segunda-feira, 24 de junho de 2013

O movimento que pareceu sair do nada - Renato Janine Ribeiro

Há movimentos que saem do nada? Ninguém esperava que o Passe Livre mobilizasse assim a nação. Mas isso não significa que tais manifestações sejam um completo enigma. O que não se pode é prever se e quando se darão, nem quais serão seus resultados. Ou seja, não se sabe do seu antes nem do seu depois. Mas vou comentar o que se sabe delas.

Primeiro, este tipo de grande movimento que parece vir do nada começa com o maio de 68 francês, que é além disso o seu paradigma. No dia 15 de março daquele ano, o jornalista Pierre Viansson-Ponté lamentava que "a França [estivesse] entediada", conformista. Uma semana depois, a repressão a protestos contra a guerra do Vietnã e à entrada de rapazes nos quartos das alunas da Universidade de Nanterre detonava o movimento que, rapidamente, cresceu.

Esses movimentos vão bem além de suas causas imediatas. Estas se repetem dezenas de vezes, sem nada resultar. E de repente, a explosão. Que é um acontecimento muito maior que suas possíveis causas. Acontecimento, em inglês, é "happening"; ora, nas línguas latinas, desde os anos 1960 chamamos de "happening" uma grande festa, às vezes promovida por artistas, que tem as características de acontecer só uma vez, não tendo ensaios nem podendo ser repetida. Um acontecimento máximo, um acontecimento em estado puro. Daí, que esses eventos únicos sejam festas. Quem participou dos muitos movimentos de 1968 - na França, em Nova York ou na Califórnia, na Alemanha, na então Tchecoslováquia ou no Brasil - viveu esse clima de festa. Quem se manifestou pelas Diretas-Já em 1984 ou pelo impeachment de Collor, em 1992, festejou nas ruas. Daí, um tom de alegria. As pessoas descobrem que a política pode ser alegre.

A revelação de que a política pode ser alegre

Por isso, ocupam as ruas. A causa imediata das manifestações foi o transporte público de péssima qualidade, que impõe aos pobres o gasto de quatro a oito horas por dia para ir e vir do emprego - uma segunda jornada de trabalho, não paga em dinheiro e que onera a saúde física e mental dos trabalhadores. Mas vejam o simbolismo: estão falando do transporte, isto é, do movimento (e reclamando contra a lentidão, a falta de movimento). "A vida é movimento", dizia em 1651 o filósofo Thomas Hobbes. Estão reclamando da estagnação, que é morte, e clamando pela vida. Uma política que clame por causas ligadas à vida é coisa rara. Não é a política das instituições, não é a da governabilidade, não é a do Parlamento.

E assim a causa imediata funciona como um ímã. Ela atrai tudo o que seja "do bem". Os manifestantes lhe agregam a demanda pela saúde, pela educação e até pelas palavras de ordem que não são da ordem, mas da liberdade, como o célebre "é proibido proibir" do 68 francês, ou o "seja realista, exija o impossível". Tudo adquire as cores das grandes mudanças, daquelas que não aparecem no dia a dia, mas surgem como uma revelação, uma epifania, um momento em que se descobrem novas potencialidades para o mundo e para a vida com o outro, para o viver-juntos. Por isso mesmo, cintila sempre a perspectiva de que uma outra política, mais vital, é possível.

Nem tudo são flores. O Brasil padece de uma cultura política fragílima. Anos de pregação segundo a qual todos os nossos problemas decorrem da corrupção - convicção esta que é uma marca clara da ignorância política - fazem muitos acreditarem que o outro, aquele que discorda deles, não pode ser uma pessoa honesta. Muitos ignoram o que significam democracia e política, a saber: há divergências sérias na condução dos assuntos públicos, que cabe ao voto resolver, mas dentro do respeito ao outro. Chamar o outro de ladrão ou bandido é destituí-lo dos direitos políticos e considerá-lo criminoso. Isso não deveria acontecer, salvo exceções comprovadas de crimes cometidos, entre petistas e tucanos, entre republicanos e democratas, entre trabalhistas e tories. Mas acontece, no Brasil, com alarmante frequência. Daí que, quando as ruas se abrem para o imaginário, uma parte dele seja agressivo e violento. Cito um ativista do Passe Livre, que esteve dia 21 no debate que coordenei no Instituto de Estudos Avançados da USP: a direita e o crime, disse ele, estão hackeando nossos movimentos.

E o "day after"? A revelação de que você pode ocupar as ruas, de que por algumas horas pode tirá-las dos carros e fazer uma festa ali é tão poderosa que corre o risco de ser apenas uma catarse, uma pausa no meio de uma vida que antes e depois será conformista. Muitos manifestantes de 1968, das Diretas ou do impeachment lembram esses momentos como apenas uma festa, mas que em nada mudou suas vidas. Ganharam liberdade sexual, é tudo. Será uma pena se assim for. Epifanias devem mudar, sim, a vida de quem as tem. Você não pode ter uma revelação e não se converter... Que os políticos procurem conduzir "business as usual" é até compreensível, mas as pessoas que sentiram o gosto do diferente deveriam inseri-lo em suas vidas.

Isso, mesmo sabendo, o que é bastante amargo, que a curto prazo quem colhe os frutos não é quem os semeou. A Primavera Árabe, obra de jovens democratas, levou ao poder gente conservadora, como os extremistas da Tunísia e do Egito. Maio de 68 conduziu, em junho daquele ano, à vitória eleitoral da direita. Mas hoje ninguém lembra a direita francesa da época, e todos recordam os estudantes, os jovens, o mês de maio. A sociedade muda. E, assim como 1968 se deu em pelo menos três continentes, de 2011 para cá pode estar surgindo uma segunda onda dessas manifestações tão vitais: com a Espanha, países árabes, Turquia e Brasil, elas parecem estar-se espraiando pelo mundo. O que virá desta segunda onda?

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Fantasia desorganizada- Rubens Ricupero

Não é com as Diretas Já ou o Fora Collor que se parecem as manifestações atuais.

Aquelas iniciativas foram enquadradas e dirigidas por líderes políticos. Possuíam objetivo único e bem definido: o fim da ditadura, o fim de um presidente. Visavam, no fundo, substituir os que detinham o poder.

O movimento de agora é um primo pobre e muito longínquo de Maio de 68. Não apenas na maciça participação de jovens e estudantes, na caótica desorganização (Maio de 68 era bem mais estruturado), na rejeição do sistema político.

As maiores semelhanças são de essência: não querem conquistar o poder, mas, num caso, o de 68, "mudar a vida", no outro, "mudar o Brasil".

O Movimento Passe Livre é muito mais prosaico no ponto de partida: o protesto contra o aumento das passagens. Se desta vez o protesto "pegou", foi porque o descaso com a inflação provocou o agravamento dos conflitos distributivos, como dizem os economistas.

O MPL não tem nem de longe a radicalidade universal do sonho utópico de Maio de 68. Tampouco se compara com os parisienses no sopro poético de buscar no Manifesto Surrealista a inspiração para inesquecíveis slogans como: "Seja realista: exija o impossível!".

Não obstante, os manifestantes brasileiros não carecem de virtudes estimáveis. Restabeleceram o exercício direto da cidadania, demonstraram que o mar de corrupção não afogou a consciência moral dos jovens, revelaram senso de hierarquia de valores e prioridades superior ao de um governo empenhado em anestesiar os cidadãos com o desperdício circense da Copa.

Onde os nossos jovens se meteram num beco sem saída foi na rejeição em bloco de toda a política. Se quiserem purificar o sistema político, terão de enfiar as mãos na massa, canalizar a insatisfação para as eleições, único meio legítimo de conquistar o poder e mudar a sociedade.

Os discípulos de Marcuse não queriam virar governo por crerem que todo poder é dominação e alienação. Condenaram-se à impotência e ao niilismo: não é de surpreender que tenham dado lugar aos movimentos terroristas dos anos de chumbo.

Nosso movimento é uma manifestação a mais da crise mundial da democracia representativa. A saída, porém, está em construir mecanismos de participação direta que corrijam os desvios do sistema. Como, por exemplo, o "recall", a revogação do mandato pelos eleitores.

Não será fácil, mas um foco claro como esse é mais exequível do que esperar que um sistema irremediavelmente sórdido e corrupto se reforme sem pressão irresistível do povo.

A euforia das passeatas, a intoxicação de se sentir ator e sujeito do próprio destino, traz de volta o que ensinavam os gregos: a mais nobre expressão da vida humana é participar do governo da cidade. Para isso, é preciso ter, como dizia Celso Furtado, uma "fantasia organizada".

Não se pode ter manifestação sem itinerário, sem segurança que elimine os provocadores, sem respeito à liberdade e propriedade alheia.

