quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Opinião do dia || Luiz Werneck Vianna*

Lembrar que o movimento vitorioso na derrota do regime militar nasceu escorado numa larga produção cultural, inclusive universitária, constante desse acervo a produção de teses de doutorado que se dedicaram à pesquisa das raízes do nosso autoritarismo e das nossas desigualdades sociais, exemplares dessa vasta coleção a obra de Florestan Fernandes em a Revolução Burguesa no Brasil e São Paulo, crescimento e pobreza, trabalho coletivo inspirado pelo Cardeal Paulo Evaristo Arns, ambos de meados dos anos 1970. São fios a serem retomados a fim de dotar as forças da oposição ao que aí está de um plano de navegação em meio a essa tempestade que se abateu sobre nós, cuja duração parece longe de arrefecer.

Finalmente, deve-se atentar para o contexto internacional em que o país vem dando largos passos em direção a um alinhamento incondicional à política do presidente norte-americano Donald Trump, rompendo com a tradição de autonomia da sua política externa, vigente inclusive durante o recente regime militar, e que, no limite, pode trazer prejuízos a muitas de suas atividades econômicas, como no caso do agronegócio. Contradições severas, portanto, caracterizam o momento atual, e que demandam por parte de um ator, que ainda não temos, amplo descortino da situação, sangue frio e perseverança no sentido de afastar os perigos que rondam a nossa democracia e o destino do seu povo. O esforço de agora é para construir um ator capaz de intervir com eficácia nessa cena.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘A procura de um ator’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 21/8/2019

José Serra* || Semipresidencialismo – nem rima nem solução

- O Estado de S.Paulo

Longe de dar maior efetividade, esse sistema magnificaria nossos muitos conflitos

A sociedade brasileira tem intensificado sua participação política nos últimos anos. Somos agora o país do futebol, do carnaval e, pouco a pouco, da política! As redes sociais, claro, impulsionaram essa efervescência, mas não explicam tudo.

Outro vetor que impulsiona essa tendência tem sido a impaciência do eleitor com a baixa capacidade decisória de nossa política. As pessoas estão exasperadas com a lentidão das instituições em (não) responder às suas demandas. Não se trata de uma tendência exclusiva do Brasil, mas, por aqui, a imensidão dos problemas não nos dá o luxo de esperar.

Francis Fukuyama - se me permitem a ousadia de citá-lo depois da baboseira do seu “fim da História” - propõe uma interessante perspectiva para analisar essa tendência: as democracias liberais - especialmente os Estados Unidos - teriam escorregado para o terreno pantanoso da “vetocracia”, situação em que os vários atores relevantes da política são fortes para barrar propostas controversas ou polarizadoras, mas incapazes, mesmo em amplas coalizões, de tocar programas de seu interesse. Tudo é paralisia, nada de vulto acontece.

É evidente que tal situação não pode perdurar. A acumulação de impasses acabará impondo algum tipo de saída. A radicalização que se percebe na política em nível mundial - muitas vezes interpretada como uma escalada populista - parece responder a essa frustração com a paralisia decisória das instituições democráticas. O Brasil não está fora desse grande movimento.

Nesse cenário, muitos interpretam que a disfuncionalidade política no Brasil está radicada em nosso sistema de governo, o presidencialismo, que não seria capaz de formar maiorias aptas a tocar as reformas essenciais para que voltemos a crescer com redistribuição de renda.

O presidencialismo não funcionaria - segue o raciocínio - porque é chamado a realizar a quadratura política do círculo. A formação de maiorias indispensáveis para tocar programas de governo requer um nível de concessões tão amplo que, paradoxalmente, uma vez formada, a maioria parlamentar já está desidratada programaticamente. Essas negociações para formação de “bases parlamentares” não são bem vistas pela população. Tudo se passa como se o objetivo fosse unicamente repartir os espaços de poder no Estado, para saciar grupos de interesse. Certa ou errada - ou exagerada -, essa é a percepção que predomina. E que provoca repulsa crescente.

Brasilio Sallum Jr.* || Em meio à crise nasce um novo regime

- O Estado de S.Paulo

Iniciativas reformistas dos Poderes vão deixando para trás a democracia de 1988

Sim, aos poucos, quase sem nos darmos conta, em meio ao caos aparente e à polarização política, que parece não ter fim, estamos construindo um novo regime político. Não é o fim da democracia. Trata-se de sua redefinição, da construção de padrões diferentes de exercício democrático do poder. E, na minha opinião, poderá ser melhor do que o regime vigente antes da crise.

Com efeito, três “fatores” que ajudaram a produzir a crise política vêm sendo paulatinamente transformados: o financiamento da representação política, as relações do Executivo com o Legislativo e o Judiciário e a ação do Estado sobre a economia, que se mundializa.

Graças à Lava Jato foram postos à luz os mecanismos pelos quais empresas e representantes políticos se associavam para captar recursos públicos para enriquecimento privado e financiamento de campanhas eleitorais. A par de penalizar parte dos envolvidos, os agentes dessa operação, segmentos do Ministério Público e do Judiciário e parte importante dos meios de comunicação converteram tais descobertas em alavanca para estigmatizar como corrupta a “política tradicional”. Isso teve consequências políticas dramáticas. Prejudicou partidos e lideranças políticas relevantes para o regime democrático de 1988 e favoreceu a eleição do outsider Bolsonaro para a Presidência da República.

Em meio a isso – e sob pressão popular –, começou-se a produzir o novo. Os Poderes constituídos produziram iniciativas reformistas que principiaram a deixar para trás a democracia de 1988. Já em setembro de 2015 o STF declarou inconstitucional o financiamento empresarial das eleições e em 2016 o Congresso supriu essa perda com um aumento de financiamento público, além de outras mudanças nas regras eleitorais. Reduziu-se, assim, um dos estímulos institucionais à corrupção política, eliminando o vínculo antes necessário entre candidatos e empresas. As eleições de 2018 já se realizaram sob as novas regras, demonstrando que se está no bom caminho para enfrentar a corrupção. 

William Waack || Bolsonaro e os dentes da Lava Jato

- O Estado de S.Paulo

O presidente está no meio da principal disputa política do momento

O instinto de Bolsonaro de proteger a família e a prole o está levando a ajudar um lado na formidável briga sobre quem vai controlar as decisões das esferas políticas. No caso, atuando contra os pedidos explícitos de organização que foi tão importante na eleição dele, a Lava Jato.

A ira inicial do presidente é voltada contra órgãos como Receita ou Coaf que ele mesmo colocou sob a suspeita de motivação política ao investigar familiares dele. É isso mesmo, dizem ministros do Supremo. Sob o ímpeto investigatório (jacobinista, inquisitorial, autoritário ou ilegal, dependendo do ministro do Supremo) da Lava Jato, órgãos de fiscalização e controle excederam seus limites constitucionais.

Diálogos hackeados de expoentes da Lava Jato reforçam ainda mais essas percepções sobre a atuação política da força-tarefa – não importa mais se os diálogos são autênticos, se servem como provas, se configuram ou não abusos ou mesmo crimes por parte dos investigadores. Eles são percebidos como a cereja no bolo quando se afirma que juízes, procuradores e delegados se converteram numa espécie de “partido político” com o intuito declarado de influenciar os rumos gerais da política brasileira (seja qual for a justificativa deles).

