- Folha de S. Paulo
O desafio é compatibilizar responsabilidade fiscal e equidade na proteção social
Três anos atrás, quem deixasse o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, rumo ao centro veria um enorme painel vermelho onde se lia "Políticas sociais com moderação fiscal". Assinava-o um dos partidos da "geringonça", como os portugueses gostam de chamar o acordo político firmado pelo Partido Socialista separadamente com três agrupamentos à sua esquerda. Graças a isso, embora minoritário no Parlamento, o PS continua a governar o país.
O painel reafirmava o compromisso social com a equidade —a razão de ser da esquerda— ao mesmo tempo em que reconhecia a realidade imposta pelas limitações fiscais a que os governos estão invariavelmente submetidos.
Na mesma linha, o líder da oposição na Câmara, deputado AlessandroMolon (PSB-RJ), ao comentar nesta Folha a atuação das forças que coordena no debate da proposta de reforma previdenciária, mesmo votando contra ela, ponderou: "É preciso conciliar responsabilidade fiscal com responsabilidade social".
O texto do Ministério da Economia, embora atacasse alguns mecanismos geradores de desigualdades, especialmente entre os regimes público e privado de aposentadoria, visava antes de tudo reduzir o forte impacto da Previdência sobre as contas públicas —indiferente aos inevitáveis efeitos de algumas mudanças para o futuro dos muitos milhões de brasileiros nas fronteiras da pobreza. Além disso, o ministro aceitou mansamente a decisão presidencial de reintroduzir benefícios corporativos para presumíveis setores da base eleitoral do bolsonarismo.
Movidos, alguns por suas convicções, e muitos para se precaver do provável revide dos eleitores, os deputados expurgaram do projeto os artigos que atingiam em cheio os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres: as regras de acesso à aposentadoria rural e ao Benefício de Prestação Continuada, o tempo mínimo de 20 anos de contribuição para os homens.
A reforma segue seu curso no Congresso, assim como a discussão sobre as suas consequências distributivas.
De toda maneira, a mudança nas regras da Previdência é o primeiro rito de passagem para as forças políticas comprometidas com o reformismo social na quadra iniciada com a ascensão de Bolsonaro. Em minoria e na oposição, elas correm o risco de apelar para fórmulas exauridas, que nunca se preocuparam com o financiamento do gasto social.
O desafio é dar forma e conteúdo ao chamamento do deputado Molon, defendendo políticas que, sem abrir mão da moderação fiscal, como diz o PS português, tratem de aumentar a equidade do sistema de proteção social.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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