sexta-feira, 19 de julho de 2019

Cristian Klein: República de bananas, hambúrguer e laranjas

- Valor Econômico

Cavalo de Calígula, até onde se sabe, não estava preparado

Uma das explicações mais convincentes para a renitência de Jair Bolsonaro em defender o que é radical e estapafúrdio - mesmo depois de assumir o cargo de presidente - é o fato de nunca ter perdido uma eleição. A falta de derrotas - como aconteceu com Lula, por exemplo - teria preservado o temperamento. Conquistas sucessivas cultivaram a soberba com que, entre outros desatinos, o leva a querer indicar o próprio filho a embaixador em Washington. Caberá aos senadores decidir se alimentam ou não, no chefe do Executivo, o sentimento de soberania ilimitada, reforçado ao longo do tempo.

Bolsonaro ganhou a primeira eleição a vereador do Rio em 1988 e as sete seguintes (1990, 94, 98, 2002, 06, 10 e 14) para deputado federal. Em sua carreira, sempre foi um vitorioso nas urnas, apesar de ter perambulado pela Câmara, como um lobo solitário, à margem das representações partidárias. Abaixo da média do baixo clero, nunca influenciou o debate público em questões amplas ou profundas. Mas colheu muitos votos graças ao papel de sindicalista dos militares. Na tipologia de quadros políticos - que inclui o pragmático e o ideólogo - Bolsonaro é o lobista. O ocupante do Planalto foi um jogo de palavras: um lobo solitário lobista. Mas solitário em termos. Pois tem a prole.

O sucesso de Bolsonaro é maior quando se considera que sempre amealhou triunfos ao utilizar o capital político para emplacar os filhos no Legislativo. O mais velho, Flávio, ganhou cinco eleições: quatro a deputado estadual (2002, 06, 10 e 14) e uma a senador pelo Rio (18). Carlos, o Zero Dois, também venceu cinco disputas a vereador (2000, 04, 08, 12 e 16). O terceiro filho, Eduardo, elegeu-se deputado federal em 2014, por São Paulo, e sua reeleição bateu recorde, em 2018, na esteira da candidatura do pai à Presidência.

O único revés do clã Bolsonaro foi há três anos, quando Flávio concorreu à Prefeitura do Rio, à revelia do patriarca e dos irmãos. Vem daí a animosidade entre o senador e Carlos, que não o ajudou na campanha municipal e com quem mal fala, desde então. De olho na eleição presidencial, Bolsonaro temia que a derrota do filho à prefeitura pudesse lhe prejudicar - o que não se confirmou. Em 30 anos, o quarteto ganhou nada menos do que 21 de 22 eleições. Já seria uma façanha o desempenho até o ano passado (18 em 19). Mas a vitória ao Planalto - a despeito dos escassos recursos e de tempo de TV - somada à explosão do bolsonarismo elevou a sensação de invencibilidade do clã num outro patamar.

José de Souza Martins*:O silêncio cinzento da espera

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Até hoje, nem o povo nem o governo definiram com clareza o que pretendiam e pretendem. o que já claro é que o projeto da nova ordem é o de transformar os brasileiros num povo barato

O governo eleito em 2018 chegou ao poder com um discurso nebuloso de desmonte do Estado que conhecíamos até o dia 31 de dezembro. Só isso. Nada dizia, porém, sobre o que era propriamente o desmonte. Foi eleito, com a cumplicidade de um eleitorado cansado, cuja prioridade era também desmontar o até então conhecido, vivido e, para muitos, sofrido.

Um inquietante sinal estava posto diante dos olhos de todos: a maioria queria desmontar, mas desmontar o quê? Sobretudo, quem seria o desmontador? E o que seria, propriamente, desmontado?

Até hoje, nem o povo nem o governo definiram com clareza o que pretendiam e pretendem. O que já está claro é que o projeto da nova ordem é o de transformar os brasileiros num povo barato. A cada avanço no projeto, a bolsa sobe. Mas as condições sociais da população continuam na incerteza.

A maioria que colocou o presidente no poder, claramente, queria o desmonte do Estado petista. O Estado corroído pelo populismo de Lula. Os que não queriam desmontar o Estado lulista nem queriam desmontar o Estado fisiológico e oligárquico do nosso passado republicano, também queriam desmontar algo, sem dizer exatamente o quê.

Extensa parcela da população ainda não se pronunciou. Estamos vivendo o silêncio cinzento da espera. Pode ser que daí resulte que o povo descubra sua real motivação transformadora e, liberta do aparelhismo de partidos e caudilhos, retome a opção pelos movimentos sociais, a alternativa forte para partidos fracos.

É preciso entender, porém, que só as revoluções desmontam o Estado. E o fazem em nome de um Estado que represente a concepção de poder de uma sociedade alternativa, a de um projeto histórico. Revoluções expressam inquietações sociais, consciência social das iniquidades próprias do distanciamento insuportável entre a realidade do vivido, o carecido e a possibilidade do novo e da inovação política.

Erram as esquerdas quando agem como se a bandeira da mudança social e política fosse bandeira da direita. Continuam não conseguindo decifrar o real. A direita desmuda, mas não muda a realidade. Imobiliza-a, tenta fazer a história recuar, anula conquistas sociais. Direita não faz revoluções, pois para fazê-las é preciso discernimento, isto é, consciência crítica e, com ela, a dimensão universal do humano.

Naercio Menezes Filho*: Gastos públicos com saúde e educação

- Valor Econômico

Há consenso sobre o que deve ser feito em saúde, ao passo que na educação, reina o dissenso

Os gastos com saúde aumentaram bastante nos últimos 30 anos e os indicadores de saúde melhoraram também. Apesar dos vários problemas que ainda persistem, entre 1990 e 2015 houve aumentos significativos na expectativa de vida e nas taxas de vacinação e quedas acentuadas na mortalidade infantil, desnutrição e hospitalização das crianças. Em muitos desses indicadores nós estávamos atrás dos demais países latino-americanos e agora estamos à frente. Em alguns casos atingimos indicadores de países ricos. Será que o aumento de gastos foi responsável pela melhora dos indicadores de saúde? O que será que a educação poderia aprender com a saúde para melhorar seus indicadores de aprendizado de forma mais rápida?

O Sistema Único de Saúde foi criado em 1990 com base nos princípios da Constituição de 1988 de fornecer saúde universal e gratuita para todos. Uma das principais inovações do SUS foi atuar de forma descentralizada desde o início, transferindo recursos e responsabilidades para os estados e municípios. Mas, as decisões sobre prioridades, gerenciamento do sistema e recursos sempre foram tomadas de forma compartilhada, com cada esfera de governo responsável por uma parte do sistema.

Um dos principais programas derivados do SUS foi o programa saúde da família, um dos mais importantes que o país já teve. O time do programa é composto por um médico da família, uma enfermeira, uma enfermeira assistente e seis agentes comunitários da saúde, responsáveis pela visitação dos domicílios. As equipes também contam com dentistas. Cada equipe é responsável pela atenção primária de cerca de 1.000 famílias e estão baseadas em unidades básicas de saúde (UBS), que teriam que ter infraestrutura suficiente para resolver os problemas de saúde mais básicos e encaminhar as famílias para hospitais nos casos mais grave (o que nem sempre ocorre).

