e o presidente Bolsonaro diz que outras gripes mataram muito mais. Uma análise superficial e apressada, pois ainda não se tem confirmação sobre o grau de letalidade do Covid-19, nem se sabe se as notificações de países como o Irã ou Rússia, entre outros, são verdadeiras.

Além do mais, temos particularidades que nos ajudam, como o calor agora no verão, mas outras que atrapalham, como a falta de capacidade do sistema único de saúde (SUS) de atender a uma demanda que pode crescer exponencialmente a partir de determinado número de contagiados.

Mas, ao mesmo tempo, o próprio presidente diz que a crise não é tão grave, e convoca manifestação nas ruas, quando o mundo inteiro proíbe aglomerações e cancela eventos. Seria importante um gesto de sobriedade, de inteligência, do presidente do país pedindo a seus seguidores para não irem para a rua, pois isso pode acelerar a epidemia.

Perguntado se faria isso, Bolsonaro, como sempre, esquivou-se de responsabilidade. Disse que não havia convocado ninguém, e que os organizadores das manifestações é que deveriam se manifestar. Além de ser uma mentira pública, pois há vídeos de sua fala em Boa Vista no fim de semana passada convocando seus seguidores a participarem das manifestações, Bolsonaro demonstra que ainda não entendeu o que está acontecendo no mundo.

Bernardo Mello Franco – Brincando de colorir

- O Globo

Enquanto o mundo se mobiliza para tentar conter o coronavírus, Bolsonaro diz que a doença “não é isso tudo”. Suas falas mostram ignorância e falta de conexão com a realidade

É uma questão de tempo. O coronavírus mal chegou ao Brasil e já provocou um tombo histórico no mercado financeiro. Em poucas semanas, deve causar estragos ainda maiores na saúde pública.

A pandemia pôs o planeta em alerta, mas não parece preocupar Jair Bolsonaro. Na terça-feira, ele disse que o assunto não passa de “uma pequena crise”. “No meu entender, muito mais fantasia. A questão do coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propala”, opinou.

As declarações mostram um presidente desconectado do mundo real. Enquanto outros líderes anunciam medidas contra a doença, Bolsonaro tenta negar sua gravidade. Nas horas vagas, brinca de colorir. Foi o que ele fez ao se exibir com um pincel diante de uma tela de Romero Britto, pintor preferido dos brasileiros em Miami.

“É lamentável que o chefe maior da nação adote este comportamento. As falas dele têm impacto, atingem milhões de pessoas”, critica o epidemiologista Roberto Medronho, professor da UFRJ.

Num governo avesso ao conhecimento e à ciência, o ministro da Saúde tem se destacado pela atuação sóbria. Avesso a teorias conspiratórias, Luiz Henrique Mandetta emerge como uma figura equilibrada na crise. Não é pouco. Seu colega Abraham Weintraub, titular da Educação, já usou uma suspeita de coronavírus para incitar o ódio contra uma pesquisadora.

Ascânio Seleme - Eu ia escrever sobre o amor

- O Globo

Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, passou a ser uma pessoa perigosa

Verdade. Eu ia escrever sobre o amor. Como as pessoas se conhecem, se apaixonam e se casam usando as redes sociais e os sites de relacionamento. Como muitos também se separam pelas redes. Tentaria mostrar como esses casais exaltam em cores e sorrisos as suas histórias de amor eterno. E como outros, diante da inevitável separação, apagam os seus passos em conjunto, eliminam qualquer evidência de um que um dia estiveram casados, deletando para sempre fotos, vídeos e declarações de amor postados no Insta e no Face. Seria uma coluna mais leve, mas ainda assim de tremendo interesse para a sociedade. Mas aí veio a última do Bolsonaro.

No auge de uma pandemia que se espalha de maneira geométrica e causa pânico em todo o mundo, o presidente deu uma entrevista afirmando que "o coronavírus não é isso tudo que a grande mídia propaga”. Outra vez culpou a imprensa por exagerar a ponto de causar uma crise global que culminou com a queda do preço do petróleo. Esta deve ter sido, se não a maior, uma das maiores sandices já ditas por um presidente da República em todos os tempos. Bolsonaro deixou de ser apenas um sujeito mal-intencionado, e passou a ser uma pessoa perigosa.

Se um brasileiro seguir a orientação do seu líder e passar a menosprezar o coronavírus como se não fosse isso tudo que estão falando, ele certamente deixará de atender às recomendações feitas por médicos e sanitaristas, transformando-se num potencial candidato a ser infectado e virar um forte transmissor da doença. O presidente disse, em outras palavras, que a pandemia é uma bobagem. Vejam o tamanho da irresponsabilidade de quem governa o Brasil. Não dava mesmo para falar de amor numa hora dessa.