Na falta disso, cai-se no "espontaneismo". Na Espanha, espontâneo é aquele entusiasta de tourada que salta na arena para tourear com o paletó. Quase sempre acaba em tragédia e chifrada...

Fonte: Folha de S. Paulo

Na América Latina, PIB do Brasil na lanterna

Em meio à inflação alta e à saída de investidores do país, Cepal vai rever para baixo previsão de crescimento

Eliane Oliveira

BRASÍLIA - Às voltas com inflação em alta, fuga de capitais e lentidão na realização de investimentos, o Brasil é o país que teve a segunda mais baixa variação do Produto Interno Bruto (PIB) entre as nações da América Latina no ano passado: apenas 0,9%, último entre os que apresentaram crescimento e à frente apenas do Paraguai, que apresentou queda de 1,2% no PIB em 2012. Os dados são da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) que fez um ranking com 20 países da região.

Além do PIB foram analisadas também as taxas de infação desses países. A brasileira, de 5,8%, no ano passado, foi a sexta mais alta da região, abaixo de parceiros latinos como a Venezuela, a Argentina e o Uruguai, que em 2012 registraram taxas de 19,5%,10,8% e 7,5%, respectivamente.

Região cresce menos de 3,5%

Ao que tudo indica, contudo, para 2013, a expectativa é que o país piore nesse ranking, já que nos últimos doze meses a inflação acumulada, medida pelo IPCA-15 - que faz uma prévia da inflação oficial -, chegou aos 6,67%, estourando o teto da meta do governo, que era de 6,5%.

Os números da Cepal serão revistos para baixo no próximo mês, devido à conjuntura na região. Em abril, a expectativa do organismo era que Argentina e Brasil melhorassem seu desempenho, mas agora há dúvidas quanto a isso. A última projeção da Cepal era que a América Latina cresceria 3,5% em 2012.

Panamá e Peru à frente

De acordo com o representante da Cepal no Brasil, Carlos Mussi, por outro lado, ainda é esperado o crescimento do consumo como consequência de melhores indicadores do mercado de trabalho e do aumento do crédito bancário ao setor privado.

- O menor crescimento da economia mundial afetou o comércio exterior da América Latina e do Caribe em 2012, já que o aumento no valor das exportações foi de somente 1,6%, comparado com os 23,9% de 2011. Já o valor das importações caiu de 22,3% em 2011 para 4,3% no ano passado - destacou Mussi.

Os dados da Cepal mostram ainda que os países que tiveram maior crescimento na região foram Panamá, com PIB estimado em 10,7% no ano passado, Peru, com 6,2% e Venezuela e Chile, ambos com 5,6%. Já no ranking da inflação, El Salvador apresentou a menor taxa: 0,8%, seguido pelo Chile (1,5%), Cuba (2%), Colômbia (2,4%) e Peru (2,6%).

Fonte: O Globo

Dilma em sua fantasia de manifestante

Numa época em que as ações se desenrolam na alucinante velocidade das redes sociais, a presidente da República demorou uma eternidade para dizer a que veio. E disse muito pouco. Sua resposta não está à altura do clamor por mudanças que a imensa maioria dos que estão indo às ruas quer. Dilma Rousseff continua a encenar fantasias. Mas o único figurino que não consegue vestir é o de governante capaz de construir um país melhor.

Dilma Rousseff chegou à presidência da República vestida de gerente. Logo em seu primeiro ano de governo, foi obrigada a trocar a indumentária pelo figurino de faxineira empenhada em varrer a corrupção – ainda que para debaixo do tapete. Agora, ela apela para a fantasia de manifestante que, como os milhares que ocupam as ruas, também quer mudar o Brasil. A quem pensa que engana?

Na sexta-feira, depois de quase duas semanas de manifestações, a presidente convocou cadeia nacional de rádio e televisão para se pronunciar sobre os protestos que estão fazendo o Brasil tremer. Finalmente deu ao instrumento – do qual abusa para fins eleitoreiros – o uso devido. Mas, numa época em que as ações se desenrolam na alucinante velocidade das redes sociais, Dilma demorou uma eternidade para dizer a que veio. E disse muito pouco.

Seu pronunciamento de dez minutos usou o velho estratagema petista de confundir e não explicar. Sempre que se vê em apuros, o PT transmuta-se em pêndulo: é governo, mas parece oposição. No poder, tem a responsabilidade de resolver problemas, mas dá um jeito de aparecer cobrando, como quem não dispõe da caneta. É oportunismo puro e da pior espécie.

Dilma diz que, ouvindo o clamor das ruas, é possível fazer "melhor e mais rápido muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”. Primeiro: as ruas não querem apenas algo melhor; querem também, e principalmente, algo que seja diferente do que aí está.

Há reivindicações pontuais que funcionaram como estopim dos protestos, como a redução do preço das passagens de ônibus. Mas há demandas mais gerais que indicam a exaustão de uma rota, a rejeição de um jeito de fazer política, o clamor por uma forma mais honesta, correta e eficiente de cuidar das necessidades dos cidadãos e bem aplicar o dinheiro que eles pagam de imposto.

Segundo: um partido que caminha para completar seu 11° ano no poder tem como falar que não teve como fazer as melhorias que o país quer? Para início de conversa, estamos há anos sem ver o poder central propor uma reforma sequer de vulto para o país. De remendo em remendo, chegamos onde estamos. Dilma desperdiçou todo o seu capital político sem ousar nada, mudar nada, avançar nada.

O pronunciamento também veio recheado de mistificações. Dilma disse que não abre mão do mesmo "combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos” que as ruas reclamam. O que ela tem a dizer sobre os muitos ex-faxinados que foram, pouco a pouco, reocupando seus espaços nos ministérios transformados em feudos partidários?

Dilma fala em transparência no mesmo momento em que seu governo torna sigilosa a divulgação de gastos da comitiva presidencial em nababescas viagens internacionais. Fala em reforma política, quando seu partido tenta fechar as portas para novas siglas no Congresso, sua base parlamentar busca manietar o Ministério Público e sujeitar decisões do Supremo à chancela do Legislativo.

A presidente promete melhoria na prestação de serviços públicos, mas o máximo que consegue é forjar mais medidas inócuas e sem a mínima capacidade de responder aos reais anseios da população, como a importação de médicos.

Para a melhoria do transporte urbano, propõe a elaboração de um "plano nacional”, a partir de um "grande pacto” com governadores e prefeitos. Para embromar de vez, só faltou criar um grupo de trabalho, mas nem seria necessário: o tal programa já está previsto no PAC, mas de 167 obras previstas concluiu apenas duas até hoje, mostra hoje o Valor Econômico.

Além de mistificações, a fala da presidente contém mentiras, como quando afirma que não há dinheiro público nas obras da Copa. "Segundo o próprio ministério [do Esporte], a previsão é que os investimentos para o Mundial alcancem R$ 33 bilhões, com os governos federal, estaduais e municipais custeando 85,5% das obras”, informou a Folha de S.Paulo na semana passada.

Nesta segunda-feira, a fim de tentar mostrar que está agindo, a presidente receberá governadores e prefeitos de grandes cidades. Provavelmente, tentará dividir com eles a fatura da crise, transformando-os também em vidraça. Na hora dos louros, o governo petista apresenta-se absoluto; na hora do apuro, socializa os prejuízos.

Antes, Dilma conversará com a moçada do Movimento Passe Livre, provavelmente tentando dar um sinal de que dialoga com "os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares”. A presidente talvez ignore que este é um movimento cujo principal traço é justamente rechaçar quaisquer lideranças. Ao Planalto, só acorrerão os movimentos que o PT domesticou com anos de mesada.

Em seu pronunciamento à nação, a presidente pelo menos acertou ao defender a preservação da ordem e a garantia de manifestação dos que protestam pacífica e democraticamente. Sua resposta, porém, não está à altura do clamor por mudanças que a imensa maioria dos que estão indo às ruas quer. Dilma Rousseff continua a encenar fantasias. Mas o único figurino que não consegue vestir é o de governante capaz de construir um país melhor.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

Villa Lobos - Bachiana nº 5 - Amel Brahim

O sertanejo falando - João Cabral de Melo Neto

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.

(A educação pela pedra, 1962-1965)

domingo, 23 de junho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Alberto Goldman: Dilma perplexa

Vai daí, a presidente Dilma está perplexa, diriam os cavalheiros. Apalermada, digo eu. Reúne sua equipe e não sai nada. Sem saber o que fazer, se omite diante das erupções sísmicas que ocorrem na alma profunda da sociedade brasileira, cansada de ver ministros e funcionários de alto nível sendo demitidos ( e, às vezes reconduzidos ), deputados serem condenados por corrupção ( e continuarem soltos ), os órgãos públicos serem tomados por partidários sem qualquer competência para o exercício das funções, o desperdício dos recursos públicos e a má gestão administrativa e, agora, a sociedade se mostra revoltada com um quadro econômico ( inflação, contas públicas, baixo crescimento ) que é o oposto do que lhes foi vendido.

Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, in ”Dilma apalermada e o PT nocauteado”, Blog do Goldman, 23/6/2013

Manchetes de alguns dos principais jornais

O GLOBO
Brasil nas ruas - Juventude desiludida
Zapatistas inspiram líderes de protestos

FOLHA DE S. PAULO
Maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas
Investigação vê desvios em receita de tarifa de ônibus de SP
Licitação para novas viações traz chance de mudança
'Bunda-pintada' que ficou nua contra FHC volta vestida
Estaleiro de Eike Batista dá calote e tenta evitar falência
Para responder a protestos, Dilma resgata 'faxina'
Brasil faz 4 a 2 na Itália e passa em 1º à semifinal

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma age para conter crise e mudar rumos do governo
Movimento 'Reforma Política Já'
'Brasil acordou': No coletivo, a solução
Alimento e dólar mantêm pressão sobre inflação

ESTADO DE MINAS
De novo: Confronto nas ruas
Classe C volta a sentir arrocho

O TEMPO (MG)
Sábado de recorde nas ruas e também de violência em BH
Inflação já ajudou a eleger e a derrubar presidentes

CORREIO BRAZILIENSE
Que país é este tomado por manifestações?
Polícia ouve vândalo do Itamaraty
Vadias, coloridas e pacíficas
Índios sequestram três biólogos no Pará

GAZETA DO POVO (PR)
Vandalismo ameaça a legitimidade dos protestos
Mercado mostra sinais de desconfiança na economia
O que o povo pede... e o que rola no Congresso
Balé Guaíra se consolida pela versatilidade

ZERO HORA (RS)
A semana em que o Brasil tremeu

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Discurso de Dilma não freia protestos
Mais jovens adotam previdência privada

O que pensa a mídia - editoriais de alguns dos principais jornais

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

A semana em que o Brasil tremeu

Protestos expõem surdez política

Guilherme Mazui

BRASÍLIA - A Casa se desconectou do povo – que agora quer entrar. Símbolo da democracia, o Congresso virou alvo. Não pelo o que representa, mas pelo que faz no dia a dia. Na segunda-feira, teve a rampa e a cobertura tomadas por jovens. Na quinta, mais de 30 mil pessoas reforçaram o coro por mudanças, exposto na frase que resume a dissonância entre o parlamento e os brasileiros:

– Não nos representam.

O vigor da mobilização atingiu também o governo, que enfrenta problemas de relação com a própria base de apoio.

Os cartazes e faixas erguidos em Brasília na semana que passou mostram uma agenda diferente da observada nas votações da Câmara e do Senado.

As ruas clamam por investimentos em educação, porém o projeto do governo Dilma Rousseff que destina os bilhões dos royalties do petróleo para qualificar ensino e pesquisa corria o risco de ser engavetado. Já a proposta de emenda à Constituição (PEC) 37, meio de castrar o poder de investigação criminal do Ministério Público, seria votada na próxima quarta. Acabou adiada no grito.

– O que é prioridade no Congresso não é a nossa prioridade – diz a estudante Amanda Lucchi.

Aos 17 anos, a adolescente estava na multidão que subiu a rampa do prédio projetado por Oscar Niemeyer. Na terça-feira, dia seguinte à cena histórica, parlamentares e assessores se reuniam pelo Salão Verde da Câmara na tentativa de decifrar os motivos dos protestos. Contudo, no mesmo dia, a Comissão de Direitos Humanos, presidida por Marco Feliciano (PSC-SP), aprovou o polêmico projeto da "cura gay", criticado pelos manifestantes.

– O Congresso mostrou a falta de conexão com os representados. Essa é a raiz da crise – diz Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador da UFRJ.

O descompasso também é criticado pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que vê o Congresso isolado em torno de interesses dos próprios parlamentares e de seus financiadores de campanha. O projeto que limita a criação de novos partidos, concebido sob medida para reeleição da presidente, tramita como se fosse prioridade nacional, enquanto a desoneração do transporte coletivo é debatida há uma década, sem avanços.

– A gente discute o lobby dos empresários e os desejos do governo. Não se dá ouvido para o que realmente interessa aos brasileiros – afirma Wyllys.

Captar os anseios, em especial dos jovens, é um desafio, analisa o sociólogo Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Deputados e senadores nasceram e entraram na política em um mundo analógico, diferente do atual, conectado e digital.

– São os assessores que estão nas redes sociais. E existe uma dificuldade de compreender os pedidos que saem dessa plataforma – observa Prando.

Ícone dos caras-pintadas, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) admite a crise de representação. Ele incentiva o uso do mesmo mecanismo que recolocou os brasileiros nas ruas: a internet.

– A participação das pessoas na rotina do Congresso precisa ser mais direta. É preciso aproveitar que elas estão conectadas para que ajudem a criar uma pauta mais alinhada à realidade.

Pressionados, deputados e senadores tentam reagir. A votação da PEC 37 foi adiada, pode ser arquivada. Projetos focados em saúde e educação ameaçam deixar escaninhos – um ato insuficiente, na visão do professor Teixeira. Para o historiador, é preciso votar e rejeitar a PEC, cassar os deputados condenados no julgamento do mensalão, aprovar o marco civil da internet e o destino dos royalties para educação. As ações indicariam uma reaproximação entre Congresso e povo.

Parlamentares mais experientes concordam com a urgência de ações imediatas, como a votação dos royalties, mas querem aproveitar o momento para promover a reforma política. Em seu décimo mandato na Câmara, Miro Teixeira (PDT-RJ) defende a convocação de uma Constituinte restrita às reformas política, tributária e do pacto federativo.

– As pessoas reclamam de impostos, da falta de representação, da falta de investimento em saúde e educação. Toda essa discussão se concentra nessa Constituinte – afirma Miro.

Um dos decanos do Congresso, Pedro Simon (PMDB-RS) cobra as reformas. Junto de cinco colegas, passou a quinta-feira em vigília no plenário, enquanto a multidão protestava em frente ao Congresso. Simon espera que as manifestações obriguem o Legislativo a adotar uma pauta mais conectada com as necessidades do país:

– A rua faz o que o Congresso deveria fazer.

Fonte: Zero Hora (RS)

Brasil nas ruas - Juventude desiludida

Proporção de eleitores de 16 a 18 anos caiu pela metade em duas décadas; semana de protestos deixa claro o desencanto com políticos e a cobrança por melhoria nos serviços públicos, mas vandalismo desafia futuro das manifestações.

Os últimos 14 dias que abalaram o Brasil deixaram uma mensagem clara: o sentimento contra a política tradicional. A cada eleição, aumenta o número de brasileiros que não vão às umas ou, quando vão, votam em branco ou nulo. Há 21 anos, quando os caras-pintadas provocaram o impeachment do então presidente Fernando Collor, eleitores de 16 a 18 anos eram 3,6% do total. Hoje são 1,5%, informa JOSÉ CASADO. De cada 100 jovens que poderiam ser eleitores, só 35 se inscreveram para tirar o título. No Rio, só 19 em cada 100. Outro recado das ruas foi aos governantes, de quem os manifestantes cobraram melhorias nos serviços públicos. Representantes de diversos segmentos sociais ouvidos pelo GLOBO reforçam a necessidade de mudanças no país. E apontam desafios para os manifestantes: organizar suas reivindicações e não sucumbir à violência.

Jovens mais longe do voto

Partidos perdem vanguarda na ação política; proporção de eleitores de 16 a 18 anos cai

João, 17 anos, provocou:

- Você sabe o que é que está por trás disso tudo aí, né, pai?

Carlos Sampaio, 50 anos, deputado federal há uma década, esboçou uma resposta que levaria o filho a um passeio pelo palácio das suas memórias do impeachment de Fernando Collor, em 1992, quando se filiou ao PSDB paulista, até chegar à CPI dos Correios, onde 13 anos depois investigou o mensalão:

- Está tudo meio difuso - começou Carlos Sampaio. - É um pouco diferente de quando João cortou:

- Não, pai, você se engana. Não tem partido nisso aí, não. Tá todo mundo revoltado. Isso é contra corrupção, mensalão, passagem de ônibus, e por mais investimento em Saúde, Educação e Transporte. E, olha, eu vou pra lá.