João Luiz Rosa: De caixa de ressonância a espelho de Narciso

- Valor Econômico

Rede social não confirmou papel na discussão de ideias

No fim de 2010, quando uma série de revoltas no norte da África e no Oriente Médio começou a esboçar o que ficaria conhecido como Primavera Árabe, as redes sociais tiveram seu papel alçado a uma condição que nunca haviam alcançado antes ou, pelo menos, com a mesma intensidade - a de ferramentas essenciais para a disseminação de ideias e a organização de manifestações populares.

Nos meses seguintes, reportagens, estudos e pesquisas tentaram explicar a influência conquistada pelas redes sociais, sob a percepção messiânica de que, ao permitir a manifestação direta da população, esses sites estavam destinados a mudar significativamente o exercício da cidadania. O argumento que se repetia à época é que nenhuma rede de TV, jornal ou revista - por mais experientes que fossem os correspondentes de guerra - seria capaz de captar tantos registros representativos quanto os próprios habitantes, munidos de celular e acesso à internet.

Agora, quando as "deepfakes" desafiam até o que os olhos veem, com a manipulação imperceptível de fotos e vídeos, a vocação dos sites de relacionamento social não parece assim tão inequívoca.

É inquestionável a relevância desses serviços em fazer registros instantâneos da realidade. O relato de como o vendedor de verduras Mohamed Bouazizi se autoimolou para chamar a atenção sobre o descaso do governo da Tunísia criou tanta comoção que se tornou o "marco zero" da Primavera Árabe.

É o mesmo tipo de indignação que provocam vídeos de policiais "plantando" armas ao lado de inocentes mortos na periferia das grandes cidades. Ou a gravação do segurança que asfixiou um cliente até a morte em um shopping. Ou a daquele outro que espancou um cachorro na porta de um supermercado. Não dá para acompanhar esses relatos, passados no Brasil recente, sem ficar indignado.

Bruno Boghossian: O nó da gravata rosa

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro insiste em desatinos e esquece economia

Jair Bolsonaro teve tempo para falar de muita coisa na cerimônia que marcou os 200 dias de seu governo. Reclamou do filme “Bruna Surfistinha”, reforçou a campanha para dar uma embaixada ao próprio filho e fez piada com a gravata rosa do presidente do Senado.

Em mais um balanço de seus primeiros meses no cargo, o presidente se ocupou de sua caçada ideológica tacanha e de outros desatinos. “Acho que eu falei um pouco demais”, admitiu, no fim. Não achou um minuto, porém, para apontar soluções para os tropeços da economia.

As prioridades estapafúrdias de Bolsonaro e sua própria vacilação diante das propostas da equipe do governo embaçam as perspectivas de recuperação. Enquanto o time econômico busca um canudinho para respirar embaixo d’água com o dinheiro do FGTS, o presidente parece mais preocupado em procurar espaços para sua família no poder.

Bolsonaro ficou satisfeito com a primeira aprovação da reforma da Previdência, mas seus auxiliares foram obrigados a reconhecer que a proposta não tira a economia do atoleiro. Enquanto a Câmara aprovava o texto, na semana passada, o governo teve que reduzir a previsão de crescimento do PIB de 1,6% para 0,81%.

Reinaldo Azevedo: Bolsominions e morominions em choque

- Folha de S. Paulo

E se a decisão de Toffoli tivesse nascido de um recurso de Lula?

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, fez valer a lei, e isso beneficia, por ora, um Bolsonaro. Ocorre que a decisão destrói a metafísica da empulhação que sustenta o discurso de bolsominions e morominions. Eles estão à beira de uma concussão cerebral. Vamos ver.

O ministro pode não ter ainda esmagado a cabeça da serpente, mas é certo que a pegou com um gancho e a colocou, por ora, ao menos, numa caixa. Se de lá ela vai escapar, junto com todos os males do mundo, numa orgia de mitos, isso é o que vamos ver.

É raro a gente se divertir escrevendo sobre política, ainda que, no caso, o divertimento seja quase sempre sarcasmo. Na terça-feira, Toffoli acordou o Tico e o Teco no cérebro dos bolsominions e dos morominions. E, até agora, eles não conseguiram entrar num acordo de vontades. É divertido.

Atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o ministro suspendeu todas as investigações criminais nascidas de dados compartilhados por órgãos de controle, como Coaf e Receita, sem prévia autorização judicial.

As várias instâncias do Papol —o Partido da Polícia— saíram gritando, exercitando aquele que tem sido o mais poderoso lobby da história recente do país: o do terror, que se alimenta da ignorância.

“Estão suspensas todas as investigações sobre lavagem de dinheiro no país”, grita um! “Agora ninguém mais investiga o PCC”, assegura o outro. “Entidades internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ativos ilegais romperão convênio com o Brasil”, tonitrua um terceiro.

E, é claro, vozes associadas à força-tarefa, ainda que não personalizadas, desta vez, no excepcionalmente discreto Deltan Dallagnol, compareceram ao debate para reiterar o bordão: “Isso prejudica a Lava Jato”.

Ninguém tem o direito de se surpreender. Os diálogos entre Dallagnol e Sergio Moro e do procurador com seus pares, revelados por Folha, Veja e por este escriba, em parceria com o site The Intercept Brasil, têm evidenciado que a Constituição, o Código de Processo Penal, o Código de Ética da Magistratura, o Tratado de San José da Costa Rica e até a Declaração Universal dos Direitos do Homem atrapalham a Lava Jato...

Pergunto: essas e outras investigações eram conduzidas ao arrepio da Justiça? É isso o que se está a confessar? Alguém poderia, por favor, responder a este jornalista onde está a dificuldade de o Ministério Público ou a polícia, recebendo uma notificação do Coaf ou da Receita, encaminhar um pedido de quebra de sigilo a um juiz?

Luiz Carlos Azedo: Um dinheiro aí

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Guedes pretendia liberar R$ 30 bilhões em saques do FGTS, mas os empresários da construção civil se opõem a isso e Bolsonaro adiou a medida”

O governo armou uma festa ontem, no Palácio do Planalto, para comemorar os 200 dias do presidente Jair Bolsonaro no poder, efeméride inédita em relação aos antecessores, mas faltou a cereja do bolo: a liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como estava previsto, porque a equipe econômica não chegou a um acordo com o setor da construção civil. A medida fora anunciada como uma ação de governo para o reaquecimento a economia.

O governo pretende liberar R$ 30 bilhões de recursos do fundo, de um total de R$ 100 bilhões, mas os empresários do setor, que está em crise, fizeram forte lobby durante a semana para evitar que isso acontecesse. Temem que a medida aprofunde a crise de financiamento do setor, principalmente do programa Minha Casa, Minha Vida, que foi o carro-chefe do primeiro governo de Dilma Rousseff. Como se sabe, a construção civil é um dos setores que mais empregam mão de obra e exerce grande efeito multiplicador sobre a economia.

Por ordem do próprio Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe adiaram a decisão, iniciando negociações com o setor da construção civil. A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno pela Câmara melhorou o otimismo dos agentes econômicos com o futuro da economia, mas isso ainda é apenas uma boa expectativa. Como sempre acontece, quando se alcança um objetivo prioritário, surgem outros: o mercado cobra medidas econômicas para reaquecer a economia, enquanto a população sofre com o desemprego.

Eliane Cantanhêde: Acordão contra o Coaf?

- O Estado de S.Paulo

Se não investiga e não pode dividir seus dados com o MP, para que serve o Coaf?