Nos Estados Unidos, aonde cheguei na segunda-feira, não há outro assunto. Nem a Super Tuesday vencida por Joe Biden conseguiu desmobilizar o país em torno do coronavírus. Aliás, mesmo as campanhas dos dois candidatos democratas foram reduzidas para se evitar aglomerações no dia do pleito. Em Nova York, a Universidade Columbia suspendeu suas aulas, assim como Harvard, em Boston. Hospitais de NYC já estão racionando máscaras para pacientes, médicos e enfermeiros. Falta álcool gel nas farmácias da cidade. Alguém já imaginou que algum produto um dia faltaria em Nova York?

Carlos Alberto Sardenberg - Coronavírus é recessão

- O Globo

Todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da pandemia, conforme a OMS a declarou ontem

Eis como a situação econômica, em qualquer país, pode se complicar, em consequência das restrições impostas para o controle do coronavírus. Começa que a empresa perde receita ou porque teve que fechar (cinemas, por exemplo) ou porque os consumidores não vão às compras.

Mas continua com suas obrigações básicas, pagamento de salários, impostos e prestações de empréstimos, além da conta de insumos adquiridos anteriormente. Se essa situação se prolonga, a empresa atrasa impostos, dá o cano nos bancos e demite funcionários. E a crise passa para o governo, que perde receita, para os bancos, que levam calote, e, mais importante e grave, para os trabalhadores que perdem emprego.

É a partir daí que todos, governo e sociedade, devem organizar as respostas para dividir os prejuízos. No fundo, sabe-se o que fazer. A questão política é como coordenar as medidas nacional e globalmente.

Governos podem adiar o pagamento de impostos, especialmente para os setores mais atingidos. Bancos podem negociar a reestruturação de financiamentos. Na Itália, a associação de bancos disse que seus membros podem suspender as dívidas de pequenas empresas e de pessoas, incluindo hipotecas. E as empresas em geral podem evitar as demissões, por exemplo, reduzindo a jornada de trabalho, com redução equivalente de salários. Mesmo assim, governos devem estender os benefícios de desemprego.

Tudo isso custa dinheiro e requer outras ações para amenizar os danos. Os bancos centrais já se preparam para injetar dinheiro no sistema financeiro, comprando títulos de bancos e empresas. Em muitos países, a taxa de juros já está a zero ou negativa — era uma resposta à desaceleração econômica que já acontecia antes do coronavírus. Nesses casos, só resta a opção de dar liquidez ao mercado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, é praticamente certa a redução dos juros a zero.

E, finalmente, todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da pandemia, conforme a OMS a declarou ontem.

Nada disso é novidade. As medidas econômicas de combate à recessão foram aplicadas na crise de 2008/09, com bastante sucesso. E houve uma extraordinária coordenação entre governos, bancos centrais e instituições globais, como o FMI e o Banco Mundial.

Míriam Leitão - O dia da queda de todas as fichas

- O Globo

Crise do coronavírus se espalha e afeta a bolsa e a economia. Desarticulação política do governo levou a aumento de R$ 20 bi em gastos

A Ásia terá vários países em recessão, na Europa, a Itália certamente afundará e talvez a Alemanha. Nos Estados Unidos, o cenário mais suave é de desaceleração forte, o pior cenário inclui uma crise de crédito porque as empresas americanas estão muito endividadas. Esse é o quadro econômico que está se formando com a dispersão do covid-19, segundo a visão do economista José Roberto Mendonça de Barros. No Brasil, o Congresso criou uma despesa obrigatória de R$ 20 bilhões por ano. O dinheiro é destinado aos mais pobres, mas na visão da equipe econômica isso derruba na prática o teto de gastos.

Tudo está acontecendo ao mesmo tempo no mundo. O vírus se espalhando, as bolsas despencando, as economias reduzindo o ritmo de crescimento. Sobre a China, Mendonça de Barros usa o dado do BNP Paribas, de queda do ritmo do PIB para 4,5%. O primeiro banco a rever fortemente o crescimento da China foi o BNP Paribas. O economista-chefe do banco no Brasil, Gustavo Arruda, disse que quando sua equipe conversou com o time da Ásia e viu a gravidade da situação, em 18 de fevereiro, ele reduziu a previsão de crescimento do Brasil para 1,5%.

