quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Opinião do dia: Míriam Leitão*

A defesa que o presidente faz dos crimes cometidos pelo governo ditatorial é sobretudo uma estupidez. Primeiro, porque todo esse debate está caduco, é do século passado. O país já fez sua escolha há mais de três décadas, quando o último general saiu pela porta dos fundos do Planalto. Segundo, porque a democracia dá mais segurança ao investidor de que não haverá decisões arbitrárias e de que se houver contenciosos ele poderá defender seus direitos.

*Míriam Leitão, jornalista, ‘Estilo prejudicial à economia’, O Globo, 6/8/2019

Hélio Schwartsman: Cardápio filosófico

- Folha de S. Paulo

Igualitarismo, suficientarismo e prioritarismo são opções no combate à desigualdade

O combate à desigualdade se tornou o grande assunto das democracias. Não discordo da pertinência nem da urgência, mas devo confessar que fico ligeiramente decepcionado com o fato de pouco se discutir qual é o princípio distributivo que deveríamos adotar para perseguir esse objetivo. A filosofia, afinal, oferece um amplo cardápio de opções.

A mais intuitiva delas é o igualitarismo, que considera moralmente reprováveis situações que resultem em benefício muito maior para um grupo do que para outro. Por esse critério, se A ganha R$ 100 mil, e B, apenas R$ 1.000, é meritório um sistema de taxação que onere proporcionalmente mais A para transferir rendimentos para B.

É claro que as coisas nunca são tão simples. Há um grupo de filósofos como Harry Frankfurt que sustenta que não é a desigualdade, mas a pobreza, que constitui um problema moral. Com efeito, se A tem patrimônio de R$ 3 bilhões, e B, um de "apenas" R$ 1 bilhão, não é obviamente necessário tomar nenhuma ação para reduzir essa desigualdade.

Bruno Boghossian: Como avacalhar a República

- Folha de S. Paulo

Presidente avacalha a República ao usar o poder em retaliações e favorecimentos

Na política miúda de muitas cidades, prefeitos e vereadores costumam confeccionar faixas de agradecimento toda vez que uma autoridade aparece para inaugurar uma obra. Além de puxar o saco de quem tem a chave do cofre, eles aproveitam para fazer propaganda de seus nomes entre os eleitores da região.

Jair Bolsonaro decidiu adotar essa bajulação como critério orçamentário. Depois de dizer que alguns governadores do Nordeste não devem "ter nada", ele afirmou que não vai negar recursos aos estados administrados pela oposição —com uma condição.

"Se eles quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro", declarou, após um evento na Bahia.

Aquele dinheiro é público, e a Constituição diz que a máquina estatal deve seguir o princípio da impessoalidade. Bolsonaro dá de ombros e trata o governo como uma ferramenta política particular.

Ruy Castro*: Pequeno glossário útil

- Folha de S. Paulo

Para entender certas expressões que têm se aplicado a Bolsonaro

Nas últimas semanas, certas expressões do passado foram usadas para definir as insanidades diárias de Jair Bolsonaro. Algumas, muito populares em seu tempo, podem necessitar de explicação para os leitores de hoje. Exemplos:

"Bolsonaro está transformando o Brasil num grande Febeapá." Febeapá era a sigla de Festival de Besteira que Assola o País, instituição criada pelo colunista Stanislaw Ponte Preta, em 1964. Referia-se aos militares da ditadura, que mandaram recolher nas livrarias o romance "A Capital", de Eça de Queirós, pensando que era o "O Capital", de Karl Marx, e proibiram o Balé Bolshoi de se apresentar no Teatro Municipal por ser russo, donde comunista. Mas Bolsonaro não fará isto, porque nunca leu um livro e não sabe o que é o Balé Bolshoi.

"Bolsonaro é um Napoleão de hospício." O Napoleão de hospício foi criado por Nelson Rodrigues e, segundo Nelson, era o verdadeiro Napoleão —porque nunca teria um Waterloo. Mas Bolsonaro terá o seu Waterloo. Não demora a fazer algo realmente tão grave, comprometendo a estabilidade do país, que terão de pedir a camisa-de-força.

Elio Gaspari*: Itaipu, uma usina de encrencas

- Folha de S. Paulo | O Globo

A hidrelétrica de Itaipu, símbolo do "Brasil Grande", virou cenário de um lance de corrupção vulgar

O repórter José Casado disse tudo: "Sob Bolsonaro, [Itaipu] virou fonte de convulsão na outra margem do rio Paraná." A maior hidrelétrica do continente nasceu de um litígio e, graças a meio século de costuras diplomáticas, virou uma proeza binacional. Em poucos meses de conversas impróprias, voluntarismos e tráfico de influência, o Brasil viu-se metido num escândalo. Logo em Itaipu, usina construída por um ex-oficial do Exército que passou pela vida pública sem nódoa. José Costa Cavalcanti foi ministro de Minas e Energia e do Interior, assinou o Ato Institucional nº 5 e dirigiu a construção de Itaipu. Tinha pouca graça, talvez nenhuma. Morreu pobre, em 1991.

Logo na usina de Costa Cavalcanti estourou o escândalo de um acordo matreiro firmado entre os governos de Bolsonaro e de seu amigo Mario Abdo, "Marito", como ele o chama. Quando o caso estava no escurinho de Assunção, o ministro Sergio Moro revogou o status de refugiado que havia sido concedido em 2003 a três paraguaios que vivem no Brasil.

Espremendo-se uma história onde entram picaretas paraguaios, o empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) e diplomatas invertebrados, tudo poderia vir a se resumir ao seguinte: retirando-se um item do acordo, como foi feito, uma empresa brasileira, a Leros, compraria energia paraguaia para vendê-la no mercado brasileiro. Graças a algumas tecnicalidades, seria possível que ela pagasse US$ 6 (cerca de R$ 24) por um megawatt, vendendo-o, numa boa, por US$ 30 (R$ 119).

Luiz Carlos Azedo: A ameaça externa

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco”

A primeira fala séria de uma autoridade de primeiro escalão do atual governo sobre a situação internacional não veio do Itamaraty, veio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ontem, no debate Como fazer os juros caírem no Brasil, promovido pelo Correio. Segundo ele, no momento, a maior ameaça à economia brasileira é a guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a China, o México e parte da Europa. A escalada da guerra comercial, que agora virou uma guerra cambial, continua, e seus efeitos negativos estão se espalhando pelo mundo.

Quando os Estados Unidos começaram a sobretaxar importações, especialmente da China, se imaginava que o efeito seria um pouco mais de inflação e, consequentemente, a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos e na Europa. Segundo Campos Neto, o que houve foi outra coisa: queda da inflação, em razão da baixa atividade econômica. Como já estava muito baixa ou negativa na maioria dos países desenvolvidos, nesse cenário, a taxa de juros deixou de ser um instrumento para aumentar a atividade econômica.

