quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Merval Pereira - Anseios e receios

O Globo

Governo eleito precisa entender o resultado apertado do segundo turno

As manifestações golpistas em diversas capitais, em frente a prédios do Exército, são consequência não de supostas fraudes eleitorais, que não aconteceram, mas da tentativa permanente do presidente derrotado de virar a mesa durante todo o seu mandato. Ao demorar quase 45 horas para se pronunciar sobre o resultado da eleição, e ao fazê-lo de maneira estudadamente cifrada para permitir que seus seguidores mais radicais — os que estão nas ruas pedindo intervenção militar — entendessem que estimulava suas ações antidemocráticas, Bolsonaro alimenta o ambiente conturbado desde o início de seu governo.

Sabe-se que, mais uma vez, foi preciso muita insistência para que o presidente moderasse o palavreado em seu pronunciamento, suficiente para que a transição democrática fosse iniciada com o reconhecimento do resultado, ao agradecer os 58 milhões de votos que recebeu no segundo turno. Meias-palavras ditas de má vontade, que precisaram ser interpretadas por uma nota oficial do Supremo Tribunal Federal (STF), que as tornou a aceitação oficial do resultado da eleição.

Tão sibilino foi no seu pronunciamento de dois minutos — para quem falou apenas 15 minutos na tribuna mundial da ONU, até que foi muito —, que teve de pedir explicitamente numa live que os caminhoneiros desobstruíssem as rodovias. Mas voltou a dar força para as manifestações que aconteceram, endossando indiretamente a palavra de ordem que as dominou, o pedido de intervenção militar.

Malu Gaspar - O governo Lula nas mãos do STF

O Globo

As manifestações de bolsonaristas e bloqueios de rodovias ainda podem continuar provocando tumulto e espanto pelo radicalismo por mais alguns dias, mas a tendência é que a cada dia fiquem mais longe no retrovisor. O bolsonarismo ou a direita, porém, continuarão existindo e terão bases firmes no Congresso Nacional a partir do ano que vem.

Só o PL, partido de Jair Bolsonaro, elegeu 99 deputados e 15 senadores, sem contar os outros partidos que sustentaram o governo derrotado até aqui e se colocaram à direita do espectro político. Somadas as bancadas de PP, Republicanos e União Brasil, são 246 deputados, quase metade dos 513 da Câmara. Como bom Centrão, essas legendas não terão problemas em fazer uma guinada fisiológica para o centro e começar a votar com o governo Lula.

A questão, como sempre em Brasília, será o custo.

Há duas décadas, quando Lula foi eleito pela primeira vez, o Centrão cobrou caro para apoiá-lo no Congresso. Chegou a fazer greve de votações na Câmara para tomar conta de uma diretoria da Petrobras. Foram vitoriosos, e o resultado todos conhecemos.

Míriam Leitão - O governo que já terminou

O Globo

O governo acabou, tudo o que pode tentar é atrapalhar a travessia. Lula inaugura no Egito a volta ao protagonismo ambiental do Brasil

Pela maneira como encerrou o ciclo eleitoral, o governo Bolsonaro já terminou. Tudo o que ele pode fazer agora é tentar atrapalhar a travessia para a nova administração, mas isso será ilegal. Perdido em seu labirinto, à deriva, Bolsonaro não reconheceu a derrota, nem deu a ordem para que seus apoiadores saíssem dos bloqueios. O país precisou de muita boa vontade para contornar o que ele disse e interpretar que aquilo era um reconhecimento da derrota. A palavra “acabou”, que ele disse no STF, foi um alívio geral. “A alternativa era tenebrosa”, me disse um ministro do Supremo.

De acordo com esse ministro, é preciso ter uma capacidade renovada de interpretação. Foi isso que o STF fez na nota que soltou às 17h37, logo após a fala ambígua de Bolsonaro. Nela, o STF informa que aquilo era “reconhecimento do resultado final das eleições” e “garantia do direito de ir e vir”. Milhares, talvez milhões de pessoas, nem iam nem vinham. Só no Rio de Janeiro, 10 mil deixaram de viajar no feriado, inúmeros voos foram cancelados, a sombra do desabastecimento crescia, quando Bolsonaro disse que os protestos eram “indignação contra a injustiça eleitoral”. A Polícia Rodoviária Federal só agiu sob ameaça do STF. As Polícias Militares tiveram que entrar por ordem do Supremo. O país já está se governando, e a luta contra os bloqueios das estradas mostrou isso.