— Dada a gravidade da situação era impossível que ficasse localizado na China. O Brasil é afetado de diversas formas. Pelo canal externo, pelos preços das commodities, mas também pelas importações de vários setores, como eletrônicos — disse Gustavo.

Maria Hermínia Tavares* -Tão urgente, tão remota

- Folha de S. Paulo

Responsabilidade fiscal não deveria impedir responsabilidade social

Falando na semana passada a estudantes de pós-graduação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o governador do Maranhão, Flavio Dino, sustentou que o necessário compromisso com a responsabilidade fiscal não deveria impedir outro —também premente— com a responsabilidade social. Esta última, advertiu, exige que se pense em políticas de proteção social a mais longo prazo, aptas a lidar com problemas que hoje apenas se anunciam, mas que virão a galope, trazidos pelas grandes mudanças na economia e no mundo do trabalho.

Ao governador do PC do B preocupa a propagação avassaladora da informalidade e do trabalho precário --intermitente e, em regra, mal remunerado. Ele se inquieta com o seu previsível impacto sobre a Previdência, os programas de transferência de renda e o sistema de saúde pública.

Ainda bem, até porque esse enfoque está a anos-luz da retórica e das propostas dos economistas do governo, enquanto boa parte das oposições se limita a jogar apenas na defensiva —o que pode ser necessário, mas é claramente insuficiente.

A mesma preocupação infunde o relatório, publicado em fevereiro, do Diálogo Inter-Americano, think-thank de Washington dedicado ao debate de questões relevantes para o continente.

Fernando Schüler* - O debate do Fundeb

- Folha de S. Paulo

Garantia de direitos não é sinônimo de gestão estatal de serviços

O debate em torno do Fundeb está em pauta no Congresso. Ele não diz apenas respeito ao financiamento da educação brasileira, mas também à definição sobre como se fará a gestão de nossas escolas. Isto é: como se fará para garantir que o direito à educação básica, inscrito na Constituição, seja efetivo.

Há temas que mereceriam especial atenção no parecer apresentado pela deputada Professora Dorinha, relatora da PEC do Fundeb. Um deles é a determinação de que no mínimo 70% dos recursos do fundo sejam aplicados, nos estados e municípios, no pagamento de “profissionais da educação em efetivo exercício”.

Mais do que criar um engessamento impróprio para um país continental e diverso como o Brasil (como saber se daqui a dez anos, nos 5.570 municípios brasileiros, será esse o percentual requerido?), a redação parte da premissa, que parece implícita no projeto, de que a oferta da educação básica será necessariamente estatal.

Caso aprovada, teríamos uma contradição com o artigo 213 da Constituição, que trata do uso dos recursos públicos para a educação. O parecer sugere que o referido artigo trata a gestão via parcerias com o setor publico não estatal (escolas filantrópicas, confessionais e comunitárias) como “exceção”, e não como uma possibilidade aberta aos gestores das redes públicas de educação.

Há um claro equívoco aí. As restrições estabelecidas pelo constituinte para esse tipo de gestão por contratos são bastante precisas e dizem respeito à natureza filantrópica, isto é, sem fins lucrativos, das instituições. A condicionante mencionada no parecer, relativa à falta de vagas nas redes públicas, diz respeito ao mecanismo de oferta de bolsas de estudo.

Bruno Boghossian – Sociedade limitada

- Folha de S. Paulo

Com retaliação de R$ 20 bi, parlamentares podem virar sócios do governo na crise

Durou pouco mais de um ano a ilusão de que o Congresso havia jurado amor eterno à agenda de aperto nas contas públicas. Em mais um momento tenso nas relações com o Planalto, os parlamentares decidiram espetar no governo um gasto extra de R$ 20 bilhões por ano para ampliar o benefício pago a deficientes e idosos muito pobres.

A derrubada do veto de Jair Bolsonaro a esse dispositivo é mais uma prova de que nenhuma aliança funciona no piloto automático. No primeiro ano de mandato, deputados e senadores firmaram uma parceria com a equipe econômica e driblaram a tentação de criar despesas exageradas para os cofres do governo.

O vento virou quando o presidente passou a guerrear de frente com o Legislativo. As convocações para o protesto do dia 15 e a intimidação aos parlamentares no debate sobre o controle do Orçamento, somadas às recentes caneladas do ministro Paulo Guedes, implodiram o acordo.

Roberto Dias – Pandemia de fake news

- Folha de S. Paulo

Legislação capenga para combater essa praga volta a cobrar seu preço

É famosa a discussão sobre o sujeito que anuncia um falso incêndio dentro de um teatro lotado. Não se pode dar à sua irresponsabilidade a mesma proteção destinada à liberdade de expressão. Ele deve, como não, ser punido.