Além da guerra comercial, segundo Campos Neto, dois problemas afetam a economia global, inclusive a brasileira: o envelhecimento da população europeia, a exemplo do que aconteceu no Japão, e a escalada de tensões políticas em decorrência das atitudes de Trump. É o caso da crise dos EUA e da Inglaterra com o Irã e seu impacto no Estreito de Ormuz, na rota do petróleo que abastece o Ocidente. Na política mundial, as ações intempestivas de Trump são um fator de instabilidade econômica, pois inibem a tomada de decisões quanto aos investimentos.

Campos Neto não disse, mas a realidade escancara: o alinhamento automático do presidente Jair Bolsonaro com Trump — cujo lance mais polêmico é a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para o estratégico posto de embaixador do Brasil em Washington — está em contradição com essa realidade do cenário internacional. Corrobora e segue a reboque de uma política internacional danosa à nossa inserção na economia global. A China é o maior parceiro comercial do Brasil; os Estados Unidos, o segundo. O choque entre ambos transforma a economia brasileira numa espécie de marisco. Agarrar-se ao rochedo não impede o impacto da onda.

Vera Magalhães: Racionamento de combustível

- O Estado de S. Paulo

Adversários começam a discutir meios de reduzir o estoque eleitoral que vão dar ao presidente falastrão

Diante da evidência de que Jair Bolsonaro já está em campanha para 2022, como ele mesmo admitiu nesta terça-feira, 6, e de que não há alternativas no centro e à esquerda a ele, adversários começam a discutir meios de reduzir o estoque de combustível eleitoral que vão dar ao presidente falastrão.

As reformas já estão precificadas, mas a ideia de um grupo amplo de parlamentares é não dar “dinheiro novo” que irrigue a economia rapidamente e dê gás a Bolsonaro.

Nesse quadro, é a pauta de privatizações, sobretudo as mais ambiciosas, que entra na mira. Haverá resistência a empreitadas como a venda da Eletrobrás, uma das prioridades de Paulo Guedes.

“É loucura imaginar que o Congresso vai facilitar o plano de Bolsonaro para aniquilar não só os adversários, mas a política”, disse à coluna um dirigente de uma das siglas do que se convencionou chamar de centrão.

Para avançar na agenda pós-Previdência, inclusive no sentido de unificar os esforços na reforma tributária, Guedes não terá a mesma facilidade de transitar como se fosse um corpo estranho liberal num governo de corte autoritário.

A escalada de palavras e ações de Bolsonaro aumenta na Câmara o desejo de resguardar as prerrogativas do Legislativo, inclusive limitando a edição de medidas provisórias, e também reduz a disposição de manter a “separação" entre a política econômica e o resto. “À medida que Bolsonaro usa Guedes como Cavalo de Troia para invadir a cidadela da democracia, temos de nos opor”, observa um parlamentar.

Fábio Alves: PIB, PIB, PIB!

- O Estado de S.Paulo

Economia precisa de ampla agenda de reformas para reduzir desemprego e crescer

Cada vez mais a partir de agora os ativos brasileiros, em particular a Bolsa de Valores, passarão a reagir com maior intensidade aos indicadores de atividade econômica, deixando de lado o foco apenas na situação fiscal do País e na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso.

Na mais recente pesquisa Focus, do Banco Central, o consenso das projeções de analistas aponta um crescimento de 0,82% do PIB neste ano. Como a frustração com o desempenho da economia em 2019 já está no preço dos ativos, o foco agora é com o PIB de 2020, cuja estimativa dos analistas é de uma expansão de 2,10%.

Assim, ao longo deste segundo semestre, os investidores devem ficar mais sensíveis aos dados de confiança de empresários e consumidores, de desemprego, de vendas ao varejo e de produção industrial.

No curto e médio prazos, o nome do jogo para novos ganhos no Ibovespa, principal índice do mercado acionário doméstico, será o diferencial de crescimento do PIB entre o Brasil e o resto do mundo, especialmente os desenvolvidos, como os Estados Unidos e os da zona do euro.

Obviamente, sem aprovação de uma reforma da Previdência robusta, um colapso nas contas fiscais é quase inevitável e isso não só frustraria o crescimento econômico, como elevaria o risco de o País entrar em recessão.

Roberto DaMatta: No doce balanço do mar

- O Estado de S. Paulo | O Globo

Eu era um anônimo passageiro do catamarã, que liga uma invisível Niterói a um Rio de Janeiro brutalmente descivilizado

Nesta última semana, retornei ao mar e fui acariciado pelo seu doce balanço. Não como um desolado náufrago, mas como um anônimo passageiro do catamarã que, com presteza e conforto, liga uma invisível Niterói (a cidade que ninguém quer conhecer, mas na qual todos querem morar) a um Rio de Janeiro (que todo mundo tinha que conhecer) que até hoje sofre o trauma de deixar de ser a capital do País e uma cidade-estado e, brutalmente descivilizado, promove insegurança.

Ir da casa para o trabalho e do trabalho para casa, usando transporte público (bondes, ônibus e as tais “barcas”, que eram metáforas do centro de Niterói), foi um símbolo de minha independência e vida profissional como trabalhador, marido, pai, escritor e, como professor, um permanente estudante de Antropologia Social.

Morando nessa amada Niterói – que significa, dizem os tupinólogos, “água escondida”; uma minibaía obscurecida pela grande “Guanabara” que, por seu turno, denota em tupi-guarani “rio-mar” – fui formado tendo como referência a oposição entre o cosmopolitismo hierarquizado e superior do Rio de Janeiro como “Cidade Maravilhosa” e o provincianismo de Niterói.

O contraste absoluto entre uma urbe maravilhosa e a trivialidade de sua vizinha e irmã gêmea foi, sem dúvida, o núcleo da identidade niteroiense como a cara barata de uma moeda cuja coroa brilhava do outro lado do mar. Niterói era uma espécie de não lugar embora àquela época fosse a capital do Estado do Rio de Janeiro.

Rosângela Bittar: Bolsoland não é aqui

- Valor Econômico

O Brasil precisa se levar a sério para pedir respeito

Ao dar de presente uma disneylândia customizada para o seu terceiro filho, enviando aos Estados Unidos como embaixador quem por lá passou como autodeclarado hamburgueiro, o presidente Jair Bolsonaro está promovendo a volta por cima de um ente querido e dando consequência a um capricho. O da transgressão deliberada à ética, à carreira diplomática e à condução da política externa de um país da importância do Brasil. Isso, no entanto, não tira pedaço, por enquanto.

Pois a tarefa de manter as relações políticas e comerciais funcionando em alto nível, entre o Brasil e os Estados Unidos, não tem nada a ver com a configuração desse modelo de representação pessoal do presidente do país no exterior. Lateralmente, e fora dos holofotes, terá que funcionar uma força tarefa profissional para representar o país e levar a cabo a empreitada. Diplomatas de carreira foram preteridos, mas podem agora atuar como conselheiros e secretários convocados a agir.