Ao suspender processos e procedimentos de investigação com base em dados do Coaf, da Receita e do Banco Central, o ministro Dias Toffoli acionou uma rede não só de críticas, mas também de suposições. Some-se a decisão de Toffoli às investidas contra o procurador Deltan Dallagnol e temos um ataque organizado à Lava Jato? Ou melhor, ao combate à corrupção?

Indicado pelo ex-presidente Lula para o Supremo, Toffoli foi advogado do PT e é amigão do ex-ministro José Dirceu, condenado tanto no mensalão quanto no petrolão. E sua decisão de agora beneficiou diretamente Flávio Bolsonaro, senador do PSL e filho “01” do presidente Jair Bolsonaro.

Logo, a pergunta que passou a circular por corredores e gabinetes é se, enfim, está vingando um acordão. Se houve um do PT com setores do MDB, PSDB, PP, PTB... não chegou a lugar nenhum e a Lava Jato continuou firme e forte. E se envolver até o “01”?

Se a resposta for não, melhor para o combate à corrupção e para o País. Se for sim, pior para a depuração das instituições, a Lava Jato, seus protagonistas e as investigações. Podem comemorar os investigados e os já condenados, no setor público (governadores, prefeitos, deputados, ministros e até presidente da República) e no privado (empreiteiros, banqueiros, altos executivos das grandes companhias).

Depois de a procuradora-geral, Raquel Dodge, órgãos de procuradores, as forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio e São Paulo e a cúpula da Operação Greenfield, do DF, manifestarem espanto e preocupação com a medida, Toffoli alegou a “defesa do cidadão”. O temor é de que seja em defesa de suspeitos e alvos de investigações, a torto e a direito, ou da esquerda à direita.

Elena Landau*: Apesar de você

- O Estado de S.Paulo

No Legislativo, reformas avançam, suprindo o vácuo deixado pelo governo.

A primeira etapa da reforma da Previdência foi vencida. Não é a melhor versão, mas reforma boa é reforma aprovada. Não fosse a intervenção do próprio governo talvez tivéssemos conseguido acabar com as desigualdades no sistema de seguridade. Junto com policiais, professores garantiram aposentadoria precoce.

Passada essa etapa, tem gente pedindo para o presidente começar a governar. Mas Bolsonaro governa – nos assuntos que ele curte. Reinterpreta a Constituição em conceitos fundamentais, como “o poder emana do povo” e “o Estado é laico”. Seus 28 anos de vida parlamentar não serviram para aprender ideias democráticas tão básicas. A última novidade é a indicação do filho para embaixada nos EUA. Nepotismo é o de menos. Se ele fosse pai de um San Tiago Dantas, ainda vá lá. Pelo jeito, a mamata está longe de acabar. Talvez seja melhor mesmo os filhos distantes do que por aqui. Deveria indicar logo os três.

Apesar de Bolsonaro, o País vai avançando. No Legislativo, reformas, como a tributária, avançam, suprindo o vácuo deixado pelo governo. Melhor assim do que a volta da CPMF. A sociedade espera com ansiedade o anúncio do plano econômico com propostas que tragam alguma esperança. Quanto mais cedo melhor.

Celso Ming: A taxação de grandes fortunas não decola

- O Estado de S.Paulo

A proposta pela criação de um imposto desse tipo vem e volta, mas é considerada impraticável pela maioria dos governos

Dia 25 de junho, 19 bilionários pronunciaram-se em público a favor da cobrança de um imposto sobre grandes fortunas. Entre eles estão Abigail Disney, Sean Eldridge, Agnes Gund, Arnold Hiatt, Chris Hughes, Regan Pritzker e George Soros.

Em carta aberta aos próximos candidatos à presidência dos Estados Unidos, esses 19 entendem que a concentração de renda é um problema cuja solução será essa cobrança. “Um imposto sobre fortunas ajudará a enfrentar a crise ambiental, produzirá avanços na economia, trará resultados na área de saúde, criará oportunidades e fortalecerá nossas liberdades democráticas.” A íntegra do documento pode ser obtida pela internet no endereço medium.com/@letterforawealthtax.

Por mais que tenha aumentado o clamor por providências destinadas a combater a concentração de renda nos países avançados, a proposta pela criação de uma taxa desse tipo vem e volta. Em geral, aparece em períodos eleitorais. Mas é abandonada pela maioria dos governos, não tanto por oposição dos ricaços, mas por ser considerada impraticável. No fim da década de 1990, por exemplo, a Suprema Corte da Alemanha rejeitou o imposto. Entre os argumentos, estava o seguinte: se a alíquota fosse baixa, arrecadaria menos do que o Fisco gastaria para cobrá-lo. E se a alíquota fosse alta, o imposto seria transformado em imposto confiscatório.

Extenso documento da OCDE (The role and design of net wealth taxes in the OECD), de 2018, não esconde seu ceticismo em relação à possibilidade de implantação desse imposto. É de administração difícil pelas autoridades fiscais, tem baixa capacidade arrecadatória (veja o gráfico) e deixa o país altamente exposto a fugas de capitais.

Uma das características desse imposto é de que tem de ser declaratório. O contribuinte aponta quanto vale sua fortuna a preços de mercado e as autoridades se encarregam de conferir a validade da declaração e de cobrar o imposto devido.

Merval Pereira: Dúvidas e polêmicas

- O Globo

O STF precisa explicar o que acontece agora com as investigações em andamento

O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pretende conversar com seus colegas para ver as condições de antecipar o julgamento do compartilhamento de provas em investigação criminal, marcado para novembro.

A decisão que tomou, suspendendo todas as investigações que tenham sido feitas sem autorização judicial, está provocando polêmicas que precisam ser esclarecidas o mais cedo possível.

Um deba teque haverá logon are aberturado Judiciário, no fim do recesso, em agosto, és obre os processos que estão suspensos. Atese dos advogados dos investigados é que esses processos não poderão ser retomados, mesmo coma autorização judicial, pois os dados já revelados invalidam as provas.

Por essa tese, o senador Flávio Bolsonaro, cuja investigação pelo Ministério Público Federal do Rio motivou o recurso que foi o estopim da decisão de Toffoli, ficaria livre da investigação. Há outra linha de ação que diz que, como nos Estados Unidos, esses processos podem ser retomados, adequados às novas normas, se o Supremo aderir à tese de Toffoli de que os dados detalhados das movimentações só podem ser dados com autorização judicial.

Há ministros no Supremo, como Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que consideram que nenhum dado, mesmo genérico, pode ser entregue pelo Coaf sem decisão judicial. Mesmo derrotado, Marco Aurélio disse que teme não ser constitucional a decisão do presidente do Supremo.

O STF tem diversas decisões, seja no plenário, seja nas Turmas, autorizando as investigações das operações atípicas detectadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), sem necessariamente passar pela autorização judicial.

Bernardo Mello Franco: Duzentos dias e uma obsessão

- O Globo

Apesar da chuva de críticas, Bolsonaro insiste em transformar o filho em embaixador. Se depender do presidente do Senado, a indicação deve ser aprovada com folga

Jair Bolsonaro é um político que defende a família. A começar pela própria. Apesar da chuva de críticas, o presidente está decidido a transformar o filho em embaixador nos Estados Unidos. Foi o que ele repetiu ontem, em solenidade no Planalto.

O motivo da cerimônia era comemorar os 200 dias do governo. O roteiro previa um balanço da gestão, mas Bolsonaro ocupou boa parte do discurso com o Zero Três. “Quem é pai, quem é mãe, vocês querem um filho melhor do que vocês. Eu quero um filho melhor do que eu”, argumentou. Foi a senha para o início de uma longa defesa do herdeiro.