As ruas de Campinas (SP) ganharam mais um manifestante. O deputado voltou a Brasília. Perplexo, viu o Congresso sitiado por milhares de pessoas, gritando em coro, como se estivessem rezando: "Só vamos parar/ quando a gente colocar/ 1 milhão,/ 3 milhões,/ 20 milhões/ aqui!/ Pra falar pra eles/ que não tá certo/ o que eles fazem/ com nosso dinheiro,/ com a nossa Saúde,/ com a nossa Educação". .

Líder do maior partido de oposição, o PSDB, na tarde seguinte Sampaio se rendeu diante do microfone do plenário:

- Eles têm toda a razão. O movimento é de indignação, é contra toda a classe política, os partidos e os governos. Façamos uma autocrítica: como é que este Congresso pode ser respeitado? Tenhamos vergonha na cara. Precisamos mudar, para reatar com a sociedade.

Evidências desse divórcio - o avanço do sentimento antipolítica e antipartidos tradicionais - espalharam-se pelas ruas nas últimas duas semanas, e se refletem nas mais recentes pesquisas sobre tendências dos eleitores realizadas pela Justiça Eleitoral e por institutos especializados.

O sistema é de democracia representativa, mas a onda de manifestações demonstra que os partidos perderam a vanguarda e o monopólio da ação política. Passaram a ter cada vez menos importância para 70 de cada cem eleitores, mostram as pesquisas.

Tem aumentado a cada eleição o número de pessoas que prefere não ir às urnas, vota em branco ou anula o voto. Foram 37 milhões na eleição municipal de outubro do ano passado. É quase um terço do eleitorado de 141 milhões de brasileiros. Equivale à população do Estado de São Paulo e ao dobro do Estado do Rio.

A indiferença predomina e se destaca entre os mais jovens, da faixa de 16 a 18 anos de idade, para quem o voto é facultativo. Eles somam 12 milhões - contingente do tamanho do eleitorado carioca e com peso suficiente para decidir, por exemplo, uma eleição presidencial. Mas decidiram se distanciar do processo eleitoral.

Há duas décadas, quando as ruas foram tomadas por manifestações pelo impeachment de Collor, eleitores dessa faixa etária eram donos de 3,6% do total de títulos eleitorais disponíveis. Agora, representam apenas 1,5% dos cadastrados para votar.

De cada cem jovens que já poderiam ser eleitores habilitados, somente 35 haviam se alistado até março, informa o Tribunal Superior Eleitoral.

No Estado do Rio, a situação piora: de cada cem, apenas 19 se interessaram pelo registro. Somam 420 mil desinteressados. É mais que o eleitorado de Niterói e quase igual ao de Nova Iguaçu.

- É realmente grave - pensa Letícia Sardas, presidente da Justiça Eleitoral no Rio. - Eles protestam muito mais que antes, e no entanto já não ligam para o título de eleitor, que é o passaporte para promover mudanças. É preciso canalizar essa energia do protesto para a construção política. Mas como fazer, se os partidos envelheceram tanto que não conseguem nem se conectar com o universo deles, que é a rede social?

- Aqui está acontecendo uma coisa assustadora - acrescenta a presidente do Tribunal Regional Eleitoral. - Quanto mais elitizado é o jovem de 16 a 18 anos, menor é o interesse dele pelo processo eleitoral. Estamos pesquisando as causas, mas já constatamos que os alunos das escolas municipais do interior do estado dão muito mais importância à participação do que estudantes da Zona Sul carioca, especialmente os das escolas bilíngues.

Comportamento similar existe no outro extremo do eleitorado, segundo a juíza, entre as pessoas com mais de 70 anos e que legalmente também não têm obrigação de votar.

São 10,3 milhões no país. Desses, 1,1 milhão vive no Estado do Rio, somando 9,3% dos eleitores fluminenses. Cada vez mais, eles também estão deixando de ir às urnas.

A distância entre os partidos e as ruas pauta o cotidiano do Legislativo. Nesta semana, enquanto o Congresso foi duas vezes sitiado por uma multidão indignada, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), comandava uma delegação de líderes partidários em passeio no verão de Moscou. Estava na companhia de Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo; Eduardo Cunha (PMDB-RJ); Ronaldo Caiado (DEM-GO); Rubens Bueno (PPS-PR); Felipe Maia (DEM-RN); Bruno Araújo (PSDB-PE) e Fábio Ramalho (PV-MG).

No intervalo entre os cercos, a Câmara dos Deputados inscreveu entre prioridades de votação um requerimento (número 7.956) para enviar comissão parlamentar a Santa Cruz do Arari, no arquipélago do Marajó. Com a seguinte missão: acompanhar acontecimentos decorrentes da decisão da prefeitura que determinou a caça de cães no município.

Enquanto isso, o Senado deixava o Plano Nacional de Educação completar seis meses dormente na pauta, sem votação.

A 1.300 quilômetros dali, no Rio, a Câmara municipal engavetava um pedido de CPI para investigar privilégios concedidos às empresas de transporte coletivo. Ao mesmo tempo, elegia a ilha de Taiwan como "irmã" da capital carioca e mantinha o ritmo de homenagens a amigos dos vereadores - a média foi de 110 moções semanais nos últimos 12 meses (oito vezes mais que a Assembleia).

- Agora, dá para entender o desinteresse das pessoas pelas eleições legislativas, não é? - comentou Paulo Pinheiro (PPS), 64 anos de idade, dos quais 17 alternados em mandatos de deputado estadual e de vereador.

Na eleição de vereadores, ano passado, a média de votos em branco e nulos foi de 4,5%. As quatro maiores cidades registraram mais que o triplo disso: 19% em São Paulo, 17% no Rio e em Belo Horizonte, e 14% em Salvador.

O número de pessoas que foi às urnas e não votou em ninguém, em 2012, equivale a duas vezes e meia o total de votos (3,3 milhões) obtidos por Fernando Haddad (PT), eleito prefeito de São Paulo.

Esse contingente tem o dobro do tamanho do eleitorado da cidade do Rio - onde dez das maiores zonas eleitorais da Zona Sul-Centro registraram recordes de abstenção (média de 29%). Abstenção, claro, não deve ser integralmente associada a protesto político, mas nessa dimensão deu brilho à falta de interesse expressa pelos votos nulos e em branco.

Superada a perplexidade, governantes e chefes de partidos começaram a ensaiar um repertório de respostas. O tom inicial foi dado por Dilma Rousseff, noite de sexta-feira em Brasília, ao falar sobre a "construção de uma ampla e profunda reforma política", para exorcizar logo a ideia de que os partidos são prescindíveis.

Há uma profusão de iniciativas sobre o tema nas gavetas do Congresso, o que levou dirigentes de PT, PSDB e PDT, entre outros, a avançar nas últimas três madrugadas em tertúlias sobre o nível de "radicalismo" aplicável a uma "reforma política".

Discutiram até a convocação de uma Constituinte exclusiva para mudanças no sistema de representação política, de tributação e de partilha de obrigações entre União, estados e municípios. Essa ideia havia sido patenteada em 1997 pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em projeto apoiado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Na época, como hoje, não se chegou a um consenso. Governantes e partidos continuam devendo respostas objetivas e imediatas sobre mudanças estruturais, que voltaram a ser reivindicadas na última quinzena.

E, assim, eles terminaram a semana com uma única certeza: foram todos atropelados pela História no meio das ruas do Brasil.

Fonte: O Globo

Maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas

Para 66%, manifestações nas ruas devem continuar

Pesquisa Datafolha aponta que apoio parte dos mais escolarizados e ricos

Avenida Paulista deve continuar como o principal palco dos protestos, segundo 72% dos entrevistados

SÃO PAULO - Dois a cada três paulistanos acham que os protestos nas ruas devem continuar, apesar de as tarifas de transporte em São Paulo --a razão para o início das manifestações-- terem sido reduzidas.

A conclusão é de pesquisa Datafolha feita anteontem na cidade de São Paulo. O instituto fez 606 entrevistas, com margem de erro de quatro pontos percentuais para cima ou para baixo.

São 66% a favor da continuidade dos protestos e 34% contra, revela a pesquisa.

O apoio está entre os mais escolarizados, aqueles com renda mensal de cinco a dez salários mínimos e entre os mais ricos. Contra estão principalmente os mais velhos e os que têm renda até dois salários mínimos.

As reivindicações futuras devem ser a melhoria da saúde, segundo 40%; outros 20% dizem que a educação deveria ser o alvo.

A tarifa de ônibus, trem e metrô caiu de R$ 3,20 para R$ 3 na quarta, por decisão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Fernando Haddad (PT), pressionados pelos protestos.

Outra questão corrobora o apoio do paulistano às manifestações. Para 65%, elas trazem mais benefícios pessoais do que prejuízos. Na terça, antes de a tarifa ter sido reduzida, esse índice era de 51%.