Há vários à disposição, inclusive autênticos representantes da direita internacional que o novo candidato a embaixador preza.

São todos da mesma estirpe. O príncipe pode ficar em usufruto do trono mas com retaguarda garantida. Sua presença, bem como a alegada amizade entre as famílias presidenciais, a admiração e o deslumbramento que o presidente brasileiro nutre por Donald Trump, a quem imita até no caminhar, estão distantes dos compromissos, sucessos ou fracassos da jornada diplomática.

O que haverá ali, se for aprovado o candidato, e deve ser pois não há nada mais "fake" do que as sabatinas do Senado, é uma convivência que se exercitará porque a confluência dos astros eleitorais colocou as duas luas alinhadas no período. Mas, a cada um, a sua vocação. Passado o fenômeno, cessa o fato. Criou-se uma situação artificial: se Trump não for reeleito, fica o embaixador brasileiro e o pai presidente com a missão de se reciclarem politicamente com rapidez. Também, se a proximidade deixar de ser necessária para Donald Trump, o espetáculo se desmanchará a olho nu.

Cristiano Romero: A difícil arte de cumprir a meta fiscal

- Valor Econômico

Está mais difícil cumprir déficit primário do que o teto

Quando o governo Temer propôs e o Congresso Nacional aprovou, em tempo recorde, a instituição de um teto constitucional para os gastos da União, nem o mais otimista dos viventes da Ilha de Vera Cruz acreditou na efetividade da medida, radical por definição. Não havia, de fato, por que acreditar. Do início da década de 1990 a 2015, o gasto corrente federal cresceu, em média, 6% ao ano em termos reais (acima da variação da inflação). Entre 2008 e 2015, o ritmo aumentou de forma exponencial - salto de 50%, já descontada a inflação, enquanto as receitas avançaram 15%; a diferença de ritmo fez a dívida explodir, levando o país a perder em 2015 o selo de bom pagador conquistado sete anos antes.

O teto constitucional de gastos estancou drasticamente o gasto real, simplesmente proibindo que isso ocorra, sob pena de as autoridades serem obrigadas a compensar o desrespeito ao teto com suspensão de reajustes salariais para o funcionalismo e mesmo da correção anual das aposentadorias, além da realização de concursos públicos. O teto entrou em vigor em 2017 e, apesar de todo o mau agouro, tem sido rigorosamente cumprido. Há analistas, inclusive, que atribuem ao teto uma das razões para a lenta e exasperante recuperação da economia brasileira, após seis longos anos de recessão (2014-2016) e baixo crescimento (2017-2019).

A adoção do teto deveria ter estimulado a sociedade, por meio do Congresso e de movimentos civis representativos, a redefinir as prioridades do Estado brasileiro, uma vez que, finalmente, entendemos que os recursos públicos são escassos, não só aqui mas em qualquer lugar do planeta.

Merval Pereira: Moro e o imaginário popular

- O Globo

Assessores tratam o ministro como um fardo político. Mas até agora o presidente continua achando que é um bom ativo

O anão que mora debaixo da mesa presidencial no gabinete do Palácio do Planalto ouviu dizer que o presidente Jair Bolsonaro está caindo na pilha de assessores, nem sempre oficiais, que já tratam o ministro Sergio Moro como um fardo político. Até o momento, no entanto, o presidente continua achando que Moro é um bom ativo político.

Além do desgaste com a divulgação dos diálogos hackeados entre Moro e o coordenador dos procuradores da Operação Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, pelo site Intercept Brasil e outros órgãos de imprensa, agravou a situação do ministro a crítica de um de seus principais assessores, o presidente do Coaf, Roberto Leonel, à decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de suspender investigações realizadas sem autorização judicial.

A decisão beneficia diretamente o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que foi a origem do apelo ao STF. Uma das queixas, de que Moro não corresponde ao esperado na segurança pública, parece mais desculpa do que uma razão, e começou a ter respostas há algumas semanas.

Moro colhe bons frutos do trabalho da Polícia Federal, que encontrou os hackers que invadiram mil telefones de autoridades, e conseguiu recuperar, nos seis primeiros meses deste ano, mais dinheiro de corrupção e lavagem do que em todo o ano passado.

Míriam Leitão: A indivisível união do país

- O Globo

Entre os fundamentos da República está a unidade da Federação. É dever constitucional do presidente defendê-la

O presidente da República tem que zelar pela unidade da Federação. Não pode discriminar um ente federado por razões políticas e ideológicas. Os estados são autônomos e seus governadores são eleitos pelo povo, portanto, têm legitimidade. Tudo isso está na Constituição que o presidente Jair Bolsonaro jurou respeitar. Ele diariamente descumpre algum preceito do ordenamento legal do país. O que ele tem falado e feito em relação ao Nordeste é perigoso.

Bolsonaro acusou os governadores nordestinos de querer a divisão do país, mas é ele que alimenta a desunião quando define os governadores da região com uma expressão preconceituosa e diz que o governador do Maranhão nada receberá dele. A unidade da Federação é uma das mais valiosas conquistas do país, que exigiu muito dos nossos antepassados para se consolidar. O artigo 78 da Constituição diz que o presidente da República tem o compromisso de “sustentar a união e a integridade” do Brasil.

Bolsonaro está escalando um conflito criado por ele com governadores nordestinos, apenas porque são de partidos de oposição. A disputa com os adversários, no campo político, se dá no Congresso Nacional na aprovação ou rejeição de propostas. Não pode se transformar em um conflito contra alguns estados na forma de distribuição discriminatória de recursos. Os impostos que são pagos à União pelos contribuintes não passam a ser propriedade do presidente. Ele não pode dispor deles, distribuí-los ou não, segundo a inclinação ideológica do administrador local.

É crime de responsabilidade, previsto no artigo 85, ameaçar “a existência da União” e atentar contra “o livre exercício dos poderes constitucionais das unidades da Federação”. Bolsonaro precisa refletir antes de falar, refletir duas vezes antes de agir, porque ele pode ameaçar valores caros demais ao país, um deles é o de que somos diferentes e unidos, somos 26 estados e o Distrito Federal integrantes da mesma Federação, com igualdade e autonomia. O povo de cada estado nordestino que escolheu um partido de oposição o fez democraticamente e não pode ser punido por isso. De todos os seus movimentos insensatos, esse talvez seja o mais perigoso.

Zuenir Ventura: Freud explica

- O Globo

Assim como Merval, acho que Bolsonaro não dispõe de superego, ou seja, não tem autocrítica ou o que, em bom português, se chama de desconfiômetro. Ego ele tem até avantajado; alter ego, pelo menos três, os filhos políticos; mas no seu sistema psíquico inexiste aquela instância que Freud classificou como a responsável por reprimir ou domar os instintos primitivos.

