- O Estado de S. Paulo
Defesa de tributação menor para serviços que para bens é a defesa de um sistema que tribute mais os pobres
Artigo publicado neste jornal no dia 1.º de agosto (PEC 45, são muitos os que perdem) apresenta várias críticas à proposta de reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Basicamente, o artigo defende que a adoção de um tratamento uniforme para a tributação de bens e serviços seria ruim, pois haveria muitos setores e empresas que seriam prejudicados.
Essa análise resulta da incompreensão de que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – cuja adoção é proposta pela PEC 45 – não incide sobre setores ou empresas, e sim sobre os consumidores. Nas transações realizadas ao longo da cadeia de produção e comercialização, o imposto recolhido pelo vendedor do bem ou prestador do serviço gera crédito equivalente para o comprador do bem ou tomador do serviço, não havendo efetivamente tributação. Apenas na venda para os consumidores finais é que há a incidência efetiva do imposto.
Este ponto é importante para entender uma das críticas feitas pelo artigo, a de que o setor de serviços seria prejudicado. Na realidade, não é o prestador de serviços que paga o imposto, mas, sim, o consumidor de serviços. Se o resultado da adoção de uma alíquota uniforme para o IBS for o aumento do custo dos serviços e a redução do custo dos bens, esse impacto se refletirá nos preços para os consumidores.
Ocorre que as famílias de maior renda consomem proporcionalmente mais serviços que as famílias mais pobres – as quais consomem proporcionalmente mais bens. A defesa de uma tributação menor para serviços do que para bens é, portanto, a defesa de um sistema que tribute mais os pobres que os ricos, o que não parece ser adequado, ainda que seja o que temos hoje no Brasil.
Adicionalmente, a análise do impacto setorial da reforma tributária deve levar em conta não apenas seu efeito sobre os preços relativos, mas também sobre a renda das famílias. Se é verdade que o eventual aumento dos preços pode reduzir a demanda por serviços prestados aos consumidores, também é verdade que o impacto positivo da reforma tributária sobre a renda das famílias tende a elevar a demanda por serviços. No agregado, é provável que o efeito positivo do aumento da renda seja maior que o efeito negativo da elevação dos preços relativos, e que a maior parte do setor de serviços seja beneficiada pela reforma.
É fato que o artigo em pauta questiona o impacto positivo da reforma tributária sobre o crescimento econômico. No entanto, a literatura econômica é unânime em apontar que distorções de preços relativos provocadas pelo sistema tributário reduzem a produtividade e o bem-estar dos consumidores, como bem lembrou o professor Delfim Netto em artigo recente.
O Brasil é, provavelmente, o país em que a tributação de bens e serviços mais distorce os preços relativos. A mudança proposta pela PEC 45 resolve todas essas distorções. Achar que tal mudança não terá impacto positivo sobre o crescimento é negar conceitos básicos de Economia.
Por fim, o artigo questiona a substituição de um modelo de política de desenvolvimento regional baseado em benefícios fiscais por outro baseado no uso de recursos orçamentários. Mais uma vez, a crítica parece desconhecer a literatura sobre o tema, que aponta que a melhor política de desenvolvimento no longo prazo é a alocação de recursos em infraestrutura e qualificação de trabalhadores – o que não é possível no modelo atual.
É compreensível que setores e empresas que hoje são beneficiados por tributação favorecida ou benefícios fiscais se oponham a uma reforma que uniformize a tributação do consumo. A realidade, no entanto, é que a diferenciação na tributação existente hoje no Brasil não só prejudica a parcela mais pobre da população, como gera distorções que reduzem muito o crescimento do País. O que está em jogo na discussão sobre a reforma tributária é a opção por um país em que poucos são beneficiados e que não cresce ou por um país justo, transparente e favorável ao desenvolvimento.
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