Quando a pergunta aborda o benefício para os paulistanos em geral, os resultados são semelhantes.

Cenário mais comum dos protestos, a avenida Paulista deveria continuar a ser usada como tal, de acordo com 72% dos entrevistados. A maioria, 88%, é contra a invasão de prédios públicos.

Atuação da PM

Em relação à atuação da Polícia Militar, o índice de anteontem foi semelhante aos verificados antes dos confrontos mais violentos com manifestantes, no dia 13.

Na ocasião, 105 manifestantes ficaram feridos, segundo organizadores do protesto. Policiais militares e jornalistas também se feriram.

Para 30% dos paulistanos, a PM é vista como nada eficiente na prevenção de crimes; antes do confronto, eram 27%. Na terça-feira passada, pós-confrontos do dia 13, esse índice atingiu 37%.

O mesmo fenômeno se deu com as opiniões sobre a violência nas ações da Polícia Militar: 43% entendem que a corporação é mais violenta do que deveria. Na terça, o número dos que tinham essa opinião era maior, 51%.

Depois dos episódios registrados no dia 13, a Polícia Militar deixou de usar balas de borracha e decidiu interferir nas manifestações de rua só em último caso.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma age para conter crise e mudar rumos do governo

Presidente rompe isolamento do Palácio do Planalto e monta agenda para responder às manifestações de rua e abafar o coro de "Volta Lula’, já ouvido entre aliados.

Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos pelo País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto, informa Vera Rosa. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela montou uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro de “Volta Lula”, que já começa a ser entoado por aliados que pedem o retomo do ex-presidente Lula na eleição presidencial de 2014. Sob intenso fogo cruzado, Dilma anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos, propôs um pacto nacional pela mobilidade urbana e fez apelo por uma ação coordenada envolvendo Legislativo e Judiciário. Já a oposição quer aproveitar o momento de desgaste do governo e tentar encontrar uma bandeira para as demandas que apareceram nas manifestações. “Cabe ao PSDB entender que há uma coisa nova hoje”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em "inferno astral", Dilma testará novo estilo de governo para salvar reeleição

Vera Rosa

BRASÍLIA - Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos sacudindo o País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela foi obrigada a montar uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro do "Volta Lula", que já começa a ser entoado na seara doméstica para pedir o retomo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2014. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, o PT não enfrenta desgaste tão grande.

Com muitos nós para desatar, Dilma pretende agora testar um novo estilo de governo para tentar virar o jogo e traçar a rota do projeto de reeleição. Ajustes na política econômica para reagir à esperada redução de dólares no Brasil, com o fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, e mudanças no núcleo político do Palácio do Planalto são aguardados para o segundo semestre.

Habituada a centralizar decisões e a formular sozinha as principais diretrizes políticas e econômicas, a presidente encerrou a semana com a imagem de gerente desgastada, em meio a uma sucessão de más notícias que deixaram o Planalto atônito. É nesse tumultuado cenário que a presidente terá que negociar com aliados as composições para 2014.

O PMDB convocou reunião de sua Executiva para terça-feira, a fim de discutir a crise e os obstáculos à formação dos palanques com o PT nos Estados, como no Rio de Janeiro. "A coordenação política do governo está sem força e ninguém mais aceita essa história de dois palanques para Dilma", resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

"Bicho esquisito". "Tem um bicho esquisito aí", admitiu o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. "Quem está na chuva é para se queimar e esses protestos também atingiram o PSDB e o governador Geraldo Alckmin", completou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fazendo um trocadilho. "Com certeza, alguma lição vamos tirar dessa catarse", previu o ministro.

Dos problemas com a demarcação de terras indígenas, passando por boatos sobre o fim do programa Bolsa Família, vaias na abertura da Copa das Confederações, escalada da inflação, "Pibinho", atritos com o PT e o PMDB e, agora, a fúria nas ruas, tudo pareceu conspirar para o inferno astral do governo, nos últimos dias.

Para recuperar o apoio perdido, Dilma acertou com Lula que mudará a estratégia política, chamando, por exemplo, representantes de movimentos sociais para conversas periódicas. Até agora, ela manteve distância regulamentar de todos.

Concertação. A presidente também fez um apelo pela "concertação" com o Legislativo e o Judiciário. Sob intenso fogo cruzado, anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos e propôs um pacto nacional, expressão abominada pela esquerda, em torno da mobilidade urbana.

No Congresso, aliados preparam outra estratégia para aprovar projeto de interesse do Planalto que inibe novos partidos, aproveitando a fragilidade de Dilma para cobrar faturas antigas de cargos e emendas.

No diagnóstico do governo, as manifestações que tiveram como origem o aumento das tarifas de transporte coletivo e desandaram para protestos contra tudo o que está aí assumiram contornos perigosos.

A preocupação é com o clima de instabilidade e confronto, num momento de dificuldades na economia, justamente quando as atenções internacionais estão voltadas para o Brasil, que sedia a Copa das Confederações e está prestes a receber a visita do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, marcada para julho, no Rio.

Para Bernardo, as manifestações mostraram que o povo não se sente representado pela forma tradicional de fazer política. Atropelada por jovens sem partidos, a cúpula do PT tentou pegar carona no movimento e convocou seus militantes para uma passeata em São Paulo, na quinta-feira, com o objetivo de defender "o legado de Lula e Dilma", após o recuo no aumento das passagens. O gesto foi visto pelo Planalto como "um tiro no pé" porque pôs o PT, Dilma e o prefeito Fernando Haddad, já derrotado politicamente, na mira de novos protestos.

"As reivindicações sobre transportes são legítimas, porque o serviço de ônibus nas grandes cidades é muito ruim", afirmou Paulo Bernardo. "Protestar contra a corrupção também é legítimo, mas, levantar bandeira contra a PEC 37 é conversa fiada. A imensa maioria nem sabe o que é isso", constatou o ministro, numa alusão à proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o poder de investigação criminal do Ministério Público.

Coro do Volta Lula. Embora petistas, aliados e até empresários descontentes com o governo ensaiem novamente o "Volta Lula", o ex-presidente garante que não será candidato, em 2014. Lula antecipou o lançamento de Dilma, em fevereiro, para segurar especulações sobre o seu retorno, mas, nos bastidores do PT, a estratégia foi considerada desastrosa.

Agora, Lula atua como "ouvidor"" da República, chamando em seu escritório políticos da base aliada, governadores, prefeitos, dirigentes sindicais e empresários. "Todos reclamam da falta de interlocução com o Planalto. Lula, então, faz uma "triagem" das reivindicações e encaminha tudo para Dilma.

Fonte: O Estado de S. Paulo

De novo: Confronto nas ruas

Enquanto no restante do país os protestos arrefeceram e o dia foi relativamente tranquilo, inclusive em Salvador, onde jogou a Seleção Brasileira, Belo Horizonte foi palco do maior deles e de violência. Milhares de manifestantes foram pacificamente do Centro em direção ao Mineirão, onde o México bateu o Japão por 2 a 1. Impedidos de se aproximar do estádio, houve alguns enfrentamentos e a polícia usou bombas de gás. Encerrada a partida, porém, vândalos infiltrados na multidão passaram a atacar a PM e ocorreram graves confrontos. Os arruaceiros arrancaram cercas da UFMG, depredaram e saquearam lojas e concessionárias de veículos da Avenida Antônio Carlos e em grupos separados promoveram ataques em outros pontos da cidade. Várias pessoas ficaram feridas, pelo menos uma delas ao cair de um viaduto.

BH vive dia de guerra de rua

Vândalos atacam a polícia, depredam a cidade e desvirtuam manifestação pacífica que reunia mais de 60 mil pessoas

Felipe Canêdo, Guilherme Paranaíba, Isabella Souto, Paula Sarapu, Paula Takahashi e Tiago de Holanda

A maior manifestação em Belo Horizonte e uma das maiores no país desde o início dos protestos no Brasil, há pouco menos de duas semanas, reunindo mais de 60 mil pessoas, começou pacífica e terminou de forma violenta, deixando um rastro de destruição, depredações e pessoas feridas. Os vândalos infiltrados entre a multidão provocaram e atacaram a Polícia Militar com pedras, bombas, canivetes, bolas de sinuca e outros artefatos, obrigando a PM, a Força Nacional de Segurança e até o Exército a reagir para impedir o caos. Os confrontos tiveram início nos arredores do Mineirão, na Região da Pampulha, por volta das 16h, e se espalharam pela Avenida Antônio Carlos, Praça Sete e outras regiões da cidade pouco antes das 23h.