Nenhum medo do ridículo, nem pudor das incongruências. Ele mente até quando tenta desmentir, como faz com fatos históricos como o golpe de 64 (ora afirma que não houve, ora que devia ter matado, em vez de torturar). “Não estou preocupado com críticas, tá okey?”, ele já disse. O presidente não dispõe de uma voz interior para advertir baixinho: “Não fala isso que é besteira”. Ele reage aos fatos por reflexo, não por reflexão, automaticamente, como se estivesse batendo continência. Não pensa antes de falar.

 Daí a frequência com que é obrigado a voltar atrás, e muitas vezes voltar atrás de voltar atrás. Quando há meses escrevi que ele sofre de incontinência verbal, houve protestos como se fosse um absurdo.

Há quem ache que existe lógica nas maluquices. Desconfio que não, e nem só porque ele disse à repórter Jussara Soares: “Eu sou assim mesmo, não tem estratégia”. Respeito os que defendem a hipótese, mas que tática é essa que lhe faz perder popularidade? Desde Collor, Bolsonaro é o presidente que teve o pior índice de aprovação nesses 200 e poucos dias de governo — período que em geral é considerado de lua de mel.

O jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, é taxativo: acha que agora é caso de “interdição” (...) “estamos diante de um quadro de insanidade dos mais absolutos”. Recomenda, inclusive, reunir uma junta médica.

Qualquer que seja o resultado da discussão, não é edificante para o país saber se o presidente da República age assim por premeditação ou espontaneamente, devido ao seu modo tosco de ser.

Se aceita a sugestão da “junta médica”, não esquecer o psicanalista.

Bernardo Mello Franco: Cala boca não morreu

- O Globo

O governador Wilson Witzel está em campanha para impedir a realização de um debate sobre a desmilitarização da polícia. Motivo: não concorda com a tese em discussão

A censura acabou, mas esqueceram de avisara o governador do Rio. Wilson Witzel está em campanha para melar um debate com o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Motivo: não concorda com a tese de seu novo livro.

Como o título indica, “Desmilitarizar” (Boitempo, 296 págs.) empunha a bandeira da desmilitarização da polícia. É uma proposta ousada, que o autor defende com dados e argumentos. Duas armas fora de moda, como indica a reação furibunda do governador.

Soares foi convidado a expor suas ideias no próximo dia 13, na Procuradoria-Geral da República. Em áudio enviado a grupos de PMs, Witzel ataca o evento e ameaça os procuradores envolvidos. “Devem ser severamente advertidos e punidos”, afirma.

O ex-juiz descreve o debate como “desvio de finalidade”. Parece não ter lido a Constituição, que cita o controle externo da atividade policial como atribuição do MP. Ele ainda acusa os procuradores de promoverem “atividade político-partidária”, como se as ideias fossem propriedade de partidos políticos.

Ricardo Noblat: Moro começa a balançar

- Blog do Noblat / Veja

De trunfo a fardo
Por ora, o presidente Jair Bolsonaro ainda o defende. Ou finge fazê-lo. Não faz tanto tempo assim que o rude capitão, refém dos seus instintos mais primitivos, admitiu sentir um grande prazer em fornecer corda para que auxiliares incômodos se enforquem.

Ainda não procede assim com o ministro Sérgio Moro, da Justiça. Mas se ele, por qualquer razão, decidisse pedir as contas e largar o emprego, já não faria tanta falta ao governo. Bolsonaro prestaria as homenagens de praxe e tocaria em frente.

Moro desgastou-se com a publicação de seus diálogos com procuradores da Lava Jato. Ficou provado que ele se comportou como juiz e assistente de acusação no processo que condenou Lula a 12 anos de cadeia, pena recentemente reduzida a 8 anos.

Desgastou-se em seguida com o caso dos hackers da República de Araraquara porque anunciou que eles haviam invadido mais de mil celulares, entre eles o de Bolsonaro. Não satisfeito, ainda ligou para alguns dos hackeados e ameaçou destruir provas do inquérito.

Bolsonaro topa qualquer briga como já demonstrou, e não sabe viver sem uma. Mas tudo o que ele não quer neste momento é briga com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem só se refere como “gente nossa”.

Tem razão para isso. Foi Toffoli que suspendeu as investigações sobre os rolos fiscais do senador Flávio Bolsonaro e do ex-motorista Fabrício Queiroz. E daí? Daí que a decisão de Toffoli foi criticada pelo presidente do COAF, homem de confiança de Moro.

De resto, o pacote de leis anticrime despachado por Moro para o Congresso, uma das joias da coroa do governo Bolsonaro, emperrou por lá e enfrenta a má vontade de deputados e senadores com o ex-juiz, visto por eles como o algoz dos políticos.

Pouco a pouco, antes considerado um trunfo precioso, Moro começa a ser avaliado como um fardo por Bolsonaro e sua trupe, nela naturalmente incluída os filhos. Um fardo que ainda é possível carregar, mas que amanhã poderá deixar de ser.

Cresce em Bolsonaro o sentimento de que pode tudo. Enquadrou a ala militar do seu governo. Derrubou o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Declarou guerra à imprensa. Nomeará para a Procuradoria Geral da República quem quiser.

Moro? Moro que se cuide, mas não somente ele.

Deltan por um fio

Balança e deve cair
Vale nada, quase nada, a situação de Deltan Dallagnol como chefe do esquadrão de procuradores da Lava Jato em Curitiba depois da nova fornada de diálogos travados por ele seus colegas e publicados, ontem, pelo jornal El País em parceria com o site The Intercept.

O que pensa a mídia: Editoriais

Leia, abaixo, os editoriais dos jornais: Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo  e O Globo

Com MP, Bolsonaro tenta intimidar a imprensa: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre. Resolveu revidar ontem, editando Medida Provisória que altera lei aprovada pelo Congresso e sancionada por ele há quatro meses (a 13.818, de 24 de abril) e desobriga as empresas de capital aberto de publicarem demonstrações financeiras em jornais. A lei que foi modificada estabelecia que até 31 de dezembro de 2021 valeria a regra da Lei das Sociedades Anônimas, que determina publicação de balanços no Diário Oficial do Estado em que estiver situada a companhia e em um jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro mencionou o Valor e, entre risos irônicos, disse esperar que o jornal "sobreviva à MP de ontem".

O presidente costuma inventar argumentos para atacar adversários ou interpretar o conteúdo do que lê de maneira singular. Ele disse ontem, após mencionar a MP 892 que assinara no dia anterior, que concedeu duas entrevistas ao Valor durante a campanha eleitoral e em uma delas a manchete era a de que sua proposta de política econômica era igual à da presidente Dilma Rousseff. Detalhe: o presidente não concedeu entrevistas ao jornal durante a campanha, apesar de procurado. Os únicos registros de entrevistas ao Valor datam de 2017 e não trazem tal referência. Articulistas em colunas de Opinião fizeram paralelos entre os dois em alguns episódios específicos, como o de quando o presidente interferiu diretamente na política de preços da Petrobras.