Luiz Carlos Azedo - Protestos antidemocráticos de Finados foram jus espernandis

Correio Braziliense

O silêncio de Bolsonaro em relação à vitória de Lula e sua solidariedade aos manifestantes, no lacônico pronunciamento, também se enquadra na categoria do ‘jus esperneandis’

No mundo jurídico, o equilíbrio entre a existência de recursos e o retardamento de decisões judiciais é uma questão polêmica e sempre atual, porque estão em jogo a segurança jurídica e a efetividade da justiça. A tensão ocorre entre o inconformismo psicológico natural de quem perde a demanda e o atraso na solução da disputa, mas evita que erros sejam perpetuados em razão da suposta infalibilidade do julgador. A expressão jus esperneandis vem daí. No jargão jurídico, é um falso latinismo, que alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais. O excesso de recursos às decisões, porém, pode ser classificado como litigância de má-fé.

A analogia serve para avaliar as manifestações dos partidários do presidente Jair Bolsonaro às portas dos quarteis realizadas ontem. Foram protestos claramente antidemocráticos, que contestavam os resultados das urnas de domingo, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República pela terceira vez. Não aceitar o resultado oficial das eleições e até dele recorrer é um direito eleitoral garantido, mas o presidente Jair Bolsonaro não o fez. Em qualquer caso, a decisão final caberia à Justiça, a mesma que proclamou o resultado das urnas. Entretanto, conclamar os militares a intervirem na vida política, rasgarem a Constituição e manterem Bolsonaro no poder pela força é crime. Ou seja, os protestos foram pacíficos, mas suas intenções são criminosas.

Maria Cristina Fernandes - O café frio de Bolsonaro

Valor Econômico

Queda de braço será longa, enfrenta o risco de torná-lo mártir se engrossar e tem como meta a inelegibilidade

A relação das instituições com o presidente Jair Bolsonaro já foi definida um dia pelo ministro Gilmar Mendes como um jogo de xadrez com um pombo, que voa, derruba as peças, faz caca no tabuleiro e apronta confusão. Durante encontro no Supremo Tribunal Federal, o pombo posou de estadista para se manter no jogo depois de janeiro. A nota do STF, como sempre acontece quando, além da Constituição, a Corte se arvora a interpretar o presidente da República, é política. Se atesta um reconhecimento do resultado eleitoral que não houve, é menos pela certeza de que ele vai se aquietar e mais para mantê-lo à mão na partida que está para começar.

Bolsonaro não apenas se manterá encrencado no inquérito das Fake News, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, como, ao chegar à planície, se deparará com um juiz de primeira instância a cada esquina. Três anos e sete meses depois do tuíte do general Villa Boas, que empurrou o STF a negar o “habeas corpus” a Luiz Inácio Lula da Silva, a Corte faz o antituíte com a publicação, na rede social, da nota em que passa a mão na cabeça do presidente arruaceiro. Mais do que negociar anistia, indulto ou graça, para os quais só será elegível se condenado, Bolsonaro bateu às portas do STF numa tentativa de deixá-las abertas para os HCs de que precisará. Ele os terá?

Cristiano Romero - Marina Silva volta ao governo Lula?

Valor Econômico

Referência internacional, Izabella Teixeira é o melhor nome para negociação climática

Depois de anos afastada de Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva (Rede) desempenhou papel relevante na fase final da campanha do presidente eleito. Ela trabalhou para conquistar o apoio de setores do ambientalismo antipetistas. Alguém pode alegar que isso não tenha trazido muitos votos, porém, dado o fato de Lula ter superado Jair Bolsonaro (PL) por vantagem muito pequena - 2,1 milhões de eleitores, equivalentes a 1,72% dos votos válidos -, é bom não desprezar nenhum dos apoiadores que se empenharam pela vitória do petista no domingo.

É possível que isso pese na definição do ministério de Lula. Tão logo se divulgou o resultado da eleição, a ex-ministra Marina Silva foi mencionada pela mídia como “ministeriável” e iniciou-se debate sobre clima - assunto mais quente da área ambiental no planeta - e reestruturação do organograma do novo governo nessa área. Surgiu, por exemplo, a ideia de se criar uma espécie de superautoridade para cuidar das negociações da questão climática.

Mario Mesquita* - O otimismo das projeções econômicas

Valor Econômico

Surpresas positivas podem sugerir que as reformas implementadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados

Modelos utilizados para fazer projeções econômicas tendem a partir da premissa de que o futuro terá alguns elementos comuns com o presente e o passado. Como consequência, modelos tradicionais são particularmente frágeis na detecção tempestiva de rupturas estruturais. Mudanças estruturais são geralmente detectadas e analisadas depois do fato, e não previstas ex-ante.

Cabe notar, contudo, que, mesmo quando erram, as projeções podem ser úteis. Por exemplo, se, a partir de um determinado momento, os economistas passam a subestimar consistentemente a taxa de crescimento do PIB, é possível que esteja ocorrendo uma mudança estrutural, para melhor, na capacidade de expansão do produto, que não está sendo capturada analiticamente em tempo real.

No caso do Brasil, o Banco Central compila, desde o início do século, uma amostra consistente de projeções sobre variáveis macroeconômicas, o chamado relatório Focus, que nos permite avaliar o comportamento das expectativas ao longo do tempo, bem como checar se há erros recorrentes.