O presidente repetiu os predicados que, segundo ele, habilitariam Eduardo Bolsonaro ao cargo mais importante do Itamaraty no exterior. “Ele é uma pessoa bastante comunicativa”, disse. “Fez intercâmbio. Ficou seis meses nos Estados Unidos”, emendou.

Míriam Leitão: Bolsonaro e PT vistos por Haddad

- O Globo

Haddad diz que a oposição evitou o pior na reforma da Previdência e avalia que o governo Bolsonaro ainda não tem um rumo

O governo Bolsonaro não disse a que veio, ele ainda não se apresentou, não trouxe nada autoral. Essa é a avaliação feita por Fernando Haddad, candidato do PT que perdeu para o atual presidente nas eleições de 2018. Ele discorda de que a esquerda tenha ficado isolada na votação da reforma da Previdência, porque acredita que muitos pontos que poderiam atingir os mais pobres foram tirados, como a mudança no BPC, pela ação da oposição. Ele acha que quem perdeu foi o ministro da Economia, Paulo Guedes.

— A (esquerda) teria ficado isolada se o governo tivesse aprovado o projeto dele. Guedes perdeu sua principal proposta que era a capitalização.

Ele falava que a capitalização era o ponto de honra dele e teve que abrir mão. Isso se deve à mobilização que a oposição fez e que sensibilizou uma boa parte da base do próprio governo — disse Haddad em entrevista que me concedeu ontem na Globonews.

Ele acha que a oposição até agora teve um papel importante também na educação, porque ajudou a “acender a chama da resistência” na área, que, como lembra, tem a sua própria capacidade de mobilização. Segundo Haddad, este é o papel da oposição:

— Em qualquer democracia, a oposição tem que construir alternativas às propostas do governo e submetê-las ao Congresso para que faça a mediação.

Eu perguntei sobre a contradição de o PT ter feito, no governo Lula, uma reforma que acabou com a paridade e a integralidade de servidor público e ter aprovado agora essas mesmas garantias, e uma idade mínima de 53 anos, para policiais federais e legislativos, exatamente como Bolsonaro queria:

— Eu não falo em nome do partido. Mas eu sou a favor da construção de um sistema único para a Previdência. Acho que no horizonte de algumas décadas, porque isso não se constrói do dia para a noite, mas pensando em 10, 20 anos, nós devíamos mirar o objetivo de uma sociedade democrática que é o de ter o regime único de Previdência. Isso é o que eu defendi na campanha e vou defender ao longo da minha vida. Não consigo ver um princípio de justiça social que não esteja contemplado por essa ideia.

Monica De Bolle*: Não foi só o Trump

- Época

Depois da crise, o nacionalismo se tornou cada vez mais escancarado.

Não foi só o Trump nem a combinação do Brexit com sua vitória eleitoral em 2016. Ao contrário do que muitos ainda pensam, o populismo nacionalista ressurgente começou a despontar nos países avançados — e em seguida em um punhado de países emergentes — logo após a crise financeira de 2008. É isso que mostra pesquisa recente concluída por mim e coautores, prestes a ser publicada pelo Peterson Institute for International Economics, após o processo habitual de peer review.

Nós examinamos 55 plataformas políticas de todos os países do G20 antes e depois da crise de 2008. Criamos metodologia para codificar e atribuir notas de 1 a 5 para diferentes aspectos do nacionalismo econômico que desponta como pilar do populismo nacionalista que hoje enfrentamos pelo mundo. Dividimos o nacionalismo econômico em sete dimensões de política econômica: a política industrial, a política comercial, a política em relação ao investimento externo, a política migratória, a política macroeconômica, a política em relação às instituições multilaterais e a política em relação à concorrência. Cada uma dessas dimensões recebeu nota no documento do partido político analisado: a nota 1 refletia a inclinação liberal no sentido clássico do termo; já a nota 5 refletia o grau máximo de nacionalismo justificado por casos históricos, como o nazismo dos anos 30 ou o fascismo nacionalista na Itália e na Espanha. Analisamos todos os partidos que haviam recebido mais de 10% dos votos nas eleições gerais mais próximas anteriores à crise de 2008 e nas eleições mais recentes.

A primeira constatação interessante é que, tanto nos países avançados quanto nos emergentes, os partidos que não tinham relevância ou que não existiam antes da crise, são, de um modo geral, mais extremistas — muitos são mais nacionalistas, outros têm claro viés estatizante. Portanto, as plataformas políticas desses “novos” atores no quadro político de cada país refletem nitidamente a aglutinação nos extremos que caracteriza esta era de polarização. Como disse anteriormente, essa revelação é generalizada, não se restringe à reinvenção do Partido Republicano nos Estados Unidos, tampouco ao Ukip defensor do Brexit na Grã-Bretanha. Há novos nacionalistas no México, na Índia, na Coreia do Sul, por exemplo.

Dora Kramer: Freio de desarrumação

- Veja

Nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Bolsonaro

Aceitemos, se não de bom grado ao menos com esforço de tolerância, que o presidente Jair Bolsonaro fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Luiz Inácio da Silva, mas exitoso. O eleitor de raiz está firme.

Dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar Bolsonaro por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-¬los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga.

Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula, a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade”.

“O presidente tem gosto especial por temas de menor relevância”

Luciana Veiga à época foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria.

No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.

Ricardo Noblat: Deu a louca no capitão!

- Blog do Noblat / Veja

A família acima de tudo
Embora a causa fosse indefensável, o presidente Jair Bolsonaro valia-se de argumentos que até poderiam soar razoáveis a ouvidos de leigos para justificar a indicação do seu filho Eduardo ao posto de embaixador do Brasil em Washington.

Eduardo é fluente em inglês e espanhol, dizia o pai. É enturmado com o pessoal da Casa Branca, dizia o pai. Foi elogiado em público por Donald Trump, dizia o pai. Morou um tempo nos Estados Unidos onde aprendeu a fritar hambúrguer, dizia Eduardo.

O pai dizia mais. Eduardo tem muito faro para negócios. Sabe defender os interesses do Brasil. Ele será os olhos e os ouvidos do pai que precisa dos seus serviços. De resto, sua nomeação está longe de ferir a lei do nepotismo, acredite quem quiser.

Mas como Bolsonaro não seria Bolsonaro se não falasse pelos cotovelos e não dissesse muitas idiotices, ele usou seu programa semanal no Facebook para voltar ao assunto pela terceira vez, somente ontem. Anteontem, foram quatro vezes.

Então deixou de lado o que antes repetia para assombrar o mais devotado dos seus devotos com as seguintes declarações:

“Lógico, que é filho meu, eu pretendo beneficiar filho meu, sim. Pretendo, se puder, dar filé mignon, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon, nada a ver, é realmente, nós aprofundarmos um relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo”.

“Se eu quiser hoje, eu não vou fazer isso jamais, chamo o Ernesto Araújo, falo: O Ernesto vai para Washington, que eu vou botar o Eduardo no Ministério da Relações Exteriores”.

Quer strip-tease moral mais escandaloso? O presidente da República confessa que quer beneficiar um dos seus filhos designando-o para o cargo mais importante da diplomacia brasileira. Podendo dar filé mignon ao filho por que não daria?