Depois de uma concentração pacífica na Praça Sete, onde cerca de 20 mil pessoas permaneceram até as 14h, os manifestantes decidiram seguir em passeata até o estádio, onde ocorria o jogo entre Japão e Mexico, válido pela Copa das Confederações. À medida que a passeata avançava, aumentava o número de participantes e também a ação de provocadores, que gritavam palavras de ordem violentas e ofendiam os militares que estavam patrulhando a região.

Os confrontos começaram quando a multidão se aproximava do estádio. Um pequeno grupo se distanciou do corpo da caminhada que seguia pela Avenida Antônio Carlos e iniciou as agressões na frente do bloqueio do Batalhão de Choque e da Força Nacional, já na Avenida Abrahão Caram, onde os policiais se posicionavam com cães farejadores e equipamentos de dispersão de distúrbios civis. Impedidos de passar pela zona de segurança imposta pela Fifa, alguns vândalos fizeram uma fogueira com folhas de palmeira e os cartazes que levaram. Também puseram fogo no mato alto de um terreno às margens da avenida. Xingaram muito os policiais e atiraram pedras, sem que houvesse reação por quase meia hora, até que os militares tentaram dispersar os manifestantes com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.

Os grupos mais exaltados, com os rostos cobertos por panos e camisas, se afastavam e retornavam ainda mais agressivos. A confusão se estendeu até o fim do jogo e os arruaceiros depredaram pontos de ônibus e placas da Copa das Confederações ao longo da via. Parte dos vândalos atacava os policiais no bloqueio, enquanto outros pichavam prédios na Avenida Antônio Carlos. Concessionárias de veículos foram atacadas. Fachadas e vidraças foram danificadas por vândalos que usavam pedaços de pau, pedras e barras de ferro para a depredação. A concessionária Hyundai teve carros destruídos: as latarias foram amassadas e os vidros quebrados. A maioria das lojas de carros na avenida retirou os carros do showroom na sexta-feira, com receio das manifestações, para evitar prejuízos, mas a Kia Motors, que também estava vazia, teve os vidros da fachada destruídos. As lixeiras de metal da Rua Professor Magalhães Penido, paralela à Antônio Carlos, foram arrancadas dos postes e depredadas.

Além das lojas, os vândalos destruíram as cercas do câmpus da UFMG, tentaram invadir a garagem e foram rechaçados por tropas do Exército que estavam protegendo o local, propriedade da União. Os militares das Forças Armadas lançaram bombas de efeito moral para repelir os ataques.

Feridos graves durante o conflito, o estudante Caio Thomé Lopes, de 17 anos, caiu do Viaduto José de Alencar, na Avenida Abrahão Caram, em frente ao câmpus da UFMG, pouco antes das 18h. Ele teve traumatismo craniano grave e fraturas nas pernas e braços. Doze pessoas foram levadas para o Hospital Risoleta Neves, quatro delas em estado grave. Ao todo 28 pessoas ficaram feridas. Os bombeiros socorreram Hector Henriques Souza Barros, de 17, que caiu e quebrou os braços.

Muita gente passou mal quando a cavalaria, concentrada sob o viaduto, avançou com apoio do Batalhão de Choque, que lançava bombas de efeito moral. O tumulto, no entanto, impedia a chegada de ambulâncias e os bombeiros fizeram alguns atendimentos a pé. Apenas uma conseguiu passar em meio aos manifestantes. Outras quatro acabaram presas no trajeto.

"Hoje (ontem) é meu aniversário e vim participar com amigos. Estava perto da grade da UFMG quando a bomba caiu aos nossos pés. Eu não estava envolvido na confusão", disse Antônio César da Silva, de 37 anos, que se machucou numa perna. Os manifestantes pediam calma e gritavam para que os demais se sentassem no chão. Por causa das agressões aos policiais do bloqueio, os torcedores que desbravaram a multidão e acabaram se atrasando não puderam entrar no estádio. "A polícia falou que eu não podia entrar, mesmo com ingresso na mão. Não sei para onde ir agora e acho que vou perder o jogo", disse o comerciante Lucinei Danilo Duarte, de 34 anos, que estava com a filha de 13 anos e mais três parentes.

Fonte: Estado de Minas

Que país é este tomado por manifestações?

Um dia depois do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, os protestos continuaram em, pelo menos, 100 cidades brasileiras. Milhares voltaram às ruas de São Paulo e Salvador. Especialistas ouvidos pelo Correio e articulistas do jornal buscam interpretar o que está acontecendo no Brasil desde os últimos dias, e esboçam algumas conclusões: a juventude brasileira não se sente representada pelos partidos políticos; a classe média já percebeu que houve uma estagnação no poder de consumo; é pouco provável que alguma liderança surja dos protestos; existe, sim, uma pauta de reivindicações comuns a todos, que inclui o combate à corrupção e ao mau uso do dinheiro público. Mesmo que a onda de manifestações sofra refluxo, o Brasil mudou e essa transformação vai aparecer nas eleições. Há quem aposte no crescimento do voto nulo

Para onde caminha o gigante desperto?

Um movimento sem líderes, sem partidos, sem foco. Por mais que se tente comparar as cenas que o Brasil tem visto nas últimas semanas com outros momentos da história em que as cidades foram tomadas por protestos, todos têm dificuldade de achar uma explicação teórica ou lógica para o que ocorre agora. Especialistas ouvidos pelo Correio reforçam: não é o momento de ter certezas sobre o futuro, porque a voz das ruas, desta vez, tem muitos tons. Ainda que apostem em um arrefecimento das manifestações em breve, eles concordam que o fato é inédito e deve servir de reflexão, principalmente, para a classe política.

O diretor da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, e o professor de Ética e Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano destacam que, apesar de existirem demandas difusas vindas dos manifestantes, a inconformidade com as instituições públicas e a corrupção são o ponto comum de todos os grupos. "O Estado brasileiro, que sempre foi muito repressivo e parasitário, está decepcionando cada vez mais a população. A máquina pública é lenta, enquanto a população tem informação em tempo real e está percebendo o quanto tudo isso incomoda", comenta Romano.

Claudio Abramo ressalta que a rejeição dos manifestantes aos partidos é o maior reflexo de que há uma crise institucional no país. "Não defendo a inexistência de legendas, porque isso não funciona, mas as manifestações estão apontando a falência do sistema eleitoral brasileiro e a absoluta falta de representatividade dos partidos políticos, que parecem divorciados da comunidade que os elege", argumenta.

Roberto Romano concorda: "Os partidos, nos últimos 40 anos, decepcionaram as bases, não se democratizaram, são siglas com donos, que só pensam em ganhar eleição e mandam no Fundo Partidário, nas indicações para cargos, na propaganda, nas alianças, e dão uma banana para os militantes", analisa. "Com essa prática, não incentivam os jovens a participar, expulsam a sociedade e levam o exemplo para os Poderes Legislativo e Executivo que ocupam."

Ao mirarem o futuro, os especialistas frisam que não há espaço para teorias prontas e restritas sobre o momento, que é "um divisor de águas" na história brasileira e não deve ser minimizado. "Os políticos não estão sabendo o que dizer, não têm noção do que está ocorrendo nem resposta, análise ou ação, mas deveriam olhar com muita curiosidade essa mensagem forte das ruas", alerta Abramo. "Os intelectuais e políticos menosprezam a capacidade de pensamento da população, que talvez não saiba ainda se organizar da melhor forma, mas sabe o que está acontecendo. As manifestações são o resultado da modernização da sociedade brasileira, que ainda tem muitos problemas, mas sabe que eles existem e quer mudar isso", completa Romano.

Três perguntas para Claudio Abramo, presidente da Transparência Brasil e Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp

Que rumo as manifestações devem tomar?

Abramo — Acho que a tendência é refluir, porque não se consegue fazer isso sistematicamente, mas não sei em que prazo vai haver essa retração. Também não acho que seja impossível que tudo se repita na Copa do Mundo, porque as pessoas vão continuar querendo dizer que querem saúde e educação em um "nível Fifa", e nas eleições do ano que vem. Não tenho dúvidas de que vai haver um movimento muito poderoso para o voto nulo.

Roberto Romano — Esse movimento pode desaparecer daqui a 15 dias por falta de foco, mas vai trazer lições que pesarão muito nas decisões daqui para a frente. Só que é uma incógnita, devido à heterogeneidade das ações, sem distinção de classe nem comando. São muitas as insatisfações que se acumularam, a população tem observado que o Estado está se tornando um instrumento de corrosão da vida pública e todos estão cansados de apenas assistir.

A ausência de lideranças é positiva ou negativa?

Abramo — Essa voz é uma babel, não existe uma organização para isso, porque há muitas expressões de conformidade com o setor público. Talvez o surgimento de alguma liderança poderia resultar em algo mais palpável, mas acho difícil isso acontecer. Podem surgir lideranças mais localizadas ou reunidas em torno de alguns temas específicos.