Ruy Castro = Bom estar de volta

Folha de S. Paulo

Vá pra casa, Bolsonaro, ou para o raio que o parta

Alguns leitores viram com alívio minha ausência deste espaço nos últimos dois meses. Outros, espero que em maioria, estranharam. Mirian Goldenberg perguntou em sua coluna: "Cadê o Ruy?". Arriscaram: em Búzios, de férias, na praia, abanando-se com uma "Revista do Rádio" — alheio à disparada do Brasil rumo ao fascismo, com um presidente imoral quebrando o país para comprar votos, pintando climas com refugiadas de menor, tramando tungar os aposentados e com alguns de seus seguidores falando a única língua que conhecem: a da pistola, do fuzil e da granada.

Maria Hermínia Tavares* - O golpe de Itararé

Folha de S. Paulo

Quem queria virar a mesa em Brasília ficou falando sozinho

A democracia venceu. Mas, nas 45 horas entre o anúncio da vitória de Lula e a fala para lá de ambígua do presidente rejeitado, na terça (1º/11), o bolsonarismo — estimulado pelo silêncio do chefe a se aboletar em caminhões — abraçou o golpe. No Dia de Finados, estradas permaneciam bloqueadas, enquanto vivandeiras batiam às portas do quarteis, clamando por uma intervenção militar — que não virá.

O movimento golpista nada teve de espontâneo e inesperado. Cresceu no Brasil paralelo onde vivem seus líderes e participantes, embalado por repetidos discursos contra as instituições eleitorais e pela demonização dos adversários que promoveriam a "comunização" do país.

O golpismo vinha sendo ostensivamente propagado nas redes sociais: insuflou os perdedores e garantiu a sincronia entre a mudez do presidente derrotado e o travamento das rodovias por caminhoneiros em muitos pontos do país.

Bruno Boghossian - A janela da direita democrática

Folha de S. Paulo

Presidente conta com omissão de atores desse campo e impõe método golpista como peça central de ação política

Jair Bolsonaro não quer apenas se firmar como autoproclamado líder da direita no país. Os primeiros movimentos do presidente e seus seguidores após perder a eleição mostram que eles vão trabalhar para impor a esse campo a marca do personalismo e manter o método antidemocrático como peça central de ação política.

Em seu breve discurso de derrota, Bolsonaro disse representar uma doutrina que defende "a liberdade econômica, a liberdade religiosa, a liberdade de opinião, a honestidade e as cores verde e amarela". Mas seu principal recado foi um estímulo para que seus apoiadores contestem o resultado da eleição.

Vinicius Torres Freire - Lula terá de fazer milagre no Congresso

Folha de S. Paulo

Esquerda terá de lidar com um bloco maior da direita e deve só obter apoios picados

Luiz Inácio Lula da Silva tem uns três meses para montar ao menos um esboço de coalizão que sustente seu governo.

PT, esquerda e agregados sempre foram minoritários na Câmara, com algo entre 30% e 35% dos deputados federais eleitos nos anos em que petistas levaram o governo federal, por exemplo.

No começo da legislatura e do governo 2023-2026, a esquerda é um tanto mais minoritária. O problema maior não está aí, porém. A configuração do Congresso é bem diferente dos anos tucano-petistas (1994-2014).

A montagem de uma coalizão era, em princípio, mais difícil para o PT do que para o PSDB nos anos em que os dois partidos ficaram com o governo federal, 1994-2014. A situação piorou.

O partido que dava o lastro maior e central das alianças, o MDB, é diminuto, assim como o centro. Partidos menores dessas coalizões do antigo regime, os "fisiológicos", ora são aliados, dominantes e apoiaram Jair Bolsonaro na eleição deste ano (PL, PP e Republicanos).

O PT diz que seu primeiro objetivo é levar MDB (42 deputados) e PSD (também 42) inteiros para o governo. "Inteiros" nunca é possível. Neste 2022, ainda menos.

Conrado Hübner Mendes* - Bolsonaro pode sair vitorioso

Folha de S. Paulo

Juridicamente impune, politicamente vivo, socialmente normalizado

Bolsonaro sofreu derrota eleitoral acachapante. Não pela pequena margem de votos favoráveis a Lula, mas pelo quase milagre da vitória diante do arsenal de práticas ilegais da campanha do presidente. Foi uma eleição corrupta e desequilibrada, em favor de Bolsonaro. Nem assim conseguiu a reeleição. Uma façanha mítica na história do presidencialismo.

Abuso de poder político, econômico e religioso; orçamento secreto, auxílios eleitoreiros não revogados por apatia do STF; coação pública (por lideranças locais, como no escândalo de Coronel Sapucaia, revelado por Caco Barcellos) e assédio privado (de empresários sobre empregados, por exemplo), que atualizaram o voto do cabresto; a insurreição da Polícia Rodoviária Federal para atrapalhar votos do nordeste.