O coronavírus impulsiona tipos como esse do teatro a uma escala global e comprova que essa praga chamada fake news não ameaça apenas a democracia. É um imenso e urgente problema de saúde pública.

No Irã, 218 foram hospitalizadas e 44 morreram envenenadas após tomarem álcool puro —que seria um tratamento preventivo ao coronavírus, segundo as mentiras que circularam. Na Malásia, a polícia abriu 37 investigações sobre esse problema. Num voo do Canadá para a Jamaica, um homem mentiu ao anunciar que tinha o vírus; o avião voltou e ele acabou preso. Grupos em redes sociais relacionam o vírus ao 5G.

Maior mercado do WhatsApp, a Índia teve uma explosão de notícias falsas de saúde. Algumas ligavam a doença a hábitos alimentares como tomar sorvete. Um homem com três filhos se matou após assistir vídeos com informações falsas na internet e acreditar que estava infectado.

Vinicius Torres Freire - Governos imóveis na guerra da epidemia

- Folha de S. Paulo

É preciso gastar para deter o inimigo novo coronavírus e cuidar dos feridos

A epidemia tem algo de uma guerra. Não há destruição física, mas partes da economia deixam de produzir por falta de gente para trabalhar, de transporte e matérias-primas.

Os danos estão evidentes, mas muitos governos vivem em um mundo de paz. A paz dos cemitérios.

Mas é preciso um esforço de guerra —mais sobre isso adiante.

Há quem grite nesse silêncio mortal no meio da algazarra dos mercados financeiros, os primeiros a pedir socorro. Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, soltou os cachorros em reunião fechada da cúpula europeia, na terça-feira (10), segundo relatos de jornais europeus: parem de tergiversar, governos precisam gastar.

Juros baixos não movem moinhos destruídos, não animam pessoas travadas pelo pânico ou pela impossibilidade física de trabalhar, não tratam doentes.

O Brasil também terá de pensar em medidas de emergência (que não impedem "reformas"). O número de casos da doença se expande aqui a 30% ao dia, quase o mesmo ritmo do mundo rico. Nessa toada, em 15 dias haverá 2.700 doentes. Haverá paralisia também, em um país mais pobre e desgovernado, em parte na mão de dementes.

Reino Unido e Itália começaram a agir. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, diz que é "melhor se exceder do que fazer pouco". O governo americano está perdido entre os economistas de auditório de Donald Trump e picuinhas democratas. Apenas o BC deles agiu.

Maria Cristina Fernandes - A cizânia empresarial que patrocina o dia 15

- Valor Econômico

Adversários da reforma tributária promovem confronto

Fantasiado de super-herói patriota, o “capitão brasil” surge, por trás de um ônibus pintado nas cores do Brasil, para fazer uma estridente convocação para a manifestação de domingo. O vídeo, que circula em grupos de whatsapp de investidores, é estrelado por Luciano Hang, dono da Havan, varejista catarinense e bolsonarista de primeira hora.

O empresário foi convocado para depor na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito montada para investigar o financiamento da rede de propagação de fake news desde a campanha eleitoral. Hang poderia não passar de empresário folclórico enrolado na máquina bolsonarista de moer reputações. Mas integra um ativo grupo de empresários, alguns mais discretos, como Flávio Rocha, do grupo Riachuelo, que tem bombardeado a proposta de reforma tributária patrocinada pela indústria nacional e encampada, em grande parte, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Pelos canais de que dispõem junto ao bolsonarismo, têm feito chegar ao presidente a percepção de que a reforma, além de afetar o setor de serviços, hoje responsável por algo em torno de 65% do PIB, azedaria o humor da classe média, a quem seria repassada a majoração de preços - da mensalidade escolar à consulta médica. Se a reforma da Previdência unificava o empresariado, a tributária o divide. Além da cizânia de interesses, a reforma tributária tem alinhado parte do empresariado à opção preferencial do presidente da República pela afronta às instituições.

Um ex-presidente de instituição financeira, hoje investidor, recorre à expressão cunhada pelo professor Delfim Netto - “legítima defesa” - para justificar seu voto em Bolsonaro. De tudo que estava posto, nada o incomodava mais do que a perspectiva de volta do PT. A opção se reproduzia entre seus pares. Nada do que Bolsonaro poderia ser capaz de fazer seria mais grave do que ter os petistas de novo no governo.