É um raciocínio tão primário, tão rudimentar e tão anti-republicano quanto seu autor. Se a lei do nepotismo permitisse a nomeação de Eduardo, a confissão do seu pai deveria bastar para barrá-la de uma vez. Fosse este país naturalmente sério.

Acredito na sinceridade de Bolsonaro quando ele afirma que deseja apenas beneficiar seu filho. Nos seus quase 30 anos como deputado, ele pôs a família acima de tudo, empregando parentes em gabinetes, elegendo os filhos vereador, deputado e senador.

Essa história de Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, é slogan de campanha para tocar a alma dos eleitores. A dos evangélicos foi tocada pelo batismo de Bolsonaro nas águas do Rio Jordão. A facada de Juiz de Fora se encarregou do resto.

A autenticidade de Bolsonaro, antes assaz louvada pela massa de indignados que resolveu virar o país de ponta a cabeça, acabará mais dia menos dia se voltando contra ele. Está mais para ignorância e despreparo do que para autenticidade.

O que a decisão de Toffoli esconde

Para manter a solidez externa: Editorial / O Estado de S. Paulo

Depois de anos de crise, o Brasil mantém o balanço externo em bom estado e dispõe de um volume seguro de reservas, hoje em torno de US$ 380 bilhões, mas até para manter essas condições o País precisa melhorar suas contas públicas e ganhar poder de competição. Isto resume alguns dos principais pontos da avaliação incluída no Relatório do Setor Externo recém-publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). São desafios especialmente importantes num quadro global inseguro, marcado por medidas protecionistas e, segundo o documento, pelos perigos associados à tensão entre Estados Unidos e China, as duas maiores economias.

Divulgado uma vez por ano, esse estudo contém um amplo retrato do comércio internacional de bens e serviços, do movimento de capitais, da variação de reservas e das políticas de câmbio, além de uma avaliação das condições e das perspectivas globais dos mercados.

O Brasil é uma das 30 grandes economias selecionadas para análise individual no fim do relatório. Em 2018, ano tomado como referência, a posição externa do Brasil estava “amplamente em linha” com os fundamentos de longo prazo e com “as políticas desejáveis”. O buraco nas transações correntes, um dos menores nas economias analisadas, correspondeu a 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e foi facilmente financiado com investimento estrangeiro direto. O País, segundo o texto, “continua atraindo consideráveis fluxos de capital”.

Aposta nas concessões para animar expansão econômica: Editorial / Valor Econômico

Na iminência da aprovação da reforma da Previdência, o governo voltou a desengavetar o programa de concessões ao setor privado, como uma das alavancas para estimular os investimentos e o crescimento da economia. As consequências serão positivas para o combalido caixa do Tesouro e certamente para a população, maltratada por infraestrutura e serviços públicos de péssima qualidade.

Nas contas da própria equipe econômica, o estoque de capital aplicado em infraestrutura beira atualmente os 36% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar extremamente baixo. O razoável seria dobrar esse percentual para os 60% do PIB. Nos países desenvolvidos, o estoque de investimentos em infraestrutura varia entre 64% e 85%, chegando a 179% no Japão. No caso do Brasil, até o básico falta. Segundo o especialista Claudio Frischtak, o país investiu em saneamento básico o equivalente a 0,18% do PIB entre 2001 e 2017, menos da metade do ideal, que é de 0,45% ao ano. Como resultado, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a rede de esgoto e 35 milhões não são abastecidos com água potável.

Não é republicano pai nomear filho para embaixada: Editorial / O Globo

Intenção de Bolsonaro vai contra preceitos seguidos nos países democráticos

Declarações e ideias bizarras de Jair Bolsonaro levam a se especular sobre a possibilidade de haver uma lógica por trás de tudo. Como ser uma forma de sempre desafiar o “politicamente correto” cultivado pela esquerda, escolhida por ele, desde sempre, o grande adversário.

Mais uma vez, constata-se alguma semelhança entre Bolsonaro e o histriônico presidente Trump, mestre em atropelar preceitos seguidos tradicionalmente pela Casa Branca na diplomacia, por exemplo.

A intenção de Bolsonaro de nomear embaixador em Washington o filho Eduardo, o 03, deputado federal, pode não ter sido levada muito a sério. Mas a ideia, reprovável em vários sentidos — um deles, devido aos danos que provocará à imagem do país e da sua diplomacia, historicamente bem vista —, ganha fôlego, e isso preocupa. Com 130 anos de República, o Brasil volta à monarquia.

O aspecto até folclórico e cômico dos argumentos do filho para representar o
país em Washington — ter “fritado hambúrguer no Maine ”— começa a ficar em segundo plano, enquanto oque parecia “mais uma” do presidente ganha contornos de realidade. Cresce o temor de que o rocambolesco ocorra.

Como se temia, já surge na imprensa estrangeira o termo “República de Banana” sendo usado para qualificar o Brasil, que estaria repetindo comportamentos típicos de nações latinoamericanas atrasadas e subservientes aos Estados Unidos. Um dos pontos considerados fortes por Jair e Eduardo para ano meação é a suposta proximidade pessoal do deputado com Trump e filhos. Mas o relacionamento de países é algo muito mais complexo do que entre as pessoas físicas de seus assim não fosse, apolítica externa se subordinaria a normas de antigos livros de autoajuda do tipo “como fazer amigos”. E se Trump não se reeleger no ano que vem?

A Lua e nós: Editorial / Folha de S. Paulo

Que a curiosidade e a visão de futuro sigam movendo a humanidade para a frente

Há 50 anos a serem completados neste sábado (20), homens andaram na Lua pela primeira vez.

A chegada dos norte-americanos ao satélite da Terra, um dos maiores feitos da humanidade, foi subproduto da Guerra Fria. Em 1961, os soviéticos colocaram o cosmonauta Iuri Gagárin no primeiro voo orbital tripulado e desafiaram: “Que os países capitalistas tentem nos alcançar”. John F. Kennedy aceitou o chamado, e o resto é história.

O sucesso da missão coroou o intelecto, a engenhosidade, a colaboração científica e a parceria público-privada que só encontraram terreno fértil nas grandes democracias ocidentais, lideradas pelos EUA. Foi um duro golpe na propaganda da então União Soviética, que implodiria duas décadas depois, envergada pelo peso do obscurantismo, do controle estatal e da falta de liberdade civil e econômica.

Direta ou indiretamente, a viagem dos astronautas Neil Armstrong, Edward “Buzz” Aldrin e Michael Collins, seus preparativos e os resultados alcançados trouxeram avanços tecnológicos como a TV via satélite, o purificador de água, os aparelhos eletrônicos sem fio, o detector de fumaça e a tomografia computadorizada, para ficar apenas em cinco exemplos.

Neste meio século que nos separa daquele momento, o conhecimento humano cresceu em ritmo sem precedentes. E, no entanto, há motivos para preocupação. Nos últimos anos, vem ganhando corpo um movimento anti-iluminista, que suspeita do saber, ridiculariza os valores humanitários e desdenha os avanços da ciência.

Fernando Pessoa: Em busca da beleza

I
Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.
Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.
Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.
O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Cousa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.

II
Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo não existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitórios quer colhê-la!
Acanhe-se a alma porque não conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havê-la –
À Perfeição – só a desgraça assiste.
Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;
Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.

III
Só que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar . . . tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez.
A estupidez achou sempre o que quis
Do círculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.
Há dois males: verdade e aspiração,
E há uma forma só de os saber males:
É conhecê-los bem, saber que são
Um o horror real, o outro o vazio –
Horror não menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.