Bolsonaristas atribuem derrota à "ditadura judicial", como chamam qualquer decisão que lhes desagrade. Bolsonaro reclama da parcialidade do TSE, que exigiu, por exemplo, transporte público gratuito nas capitais do país para facilitar o voto de pessoas pobres.

Num fim patético e melancólico, Bolsonaro ficou 45 horas em silêncio enquanto suas redes incitavam arruaça de caminhoneiros pelas estradas do país. E, ao se pronunciar por 3 minutos, sem assumir responsabilidade por qualquer coisa, fez jus à biografia do covarde.

William Waack - Dois Brasis

O Estado de S. Paulo

A ‘insurreição’ bolsonarista é só parte da oposição que aguarda o novo presidente

Lula é um populista clássico dono de um partido no qual manda e desmanda. Bolsonaro é um populista “moderno” cuja atuação política como líder de oposição vai depender do que foi muito útil em campanhas eleitorais – redes sociais – e inútil como instrumento para governar.

Ambos compartilham uma noção hipertrofiada do que seja a própria capacidade de “tomar as ruas”. Basta lembrar que o PT insistiu na convocação de contra manifestações em 2016, e perdeu. Quanto a Bolsonaro, parece claro que o silencio de 48 horas após o resultado de domingo escondia uma esperança: o de uma espécie de “insurreição” popular contra a vitória de Lula.

Sim, é muito forte para ser ignorado o flerte de forças da ordem (como a PRF) com a desordem, o que já acontecera no movimento dos caminhoneiros em 2018. Mas protestos desse tipo, espontâneos ou não, tendem a se esvaziar rapidamente pois carecem de sentido e direção.

Eugênio Bucci* - O ‘cachorro morto’ que late e morde

O Estado de S. Paulo

Nada no discurso de terça-feira nos autoriza a acreditar que o preterido tenha se conformado com o desfecho da disputa eleitoral.

O discurso que o incumbente derrotado leu na terça-feira à tarde foi um soco na cara da democracia. Mais uma vez, ficou provado, letra por letra, a índole fascista do governante que ainda dá expediente no Planalto. Em sua fala enfezada, o chefe de Estado insultou o próprio Estado e questionou a lisura das eleições. Foi uma afronta inaceitável.

É verdade que o governo vai se desfazendo aos poucos, o que deixa prevalecer uma sensação de que o presidente, ainda que a contragosto, não tem mais base para reverter o resultado das urnas. O vice-presidente, Hamilton Mourão, que até já convidou Geraldo Alckmin, seu sucessor, a conhecer o Palácio do Jaburu, vem dando seguidas declarações de que não há o que fazer a não ser aceitar a derrota. O ministro Ciro Nogueira insiste em dizer que dará início à transição com o novo governo – e, como gosta de ressaltar, conta com o apoio do chefe para passar o bastão aos que chegam. Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados e bolsonaristíssimo (pelo menos até domingo passado), logo correu a cumprimentar Luiz Inácio Lula da Silva pela vitória. De uns dois dias para cá, o Centrão iniciou um flerte com o eleito.

Roberto Macedo* - Lula e os muitos e complexos problemas de sua gestão

O Estado de S. Paulo

Ele precisa ampliar seu apoio político ao centro, e tratar os problemas com uma visão mais analítica que a de seu discurso eleitoral.

Há tempos Lula sentiu a necessidade de ampliar sua sustentação política além da advinda de grupos que tradicionalmente o apoiam, como sindicalistas e petistas históricos, mais à esquerda, com seus líderes ávidos pelo poder e suas benesses.

Esse apoio tradicional também explica, em parte, por que enquanto candidato Lula não apresentou uma visão detalhada de seu plano de governo, em razão de seu receio de desagradar esses grupos. Mas, de agora em diante, a realidade vai se impor. Politicamente, Lula já buscou ajuda mais ao centro, como ao escolher Geraldo Alckmin como vice-presidente. E teve apoios importantes como o de Simone Tebet e também o de muitos brasileiros que se arrependeram do seu voto em Jair Bolsonaro em 2018, vendo agora no petista um risco menor do que o associado ao atual presidente.

Lula terá de mostrar serviço, diante da dura realidade econômica e social. Para tanto, será fundamental que prossiga este movimento mais ao centro, pois ele é indispensável para contar também com quadros políticos e administrativos mais experientes em lidar com os muitos problemas a enfrentar. E será preciso que isso seja feito prestigiando o entendimento desses problemas em suas múltiplas dimensões, o que, numa linguagem mais acadêmica, significa buscar apoio em análises científicas, e não em visões baseadas em crenças preconcebidas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Por uma transição ordeira e pacífica para o novo governo

Valor Econômico

Liberar as estradas é uma necessidade urgente

Políticos, ministros do Supremo Tribunal Federal e leigos em geral tiveram de fazer uma complexa análise semântica do discurso de pouco mais de 2 minutos do presidente Jair Bolsonaro, quase dois dias depois de ser derrotado nas eleições. A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, em nota, obteve consenso na interpretação: “O STF consigna a importância do pronunciamento do Presidente da República em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios e, ao determinar o início da transição, reconhecer o resultado final das eleições”. E assim foi entendido.