O atropelo à verdade pelo presidente tem sido recorrente, assim como sua campanha contra a imprensa. Bolsonaro reconheceu ontem em Itapira (SP) seu objetivo ao editar a MP: "No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".

Mas, mais do que buscar atingir a imprensa, o presidente mais uma vez passou por cima da Câmara dos Deputados e do Senado, que deliberaram sobre o assunto e aprovaram, após quatro anos de debates, um esquema de transição que eliminaria a obrigatoriedade de publicação de balanços integrais em jornais impressos e fixou prazo razoável de adaptação para que isso fosse feito.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que "retirar receitas dos jornais do dia para a noite" não lhe parece a melhor decisão. Ele destacou que não acha que Bolsonaro esteja sendo "atacado" pelos jornais, que "estão divulgando notícia" e que considera que o jornal impresso "ainda é instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da nossa democracia".

Na semana passada, o presidente foi criticado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, por também ter atropelado o entendimento do Congresso, ao lançar uma MP alguns dias depois de outra ter sido rejeitada, com a mesma finalidade de retirar a demarcação de terras indígenas da Funai e transferi-la para o Ministério da Agricultura. Mello viu na atitude de Bolsonaro o sinal de haver, "na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo". A edição da nova MP confirma a percepção do ministro do STF.

Não há a mínima questão de urgência ou relevância que justifique o uso de medida provisória para tratar do assunto. O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita.

Os impulsos autoritários do presidente causam problemas para o próprio governo. No início da discussão da reforma da Previdência, Bolsonaro disse que por ele a reforma jamais seria feita, maneira estranha de defender a primeira e mais relevante batalha de seu governo. Agora, quando a reforma tributária adentra o Congresso, com enormes obstáculos à frente, Bolsonaro ataca os governadores do Nordeste em seu conjunto - e os governadores tiveram papel decisivo para enterrar todas as tentativas que passaram pelo Congresso.

A equipe econômica valoriza e pretende incentivar o mercado de capitais, enquanto o presidente, com a MP, vai, como diz nota da Associação Nacional de Jornais, "na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade". Ele se orgulha de retirar custos de publicação das empresas, mas se esquece dos atuais e futuros acionistas, que buscam cada vez mais informações facilmente disponíveis diante da arrancada da bolsa de valores. A palavra está novamente com o Congresso, que tem a oportunidade de reafirmar o entendimento anterior como a melhor solução para a questão.

Poesia / Mario Benedetti: Por que cantamos

Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

você perguntará por que cantamos
se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha
você perguntará por que cantamos
se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

Música / Caetano Veloso: Oração ao tempo

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

A Carta de 1988 teve a pretensão de sepultar as possibilidades de retorno do autoritarismo político afirmando uma forte adesão ao liberalismo e ao sistema da representação, e robustecendo de modo inédito o poder judicial por meio de novos institutos como o mandato de injunção, e com a recriação do papel do Ministério Público que será deslocado do eixo estatal, conforme antiga tradição, para o da sociedade civil, a quem foi confiado, entre outras, a missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, figura inexistente no direito comparado

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019

Merval Pereira: O eterno duelo

- O Globo

Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina, e disse que não se poderia culpar a agropecuária

O embate entre desenvolvimentistas e ambientalistas é constante nos últimos dez anos, e não importa se o governo é de esquerda ou de direita. As discussões são recorrentes, a disputa entre a agricultura e o meio ambiente persiste, e os problemas e soluções são semelhantes.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sempre foi uma pedra no sapato dos governantes. A crise gerada pelos números sobre o desmatamento da Amazônia, que levou à demissão do presidente do Inpe, se repetiu, por exemplo, em 2008, quando o então presidente Lula desacreditou os números do órgão, negando que o país estivesse passando por um novo surto de desmatamento. Não chegou a demitir seu presidente, mas atribuiu ao órgão números errados que colocou “sob investigação”.

Para o presidente, houve “alarde na divulgação dos números”. Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, que era comandado por Marina Silva, e as ONGs, e disse que não se pode culpar a agropecuária, os produtores de soja e os sem-terra assentados pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Lula afirmou ainda que pretendia “comprar briga” com as organizações não governamentais (ONGs) se elas insistissem em ligar o crescimento da agricultura ao desmatamento.

O desenvolvimento da região sempre foi uma preocupação de Lula, que a certa altura, em discurso na inauguração de uma usina de biodiesel no Mato Grosso, afirmou que queria levantar todos os “entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: ‘Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do país’”. As diversas organizações ambientalistas, daqui e do exterior, criticaram Lula por opor o meio ambiente ao desenvolvimento.

Carlos Andreazza: O presidente desinformante

- O Globo

O presidente da República mente. Não terá sido o primeiro. Em Bolsonaro, porém, a mentira é estratégia, método mesmo, e está a serviço da desinformação. A desinformação como política de governo. Aliás: que um revolucionário da cepa de Jair Bolsonaro —um desconstrutor reacionário —tenha podido se inscrever no imaginário político brasileiro como um conservador é a própria afirmação da influência da operação desinformante.

Repito: a desinformação é política de governo. Não exagero. Está em curso, desde o Planalto, um programa de relativização absoluta da verdade, de flexibilização daquelas balizas levantadas a partir do estudo, processo que depaupera o valor do acúmulo de experiências, o rebanho de saberes sobre os quais assentamos o erguimento da civilização — o que, conforme o espírito do tempo, deságua, aí está, em desapreço por expressões fundamentais de nosso pacto social contra a selvageria, donde, na prática, os ataques dirigidos e estimulados às instituições que encarnam a democracia representativa, a defesa do contraditório e a guarda da Constituição.

A imposição do bolsonarismo investe numa blitz cujo ímpeto destruidor de princípios resulta em que se considere equivalentes dados objetivos, colhidos com ciência, e a negação autoritária destes, sem qualquer base técnica que os refute.

Tanto a fala cretina sobre a morte de Fernando Santa Cruz quanto aquela, mistificadora, relativa ao desmatamento têm lastro numa modalidade de discurso impostor que consiste em desqualificar permanentemente a história, as estatísticas, os mapeamentos empíricos, as comprovações científicas etc. Há uma intenção narrativa: desqualificar o conhecimento e a fiscalização, jornalismo incluído, de modo a que sobre tudo paire suspeição. Trata-se de um movimento consciente na direção de deslegitimar, isto para que tudo quanto seja incômodo possa ser também rebaixado — desacreditado — como produto de uma armação ideológica contra um governo em busca da verdade. Registre-se que tal modus operandi também serve para diluir atenções ante a “velha política” praticada pela nova corte e sua fome patrimonialista.