Alceu Valença, Geraldo Azevedo - Moça Bonita

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Maria Hermínia Tavares de Almeida*: Rito de passagem

- Folha de S. Paulo

O desafio é compatibilizar responsabilidade fiscal e equidade na proteção social

Três anos atrás, quem deixasse o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, rumo ao centro veria um enorme painel vermelho onde se lia "Políticas sociais com moderação fiscal". Assinava-o um dos partidos da "geringonça", como os portugueses gostam de chamar o acordo político firmado pelo Partido Socialista separadamente com três agrupamentos à sua esquerda. Graças a isso, embora minoritário no Parlamento, o PS continua a governar o país.

O painel reafirmava o compromisso social com a equidade —a razão de ser da esquerda— ao mesmo tempo em que reconhecia a realidade imposta pelas limitações fiscais a que os governos estão invariavelmente submetidos.

Na mesma linha, o líder da oposição na Câmara, deputado AlessandroMolon (PSB-RJ), ao comentar nesta Folha a atuação das forças que coordena no debate da proposta de reforma previdenciária, mesmo votando contra ela, ponderou: "É preciso conciliar responsabilidade fiscal com responsabilidade social".

O texto do Ministério da Economia, embora atacasse alguns mecanismos geradores de desigualdades, especialmente entre os regimes público e privado de aposentadoria, visava antes de tudo reduzir o forte impacto da Previdência sobre as contas públicas —indiferente aos inevitáveis efeitos de algumas mudanças para o futuro dos muitos milhões de brasileiros nas fronteiras da pobreza. Além disso, o ministro aceitou mansamente a decisão presidencial de reintroduzir benefícios corporativos para presumíveis setores da base eleitoral do bolsonarismo.

Renato Janine Ribeiro*: A Flip e o fascismo

- Folha de São Paulo, 15/7/2019.

Mediocridade procede ao desmonte de conquistas

Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão. Alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valorda democracia.

De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da
vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente.

Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo.

Primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade —o período do “milagre”, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico— não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.

Hoje, há.

Daí, segundo, a banalização da violência. Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada.

O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso.

O que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.

‘A educação é um perigo para uma ditadura sutil’, diz Manuel Castells

‘Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura’, diz sociólogo Manuel Castells

Referência no estudo das redes, espanhol diz que disseminação de informações falsas conduz país ao totalitarismo e educação é única via para reverter o quadro

RIO — O Brasil está vivendo um novo tipo de ditadura, que tem como pilares a disseminação de notícias falsas e sucessivos ataques à Educação . Essa é a visão do espanhol Manuel Castells , um dos principais teóricos da comunicação e autor de livros como “A Sociedade em Rede” e “Galáxia da Internet”.

Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que o país só conseguirá evitar um futuro totalitário caso as escolas desempenhem bem seu papel . Nesse sentido, criticou o projeto do governo Bolsonaro de criar escolas militares, com foco na disciplina.

Castells diz ainda que os cidadãos que “querem estabelecer a verdade” precisam retomar o protagonismo nas redes.

O espanhol visitou o Rio para participar do seminário “Educação, Cultura e Tecnologia: Escola do Século XXI”, promovido pela Prefeitura de Niterói, e para palestrar sobre “Comunicação, política e democracia”, na FGV.

Paula Ferreira / - O Globo, 17/7/2019

• Hoje, no Brasil, há pessoas que dizem que o nazismo era de esquerda e que a terra é plana. Como isso é possível na era da informação?

Primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções. As pesquisas mostram isso. As pessoas não veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particularmente no Brasil, está em muito mau estado. E vai ficar pior, porque o próprio presidente acha que a educação não serve e vai cortar os investimentos na área.

• As universidades públicas e os professores brasileiros estão sob ataque por aqui?

Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura. As instituições estão preservadas, mas se manipulam tanto por poderes econômicos quanto ideológicos. O Brasil perdeu a influência da Igreja Católica, mas ganhou algo muito pior que são as igrejas evangélicas, para quem não importa a ciência e a educação, porque, quanto mais informadas estejam as pessoas, mais capacidade terão de resistir à doutrinação. O mesmo acontece com o presidente e com o regime que está instalando. Não se pode fazer uma ditadura antiga, que se imponha com o Exército, mas uma ditadura orwelliana, de ocupar as mentes. Esse tipo de ditadura só pode funcionar com um povo cada vez menos educado e mais submetido à manipulação ideológica.

• Como essa manipulação é exercida?

As redes sociais permitem a autonomia dos indivíduos, mas são usadas tanto pelos manipuladores como pelos jovens que tentam mudar o mundo. Foram desenvolvidas técnicas muito poderosas de desinformação, que incluem a utilização massiva de robôs, de forma que a construção coletiva do que ocorre na sociedade está totalmente dominada por movimentos totalitários. Por isso, atacam a educação, os professores, as universidades, as humanidades e as ciências sociais, que são áreas que nos permitem pensar. Tudo o que significa pensar é perigoso.

• O que as escolas brasileiras precisam ter para mudar a realidade do país?

Primeiro: recursos. Mesmo que haja mudanças na pedagogia, se não há recursos, se não pagam e não respeitam os professores e se não há menos alunos por classe, (não adianta). É preciso uma formação inicial melhor dos professores e também uma reciclagem contínua, sobretudo nas escolas mais longínquas do Brasil. Precisamos de bons professores imediatamente, não podemos esperar 20 anos para produzir os educadores que vão educar os jovens. E como fazer isso? Com educação virtual à distância. Precisamos reforçar as universidades virtuais. Estou na Universidade Aberta da Catalunha, que tem 65 mil estudantes 100% na internet, e funciona muito bem. Os estudantes de lá têm os mesmos diplomas que os demais e não há nenhuma diferença de qualidade e nem de mercado.

• Falando sobre a importância de valorizar o professor, atualmente o mais conhecido do país, Paulo Freire, está sendo alvo de ataques.

Isso significa que tudo que é criação de uma cidadania informada, educada e autônoma é um perigo para uma ditadura sutil, que precisa de pessoas que não sejam bem educadas, que sejam desinformadas e manipuláveis. Os três princípios de Paulo Freire são: aprender pela experiência — hoje em dia encontramos tudo na internet —, autonomia dos alunos para educar-se para buscar a informação e professores para guiá-los. Agora que temos tecnologia, não só internet, mas as conexões rápidas, é possível revolucionar facilmente a escola seguindo os princípios de Paulo Freire. Por que se ataca ele? Porque no mundo, e não só no Brasil, ele é um símbolo. Eu conheci Paulo Freire na Universidade Stanford (Estados Unidos) e lá ele era adorado, porque seus princípios são adaptados ao que é a nova sociedade: criar pessoas livres e autônomas, capazes de promover sua própria aprendizagem, guiadas por seus professores. Isso é muito perigoso para aqueles que querem manipular. Paulo Freire é liberdade, e a liberdade é agora o maior obstáculo que existe para que se siga desenvolvendo essa ditadura sutil que estão tentando impor ao Brasil.

• O governo anunciou recentemente que pretende criar mais de cem novas escolas militares. Qual sua opinião sobre essa iniciativa?