Partes relevantes do Supremo e do Legislativo se reorganizaram para enfrentar o que consideram ser uma ação política, por parte da Lava Jato, que estava levando (na visão desses atores) ao “emparedamento” dessas instituições, controladas desde fora pela campanha anticorrupção. É muito relevante o fato de o Legislativo ter chamado a si a tarefa de coibir a atividade dos investigadores, por meio do PL do Abuso de Autoridade, e o STF está sentado no material com que pretende (as conversas hackeadas) encurralar seus críticos entre os aguerridos procuradores.

Zeina Latif* || Tempo de reflexão

- O Estado de S.Paulo

O momento é de reavaliação de cenários econômicos e teremos volatilidade

A vitória de Jair Bolsonaro trouxe um grande otimismo para o mercado financeiro. Poucas vezes se assistiu tanta euforia em meio a um cenário tão desafiador.

Defendia-se que a reforma da Previdência causaria uma “avalanche” de capitais no País e a cotação do dólar iria para a casa de R$ 3,50, em meio a elevada liquidez mundial. Os riscos do cenário internacional - baixo crescimento e estagnação do comércio global que gera valorização da moeda americana - e as fragilidades internas não foram devidamente considerados. O corte de juros pelo Fed, o banco central americano, anima os mercados, mas é paliativo. Será necessário o comércio mundial ganhar tração para se vislumbrar um novo ciclo de crescimento mundial. Não é para já.

Acreditou-se que os problemas fiscais seriam equacionados pela reforma, quando, na verdade o máximo que teremos nos próximos anos será a estabilização das despesas com Previdência como proporção do PIB. Os números insistem em denunciar a necessidade de mais medidas de ajuste fiscal para reduzir a rigidez do orçamento. Para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB será necessário um ajuste fiscal de 4% do PIB. Felizmente esses diagnósticos estão muito mais claros.

Projetava-se também uma sensível aceleração do crescimento ainda este ano. A fraqueza estrutural do País (parque produtivo tecnologicamente defasado, reduzido capital humano e infraestrutura precária), porém, se impõe: a economia está praticamente estagnada.

Mario Vargas Llosa || O retorno à Grécia

- O Estado de S. Paulo

Em livro otimista e humano, Theodor Kallifatides descreve outra face da imigração

Um garoto grego, há meio século, cansado da falta de trabalho e do caos que o cercavam em seu país natal, conseguiu fugir para a Suécia. Lá, superou as dificuldades da vida do imigrante. Ganhando a vida como pôde, aprendeu a língua e tão bem que descobriu uma vocação como escritor e começou a escrever em sueco. Foi bem-sucedido. Tanto que poderia ganhar a vida escrevendo romances e ensaios. Ele se casou com uma sueca, eles tiveram filhos, netos, compraram um apartamento, depois uma casa de verão e um pequeno apartamento onde ele se trancava pela manhã e à tarde para ler e escrever.

Theodor já completara 70 e tantos, quando um dia, de repente, experimentou algo que até então não conhecera: um bloqueio intelectual. Olhava para o cilindro de sua pequena máquina portátil e estava com a mente vazia, sem uma única ideia sobre a qual escrever. Ele foi dar uma volta pelo oceano, algo que sempre o apaziguava. Mas desta vez não funcionou; ficou assim dias, semanas, meses, sem nada a dizer, agoniado pela paralisia e constipação intelectuais. Gunilla, sua esposa, inquieta, propôs uma viagem. Por que não a Grécia, sua distante pátria? Do fundo de sua desmoralização, ele aceitou.

Chegaram a Atenas de avião. Lá, alugaram um carro e se atiraram na estrada, rumo ao Peloponeso, onde fica aquela pequena cidadezinha, Molaoi, onde Theodor nascera. Ali estava, empoeirada, eterna e efusiva. Alguns parentes centenários continuavam lá, intangíveis, como as oliveiras, as amendoeiras, as cabras, os gatos e as vinhas. Eles o reconheceram na rua. A escola foi alertada. Os professores organizaram uma homenagem a ele. Aconteceu ao entardecer, quando uma leve brisa substituiu o calor sufocante do dia, sob uma lua redonda como queijo. Quando as crianças cantaram em sua homenagem, Theodor sentiu duas grossas lágrimas escorrerem por suas velhas bochechas.

Na manhã seguinte, na antiga pensão onde o casal estava hospedado, Theodor acordou de madrugada, como sempre fizera na Suécia. Ele preparou sua pequena máquina portátil e, sentindo todo o seu corpo tremer, começou a escrever. Com a mesma insegurança e terror de cometer erros em cada palavra, como fizera todas as manhãs naquele meio século de vida sueca. Mas desta vez ele não escreveu em sua língua adotada, mas em grego. Enquanto tremia, cada vez mais morrendo de medo, as palavras fluíam, enchiam as páginas e ele sentia uma excitação extraordinária, a mesma que experimentara ali, em tempos longínquos, quando escreveu sua primeira história sueca.

Maria Hermínia Tavares de Almeida* || Diplomacia da ignorância

-Folha de S. Paulo

A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina é densa e não se limita ao comércio

Governantes podem fazer muitas coisas. Mas nem o mais poderoso autocrata consegue mudar seu país de lugar ou escolher os vizinhos. Por isso, considerações geopolíticas constituem um dado das relações internacionais, assim como o trato de cada nação com as que lhe são próximas representa uma dimensão crucial de sua diplomacia.

É tradição da política externa brasileira evitar conflitos com nossos dez vizinhos ou, quando se tornam inevitáveis, resolvê-los por meio da negociação.

O princípio da não-ingerência nos assuntos internos alheios regeu quase sempre o nosso relacionamento com os Estados que compartilham o espaço sul-americano. A retórica contida, a forma de expressão da ação diplomática voltada para a boa vizinhança.

Na semana passada, Bolsonaro e Guedes romperam a tradição. O presidente, fazendo declarações hostis ao peronismo, vitorioso por 15 pontos de vantagem nas primárias argentinas. E o ministro, no afã de acalmar o empresariado, afirmando que o Brasil não precisa da Argentina para sair do buraco econômico. Nesta semana, foi a vez do supérfluo chanceler Ernesto Araújo invocar o espectro da Venezuela em caso de vitória peronista definitiva.

Uma vez mais, a grosseria veio abraçada à ignorância dos fatos que governantes têm por obrigação conhecer. A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina não só é densa, como resulta de um longo processo pelo qual, nas palavras do embaixador Marcos Azambuja, os dois países passaram de inimigos a rivais, de rivais a aliados e de aliados a sócios.

Fernando Schüler* || Bolsonaro, nosso homem cordial

- Folha de S. Paulo

Agenda modernizadora do governo convive com o velho patrimonialismo

O governo Bolsonaro tem sido marcado pela ambivalência. No terreno econômico, vem inegavelmente conduzindo um programa de modernização. Exemplos óbvios são a reforma da Previdência e a MP da Liberdade Econômica, mas há uma extensa agenda a frente.

