João Pedro Pitombo
Primeiro, veio a mobilização - cidadãos se unindo com o simples objetivo de colocar para fora o seu grito engasgado. Depois, a ocupação da rua, resultando nos maiores protestos do Brasil nas últimas duas décadas. O que virá no terceiro momento, no entanto, ainda é uma incógnita. Mas há desafios já postos, conforme defendem acadêmicos ouvidos por A TARDE.
O desafio, explicam, é canalizar a luta política das ruas para efeitos práticos. E para isso, há necessidades claras: de um lado, romper as barreiras que enclausuram governos, parlamentos, órgãos de justiça, forçando a criação de canais mais eficazes de participação popular. Do outro, ocupar estes espaços e fazer da mobilização uma ação permanente.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia, Paulo Fábio Dantas Neto, afirma que o futuro das mobilizações dependerá da criação de novas formas de atuação que possam reduzir a distância que vinha se estabelecendo "de maneira muito desalentadora" entre as sociedades política e civil.
Manifestantes e PMs voltaram a se enfrentar em Salvador
"Isso é uma expectativa positiva que precisamos alimentar, pois há um desejo expresso de maior participação e um apelo para que os governos atuem em sintonia com aquilo que a sociedade deseja", avalia o professor.
Na mesma linha, o antropólogo Ordep Serra destaca a importância da participação da sociedade no planejamento e na gestão das iniciativas do poder público. "Os canais já existem, mas eles têm que se abrir. Não é possível avançar sem aumentar a participação da sociedade nas tomadas de decisão", defende.
Conselhos - Ele lembra que, apesar da previsão legal, o Conselho da Cidade - formado por cidadãos e entidades representativas - nunca foi empossado em Salvador. E, mesmo assim, a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos), aprovada no final do governo João Henrique Carneiro, retirou do conselho o poder de tomar decisões, tornando-o apenas um espaço opinativo. No âmbito no Estado, esferas como o Conselho Estadual do Meio Ambiente, por exemplo, também perderam o seu poder de deliberação.
Outro fator determinante será a capacidade da sociedade política de absorver as demandas e propor soluções. "A sociedade política não cumpre o seu papel se ela apenas ouvir a voz das ruas. Ela precisa ouvir, processar e transformar em proposições as demandas da sociedade", afirma Paulo Fábio.
Segundo ele, é preciso ir além de mexer nas estruturas do sistema brasileiro por meio de uma reforma política. É preciso mudar a forma como a representação vem sendo exercida.
Os especialistas também destacam que o momento posterior aos protestos será marcado por uma disputa retórica sobre o espólio das manifestações, com as mais distintas interpretações. Disputa esta que terá participação direta de governos, partidos e entidades civis organizadas.
O cientista político Jorge Almeida acredita que desse movimento surgirão novas lideranças e organizações políticas para dar consequência às bandeiras desse segmento. "É claro que isso passará ao largo de entidades tradicionais, como os grandes partidos de esquerda como PT e PCdoB, grandes centrais sindicais ou entidades estudantis. No entendimento dos manifestantes, estes organismos são vistos como 'co-responsáveis' pela situação atual do país".
Professor de comunicação da Ufba e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital, Wilson Gomes, destaca a necessidade dos manifestantes buscarem bandeiras mais factíveis, para obterem um maior poder de influência junto ao poder constituído.
*Colaborou Patrícia França
Fonte: A Tarde (BA)
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