A facção dos caminhoneiros que segue Bolsonaro e faz arruaça nas estradas do país, acreditou até o fim na fantasia de que houve um complô para derrotar o presidente por métodos escusos. As bandeiras do movimento têm as claras marcas da ilegalidade: repudiam o resultado de eleições limpas e pedem intervenção dos militares para por fim à democracia. Bolsonaro considerou as manifestações legítimas: “São fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”. Depois disse que os métodos da direita não podem ser os da esquerda, com “cerceamento do direito de ir e vir”.

Poesia | Elogio do aprendizado (Bertolt Brecht)

 

Música | André Mehmari e Monica Salmaso - A lua girou

 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Vera Magalhães - Que venha a transição

O Globo

Brasil deveria dar despedida breve a Bolsonaro e se ocupar da agenda que vai além das tarefas executivas e inclui a reconstrução do ambiente de diálogo

O Brasil deveria fazer como Jair Bolsonaro e lhe dar uma despedida breve, telegráfica, do tamanho de um tuíte. Se o presidente não se preocupou em, quase 48 horas depois da inédita derrota de um incumbente à reeleição, respeitar a liturgia do cargo e endereçar uma mensagem ampla ao conjunto da sociedade brasileira, dividida e traumatizada por uma campanha eleitoral suja, que sigamos sua ideia e passemos a nos dedicar ao dia seguinte.

Como escrevi no dia da eleição, há um país a reconstruir. E, ainda assim, o bolsonarismo se dedicou a depredá-lo um pouco mais desde domingo, numa sinalização clara de que não pretende exercer oposição ao próximo governo de forma democrática e institucional, mas sim promovendo arruaças e conturbando o ambiente econômico, político e social.

A transição, portanto, tem de se ocupar das muitas tarefas executivas necessárias para superar quatro anos de retrocessos, desmonte das estruturas de fiscalização, desrespeito aos direitos civis e coletivos e desarranjo fiscal para fins eleitoreiros, sem falar na política armamentista assassina e nos sigilos de cem anos para tudo.

Será preciso também fazer o caminho de volta para o convívio civilizado entre os que têm ideologias distintas, professam diferentes religiões, vivem nas várias regiões do país, pobres e ricos, trabalhadores e patrões, pais e filhos. Não é pouca coisa, e haverá sabotadores impedindo o trânsito como fizeram os caminhoneiros insurrectos nas estradas.

Bernardo Mello Franco – Aposta na arruaça

O Globo

Presidente tenta manter tropa mobilizada para demonstrar força e negociar proteção

A história acontece como tragédia e se repete no Brasil como arruaça. O bloqueio de rodovias faz parte de um enredo premeditado por Jair Bolsonaro: a tentativa de melar, pela via do tumulto, o resultado da eleição presidencial.

O capitão sempre buscou imitar Donald Trump. No ano passado, o republicano incentivou seus apoiadores a invadirem o Capitólio. Queria barrar a posse de Joe Biden, eleito pela maioria dos americanos.

Na versão tupiniquim, a baderna foi menos organizada. Os bolsonaristas se limitaram a parar o trânsito, com a cumplicidade da cúpula da Polícia Rodoviária Federal. Outros grupos de extrema direita armaram piquetes em frente a quartéis, onde clamam por golpe e prisão de ministros do Supremo.

Bolsonaro está isolado. Seus aliados já começaram a reconhecer a vitória de Lula na noite de domingo. O discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, serviu como senha para o desembarque do Centrão.

Elio Gaspari - Bolsonaro ficou fora da curva

O Globo

O Brasil é um só, mas dividido

Lula já mostrou que sabe agregar, e os luminares do Centrão sabem agregar-se. Já Bolsonaro, com seu silêncio dominical, confirmou o que se sabia desde janeiro de 2019, quando ele chegou ao Planalto: o figurino das instituições democráticas assenta-lhe mal.

Prever sua morte política é uma precipitação. Ela só ocorre, às vezes, com a morte física. Mais morto que Lula no cárcere de Curitiba, só Getúlio Vargas no leito de seu quarto no Palácio do Catete. Nenhum dos dois morreu politicamente, e Lula viveu o suficiente para ser eleito pela terceira vez.