Reforma tributária, abertura econômica, acordo com a União Europeia, o programa de concessões e privatizações e a autonomia do Banco Central.

O elemento modernizador não se restringe à economia. É uma evidente ruptura com a tradição de clientela da política brasileira a forma de montagem do governo, ainda na transição, sem o recurso ao toma-lá-dá-cá que danificou nossa democracia, em tempos recentes. Pouco importa, nesse raciocínio, se tudo isso fez parte de um plano ou foi obra do improviso.

A consequência é evidente: há um Congresso funcionando com mais autonomia, ainda que com maior custo na tomada de decisões.

Ainda recentemente escutei de um executivo do governo, após uma votação renhida, no Congresso: “Agora é preciso convencer deputado”. Achei boa essa ideia. Deputado está ali para isso mesmo, para convencer e ser convencido, ao invés de votar em função da cota de ministérios do partido.
O ponto é que há um elemento arcaico neste governo, e Bolsonaro, ele mesmo, parece funcionar como seu protagonista. Não me refiro aqui a seu estilo polarizador, seus elogios ao regime militar, ao humor de gosto discutível, aos bate-bocas com jornalistas e coisas do gênero.

Bruno Boghossian || As fantasias de Nero

- Folha de S. Paulo

Com fantasia sobre queimadas, presidente inventa vilões para fugir de obrigações

A insinuação feita por Jair Bolsonaro de que ONGs teriam provocado queimadas na Amazônia para desgastar seu governo completa mais uma linha no seu bingo do absurdo. A declaração é uma tentativa banal de desvirtuar o debate sobre a devastação das florestas. Com ela, o governo confirma sua indiferença absoluta pelo meio ambiente.

O presidente trava uma guerra fútil com organizações internacionais que atuam no país. Bolsonaro acha que ganhou terreno, mas o Brasil só perdeu até aqui. Ficou sem os R$ 288 milhões que seriam repassados por Alemanha e Noruega para o Fundo Amazônia e viu o país perder credibilidade por suspeita de manipulação de dados do desmatamento.

Agora, o presidente reproduz uma teoria da conspiração que começou a circular há alguns dias nas redes sociais. "Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil", afirmou, nesta quarta-feira (21).

A notícia boa é que Bolsonaro reconheceu que as queimadas existem. Como seria impossível ignorar a fumaça no céu, ele não ousou repetir a tática de negar a realidade, como fez quando os dados oficiais tabulados pelo Inpe mostraram aumento na devastação de áreas verdes.

Vinicius Torres Freire || Privatização da Petrobras é plano ou fantasia do trilhão?

- Folha de S. Paulo

Ideia volta a circular no governo, mas não há plano realista nenhum sobre o assunto

A ideia de privatizar a Petrobras de fato voltou a circular no ministério da Economia. A hipótese de venda da mãe de todas as estatais foi revelada no meio da tarde desta quarta-feira, pelo jornal Valor. Não quer dizer que exista um rabisco de plano para a privatização, mas há fogo debaixo dessa fumaça.

Oficialmente, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), disse no final da tarde desta quarta-feira que técnicos do governo vão começar estudos sobre a viabilidade da privatização.

Esse plano havia sido dado como morto entre a eleição e os primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, dada a oposição do próprio presidente e de “gente do Planalto”. Próximos do presidente alertavam, no mínimo, para o tamanho do problema político da venda da petroleira, um tumulto grande quando a prioridade seria a aprovação de outras reformas.

“Gente do Planalto”, da Economia e também da Infraestrutura teria voltado a ouvir do ministro Paulo Guedes, mas não apenas dele, que seria possível “voltar a sonhar”, desculpem a citação cafona, com a privatização de “tudo, Petrobras e Banco do Brasil inclusive”. Qual o motivo da animação?

Em primeiro lugar, Bolsonaro não teria mais tanta resistência à ideia. “Alguns militares” adversários da privatização teriam perdido poder. A passagem da reforma da Previdência, o encaminhamento de outras (como a MP da “liberdade econômica”) e pesquisas de opinião seriam um indício forte de que a resistência da sociedade ao programa liberal é cada vez menor, se alguma.

Luiz Carlos Azedo || A nova privatização

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A ‘malaise’ das estatais não é só consequência da incompetência na gestão, mas do fato de que desvia o foco dos partidos de sua principal missão: promover o bem comum”

O governo anunciou ontem seu programa de privatizações, no qual foram incluídas nove estatais, após reunião da secretária de Parcerias Público-Privadas, Martha Seiller, e do secretário de Desestatização, Salim Mattar, com o presidente Jair Bolsonaro. Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa Gestora de Ativos (Emgea), Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) e Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) serão vendidas. Ao apresentar o programa, Mattar revelou a intenção de promover a maior queima de ativos da União possível, privatizando creches, presídios e parques, mas não explicitou qual será a forma de privatização. Caberá ao BNDES elaborar o programa, examinando as condições de mercado e as possibilidades reais na atual conjuntura econômica. Há privatizações e privatizações. Os argumentos a favor da venda de ativos são verdadeiros. O país não tem como financiar investimentos na modernização de nossa infraestrutura sem a venda de ativos e a entrega de serviços à exploração das empresas privadas. Além disso, a maioria das empresas estatais esteve a serviço dos partidos políticos, que miram seus próprios interesses e não os da sociedade. O problema é como isso será feito.

A narrativa ultraliberal do governo, ao apresentar o programa, tende a reproduzir a velha polarização esquerda versus direita, ou seja, o embate entre um projeto nacional desenvolvimentista e o modelo neoliberal. É a mesma narrativa dos anos 1980, quando Margaret Tatcher, a primeira-ministra conservadora, reformou a economia britânica. Essa polêmica parecia ultrapassada depois das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo assim pautou as eleições presidenciais até 2014. É muito provável que seja um assunto vencido, como foi o caso da reforma da Previdência, mas seu marco regulatório, ainda não. Esse é o debate aberto na comissão especial da Câmara que discutirá o modelo de concessões, parcerias público-privadas e privatizações, cujo relator é o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

Merval Pereira || Novas nuvens

- O Globo

De possível candidato de Bolsonaro, ou vice mais forte que Mourão, Moro pode vir a ser candidato de oposição

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu início à reformulação partidária que deve acontecer no final do ano, com os partidos preparando-se para a eleição municipal de 2020, quando pela primeira vez serão proibidas as coligações proporcionais para vereador.

Ao explicitar que DEM e PSDB devem se unir já para as eleições municipais do ano que vem ou, no máximo, para enfrentar as eleições gerais de 2022, Maia tornou realidade um movimento político que vem sendo costurado desde que o centro foi esmagado em 2018 pela polarização entre extremos que levou Bolsonaro ao poder.

Haverá um enxugamento do número de partidos políticos, também devido às cláusulas de barreira, ou de desempenho, como preferia o ex-vice-presidente da República Marco Maciel. Exatamente 14 dos 35 partidos existentes já não cumpriram a cláusula de desempenho exigida pela nova legislação, na eleição de 2018.