Romano — Não é nem uma coisa nem outra, é um sentimento generalizado de antipartidarismo, de que as legendas atuais vêm decepcionando a população. Então, há todos os motivos para essa massa não estar organizada. De qualquer forma, não há jeito de prever que vá caminhar para uma organização. Espero que sim, mas pode ser que as demandas e os grupos se dissolvam.

Daqui a alguns anos, quando olharmos para trás, como descreveremos essas manifestações, que legado elas deixarão?

Abramo — Acho que representará um divisor de águas. Os atos são marcantes e estão mandando uma mensagem muito forte para o mundo político, de que os partidos não são representativos. Há uma crise institucional que deve ser repensada. Não acho que vai mudar já em 2014, mas vai se refletir sobre o assunto.

Romano — É um fenômeno inédito em um momento em que há uma grande circulação de informações e uma paleta de reivindicações que não vem de um grupo só. Comparo à Revolução Russa. O ano de 1917 ficou conhecido como o decisivo, mas 1905 serviu para formar líderes e deixar um aprendizado. Ou seja, o que está ocorrendo agora pode chacoalhar o país para uma mudança futura.

Fonte: Correio Braziliense

Discurso de Dilma não freia protestos

Um novo debate político.

Acuada, Dilma vai mudar de estilo

Avessa a negociações, petista rompe o isolamento e monta agenda para ouvir as vozes da rua, de olho em 2014

Vera Rosa

BRASÍLIA - Na pior semana de seu governo, com uma onda de protestos violentos sacudindo o País, inflação em alta e popularidade em queda, a presidente Dilma Rousseff criou uma espécie de gabinete de crise e rompeu o isolamento do Palácio do Planalto. Avessa a negociações e alvo de críticas no Congresso, ela foi obrigada a montar uma agenda de emergência para ouvir as vozes das ruas, conter as insatisfações e abafar o coro do "Volta Lula", que já começa a ser entoado na seara doméstica para pedir o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na eleição de 2014. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, o PT não enfrenta desgaste tão grande.

Com muitos nós para desatar, Dilma pretende agora testar um novo estilo de governo para tentar virar o jogo e traçar a rota do projeto de reeleição. Ajustes na política econômica para reagir à esperada redução de dólares no Brasil, com o fim do programa de estímulos nos Estados Unidos, e mudanças no núcleo político do Palácio do Planalto são aguardados para o segundo semestre.

Habituada a centralizar decisões e a formular sozinha as principais diretrizes políticas e econômicas, a presidente encerrou a semana com a imagem de gerente desgastada, em meio a uma sucessão de más notícias que deixaram o Planalto atônito. É nesse tumultuado cenário que a presidente terá que negociar com aliados as composições para 2014.

O PMDB convocou reunião de sua Executiva para terça-feira, a fim de discutir a crise e os obstáculos à formação dos palanques com o PT nos Estados, como no Rio de Janeiro. "A coordenação política do governo está sem força e ninguém mais aceita essa história de dois palanques para Dilma", resumiu o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

"Tem um bicho esquisito aí", admitiu o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. "Quem está na chuva é para se queimar e esses protestos também atingiram o PSDB e o governador Geraldo Alckmin", completou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, fazendo um trocadilho. "Com certeza, alguma lição vamos tirar dessa catarse", previu o ministro.

Dos problemas com a demarcação de terras indígenas, passando por boatos sobre o fim do programa Bolsa Família, vaias na abertura da Copa das Confederações, escalada da inflação, "Pibinho", atritos com o PT e o PMDB e, agora, a fúria nas ruas, tudo pareceu conspirar para o inferno astral do governo, nos últimos dias.

Para recuperar o apoio perdido, Dilma acertou com Lula que mudará a estratégia política, chamando, por exemplo, representantes de movimentos sociais para conversas periódicas. Até agora, ela manteve distância regulamentar de todos.

A presidente também fez um apelo pela "concertação" com o Legislativo e o Judiciário. Sob intenso fogo cruzado, anunciou que vai se reunir com governadores e prefeitos e propôs um pacto nacional, expressão abominada pela esquerda, em torno da mobilidade urbana.
No diagnóstico do governo, as manifestações que tiveram como origem o aumento das tarifas de transporte coletivo e desandaram para protestos contra tudo o que está aí assumiram contornos perigosos.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Protestos: desafio é manter a sociedade mobilizada

João Pedro Pitombo

Primeiro, veio a mobilização - cidadãos se unindo com o simples objetivo de colocar para fora o seu grito engasgado. Depois, a ocupação da rua, resultando nos maiores protestos do Brasil nas últimas duas décadas. O que virá no terceiro momento, no entanto, ainda é uma incógnita. Mas há desafios já postos, conforme defendem acadêmicos ouvidos por A TARDE.

O desafio, explicam, é canalizar a luta política das ruas para efeitos práticos. E para isso, há necessidades claras: de um lado, romper as barreiras que enclausuram governos, parlamentos, órgãos de justiça, forçando a criação de canais mais eficazes de participação popular. Do outro, ocupar estes espaços e fazer da mobilização uma ação permanente.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia, Paulo Fábio Dantas Neto, afirma que o futuro das mobilizações dependerá da criação de novas formas de atuação que possam reduzir a distância que vinha se estabelecendo "de maneira muito desalentadora" entre as sociedades política e civil.

Manifestantes e PMs voltaram a se enfrentar em Salvador

"Isso é uma expectativa positiva que precisamos alimentar, pois há um desejo expresso de maior participação e um apelo para que os governos atuem em sintonia com aquilo que a sociedade deseja", avalia o professor.

Na mesma linha, o antropólogo Ordep Serra destaca a importância da participação da sociedade no planejamento e na gestão das iniciativas do poder público. "Os canais já existem, mas eles têm que se abrir. Não é possível avançar sem aumentar a participação da sociedade nas tomadas de decisão", defende.

Conselhos - Ele lembra que, apesar da previsão legal, o Conselho da Cidade - formado por cidadãos e entidades representativas - nunca foi empossado em Salvador. E, mesmo assim, a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos), aprovada no final do governo João Henrique Carneiro, retirou do conselho o poder de tomar decisões, tornando-o apenas um espaço opinativo. No âmbito no Estado, esferas como o Conselho Estadual do Meio Ambiente, por exemplo, também perderam o seu poder de deliberação.

Outro fator determinante será a capacidade da sociedade política de absorver as demandas e propor soluções. "A sociedade política não cumpre o seu papel se ela apenas ouvir a voz das ruas. Ela precisa ouvir, processar e transformar em proposições as demandas da sociedade", afirma Paulo Fábio.

Segundo ele, é preciso ir além de mexer nas estruturas do sistema brasileiro por meio de uma reforma política. É preciso mudar a forma como a representação vem sendo exercida.

Os especialistas também destacam que o momento posterior aos protestos será marcado por uma disputa retórica sobre o espólio das manifestações, com as mais distintas interpretações. Disputa esta que terá participação direta de governos, partidos e entidades civis organizadas.

O cientista político Jorge Almeida acredita que desse movimento surgirão novas lideranças e organizações políticas para dar consequência às bandeiras desse segmento. "É claro que isso passará ao largo de entidades tradicionais, como os grandes partidos de esquerda como PT e PCdoB, grandes centrais sindicais ou entidades estudantis. No entendimento dos manifestantes, estes organismos são vistos como 'co-responsáveis' pela situação atual do país".

Professor de comunicação da Ufba e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital, Wilson Gomes, destaca a necessidade dos manifestantes buscarem bandeiras mais factíveis, para obterem um maior poder de influência junto ao poder constituído.

*Colaborou Patrícia França

Fonte: A Tarde (BA)

O novo de novo na Rio Branco -- Raimundo Santos

A vitalidade da juventude está encerrando estes nossos tempos de imobilização da sociedade e da política. Essa ativação juvenil – sua força está na sua diversidade – já se anunciava em 2012 nas passeatas que, nas praias de Copacabana, reivindicavam respeito aos homoafetivos. Esse novo se ampliou aos 30 mil da passeata do encerramento da Rio + 20, na Rio Branco, sendo os manifestantes em sua grande maioria jovens envolvidos de diversas modos e coloridos com as questões do Planeta.