Bernardo Mello Franco: Os maus brasileiros

- O Globo

Bolsonaro disse que “maus brasileiros” divulgam “números mentirosos” para prejudicar o governo. O apelo ao patriotismo é um velho truque de líderes autoritários

Esqueça tudo o que você já leu sobre o desmatamento da Amazônia. Segundo o presidente da República, quem alerta para a devastação da floresta está a
soldo de ONGs internacionais. Os avisos fariam parte de uma campanha maldosa, com o objetivo de manchar a imagem do país no exterior.

Ontem Jair Bolsonaro resolveu avançar na tese. Em solenidade na Bahia, ele disse que “maus brasileiros” têm divulgado “números mentirosos” sobre a Amazônia. Seu alvo foram os cientistas do Inpe, que usam imagens de satélite para monitorar a região e orientar os fiscais do Ibama.

O discurso do Planalto está afinado. Na semana passada, o ministro Augusto Heleno disse que a publicação de dados sobre o desmatamento “prejudica muito a imagem do Brasil”. Ele sugeriu que “nós cuidássemos do problema internamente”.

Míriam Leitão: Estilo prejudicial à economia

- O Globo

A economia é atingida pelo estilo errático e conflituoso de Bolsonaro porque eleva a probabilidade de um cenário de turbulência

O estilo de o presidente Jair Bolsonaro governar afeta a economia negativamente. Ele é um governante sem foco na agenda positiva e obsessivo em criar conflitos. Isso aumenta a desconfiança do investidor da economia real, que já está retraído por causa do longo período de crise. E é desse investimento que o país precisa para sair do marasmo em que está. Para piorar, o governo americano de Donald Trump voltou a ativar o confronto comercial com a China, derrubando bolsas no mundo. Em apenas três dias, o dólar saltou de R$ 3,76 para R$ 3,94, e a bolsa brasileira voltou a operar abaixo dos 100 mil pontos.

Os fatores que levaram à inversão da alta da bolsa e à subida do dólar são externos, mas essa mudança recente de cenário mostra que o Brasil tem que criar as condições locais para sair da crise. É balela a ideia de que a economia possa ser um oásis num governo errático e conflituoso. O presidente não tem a retomada econômica como prioridade. Isso evidentemente aumenta a desconfiança dos investidores e mantém o nível de atividade acanhado.

O investidor que procura risco não se importa com volatilidades e incertezas. Até gosta. Ele faz suas apostas, a bolsa sobe e cai, e ele ganha nos dois movimentos, se for ágil. Recentemente a bolsa subiu, mas a economia continuou morna. E isso se vê nos pequenos dados. Uma pesquisa que vai ser divulgada hoje pela Boa Vista SCPC projeta um crescimento de no máximo 1,5% na venda do comércio no Dia dos Pais no próximo domingo. Menos do que os 2,8% de 2018. Este ano até agora foi uma decepção. As projeções de crescimento foram sendo reduzidas semana após semana. Os indicadores setoriais têm, de vez em quando, um número positivo no costumeiro mar de dados negativos. Mas os números e as impressões neste começo do segundo semestre não estão bons.

O investidor que ajudará na retomada é o que faz planos de longo prazo. Esse precisa de boas oportunidades, regras estáveis, ambiente positivo para construir os cenários benignos nos quais ele deslanchará seus investimentos. Por estilo e estratégia, o presidente Bolsonaro cria vários conflitos simultâneos, atira a esmo, estressa o tecido social do país e aflige as instituições. E ele acha que o investidor, nacional e estrangeiro, não vai se importar com isso porque não é economia? É um erro grosseiro de avaliação. Tudo tem repercussão na economia. A visão fracionada da conjuntura só faz sentido nas análises econômicas alienadas. A realidade está interligada.

José Casado: Uma trama no Paraguai

- O Globo

Suspeitas de interferências privadas —indevidas — ea precipitação de Jair Bolsonaro em baratear o custo doméstico da energia comprada de Itaipu arrastaram o Brasil para o centro de uma crise no Paraguai.

Na noite de sexta-feira o advogado José Rodríguez González, assessor do vice-presidente Hugo Velázquez, confessou à Procuradoria Anticorrupção paraguaia ter atuado nas negociações entre os dois países para beneficiara empresa paulista Leros, comercializadora de energia.

Essa manobra ampliou a comoção local com descoberta de que o governo do Paraguai aceitara um aumento de US$ 50 milhões por ano, até 2023, no custo da energia adquirida de Itai pupara o consumo próprio. Revelado pela repórter Mabel Rehnfeldt, o acordo foi cancelado por ser considerado lesivo aos paraguaios e benéfico ao Brasil. O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez.

A obscura transação coma Léros ocorreu quando Paraguai e Brasil discutiam as bases dos contratos da energia de Itaipu. O vice-presidente Hugo Velázquez mandou a cúpula da estatal paraguaia Ande, símile da Eletrobras, negociar com a Léros a garantia de monopólio na revenda no Brasil de uma cota de 300 Megawatts de potência de Itaipu. Negócio milionário sobre volume de energia suficiente para abastecer cidades como Volta Redonda, um polo siderúrgico. Entre os brasileiros estava Alexandre Giordano, apresentado como vinculado à “familia del mandatario brasileño”. Ele é suplente do senador Major Olímpio (PSL- SP ), líder de Bolsonaro no Senado.

Eliane Cantanhêde: A ricos e aliados, tudo

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e os ‘direitos’ dos ricos e poderosos contra os ‘deveres’ de todo o resto

O presidente Jair Bolsonaro confirma, dia sim, outro também, sua visão peculiar e sectária do que sejam direitos. Diz a Constituição que “todos são iguais perante a lei”. Dizem as democracias que os direitos e deveres são iguais para todos. Para Bolsonaro, não. No seu governo, como na sua fala, uns têm mais direitos do que outros: os ricos, donos do capital.

Num país campeão de desigualdade social, com milhões de pessoas sem direito a emprego, educação, saúde, moradia, transporte, igualdades de condições e respeito, o presidente jamais usa a palavra “social” e está preocupado é com os direitos dos empresários, que chama de “heróis”: “É horrível ser patrão no Brasil”, prega. Bem pior, presidente, é ser pobre.

Assim, Bolsonaro defende trabalho infantil, produz frases dúbias sobre trabalho escravo e estuda devolver terras desapropriadas. E corta, ops!, contingencia verbas do Ministério do Desenvolvimento Social e da Educação.

Entre a proteção da Amazônia e a ganância de madeireiros ilegais, adivinhem quem ele defende? Em desacordo com a lei, impediu a destruição de caminhões que derrubavam árvores, criminosamente, na floresta.

Entre o direito ancestral dos índios e o desejo de “tarados” americanos de explorar minérios em terras indígenas, adivinhem o que ele prefere? E a ideia de liberar Angra dos Reis para empresários criarem “uma Cancún”?