Patriota, PHS, PCdoB, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO continuam atuando no Congresso, mas com perspectivas reduzidas nas próximas eleições. Perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão, e as exigências de desempenho aumentam a cada eleição, até 2030.

Míriam Leitão || Extinção do Coaf e outras intervenções

- O Globo

PF, Receita, Coaf, Inpe, Inep, IBGE, ICMBio, Ibama, Fiocruz, BNDES, Ancine e Itamaraty têm algo em comum: sofreram interferência

É melhor entender as coisas como elas são. O governo extinguiu o Coaf. Não foi uma mera transferência de área. E o fez para que o ministro da Economia não tivesse o ônus de demitir Roberto Leonel. O presidente Bolsonaro está intervindo na Receita, e o “segundo” do órgão é na verdade o primeiro, porque o secretário Marcos Cintra cuida da reforma tributária. A demissão do chefe da Polícia Federal do Rio não foi por falta de produtividade. O que está acontecendo não é uma afirmação da autoridade, ou do estilo, do presidente, mas sim ingerência em órgãos técnicos por interesses políticos.

As decisões autoritárias seguem o mesmo padrão que ocorreu na área ambiental. O presidente faz uma crítica sem fundamento, depois demite alguém com o discurso “quem manda aqui sou eu”. Aí nomeia quem aceite o seu mandonismo. Foi assim com o Inpe. Acusou o órgão de mentir sem qualquer base. Quando houve — felizmente houve — a reação do diretor Ricardo Galvão, ele nomeou um militar.

Bernardo Mello Franco || Lula manda, o PT obedece

- O Globo

O PT se orgulhava de eleger seus dirigentes em votação direta. Agora o futuro do partido é ditado por uma só cabeça, confinada numa cela em Curitiba

Quando Lula manda, o PT obedece. Na terça-feira, o ex-presidente completou 500 dias na cadeia. Na mesma data, ele garantiu a permanência
de Gleisi Hoffmann no comando do partido.

A deputada enfrentava a oposição de parlamentares e governadores petistas. O ex-presidenciável Fernando Haddad, cotado para concorrer ao Planalto de novo, também queria vê-la pelas costas.

De Curitiba, Lula determinou o cessar-fogo. Ele ordenou o fim das disputas internas e a recondução da aliada à presidência do PT. Gleisi continuará no cargo pelos próximos quatro anos, o que incluirá as eleições de 2020 e 2022.

A decisão foi anunciada em Brasília, no gabinete de um deputado do Piauí. Um vídeo divulgado nas redes denuncia o clima de constrangimento na reunião.

Alguns presentes exibiriam mais entusiasmo se estivessem na sala de espera do dentista.

“Ficamos sem saída. Quando o Lula estava solto, já era difícil dizer não para ele. Depois da prisão, ficou impossível”, justifica um ex-ministro.

Ascânio Seleme || Êxito não dá carta branca a Witzel

- O Globo

Nenhuma dúvida de que a polícia de hoje é muito mais bem preparada, inteligente e equipada do que a de 2000, ano do sequestro do ônibus 174, no Jardim Botânico. Tudo evolui, quase sempre para melhor, inclusive na polícia. A diferença entre a operação feita naquele sequestro e a de terça-feira na Ponte Rio-Niterói é brutal. Mas o mais importante e decisivo para o êxito de agora foi a orientação que veio de cima.

Mesmo antes de assumir o governo, na campanha e depois de eleito, Wilson Witzel já vinha falando de maneira abundante em usar atiradores de elite, os conhecidos snipers, para abater criminosos. Ele nunca se cansou de repetir que iria mandar “atirar na cabecinha” de qualquer um que estivesse portando um fuzil. O hiperbólico governador deixou claro que a ordem é atirar sempre que for necessário abater alguém armado para proteger inocentes desarmados.

Deste ponto de vista, deve-se admitir que Witzel tem razão. O resultado da ação na Ponte colabora com esta tese. A operação foi feita de maneira bem estruturada, com cada etapa estudada e executada como manda o figurino.

Embora não se conheçam os detalhes das negociações entre a polícia e o sequestrador, é fato que elas existiram e só não foram bem-sucedidas por decisão do criminoso. O desfecho da operação, os disparos dos snipers que mataram o sequestrador, também foi executado de maneira precisa.

Maria Cristina Fernandes || A chancelaria de Jair Bolsonaro

- Valor Econômico

Recuo não mitiga riscos da diplomacia presidencial

No mesmo dia em que acenou com um recuo na indicação do seu filho para a embaixada em Washington, Jair Bolsonaro disse que o Brasil reconheceria, oficialmente, o Hezbollah como uma organização terrorista, "igual ao MST". Se alguém imaginava que um outro embaixador poderia vir a mitigar o atrelamento do Brasil à política externa americana, ali estava o presidente da República para dizer que não.

Ao colocar o Hezbollah na roda, o presidente vai além. Impõe sua tropa contra os punhos de renda. Serviços de inteligência peritos na guerra da desinformação têm, há tempos, disseminado que o Hezbollah atua na fronteira do Brasil com a Venezuela. Mais recentemente, passaram a vincular a organização libanesa ao narcotráfico. Setores das Forças Armadas assinam embaixo, mas o Itamaraty, até o governo Jair Bolsonaro, nunca engolira essa história.

Ao antecipar o selo de terrorista para a organização, o presidente citou ainda sua atuação na Tríplice Fronteira. Não há por que duvidar que o presidente tenha informações privilegiadas sobre o crime naquela região, ainda que careça de uma explicação plausível o fato de o empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) ter tentado fraudar a intermediação da compra de energia de Itaipu falando em nome da família Bolsonaro.

Diplomata por mais de 40 anos, e embaixador do Brasil em Washington no início dos anos 1990, Rubens Ricupero não hesita em atestar a iniciativa do governo brasileiro em pregar o selo de terrorista no Hezbollah como um serviço valioso que o Brasil prestaria aos Estados Unidos e a Israel, sem quaisquer benefícios para o país.

Ribamar Oliveira || O "fundo do poço" será neste mês

- Valor Econômico

Crescer 0,8% neste ano pode não ser mais viável

O governo avalia que o pior momento para a atividade econômica ocorrerá neste mês, quando o país atingirá "o fundo do poço". A expectativa das autoridades é de uma melhora da atividade econômica a partir de setembro, impulsionada, principalmente, pela liberação dos recursos do PIS/Pasep e do FGTS. O dinheiro liberado permitirá, acredita-se, um aumento expressivo do consumo popular, ativando o setor produtivo, principalmente o setor de bens de consumo duráveis.

O mais provável é que o crescimento da economia no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro, fique em 0,2% ou 0,3%. Com isso, o resultado do primeiro semestre de 2019 teria ficado "no zero a zero", pois houve retração de 0,2% no primeiro trimestre. O dado oficial para o crescimento do PIB no segundo trimestre será divulgado pelo IBGE no próximo dia 29.