Esse novo se apresenta de novo na mesma Rio Branco com enorme vigor, do dia 20, levou à avenida mais de 300 mil. Em 75 cidades brasileiras, o Movimento Passe Livre superou, ontem, a cifra de mais de um milhão de manifestantes. Na sua quase totalidade, também são jovens. Movidos pela resistência ao aumento das passagens, em relação ao qual são vitoriosos, o Movimento Passe Livre soube falar ao país dos grandes temas com amplíssima aceitação. Destaco dois. No da corrupção, foram contundentes na condenação moral e específicos na defesa de uma forma concreta de combatê-la: a ação do Ministério Público, cujas funções constitucionais a PEC 37 quer cassar. Convocam a opinião pública para derrotar a PEC 37. No tema das políticas públicas, os jovens fizeram duras críticas aos gastos astronômicos (para reprodução eleitoral) trazendo ao primeiro plano a urgência do vigoramento de políticas públicas nas áreas da saúde e da educação. Entretanto, resistem à política e aos partidos, desgastados pelos governos petistas. Resistem mais como recusa do que com críticas. Isso preocupa muito.

Tem visão precisa Luiz Werneck Vianna ao falar da possibilidade de uma nova era (“significando a entrada dessa geração na política institucional”), da eventualidade de um “mau desfecho” (como em 1968, “radicalizando a juventude e afastando-a da vida politica”), e ainda da incompetência dos atuais movimentos sociais em conduzir os “processos reais” (cf. entrevista ao IHU On line, dia 20/6, antes da passeata dos 300 mil). Diz este intelectual publico: “Acredito que hoje eles (os jovens) estarão comentando o que se passou ontem (a passeata na Rio Banco da 4ª. Feira, 19/6). Nesse processo de diálogo, de comunicação entre eles mesmos, e da comunicação entre eles e nós, intelectuais, políticos e imprensa, a coisa vai se sedimentando, criando uma nova cultura.” (Íntegra da entrevista in www.Gramsci.org).

Raimundo Santos é professor da UFRRJ

Fonte. A passeata dos 300 mil (enquete), You Tube Ascom/UFRRJ, 21/6/2013.

Quando a rua se torna a Arena – Michel Zaidan Filho

Entre os antigos romanos, a palavra arena era designada como lugar de jogos e manifestações diversionistas destinadas ao povo. Mas também como lugar da luta, da disputa entre gladiadores e escravos. Por uma dessas transformações semânticas produzidas pela História, a palavra "arena" foi apropriada pelos governantes como o palco de jogos e competições esportivas internacionais. 0 que ninguém previu é que o povo brasileiro iria invadir as ruas das metrópoles brasileiras para protestar contra a má saúde, a má educação, o péssimo transporte público e o mau uso do dinheiro público. A repercussão desse movimento foi tão grande que tomou o espaço nos telejornais nacionais que seria dedicado aos jogos. Até o treinador da seleção brasileira foi convocado a dar sua opinião sobre os protestos populares, apoiando as manifestações.

Os gestores, pegos de surpresa, passaram a decantar as virtudes da participação popular e da democracia participativa. O fundamental é entender o significado dessa nova arena da participação popular, apartidária, multifacetada, composta por inúmeros grupos sociais. Desde as manifestações dos "caras pintadas " pela demissão de Collor, não se via algo semelhante na cena política brasileira. E os governantes apostaram no "nacionalismo dos tolos" como forma de anestesia da consciência social. A cifra astronômica gasta pelo Brasil (85.000.000.000) para a realização da Copa da Confederações foi o alvo preferencial das multidões. 

Questionando a absurda quantia comparada com o descalabro das políticas públicas na área da Saúde, da Educação, do Transporte Público. Hoje o mundo entende que o povo brasileiro não se contenta só com carnaval e futebol e que ser cidadão não é só torcer pela seleção brasileira, mas lutar pela melhoria dos serviços públicos no Brasil. O conceito de cidadão de chuteira foi substituído pelo cidadão vox e cidadão ludens, o cidadão que vocalize direitos e tem consciência de direitos.

O grande negócio dos jogos, o milionário patrocínio das grandes empresas multinacionais, o espírito mercenário de nossos atletas e o próprio governo brasileiro foram obrigados a fazer uma reflexão sobre a mudança do patriotismo de nossos cidadãos.Isso sem falar na alienação da soberania política do país em função da malfada lei da Copa, com todo o aparato de segurança na cidade à disposição das seleções estrangeiras, como se nós fôssemos uma colônia ou um protetorado de algum país estrangeiro. Se os governadores e a Presidente da República não se dão o devido respeito de autoridades públicas constituídas legitimamente pelo voto popular, o povo é quem deve lhes ensinar, nas ruas, o que é soberania, independência, direitos.

É de se esperar agora que ante a expectativa da opinião pública internacional e da ONU, nossos gestores aprendam quais são as prioridades da administração pública: cuidar do povo, através de políticas públicas estatais, permanentes e universais. Até a propaganda mais convincente cede diante do clamor das ruas. Até quinta-feira, Pernambuco!

Michel Zaidan Filho é sociólogo e professor da UFPE

É abuso demais – Ferreira Gullar

Não sou a favor de vandalismo, mas entendo que as pessoas tenham ido para as ruas protestar contra o aumento das tarifas de transporte coletivo. Não têm que quebrar casas comerciais, agências bancárias, nem muito menos vidraças de igrejas e instituições culturais.

É burrice e põe a opinião pública contra os manifestantes. É baderna, coisa de quem não sabe o que está fazendo. Mas não há dúvida de que o interesse público há muito foi posto de lado.

De São Paulo não posso falar, pois não conheço bem a situação real de lá. Ouço dizer que é péssima; que, nos ônibus, nas horas críticas, não cabem as pessoas, e que levam horas para chegar ao destino, seja para o local de trabalho, seja na volta para casa.

No Rio não é muito diferente. Se na hora de ir para o trabalho é aquele sufoco, já altas horas da noite, quando o número de passageiros é mínimo, os ônibus desaparecem.

As empresas de transporte coletivo não estão nem aí para a população, para servir aos cidadãos. Seu único interesse é ganhar dinheiro, e o povo que se dane. Todo mundo sabe que, se no ponto só estiverem idosos -que não pagam passagem-, os ônibus não param, passam direto. E fazem isso porque o patrão manda e, se não fizerem, sofrem represálias.

E o metrô aqui do Rio? Nunca vi igual. Sei que é caríssimo -dizem que é o mais caro do planeta- e serve pessimamente aos cidadãos. No mundo, não há nenhum que se lhe compare.

Tenho carro, gosto de dirigir, mas raramente saio com ele, mesmo porque, se vou ao centro da cidade, não há onde estacionar e, quando há, é por um preço que mais vale tomar um táxi e pagar a corrida; sai mais em conta.

Sucede, porém, que uma vez ou outra, se vou para certos lugares, pego o metrô. Idoso não paga, não entra na fila para comprar passagem. Como sou idoso e há uma estação de metrô bem perto de minha casa, me valho dele, melhor dizendo, me valia. Sim, porque não o faço mais. Nunca vi metrô igual. E olhe que viajei nos metrôs de Nova York, Paris, Roma, Berlim, Buenos Aires e Moscou. Ruim como o nosso, ao que eu saiba, não existe outro. Mas isso não é de hoje.

O trem do metrô para no meio do caminho a cada viagem. Nas poucas vezes em que andei nele aconteceu isso. E veja que, como disse, raramente o faço. Mas Maria, minha empregada, que mora perto da Pavuna, anda nele todos os dias e já muitas vezes teve que completar a viagem a pé, caminhando pelos trilhos.

Em que metrô do mundo acontece isso?

E não fica só nisso. Outro dia, como necessitava ir a Ipanema, num local próximo à praça General Osório, decidi tomar o metrô. Como não sou habituado a usá-lo, não sabia que a estação daquela praça estava desativada. Só soube quando, já em viagem, uma voz deu essa informação, e mais: deveríamos todos descer na estação seguinte, para fazer um transbordo.

Como assim, me perguntei, por que não vamos até a estação Corte do Cantagalo, uma antes da General Osório? Seria o lógico, mas não é: descemos na estação Siqueira Campos, passamos para a outra plataforma -por onde trafegam os trens em direção contrária- e lá ficamos esperando não se sabia o quê.

Bem, depois de muito, veio uma composição vazia, parou, ficou um tempo fechada, abriram-se as portas e nós entramos para irmos até a estação Corte do Cantagalo.

Lá, descemos todos, e aqueles que iam para a General Osório pegariam um ônibus que os levaria até lá. Começou a chover e o ônibus não chegava nunca, tomei um táxi e me safei daquele inferno. Aliás, se no inferno houver metrô, deve ser administrado pela mesma empresa que administra o do Rio de Janeiro.

Ultimamente, ando desapontado com a passividade do povo brasileiro diante desse e de tantos outros abusos, mas as manifestações destas últimas semanas parecem indicar que ele acordou. É o que espero.

Fonte: Ilustrada / Folha de S. Paulo