Entre o Coaf, que identifica movimentações financeiras atípicas, e o interesse do filho Flávio Bolsonaro, cujo gabinete no Rio foi um dos flagrados, adivinhem o que ele faz? O chefe do Coaf cai, o filho Flávio fica feliz da vida. Aliás, cadê o Queiroz?

Bernard Appy: Uma regra para todos

- O Estado de S. Paulo

Defesa de tributação menor para serviços que para bens é a defesa de um sistema que tribute mais os pobres

Artigo publicado neste jornal no dia 1.º de agosto (PEC 45, são muitos os que perdem) apresenta várias críticas à proposta de reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Basicamente, o artigo defende que a adoção de um tratamento uniforme para a tributação de bens e serviços seria ruim, pois haveria muitos setores e empresas que seriam prejudicados.

Essa análise resulta da incompreensão de que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – cuja adoção é proposta pela PEC 45 – não incide sobre setores ou empresas, e sim sobre os consumidores. Nas transações realizadas ao longo da cadeia de produção e comercialização, o imposto recolhido pelo vendedor do bem ou prestador do serviço gera crédito equivalente para o comprador do bem ou tomador do serviço, não havendo efetivamente tributação. Apenas na venda para os consumidores finais é que há a incidência efetiva do imposto.

Este ponto é importante para entender uma das críticas feitas pelo artigo, a de que o setor de serviços seria prejudicado. Na realidade, não é o prestador de serviços que paga o imposto, mas, sim, o consumidor de serviços. Se o resultado da adoção de uma alíquota uniforme para o IBS for o aumento do custo dos serviços e a redução do custo dos bens, esse impacto se refletirá nos preços para os consumidores.

Ocorre que as famílias de maior renda consomem proporcionalmente mais serviços que as famílias mais pobres – as quais consomem proporcionalmente mais bens. A defesa de uma tributação menor para serviços do que para bens é, portanto, a defesa de um sistema que tribute mais os pobres que os ricos, o que não parece ser adequado, ainda que seja o que temos hoje no Brasil.

Paulo Hartung*: Ainda lidamos com o lixo como na Idade Média

- O Estado de S.Paulo

Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva

Cada vez mais se fala de bioeconomia e consumo sustentável. Esse novo paradigma é uma demanda que o mundo impõe à nossa geração, a última capaz de empreender ações para efetivamente diminuir o aquecimento global. Nossos netos e o mundo exigem comportamentos mais sustentáveis e isso passa pela adoção do consumo responsável.

A bioeconomia exige consumidores mais conscientes. Entender as nossas necessidades e estudar melhor os produtos que serão adquiridos. Essa nova dinâmica impulsiona a utilização de fontes renováveis e biodegradáveis nos produtos e nas embalagens. Esse caminho ganha impulso importante a partir das regulações estabelecidas em alguns países, como Reino Unido, Suíça, China, Índia, e até em cidades brasileiras que restringem materiais de recursos não renováveis. O consumidor passa a entender que a escolha na gôndola é muito importante e busca produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis.

Ao empoderar o consumidor da sua responsabilidade, outra etapa importante, que muitas vezes fica longe da atenção de todos, ganha espaço, o descarte. Não podemos continuar descartando o lixo que produzimos como se fazia na Idade Média, colocando-o em ruas ou a céu aberto, ignorando as consequências desse gesto danoso e ultrapassado.

Diante da poluição global causada pelos resíduos sólidos, principalmente os provenientes dos polímeros derivados do petróleo, a adoção de melhores práticas e a migração para produtos de base renovável são o caminho. Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva, mas também são facilmente compostáveis, sendo biodegradáveis em poucos meses.

Fábio Alves: Dólar a R$ 4,10 com tensão comercial?

- O Estado de S.Paulo

Como a desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes?

Era palpável o nervosismo nas mesas de operação no Brasil ontem logo cedo, com o novo capítulo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, quando o Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês) nada fez para impedir que o dólar ultrapassasse a barreira psicológica de 7 yuans na sessão de negócios tanto no mercado “onshore” quanto no de Hong Kong.

Como essa desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes, incluindo o real brasileiro?

O câmbio entrou de vez como artilharia chinesa para retaliar os Estados Unidos, que anunciaram na sexta-feira que vão impor tarifas de 10% sobre US$ 300 bilhões em produtos chineses e que essa alíquota poderá ser elevada para além de 25%. Os americanos já taxam em 25% outros US$ 200 bilhões em produtos chineses.

Na opinião de vários interlocutores, a guerra comercial entre americanos e chineses deve piorar nas próximas semanas.

E a preocupação agora é com o impacto sobre os mercados emergentes via contágio, pois os efeitos sobre a economia global poderão ser maiores do que se imaginava inicialmente, afetando ainda mais o sentimento empresarial e, por tabela, os investimentos. A atividade manufatureira global já vem sofrendo com a piora do sentimento em razão da guerra comercial.

Mario Vargas Llosa: Mario Benedetti: cem anos

- O Estado de S.Paulo

Ele era um escritor que evitava as “grandes questões” e abordava as pessoas comuns com delicadeza e ternura

Embora fôssemos bons amigos, não me lembro quando conheci Mario Benedetti. Provavelmente, na primeira vez em que fui ao Uruguai, em 1966: uma viagem maravilhosa, na qual descobri que um país na América Latina poderia ser tão civilizado, democrático e moderno quanto a Suíça ou a Suécia. Nas ruas de Montevidéu, havia cartazes anunciando um Congresso do Partido Comunista e os jornais – El País, La Mañana, Marcha – eram muito bem escritos e bem diagramados, o teatro era soberbo, as livrarias formidáveis, se respirava por toda parte uma liberdade sem antolhos. Aquele país tão pequenino tinha uma vida cultural de primeira ordem e, se alguém pudesse pagar por elas na livraria Linardi e Risso, eram encontradas todas as primeiras edições de Borges. Eu já havia dado palestras para pequenos públicos, mas, na Universidade de Montevidéu, onde José Pedro Díaz me levou, eu falei sobre literatura ante um público que abarrotou o auditório, algo que me deixou pasmo.

Se foi então que nos conhecemos, eu deveria tê-lo felicitado por seus contos e poemas, que havia lido em Lima e que me entusiasmaram, em especial Montevideanos, mas também a poesia de Poemas de la Oficina e Poemas del Hoyporhoy. Ele era um escritor que evitava as “grandes questões” e abordava as pessoas comuns com delicadeza e ternura, como funcionários de escritório, estenógrafos, empregados em geral, famílias sem história, aquela classe média que só no Uruguai parecia representar todo um país na América Latina daqueles dias de desigualdades hediondas. Benedetti o fazia com prosa e versos simples, claros, diretos e impecáveis. Era uma voz nova e surpreendente, especialmente na literatura da época, porque evitava o brilho e a agitação e transmitia sinceridade e limpeza moral.