Deve-se buscar o Bolsonaro do futuro no inexpressivo capitão da política do Rio de Janeiro. Ele foi eleito em 2018 por muitos fatores. Um deles foi a soberba petista diante das denúncias de corrupção. Deve-se lembrar que o candidato petista, Fernando Haddad, dizia que, eleito, teria um conselheiro em Lula, preso em Curitiba. A coligação alimentada pelo sentimento antipetista elegeu-o. Quatro anos depois, Bolsonaro tornou-a minoritária. Minoritária, porém robusta.

Luiz Carlos Azedo - Um sapo barbudo entalado na garganta de Bolsonaro

Correio Braziliense

Bolsonaro não fez nenhum questionamento ao resultado das eleições, mas também não o endossou publicamente, até agora. Entretanto, na prática, está digerindo a derrota, ou seja, o “sapo barbudo”

O título da coluna é inspirado na frase famosa do ex-governador fluminense Leonel Brizola, cujo sonho de chegar à Presidência foi frustrado em 1989, ao ficar em terceiro lugar na disputa presidencial, atrás de Fernando Collor de Mello e, para surpresa geral, do então estreante nas eleições Luiz Inácio Lula da Silva. Atropelado pelo líder metalúrgico, Brizola decidiu apoiá-lo no segundo turno e transferiu seus votos para o petista, principalmente no Rio de Janeiro e no Rio Grande Sul. O “sapo barbudo”, porém, somente viria a se eleger presidente da República em 2002, tendo que ser digerido pelo senador José Serra (SP), seu adversário tucano.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda não engoliu a vitória do “sapo barbudo”. Seu pronunciamento de ontem, depois de um adiamento de 48 horas após o encerramento da apuração, foi pautado pela ambiguidade política. Agradeceu aos seus eleitores, enalteceu a formação de uma direita ideológica no país, anunciou que sua luta continua, mas não reconheceu a derrota eleitoral nem cumprimentou Lula, o presidente eleito. Sua grande preocupação foi manter o apoio dos caminhoneiros e militantes bolsonaristas de raiz, que ainda não aceitaram o resultado da eleição e, ao mesmo tempo, orientá-los a não cometerem nenhum ato de violência nem impedirem o direito de ir e vir.

Vera Rosa – Será que acabou mesmo?

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não quer passar a faixa presidencial para Lula e tarefa pode ficar com Mourão

Desde que perdeu as eleições, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que vai apostar no confronto até a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1.º de janeiro de 2023. Disposto a mostrar que comanda a “tropa” nas ruas, Bolsonaro demorou quase 45 horas após ser derrotado para fazer um pronunciamento de pouco mais de dois minutos, no qual vestiu o figurino de líder da oposição.

O discurso foi lido de duas formas. Para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro entendeu o recado de que, ao não se manifestar sobre os bloqueios nas estradas e deixar a confusão correr solta, estava cometendo crime de responsabilidade. No diagnóstico de seus apoiadores, porém, o chefe do Executivo apenas “despistou” os críticos quando conjugou, com todas as letras, o verbo da rendição: “Acabou”.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro não clareia incerteza sobre seu futuro

Valor Econômico

No curto pronunciamento no Palácio do Planalto, Bolsonaro foi tão dúbio que só conseguiu mesmo mostrar que vai infernizar a vida do país até seu último dia no poder

presidente Jair Bolsonaro tentou tirar as meias sem descalçar os sapatos, mas continua com uma bola de ferro amarrada nos seus pés que é a incerteza de seu futuro depois que deixar o Palácio do Planalto.

No curto pronunciamento no Palácio do Planalto, ele agradeceu os 58 milhões de votos e valeu-se dos movimentos de contestação ao resultado eleitoral que bloqueiam as estradas para se vitimizar, dizendo que os movimentos populares são “fruto de indignação popular e sentimento de injustiça”.

Vinicius Torres Freire - Lula e STF tentam ignorar o golpismo

Folha de S. Paulo

Presidente não reconhece derrota e tenta manter confusão permanente, agora ou em 2023

Jair Bolsonaro tomou providências a fim de evitar mais um flagrante de seus tantos crimes, como bloquear o processo legal de transição para o próximo governo e ser conivente com o paradão de estradas. Afinal, há algum risco de que seja processado, talvez julgado e condenado.

Mas não reconheceu o resultado da eleição coisa alguma. Ainda pior, disse o contrário em seu pronunciamento bananeiro desta terça-feira: "Os atuais movimentos populares [o paradão] são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral". Fez um discurso de líder da extrema direita e da baderna subversiva, para o que muito comentarismo político passou pano.

O comando da transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o PT sabem o que Bolsonaro está fazendo. Mas fingem ignorar a incitação à baderna a fim de reforçar a ideia de que o país vai voltar à vida normal.