O governo concorda com a avaliação feita por analistas do mercado de que a atividade econômica não foi boa em julho e, provavelmente, não será também em agosto. Os dados disponíveis indicam até mesmo uma certa retração. A dúvida que permanece é se a intensidade da retomada da economia em setembro será suficiente para superar a queda acumulada da atividade em julho e em agosto.

Além da liberação do dinheiro do FGTS (R$ 28 bilhões) e do PIS/Pasep (provavelmente R$ 2 bilhões), o governo conta, para a retomada em setembro, com os efeitos das novas normas de segurança e saúde no trabalho, que foram adotadas pela Secretaria Especial de Previdência, a cargo de Rogério Marinho. O secretário reviu uma expressiva quantidade de regras, consideradas excessivas e burocráticas, que permitiram multar as empresas, afetando desde uma padaria até um forno siderúrgico. A revisão das normas, acredita o governo, terá impacto sobre a produtividade da economia.

Ricardo Noblat || Receita para o desastre

- Blog do Noblat / Veja

Enganou-se quem quis
Primeiro você se elege sem dispor de um plano de governo e sem precisar debater as escassas, vagas e mal costuradas ideias que tinha. Uma vez empossado, tenta fazer o que lhe passa pela cabeça ou o que lhe sopram a cada instante. Natural que assim seja.

À falta de uma equipe afiada para governar, improvisa. Cerca-se de auxiliares que sejam leais. Competência importa menos. E se alguns deles, por qualquer razão ou sem nenhuma, o decepciona, dispensa-os. Pessoas… Com é mesmo? São como fusíveis.

Se lhe cobram provas ou evidências das afirmações mais disparatadas que oferece para distrair a massa ignara, responde: “Para quê provas? É a minha verdade”. Se anuncia uma medida errada, recua e diz que não é obrigado a saber de tudo. Ninguém é.

Se os adversários se horrorizam com o que faz, é sinal de que está mais do que certo. E se aqui e ali contraria até mesmo os que o elegeram e o mimam, ora o problema é deles, e não seu. Se ficarem insatisfeitos, que escolham outro nome na próxima eleição.

A imprensa não dá sossego? Tenta enfraquecê-la desacreditando-a. Estelionato eleitoral é fazer o contrário do que prometeu. Deixa de ser estelionato se chamado por outro nome. Como Nova Política em contraposição à Velha que deve ser banida por todos os meios.

A Nova Política favorece toda a sorte de vantagens para o reaparelhamento do Estado ao gosto do freguês, e também para que se teste e se possa ir além dos limites estabelecidos por leis que pedem para ser reescritas ou simplesmente ignoradas.

Afinal, vale o quê? A vontade da maioria. À minoria resta a subordinação à espera do momento de reinventar-se para que se torne maioria outra vez. É assim por toda parte onde o voto decide, embora não fosse tal mal no tempo da ditadura…

Se os demais poderes criam dificuldades à realização dos seus desejos, acusa-os de sabotá-lo e contra eles mobiliza seus devotos. Aponta-os como culpados pelo insucesso de ações destinadas a assegurar um futuro melhor para o país. Provas? Não precisa.

O que está por vir não o aflige. Não estava no seu plano chegar aonde chegou. Foi Deus que quis. E foi para beneficiar a família que se lançou candidato. Se Deus não quiser mais, irá para casa com a certeza de que pode ter sido tudo, menos um banana.

É o que sempre foi, porra! Não escondeu quem era. Não pode ser responsabilizado pelo eventual engano alheio. Taokey? Taokey?

A volta da censura

Sinais da treva
Henrique Pires, Secretário Especial de Cultura, deixou o governo Bolsonaro por não concordar com a censura às manifestações de arte. “Seguir [no cargo] para ficar e bater palma para a censura, eu prefiro sair”, justificou-se.

Três filmes foram proibidos de participar da Mostra do Filme Marginal promovida pelo Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio, marcada para o próximo dia 18. Dois deles continham críticas a Bolsonaro.

Era assim no tempo da ditadura militar de triste memória.

Doria é ainda um amador

O que pensa a mídia || Editoriais

Apologia do abuso de poder || Editorial / O Estado de S. Paulo

Desde que o Congresso aprovou o projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade, tem havido uma saraivada de críticas afirmando que a nova lei seria revanchista, desequilibrada e perigosa para o bom funcionamento da Justiça. Tal oposição não apenas ignora o conteúdo do projeto de lei. As críticas ignoram o fato insofismável de que a nova lei tem uma característica única. É simplesmente impossível que ela seja interpretada enviesadamente, de forma a dificultar a ação dos juízes e procuradores, pela simples razão de que os intérpretes da nova lei serão os próprios juízes e os membros do Ministério Público.

Não faz sentido a alegação de que os crimes previstos na nova lei seriam muito abertos, dando margem a uma criminalização da atividade judicial. Em comparação com a legislação penal vigente, o projeto de lei do abuso de autoridade é bastante preciso. Houve muitas críticas, por exemplo, ao primeiro crime previsto na lei - “decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais” - como se fosse impossível detectar as situações de “manifesta desconformidade”.

Vale a pena refletir sobre tal argumentação. Quando se critica esse tipo penal - que é uma elementar medida de respeito à liberdade de todos os cidadãos, consequência direta de um Estado Democrático de Direito que zela pelas garantias individuais -, a rigor o que se está postulando é que nunca se poderia, com um mínimo de certeza, dizer que numa determinada situação o juiz não tem poderes para decretar a prisão de alguém. Tal crítica é uma insidiosa apologia do abuso de poder, ao afirmar que nunca se poderia detectar, com um mínimo de segurança, um caso de abuso.

Poesia || José Carlos Capinam - O poeta

O poeta não mente. Dificulta.
Como ser falso o caminho?
A mensagem é luminosa, flui, a mensagem é líquida.

Mentira que o poema sublime
O medo e o sofrimento.
O poema é trabalhado, dói, o poema é amargo.

O poeta não fugiu ao poema.
O verso amadurece como fruto:
Revela-se a semente quando a fome o parte.

O poeta não idealiza.
Seu caminho é humano
(Mas que pode o poeta se não lhe alcançam o símbolo?)

O poeta é gago.
Se não o amam, se não o esperam,
Não se elucida a palavra e o vôo cai.

A ponte ou às vezes o rio:
O poeta não está sobre as coisas,
O poeta depende, o poeta as sofre.

É homem o poeta.
Sofre o tempo, a fome e o corpo
Da mulher amada, como chora e morre e chora.

O poeta é livre para danificar a ave.
O poeta não danifica a ave,
Executa sem matar, porque o poema é propriamente e não ave.

In: CAPINAN. Inquisitorial. Introdução de José Guilherme Merquior. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 44-4

Música || Viradouro 2020 | Dominguinhos do Estácio e Cia. (Concorrente)

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Luiz Werneck Vianna* || A procura de um ator

Cumpridos sete meses de disputas encarniçadas ainda não se divisa qual partido tem levado vantagem na guerra de posições em que estão envolvidos o governo com as forças políticas que o apoiam no sentido de desviar o curso do nosso processo de modernização, vigente em linhas gerais desde os anos 1930, e as que se opõem, embora erraticamente, a tal movimento. De qualquer modo, pode-se constatar que se houve veleidades de uma ação do tipo blitzkrieg, rápida e fulminante, a fim de levar de roldão o sistema da ordem da Carta de 88, ela saiu do plano das cogitações oficiais, admitindo os estrategistas dessa operação que ela exige um tempo longo de maturação, para o que já se cogita mais um período presidencial.