O que precisamos hoje é de pessoas educadas para pensar autonomamente, porque há uma quantidade de informação tão grande que precisamos ser autônomos em construir nossas opiniões e tomar decisões. As escolas não podem ser produtoras de robôs. (A formação de) gente que simplesmente obedece, segue o que está programado e aceita tudo é um princípio de militarização não só da escola, mas da sociedade. A grande questão do Brasil nesse momento é que, se não houver uma grande reação da sociedade contra essas medidas, o Brasil será transformado em uma sociedade totalitária.

Bruno Boghossian: Ciro e a esquerda em tom pastel

- Folha de S. Paulo

Ex-ministro busca primazia na esquerda, mas depende de ataques a outros personagens

Ciro Gomes tenta transformar as dissidências dentro de seu partido em peça de propaganda. Depois que a bancada do PDT rachou na votação da reforma da Previdência, o ex-presidenciável passou a liderar uma campanha doméstica contra Tabata Amaral e os deputados que apertaram o botão verde para a proposta de Jair Bolsonaro.

A reação furiosa evidencia um esforço para limpar a imagem da legenda, que viu 8 de seus 27 parlamentares traírem a orientação partidária. "A história vai registrar quem estava de um lado e quem estava do outro", declarou Ciro, na segunda-feira (15).

O pedetista mostra que pretende usar esse grupo de infiéis como escada política. Ao tratar o voto a favor da reforma como um comportamento intolerável, Ciro quer amplificar sua própria oposição à reforma e conquistar terreno na esquerda como adversário principal da agenda econômica do atual governo.

Na largada, ele conseguiu atrair alguns holofotes. O PT, que tem o dobro da bancada do PDT, deu todos os seus 54 votos contra a proposta, mas foi Ciro quem apareceu como antagonista de destaque —graças a seu embate com Tabata e companhia.

Mariliz Pereira Jorge: Tabata incomoda muita gente

- Folha de S. Paulo

Deputada conquistou, em pouco tempo, um protagonismo que não passa impune

Quem são Alex Santana, Subtenente Gonzaga, Silvia Cristina, Marlon Santos, Jesus Sérgio, Gil Cutrim e Flávio Nogueira? Deputados do PDT, que votaram a favor da reforma da Previdência, contrariando o partido. Ninguém fala deles. Muito menos sobre os 11 do PSB, que fizeram o mesmo.

As críticas e as ameaças têm sido direcionadas a Tabata Amaral. A deputada incomoda muita gente. Há seis meses, apenas seu eleitorado sabia quem era a garota de origem humilde, que estudou em Harvard e chegou ao Congresso. Em pouco tempo conquistou um protagonismo que não passa impune.

Ciro Gomes é um dos incomodados com a rebeldia de quem ele adora reivindicar o apadrinhamento. "Eu recrutei", disse numa entrevista há cerca de um mês. Minha intenção era saber sobre o potencial da deputada, mas Ciro passou os minutos seguintes descrevendo como ele, muito astuto, despertou nela o interesse pela política. Deve ser indigesto.

Tabata incomoda os eleitores extremistas, que exigem fidelidade. É cedo para calcular o prejuízo, mas os ataques que enfrenta talvez saiam pela culatra e a enorme exposição multiplique seu capital político. Pode renascer gigante do episódio.

Fernando Schüler*: Fundão eleitoral de R$ 3,7 bilhões: é mesmo preciso?

- Folha de S. Paulo

É de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada cidadão?

A ideia é usar até R$ 3,7 bilhões do orçamento público nas campanhas eleitorais do ano que vem. É o valor que consta no parecer do deputado Cacá Leão, relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias no Congresso. “Não acho que é um exagero”, sinalizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

“Orçamento público” é uma palavra elegante que significa o seguinte: dinheiro drenado do bolso do contribuinte para o caixa dos partidos políticos. Alguns dirão que não é nada. Se dividirmos pelo número de eleitores, dá R$ 25 por cabeça. O valor é pouco mais de 10% do que gastamos, todos os anos, com o Bolsa Família. Quem se preocupa com isso?

Uma boa sociedade democrática deveria se preocupar. Cada real retirado da conta do cidadão é um pequeno ato de violência. Qualquer despesa aprovada em Brasília deveria ser precedida dessa pergunta: é de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada um?

No debate sobre o financiamento público de campanhas, não é apenas o montante do dinheiro público que importa, mas o impacto que ele gera sobre a qualidade da democracia. É melhor continuar despejando (ainda mais) dinheiro público nas eleições ou migrar para um modelo em que os partidos assumam a responsabilidade e busquem o apoio direto dos cidadãos?

Sejamos claros: não há modelo ideal de financiamento eleitoral. O melhor é ver a questão pelo ângulo inverso: qual o modelo menos imperfeito? Aquele que mais ajuda ou o que mais prejudica, de verdade, a equidade nas eleições?

Sérgio Rodrigues: De esquerda, a Flip?

- Folha de S. Paulo

A bolha que eu vi em Paraty foi a da democracia, da arte e da civilização

A Flip é de esquerda, decreta o consenso formado após a 17ª edição da festa literária, restando decidir se isso a torna boa, como bastião de resistência a um governo reacionário, ou má, como bolha em que os intelectuais se escondem do “Brasil real”.

Estive lá este ano —como estive na maioria das Flips, inclusive como mediador (2004) e autor convidado (2009)— e discordo. Deixemos de lado a guinada que a programação oficial, hoje apenas uma entre as muitas atrações do evento, deu em 2017 rumo às irreprimíveis questões identitárias, que são “de esquerda” por uma razão mais tática que estrutural.

Será mesmo de esquerda um festival que já nasceu carimbado como convescote da elite? Que glorifica o mercado editorial? Que custa uma nota em hospedagem e costuma ter convidados estrangeiros —sobretudo europeus— como estrelas?

“É a esquerda-caviar”, insistirão. O clichê também não serve. Amassar numa geleia esquerdista autocongratulatória escritores como J.M. Coetzee, Tom Stoppard, Christopher Hitchens, Lobo Antunes e Fernando Henrique Cardoso é, para dizer o mínimo, não entender o que eles dizem.

Quem reduz a Flip a terra encantada de uma esquerda alienada da realidade brasileira se engana sobre a Flip e sobre o Brasil. Ela se situa inevitavelmente à parte por ser uma festa de livros num país semianalfabeto. Mas só é “de esquerda” na cabeça de quem assim classifica Reinaldo Azevedo, a Globo, a Veja e toda a imprensa mundial.

Luiz Carlos Azedo: Nova esquerda pede passagem

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Dissidentes do PDT e do PSB podem protagonizar a emergência de uma nova esquerda no Congresso, de caráter democrático e liberal, sem o viés nacionalista e socialista que caracteriza historicamente a esquerda brasileira”

O presidente do PDT, Carlos Lupi, anunciou ontem a suspensão dos oito deputados que votaram a favor da reforma da Previdência contra a orientação do partido: Alex Santana (BA), Flávio Nogueira (PI), Gil Cutrim (MA), Jesus Sérgio (AC), Marlon Santos (RS), Silvia Cristina (RO), Subtenente Gonzaga (MG) e Tabata Amaral (SP). Todos desafiaram os caciques da legenda, inclusive o ex-governador Ciro Gomes, que exigiu punição dos rebeldes em caráter pedagógico. Segundo ele, os deputados não podem servir a dois senhores, numa referência aos movimentos Acredito e RenovaBR, dos quais fazem parte.