Nós nos víamos muitas vezes em lugares diferentes e trocávamos copiosas correspondências. Às vezes, brincamos para adivinhar quais escritores latino-americanos entrariam no céu, se esse existisse, e lembro-me de um empate entre dois candidatos: Rulfo e Benedetti. Isso foi antes do “caso Padilla”, um cataclismo do qual ninguém se lembra agora e que, no início dos anos 1970, rompeu relações e dividiu ideologicamente alguns escritores do novo mundo que, até então, apesar da diversidade de opiniões, mantínhamos o diálogo e até a amizade. Como ele e eu adotamos posições radicalmente opostas sobre essa questão, desde então nos encontramos pouco e as breves reuniões ao longo dos anos foram quase sempre formais, desprovidas da cumplicidade e do afeto de antigamente.

Luiz Carlos Azedo: Volta aos trilhos

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A retomada da votação da Previdência é uma volta aos trilhos da boa política, pois muda o foco dos “factoides” ideológicos para o que é realmente mais importante”

A Câmara dos Deputados retoma hoje o processo de discussão da reforma da Previdência, que deve ser aprovada ainda nesta semana, em segunda votação, seguindo então para o Senado. O clima já não é o mesmo do primeiro semestre. Houve muito diversionismo do Palácio do Planalto duramente o recesso e nenhum empenho para mobilizar a própria base na retomada dos trabalhos legislativos. Perdeu-se tempo, por falta de quórum, na semana passada e ontem, quando havia menos de 51 deputados na Câmara. Como ainda há um interstício de duas sessões para a votação, o que poderia começar a ser decidido hoje, na melhor das hipóteses, só se iniciará na noite de amanhã.

De qualquer forma, a retomada da votação da Previdência é uma volta aos trilhos da boa política, pois muda o foco dos “factoides” ideológicos para o que é realmente mais importante. A inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência deve voltar à pauta no Senado, mas como nova emenda constitucional, a chamada PEC paralela, para não atrasar o que já foi aprovado pela Câmara. Há maioria no Senado para isso, porém, persiste a dificuldade na Câmara. A maioria dos deputados não quer arcar com o ônus da reforma junto aos servidores públicos estaduais e municipais; avalia que isso é problema dos governadores e prefeitos, deputados estaduais e vereadores.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afinaram a viola com o ministro da Economia, Paulo Guedes, não só sobre a tramitação da reforma da Previdência, mas também em relação ao passo seguinte: a reforma tributária. Os três almoçaram na residência oficial de Alcolumbre. Dois projetos diferentes já estão tramitando no Congresso Nacional: um na Câmara e outro, no Senado. Guedes prepara uma terceira proposta. Os secretários estaduais de Fazenda também deram um passo adiante: na semana passada, aprovaram sugestões ao projeto da Câmara, de autoria de Bernardo Appy. O tema que mais interessa aos estados é a composição do comitê gestor para o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), a ser criado pela reforma.

Ainda nos trilhos das reformas, hoje será instalada por Rodrigo Maia a comissão especial da Câmara que discutirá o novo marco regulatório das parcerias público-privadas, concessões públicas e fundos de investimento em infraestrutura, cujo relator será o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Depois da Previdência e da reforma tributária, será a agenda mais importante para a economia, principalmente porque uma das grandes queixas dos investidores é a falta de segurança jurídica para os negócios com o Estado.

Pablo Ortellado*: O essencial e o acessório

- Folha de S. Paulo

Para defender as instituições será preciso separar aquilo sobre o que não se concorda daquilo que viola as regras do jogo

A recente sequência de declarações abjetas de Jair Bolsonaro acendeu alarmes em diferentes regiões do espectro político. Sua incapacidade de circunspecção parece nos lembrar que, se lhe for dada a oportunidade, pode lançar o país numa aventura autoritária.

Frente a essa ameaça concreta, a história sugere a formação de uma ampla coalizão que proteja os fundamentos institucionais contra o avanço autoritário, limitando o Poder Executivo e minando a sua base de apoio.

Mas como montar uma coalizão ampla quando a dinâmica da polarização enredou a sociedade em argumentos que ancoram posições políticas legítimas em posições inaceitáveis, que cada lado da polarização considerou tão execráveis que deveriam ser expelidas do jogo político regular?

Como, num ambiente que permanentemente atiça a indignação contra a posição do adversário, separar aquilo do que se discorda daquilo que viola as regras do jogo?

É o que tem acontecido, por exemplo, com a agenda econômica de Bolsonaro e seus ensaios mais autoritários.

A liderança da esquerda logo percebeu a conveniência de conectar as reformas econômicas com os arroubos autoritários do presidente, como se o reformismo liberal fosse função ou efeito do autoritarismo.

Hélio Schwartsman: E o PT?

- Folha de S. Paulo

Não poupei nem Lula nem Dilma quando eles estavam no comando

Toda vez que faço críticas a Jair Bolsonaro ou ao governo —o que ocorre com uma frequência maior do que gostaria—, leitores cobram-me um posicionamento em relação ao PT. "No tempo do Lula é que era melhor, não é mesmo, seu esquerdopata?" e outras frases do gênero, muitas vezes adornadas por adjetivos que prefiro não reproduzir aqui, tomam conta de minha caixa de mensagens.

O que tenho a dizer a essa gente é que a fila anda. Não poupei nem Lula nem Dilma de duras críticas quando era o PT que estava tomando conta da lojinha. Estou longe de ser uma figura querida no QG do partido. Mas, desde 1º de janeiro, é Bolsonaro que está no comando. Ainda que não possamos considerar o atual presidente culpado pelo descalabro econômico que vivemos, é dele que devemos cobrar soluções, assim como exigir que os projetos do governo para outras áreas estejam ao menos baseados em fatos.

Ranier Bragon: Ensaio sobre a cegueira

- Folha de S. Paulo

Estado que adere ao vale tudo contra o banditismo torna-se um Estado bandido

Um policial de folga que tenha o terrível azar de ser descoberto por bandidos durante um assalto, e que esteja rendido ou sem condições de reação, tem grandes chances de acabar torturado e assassinado.

Logo, soa plausível a muita gente que criminosos dominados sejam mortos. Não lhes ocorre que são nessas situações que a civilização se distingue claramente da barbárie, o certo se contrapõe ao errado.

É compreensível a alguém que se depare com um crime atroz ter ganas mortais contra o agressor. Jamais o Estado, sob pena de se igualar aos facínoras. Ao puni-lo de acordo com a lei, demonstra a superioridade e a evolução da civilização através dos séculos. Não se defende —parafraseando o poeta Jair Bolsonaro— que a polícia enfrente o crimesoltando pombinhas brancas. É obviamente lícito que, como recurso capital, policiais matem agressores em combate ou que representem iminente ameaça à vida de quem quer que seja.