Longe de serem uma linha maginot facilmente devassável, as instituições postas pela Carta de 88 tem-se mostrado robustas e resilientes, contrariando os incréus, ao assédio que lhes são feitas. Daí serem elas o objetivo estratégico do governo e seus aliados, principalmente o grande empresariado das finanças e do agronegócio, que identificam nelas obstáculos à expansão dos seus negócios, tal como na afirmação do princípio da solidariedade social, obstáculo ao modelo de capitalização desejado pelo super ministro da economia em favor das finanças, e da defesa do meio ambiente e das terras indígenas cobiçadas pelo agronegócio e pelo setor da mineração.

É próprio das guerras de posição de que as partes em conflito não só se mantenham firmes na defesa do terreno ocupado como procurem se assegurar das suas bases de abastecimento, de apoio político e social. Na atual circunstância em que ora se vive aqui é preciso destacar as vantagens com que contam o governo e seus aliados sobre seus oponentes, a começar pelo fato elementar de deterem a iniciativa das ações, com o que selecionam a seu favor o tipo dos embates com que fustigam seus adversários. Outra vantagem não negligenciável deriva da inexistência no campo das oposições de lideranças que organizem sua heterogênea composição, quer as de origem política quer as intelectuais, viciadas em seu gosto idiossincrático pelo protagonismo, dificultando, quando não impedindo, ações concertadas.

Contudo, pode-se considerar como passageiras algumas dessas desvantagens por que de fácil remédio. O estoque de reservas mobilizáveis pela oposição é muitas vezes superior ao que se apresenta como disponível pelo governo e aliados, e que tende a crescer em razão do estilo truculento e errático que tem caracterizado suas ações, prisioneiro até então da biografia e da personalidade agressiva do seu maior condutor, o presidente da República. O sindicalismo, os intelectuais, os estudantes, o amplo mundo das classes subalternas, a massa considerável da população se encontra à margem da agenda governamental que não dispõe de políticas de legitimação para elas. No caso, vale lembrar que o regime militar – pretenso espelho do governo atual – adotou em busca de legitimação, com êxito durante certo tempo, a via da expansão econômica, objetivo inteiramente ignorado pelos agentes atuais da política econômica.

Malu Delgado || Vidas, 'transtornos' e canos fumegantes

- Valor Econômico

Banalização da vida é legitimada como nova política pública

O papel de um governante é evitar "transtornos para a sociedade", segundo ensinamento do governador do Rio, Wilson Witzel, postado no Twitter minutos depois de ele descer efusivo de um helicóptero, na ponte Rio-Niterói, com o punho erguido em sinal de vitória. Tudo registrado em tempo real por um assessor que seguia os pulinhos frenéticos do chefe, filmando o momento épico com um celular. O transtorno, que impediu o trânsito nas duas vias da ponte, por quase quatro horas, era um jovem de 20 anos que sequestrou um ônibus com 37 passageiros. Um bandido, no vocábulo usual da família Bolsonaro, ou um "homem mau", de acordo com a definição bíblica do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que citou provérbios sobre os "gritos de alegria" da cidade quando os ímpios perecem, ou, como no caso em questão, morrem.

Os cidadãos (os brasileiros de bem, os cidadãos ordeiros, ainda parafraseando os filhos do presidente) que tiveram o curso normal da vida interrompido por algumas horas, impedidos de ir e vir (esse transtorno!), aplaudiram e reagiram com entusiasmo semelhante ao do governador Witzel quando ouviram os tiros disparados por um sniper, derrubando o sequestrador no momento em que ele havia descido do ônibus. Antes, num tenso processo de negociação conduzido pela polícia, seis reféns tinham sido libertados.

Soube-se logo depois da morte celebrada pelos políticos - in loco ou em exultantes comentários nas redes sociais - que o sequestrador portava uma pistola de brinquedo e gasolina numa garrafa pet, além de estar em aparente surto psicótico. "O ideal era que todos saíssem vivos, mas preferimos salvar os reféns", explicou o governador nas redes sociais. As preferências do governador são suficientemente conhecidas, mas ontem ele voltou a registrar sua contrariedade com os "entendimentos de que não podem ser abatidos os criminosos que ostentam armamentos". O tenente-coronel Maurílio Nunes, coordenador do Bope, afirmou, ao lado do governador, que 80% dos casos são resolvidos com negociação e há um claro protocolo internacional, técnico, a ser seguido para respaldar ações policiais em casos trágicos como o que se viu ontem.

Zuenir Ventura || Uma lição para Witzel

- O Globo

‘Essa é a polícia que queremos”, disse o coronel Mauro Fliess, porta-voz da PM, resumindo o desfecho das três horas e meia do sequestro de um ônibus com 37 passageiros ontem de manhã na Ponte Rio-Niterói. A única vítima foi o sequestrador, morto por um atirador de elite. A operação foi considerada tecnicamente perfeita.

O governador Wilson Witzel chegou no final e comemorou o feito com pulos e abraços nos soldados. Tomara que o episódio lhe sirva de lição, pois é o oposto de sua política de segurança, sobre a qual eu acabara de escrever o seguinte:

“Apesar dos resultados desastrosos — o mais recente foi a morte de seis jovens inocentes —, o governador insiste no confronto. Para ele não alegar que a crítica é de quem não entende do assunto, cito a opinião de dois importantes generais: Santos Cruz e Richard Nunes. Durante a intervenção federal no Rio, eles defenderam o fim dos enfrentamentos e propuseram ações sociais dos militares nas comunidades.

A posição coincidia também com a de José Mariano Beltrame, que foi secretário de Segurança do Rio por dez anos. Ele advertia que a reconquista do território aos bandidos era indispensável como primeiro passo, não como solução.

Bernardo Mello Franco || A euforia do governador

- O Globo

O sequestro na Ponte Rio-Niterói terminou com a libertação de todos os reféns. Ponto para a polícia, não para o político que buscou faturar com o episódio

Wilson Witzel vibrou, ergueu os punhos, deu pulinhos diante das câmeras. O governador era só euforia ao descer do helicóptero na Ponte Rio-Niterói.
Ele parecia comemorar um gol no Maracanã, mas estava chegando ao local demais uma tragédia carioca.

Não há o que festejar num sequestro que termina em morte, mesmo que seja ado sequestrador. OB ope agiu dentro da lei, tentou negociar uma rendição e atirou para preservar as vidas dos reféns. Ponto para a polícia, não para o político que buscou faturar com o episódio.

Witzel não se contentou em explorar o crime vivo na TV. À tarde, ele recebeu a imprensa no palácio comum a boina da tropa de elite sobre a mesa. À noite, trocou o figurino de “caveira” pelo de pastor.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o governador reapareceu dentro do ônibus, orientando os reféns a “colocar Jesus no coração”. Depois de três horas e meia de sequestro, as vítimas foram usadas como figurantes numa pregação eleitoreira.