Hélio Schwartsman - Capitólio tupiniquim

Folha de S. Paulo

Silêncio vem servindo de senha para que apoiadores radicais promovam bloqueios em estradas

Jair Bolsonaro tenta emular os passos de Donald Trump. Ele esperou quase 48 horas para se pronunciar sobre o pleito e, quando finalmente falou, agradeceu os votos recebidos e reclamou de uma suposta injustiça do sistema eleitoral. Não parabenizou Lula nem reconheceu explicitamente a derrota. Fê-lo apenas indiretamente, indicando que jogaria nas quatro linhas da Constituição. Também autorizou seu ministro da Casa Civil a dizer que daria início ao processo de transição.

Se fosse só isso, poderíamos classificar a atitude como uma infantilidade sem maiores consequências. Denotaria uma tremenda falta de educação e de compromisso com os ritos da democracia, mas Bolsonaro já fez coisas piores. Se ele não quiser entregar a faixa a Lula, sua ausência não será lamentada. João Figueiredo, o último ditador militar, também saiu pela porta dos fundos.

Bruno Boghossian - O Golpismo de cartola

Folha de S. Paulo

Presidente não desautoriza contestação eleitoral e tenta manter protagonismo na direita

Jair Bolsonaro não demonstrou intenção de condenar o golpismo ou pedir que seus apoiadores reconheçam a derrota na eleição. O presidente quebrou um silêncio de mais de 40 horas com uma declaração de 2 minutos, que teve como objetivos manter sua base engajada e reduzir os danos de sua saída do poder.

Em nenhuma palavra, Bolsonaro desautorizou seguidores que contestam a escolha de Lula ou pedem uma intervenção militar para impedir sua posse. Ao contrário, mediu palavras para deslegitimar a vitória do adversário quando afirmou que o bloqueio de estradas é fruto de "indignação e sentimento de injustiça" em relação ao processo eleitoral.

O presidente fez reparos apenas às ferramentas usadas pelos manifestantes. Criticou o cerceamento do direito de ir e vir, mas não a pauta golpista. Ele chegou a se incluir entre os apoiadores ao usar a primeira pessoa do plural: "Os nossos métodos não podem ser os da esquerda".

Mariliz Pereira Jorge - Golpista sendo golpista

Folha de S. Paulo

Tão direito como só um covarde consegue ser, deu a entender que não foi uma eleição limpa

De onde menos se espera, daí é que não sai nada, diria Apparício Torelly, o "barão de Itararé". Quase dois dias após ser derrotado nas urnas, Jair Bolsonaro deixou milhões de brasileiros e dezenas de profissionais da imprensa plantados, à espera do projeto de ditador finalmente reconhecer o resultado das eleições. Tolinhos — e eu me incluo nesse bonde.

Havia um tiquinho de esperança de que houvesse algum resquício de civilidade. O que tivemos foi mais do mesmo: golpista sendo golpista. Agradeceu aos votos dos eleitores, ignorou, como sempre fez, a outra metade do país para quem ele fez questão de não governar, e aproveitou o holofote para atiçar a militância.

Igor Gielow - Governo Bolsonaro acaba com ato de covardia institucional

Folha de S. Paulo

Isolado, presidente imita Trump e entrega os pontos, sem reconhecer vitória de Lula

O presidente Jair Bolsonaro (PL) encerrou seu governo na prática nesta tarde de terça (1º) com um ato de covardia institucional, para ficar próximo da pior sigla da ditadura que enalteceu de várias formas ao longo de sua gestão.

Convocou sem ênfase o fim de protestos em rodovias por parte de uma franja de seus apoiadores que acredita que coisas como intervenção militar para negar a derrota por margem mínima sofrida para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Agradeceu os mais de 58 milhões de votos que teve, mas não reconheceu a vitória do adversário. Deixou para um encabulado, se a palavra se aplica, Ciro Nogueira (Casa Civil) o papel de dizer que irá começar a transição de governo com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).

Ou seja, admitiu a derrota sem ter a hombridade de fazê-lo. Novamente, seguiu a cartilha deixada por seu modelo político, o ex-presidente americano Donald Trump. Em novembro de 2020, o republicano demorou uma semana após a proclamação do resultado da eleição para, a seu estilo, postar no Twitter que Joe Biden havia ganho a eleição.

Cristovam Buarque* - Lula: três pontes

Correio Braziliense,01/11/22

Lula está na história do Brasil como o líder sindical de origem pobre, que chega à Presidência e se afirma como um dos grandes presidentes da nossa República. Com sua eleição para o terceiro mandato, ele se transforma no maior sucesso eleitoral entre todos os políticos brasileiros, até hoje e por muitas décadas no futuro. Pode ser também o maior de nossos presidentes ao construir três pontes de que o Brasil carece.