Esses parlamentares são alinhados ao programa de renovação política de alguns movimentos aos quais estão ligados, como Acredito e RenovaBR, antes mesmo de terem se filiado à legenda. É o caso da jovem deputada Tabata Amaral, uma estrela em ascensão na política nacional, que escolheu o PDT como legenda por lhe oferecer melhores condições do que o Cidadania e a Rede para disputar uma vaga de deputada federal por São Paulo. É jogo jogado, ninguém foi enganado.

O comentário de Ciro Gomes lembra a famosa polêmica que deu origem ao “centralismo democrático”dos partidos comunistas, entre o líder bolchevique Vladimir Lênin e o social-democrata Julius Matov, na fundação do Partido Socialista Operário Russo (PSOR), em 1902. Martov era um importante líder da União Geral dos Trabalhadores Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, que havia aderido aos bolcheviques. Pretendia manter sua organização, mas foi impedido por Lênin, que proibiu a dupla militância com o argumento de que um partido revolucionário não poderia abrir mão de um “centro único” dirigente.

Curiosamente, no Brasil, o antigo PCB, que mudou para PPS e, agora Cidadania, aboliu o centralismo democrático e se tornou uma Babel de tendências políticas, o que se reflete no posicionamento contraditório da bancada em relação ao governo Bolsonaro. Entretanto, seus oito deputados votaram unidos a favor da reforma da Previdência e agora abrem as portas da legenda para os dissidentes do PDT, acusados de serem neoliberais. Outras siglas, como o Novo e a própria Rede, também disputam corações e mentes desses dissidentes.

Entretanto, pode ser que estejamos presenciando um outro fenômeno: a gênese de uma nova esquerda, em ruptura com a esquerda tradicional, da qual o PDT e o PSB fazem parte, como partidos mais moderados do que o PT e o PSol, por exemplo. É preciso atenção também para os 11 dissidentes do PSB, contra os quais o presidente do Conselho de Ética da legenda, Alexandre Navarro, abriu um processo disciplinar.

Os deputados Átila Lira (PI), Emidinho Madeira (MG), Felipe Carreras (PE), Felipe Rigoni (ES), Jefferson Campos (SP), Liziane Bayer (RS), Luiz Flávio Gomes (SP), Rodrigo Agostinho(SP), Rodrigo Coelho (SC), Rosana Valle (SP) e Ted Conti (ES) também votaram a favor da reforma da Previdência, contrariando a orientação da direção do PSB, cujo eixo dominante é o clã Arraes, em Pernambuco. A maioria também faz parte dos movimentos Acredito e Renova BR.

Eugênio Bucci*: Pálidos apocalipses

- O Estado de S.Paulo

Num país onde só os boçalistas falam alto, a esquerda balbucia ‘Lula livre’

Cena 1. Dúvidas no lugar da fé. Ainda é cedo para saber se o papa Francisco terá sido o Gorbachev do Vaticano. Ainda é cedo para saber se o atual pontífice, em nome de purificá-lo, não vai ferir de morte o organismo que o destino o encarregou de conduzir. O líder soviético de nome Mikhail Gorbachev fez algo assim quando escancarou os males do stalinismo com suas glasnost e perestroika. Inadvertidamente, ou mesmo de propósito, abriu chagas que mataram de hemorragia o império comunista. Talvez Gorbachev estivesse certo. Talvez não houvesse nada ali para preservar. Ou talvez estivesse errado. Não sabemos ainda. Sabemos apenas que o legado de Lenin se estilhaçou no dia em que um líder se prontificou a exorcizá-lo de seus defeitos mais atrozes. E quanto ao Vaticano? Estará o papa Francisco entregue à mesma sina? Suas tentativas – tíbias – de punir prelados pedófilos trará mais fraqueza do que força para a sua igreja? Há católicos, deveras conservadores, que temem esse desfecho. Não o declaram, porém. Ainda é cedo para saber. A incerteza cala fundo.

Cena 2. Dia desses, coisa de um mês atrás, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deu de comparecer ao um estádio de futebol em Brasília. Na tribuna, ao lado do presidente da República, ficou de pé e vestiu uma camisa do Flamengo sobre seu uniforme social de autoridade pública. Moro esboçou um sorrisinho. Populares logo abaixo aplaudiram. Festejos futebolísticos. Por um instante, ou mesmo dois, soou ali um fundo musical inaudível, mas real. Era possível pressentir a voz de Jorge Benjor, uma voz antiga, ainda do tempo em que Jorge Benjor era apenas Jorge Ben, interpretando a música País Tropical. Mas há uma mudança de sentido. Agora, na letra, o verbo morar, de “moro num patropi”, soa como sobrenome: “Moro num patropi”. A canção que celebrava a malandragem e zombava da oficialidade se inverte por inteiro. O ministro e seu poder se entronizam no estádio de futebol, enquanto os “camaradinhas” de Jorge Ben, sem “jor”, talvez ouçam a canção com travos de desconfiança.

Cena 3. Agora é Maracanã. Maracanã na veia. Não faz nem duas semanas. Final de jogo. Brasil campeão da Copa América. O chefe de Estado se escarrapacha no gramado, segura a taça com as duas mãos, emoldurado pelo escrete canarinho em peso, aos gritos, em júbilo. Repórteres presentes registraram ter ouvido vozes, de jogadores ou de gente da comissão técnica, chamando o governante de “mito”. No chocante e inaudito congraçamento entre o ludopédio bilionário e o bonapartismo da era digital, algo de uma explicitude obscena, em que o suor dos atletas manchava o terno do presidente, outra pérola do cancioneiro ecoou – imaginariamente – e, de novo, com os sinais invertidos. Há décadas e décadas Chico Buarque entoava o verso “minha cabeça rolado no Maracanã” e ia por aí. “Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela/ Eu achei que era ela puxando o cordão”. Naquelas eras, deveras priscas, tinha havido uma campanha de rua, com passeatas e comícios, pedindo eleições diretas para presidente da República. A cor símbolo da campanha era o amarelo.

Era amarelo pelas diretas. Era amarelo contra a ditadura militar. O tempo passou, o tempo rolou pelas estribeiras e o amarelo mudou de lado, veja você.

William Waack: Países não pertencem a presidentes

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e Trump enxergam as relações internacionais como relações pessoais

Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses.

Pode-se discutir as qualificações do indicado ou a falta delas para o exercício do cargo, a idade ou o fato de ser filho do chefe de Estado, mas não é o que mais importa. Relevante é algo que o presidente brasileiro destacou ao justificar a escolha: Eduardo tem acesso direto à família do colega americano Donald Trump.

Em outras palavras, relevante para a indicação é a proximidade com uma família entendida como amiga. Quaisquer que sejam esses laços, a noção de que negócios de Estado poderiam ser melhor resolvidos na base do entendimento pessoal expressa desprezo por fundamentos básicos de relações internacionais – além de pouco apreço pelo “staff” profissional das respectivas diplomacias, característica comum a Bolsonaro e Trump.

A “química pessoal” funciona menos do que se pensa. Tome-se o exemplo recente do ditador da Coreia do Norte – por quem Trump “caiu de amores”, segundo disse, mas o baixinho que Trump ridicularizava continua sentado nas suas bombas atômicas. Ou considere-se a postura de Vladimir Putin, por quem Trump expressou sincera admiração pessoal – a mais nova versão de um czar russo peita os EUA onde pode, e está se articulando com a grande rival americana, a China (onde uma espécie de líder vitalício pensa em sistemas e não em pessoas).