Vera Magalhães || Tá tudo dominado

- O Estado de S.Paulo

Busca de blindagem a filho do presidente explica ataque coordenado a instituições

Muitas foram as tentativas de se frear o ímpeto punitivo iniciado com a Lava Jato até 2018, mas todas elas resultaram em nada. Funcionou como barreira de contenção às investidas, perpetradas sobretudo pelos políticos, mas com ecos também no STF, o apoio de que a operação gozava na opinião pública.

De tal forma anabolizada, a Lava Jato deixou de ser vista como uma força-tarefa temporária para virar uma espécie de instituição autônoma e teve papel importante na eleição de Jair Bolsonaro e outros expoentes da autodenominada “nova política”. Esse fenômeno viu seu ápice na nomeação de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça.

Passados os primeiros meses de governo, no entanto, a maré virou. O caso Vaza Jato mostrou abusos cometidos por procuradores da Lava Jato e abalou o monolito de credibilidade da operação. Paralelamente, as revelações de irregularidades cometidas no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio tiraram do clã presidencial o discurso fácil do moralismo.

Foi essa conjunção astral que foi percebida pelos setores da política e do Judiciário incomodados com o protagonismo da Lava Jato e que sempre apontaram abusos por parte do Ministério Público e outros órgãos de controle, como a Receita e o Coaf, para finalmente ter êxito em iniciativas para lhes cortar as asas.

Merval Pereira || Mudança de rumo

- O Globo

Parte dos eleitores de Bolsonaro vai ficar revoltada quando entender que ele está boicotando a Lava-Jato

A interferência do presidente Jair Bolsonaro em corporações como a Polícia Federal, a Receita, o Coaf, as Polícias Militares, fundamentais no combate à corrupção, na direção oposta àquela que balizou sua campanha presidencial, é um dos mais intrigantes movimentos políticos dos anos recentes.

Bolsonaro foi eleito principalmente pelo sentimento antipetista que continua latente. Mas ampliou seu eleitorado cativo, de militares e assemelhados, com a adesão da classe média urbana, que exigia o combate à corrupção como maneira de conseguir bons serviços públicos e um padrão ético civilizado.

A Operação Lava-Jato fez com que os brasileiros juntassem causa e efeito, compreendendo que a corrupção constrangia o investimento governamental em áreas carentes de equipamento urbano de transportes, de saúde, de educação, saneamento básico.

Na campanha presidencial, Bolsonaro anunciou logo que o superministro da Economia seria Paulo Guedes, seu “posto Ipiranga”. O que lhe valeu o apoio de um eleitorado liberal que buscava ao centro a solução para livrar-se do PT. Bolsonaro tornou-se a solução à mão.

Eleito, deu um golpe de mestre convidando o juiz Sergio Moro, símbolo do combate à corrupção, para ministro da Justiça e Segurança Pública, juntando em uma figura icônica dois setores vitais para a melhoria do cotidiano do brasileiro.

Carlos Melo* || Doria age para confinar Bolsonaro no gueto extremista

- O Estado de S.Paulo

Menos afoito do que quando debutou na política, como prefeito, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), constrói agora com método e vagar sua candidatura à Presidência da República. No desgaste do governo federal, ocupa espaços e atrai aliados; conscientemente, o discurso enérgico e o antagonismo com o PT o colocam na disputa por um campo político hoje tomado por Jair Bolsonaro. O embate entre ambos está contratado.

Contudo, há dois poréns: após apelos e juras feitos a Bolsonaro no segundo turno da eleição estadual, Doria será bem recebido pelo eleitorado que, na disputa em 2018, se alinhou com o atual presidente? E, ao final, “rachar” a direita não compreenderia somar zero com Bolsonaro e viabilizar o centro e a esquerda?

O primeiro ponto, o tempo dirá: dependerá da habilidade de Doria, do desempenho do governo e do desgaste de Bolsonaro, em particular.

Já aproximação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seu partido, o DEM, visa equacionar a segunda questão: uma aliança com esse desenho lhe daria amplitude da direita para o centro, bem além do jardim bolsonarista. Nesta hipótese, Doria confinaria o presidente no gueto do extremismo, solapando o solo sob seus pés no terreno do antipetismo e da direita moderada. Com a esquerda órfã, desorganizada e dividida, com efeito, suas chances aumentariam. O cálculo é racional; faz sentido.

‘Luciano Huck e a Casa das Garças não conhecem Paulo Hartung’, diz Luiz Paulo

- Século Diário (ES)

Ajuste fiscal foi feito à custa de investimentos públicos essenciais e com pactuação política medíocre

Diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) e ex-prefeito de Vitória por dois mandatos, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PPS) avalia que a movimentação política de Paulo Hartung (sem partido) no cenário nacional – lançada explicitamente no Espírito Santo na última quarta-feira (14) em evento organizado pela herdeira da Universidade de Vila Velha (UVV) e pré-candidata à prefeitura do município, Tayana Dantas (Cidadania), e pelo apresentador de TV Luciano Huck – está sendo sustentada por uma versão “denorex” do seu trabalho no Estado.

A narrativa que está sendo construída sobre a trajetória do ex-governador – provável candidato a vice de Huck na disputa presidencial de 2022 – “é verossímil, não é verdade. É uma ilusão cognitiva”, classifica Luiz Paulo. “É 'denorex', parece, mas não é”, brinca o ex-prefeito.

Por dois motivos, destaca: a forma como foi feito o ajuste fiscal; e a excessiva transferência a Paulo Hartung dos créditos sobre o sucesso da renovação política e fiscal do Espírito Santo, nos últimos 20 anos.

“E o Luciano Huck e a Casa das Garças não sabem de nada disso”, afirma, referindo-se ao “templo” dos economistas liberais do Brasil, como Pedro Malan, Armínio Fraga, Samuel Pessoa e Marcos Lisboa, com quem Paulo Hartung tem dialogado desde que se viu impossibilitado de disputar o Palácio Anchieta em 2018, diante dos erros cometidos na sua terceira gestão. Diálogos que têm sido potencializados por eventos políticos com o de Vitória e pela mídia hegemônica local, nacional e internacional, a exemplo da matéria publicada no início de agosto no britânico The Economist, e que foi alvo de crítica publicada neste Século Diário.

Para começar, enfatiza Luiz Paulo, “o equilíbrio fiscal é um meio, não é o fim em si mesmo”. Não gastar mais do que se arrecada é um meio de ser governar bem. Mas, “em seu terceiro mandato, ele cuidou apenas disso”, critica.

Luiz Carlos Azedo || Moedas de troca

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Quem tem três propostas de reforma tributária, a rigor, não tem nenhuma. É preciso unificar os projetos e construir massa crítica para sua aprovação, o que não será fácil”

A aprovação da reforma da Previdência pelo Senado é uma negociação muito mais complexa do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, imaginava. Sua conversa com os senadores ontem, no gabinete do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mostrou que a reforma passa por um entendimento com os governadores, entre os quais os do Nordeste, que estão em rota de colisão com o presidente Bolsonaro por razões políticas e eleitorais, e também do Norte do país, que se queixam da posição do governo em relação ao Fundo da Amazônia.