A primeira ponte é para recuperar a unidade política e emocional entre os brasileiros e construir coesão nacional. Estamos divididos regionalmente, religiosamente, racialmente e até na preferência musical. Um país dividido em partes que se rechaçam e até se odeiam. Lula tem o desejo, a responsabilidade e a competência de reunificar o Brasil. Seu discurso na hora da vitória foi no sentido de voltar o diálogo, fazer com que famílias e amigos conversem sobre política e futuro sem rancor e sem distanciamento; que católicos e evangélicos se sintam igualmente cristãos e respeitem judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, budistas e ateus; que nenhum brasileiro deixe de respeitar a outro por causa de seu gênero ou sua orientação sexual, seu partido político ou o líder de sua preferência; todos solidários na brasilidade e no humanismo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Pronunciamento de Bolsonaro traz sensação de alívio

O Globo

Ele demorou a se manifestar, mas aceitação tácita do resultado das urnas deverá esvaziar atos golpistas

Mais de 44 horas depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciar a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida ao Planalto, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem à tarde um rápido pronunciamento em que legitimou o resultado. Agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu no segundo turno e desautorizou manifestações que restrinjam o direito de ir e vir —referência aos bloqueios de caminhoneiros que fecharam estradas e provocaram transtorno nos últimos dias. “Somos pela ordem e pelo progresso”, afirmou. “Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição.”

Em nenhum momento Bolsonaro questionou o resultado nem fez menção a qualquer tentativa de contestação judicial. Ao contrário, fez em seguida uma visita ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde, pelo relato de ministros, disse que “acabou”. Em seu pronunciamento, Bolsonaro afirmara ainda que, apesar de rotulado como antidemocrático, sempre jogou “dentro das quatro linhas da Constituição”. Após o breve discurso, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, informou ter sido autorizado a conduzir a transição para o novo governo. Na prática, apesar da saída inusitada —derrotados nas urnas costumam dar parabéns aos vencedores —, foi um reconhecimento implícito de Bolsonaro de que perdeu e entregará o cargo a Lula.

Poesia | Nada é Impossível de Mudar (Bertolt Brecht)

 

Música | Roberta Sá - Luz da minha vida

 

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - Uma nova chance para o Brasil

O Estado de S. Paulo

A decantada 'união nacional' dependerá muito do que vier a fazer o novo governo. Mas não nascerá somente dele. As forças democráticas, seja onde quer que estejam, precisarão dar sua contribuição.

Foi duro, sofrido, apertado, muito mais do que se imaginava e do que esperavam as torcidas. Mas Lula venceu a disputa e será o novo presidente da República a partir de janeiro de 2023.

As urnas apontaram muitas coisas. Uma sociedade dividida como nunca dantes, um novo padrão de disputa política, uma direita extremada aguerrida e forte, um desejo pulsante de democracia.

Apontaram também a resiliência de ambos os candidatos.

Lula, com sua trajetória épica, revelou uma recuperação que há 4 anos se imaginava impossível. Ele nunca esteve “morto”, mas foi alvejado por potentes petardos, que poderiam ter alquebrado seu espírito e manchado sua reputação. Mostrou que continua mais vivo do que nunca, com uma extraordinária capacidade de empolgar partes importantes da população.

Merval Pereira - Bolsonaro isolado

O Globo

Surgirão líderes para fazer política de direita e Bolsonaro ficará com o núcleo radical do eleitorado representante de uma força importante, mas minoritária

Não vai ser fácil, pelas primeiras reações do único presidente a não conseguir a reeleição, apesar de ter sido o que mais abusou de suas prerrogativas para vencer o pleito. Lula tem que confirmar seu discurso de eleito, magistralmente montado como se marcasse sua posse no cargo que só assumirá em janeiro, de que seu terceiro governo será mais amplo, além do PT, um governo de união nacional, de uma frente democrática ampla.

A distância entre a retórica e a realidade poderemos constatar logo adiante, quando da escolha do ministério. É preciso que o governo esteja representado pela pluralidade de apoios que Lula obteve, sem o que Bolsonaro possivelmente teria vencido a eleição. Lula representa muito mais que o PT, é um líder importante com uma visão de futuro não sectária, que ajudou a viabilizar essa ampla coalizão democrática em torno dele.

Nem Lula nem Bolsonaro são donos dos milhões de votos que cada um teve. A ex-senadora Simone Tebet me disse que trabalhou mais na campanha de Lula do que na sua própria, o que é verdade. Lula está demonstrando que reconhece a importância desse esforço. Era a democracia que estava em jogo, não um cargo ministerial.

A força que Lula deu a seu vice Geraldo Alckmin no domingo na Avenida Paulista foi impressionante. A toda hora o chamava, levantava a sua mão, fez questão de não escondê-lo, de dizer para seu povo, que recebeu o ex-tucano friamente: este aqui é o homem que me ajudou e vai ser importante neste governo de transição para a redemocratização do país. Boa parte do PT queria que Lula fosse mais para a esquerda, criticou a escolha de Alckmin, e quem estava certo era Lula.