Ao contrário do que acontece na Câmara, onde a representação dos estados leva em conta o tamanho dos respectivos colégios eleitorais, no Senado, todos os estados têm três senadores, não importa o número de eleitores. Além disso, é uma Casa de voto majoritário, que passou por grande renovação, mas que ainda tem um conjunto de lideranças com larga experiência política e administrativa, por serem ex-governadores e ex-ministros. O relator da reforma da Previdência, por exemplo, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um dos veteranos da Casa.

Ontem, para abrir caminho à aprovação da reforma da Previdência, Guedes estimou em R$ 500 bilhões a transferência de recursos federais para os estados e municípios, em 15 anos, em decorrência de um pacote de projetos do que o governo chama de novo pacto federativo. O governo promete distribuição dos recursos do leilão do excedente da chamada cessão onerosa do pré-sal, Fundo Social, desvinculação do Orçamento, mudanças no Fundeb (Fundo de Educação Básica) e Fundos Constitucionais, além do plano de socorro a estados (Plano de Equilíbrio Fiscal — PEF), que já foi anunciado pela equipe econômica.

Segundo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro pretende descentralizar as receitas, elevando os repasses da União a estados e municípios. Na conversa com os senadores, o ministro da Economia vinculou as transferências a estados e municípios aos respectivos ajustes fiscais, mas não explicitou os critérios a serem adotados. Quatro ou cinco PECS (Projetos de Emenda à Constituição) serão apresentados pelo governo.

Hélio Schwartsman: Sim, nós temos bananas

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não poupou medidas e declarações controversas em oito meses de governo

"Ou vou ser um presidente banana?", perguntou-se Jair Bolsonaro no curso de uma das muitas polêmicas em que se meteu recentemente. O dilema presidencial é pertinente e merece investigação.

Em seus oito meses de governo, Bolsonaro não poupou o país de medidas nem de declarações controversas. Em várias delas mostrou-se realmente um valentão. Foi o caso dos decretos sobre armas, sobre radares de velocidade, do esvaziamento de conselhos e agências e dos bate-bocas com adversários.

Os traços comuns a essas situações são que elas geram protestos que ficam restritos à mídia e rendem ao mandatário o aplauso entusiasmado de seus partidários. Os prejuízos causados são algo abstratos ou, pelo menos, não imediatamente mensuráveis.

Em outras ocasiões, porém, Bolsonaro revelou-se mais banana. Parou de falar em transferir a embaixada brasileira para Jerusalém e esqueceu o discurso duro que fazia contra a China. Não voltou a insistir na pauta do Escola sem Partido nem na ideia de reduzir a maioridade penal.

Bruno Boghossian || O preço do embaixador Eduardo

- Folha de S. Paulo

Presidente oferece cargos e põe em risco outras pautas para ajudar Eduardo

Jair Bolsonaro sempre soube que o currículo do filho não era suficiente para o posto mais importante da diplomacia brasileira no exterior. Tentou fazer piada, chamou Eduardo de "fritador de hambúrguer" e, principalmente, limpou uma planilha de cargos vultosos no governo para entregar aos parlamentares dispostos a apoiá-lo.

O nome do terceiro filho do presidente começou a circular há quase 40 dias como futuro embaixador do Brasil em Washington. Recebeu o aval do governo americano, mas ainda não foi enviado ao Senado para aprovação. O longo processo e as críticas públicas revelam o custo político alto da escolha —um custo que Bolsonaro está disposto a pagar.

O presidente queima a influência política do governo para emplacar Eduardo. Quando fala em desistir, ignora o óbvio entrave moral de enfiar um filho numa função pública de peso e parece só estar preocupado com o bem-estar da prole.

"Tudo é possível. Eu não quero submeter o meu filho a um fracasso. Eu acho que ele tem competência. Tudo pode acontecer", afirmou.

O governo trabalha como se o fator família não fosse problema. "Se não for meu filho, vai ser o filho de alguém, porra", disse o presidente, desiludindo quem torcia para que o embaixador fosse um ser nascido a partir de geração espontânea.

Ruy Castro* || Idiota, tá OK; de Ipanema, jamais

- Folha de S. Paulo

Televisão alemã comete erro grave ao classificar Bolsonaro

Na semana passada, a ARD, principal canal estatal de televisão da Alemanha, dedicou todo um programa humorístico, "Extra 3", a criticar o presidente Bolsonaro por sua defesa da motosserra na proteção da Amazônia, por sua intervenção em órgãos oficiais que insistem em lhe dizer a verdade sobre o desmatamento e pelo seu sonho de transformar a agricultura brasileira num grande pasto. Até aí, é normal —graças a Bolsonaro, o Brasil tem fornecido abundante material de humor na TV mundial. Mas, em certo momento, o apresentador Christian Ehring mostrou Bolsonaro usando uma mistura de monoquíni e tanga, com o morro Dois Irmãos ao fundo e o título: "Bolsonaro, der Depp von Ipanema". Ou: "Bolsonaro, o idiota de Ipanema".

Epa! Aí, não. É inadmissível. É pegar pesado demais. Idiota, tudo bem. Mas, de Ipanema, não.

Bolsonaro não tem nada a ver com Ipanema. Nunca teve, nunca terá. Não há hipótese de ser confundido com o bairro que, nos últimos cem anos, foi o palco das revoluções brasileiras em comportamento, moda, artes plásticas, cinema, teatro, música popular, imprensa, colunismo social, cartum, fotografia, televisão, esporte, design, boemia, Carnaval, praia e até psicanálise. O bairro da bossa nova, do cinema novo, da Banda de Ipanema, das Dunas do Barato, da esquerda festiva, dos botequins lendários, das moças grávidas na areia, das grã-finas que se misturavam com os mortais.

Elio Gaspari* || José Pastore mostrou a bomba

- Folha de S. Paulo / O Globo

Faz tempo que o Brasil vive no desvão que separa o conservadorismo do atraso

Poucas vezes se ouviu uma advertência tão grave como a que o professor José Pastore fez em sua entrevista à repórter Érica Fraga. O Brasil tem 50 milhões de pessoas no desemprego e na informalidade, sem qualquer tipo de proteção social: “Nada, zero. Nem proteção trabalhista, nem CLT, nem Previdência, nem seguro saúde, nada. Elas dependem de assistência. Felizmente, temos dois ou três planos de assistência social que quebram o galho.”

Quem acha que esse tipo de capitalismo selvagem tem futuro, talvez faça melhor cuidando da papelada para conseguir um visto português. Até porque falta à selvageria nacional o ingrediente capitalista, coisa em relação à qual o andar de cima tem secular repulsa. A advertência de Pastore ganha atualidade quando se sabe que mais da metade do valor das deduções do Imposto de Renda com despesas de saúde vão para pessoas com renda superior a dez salários mínimos. Com elas, em 2018 a Viúva deixou de arrecadar R$ 44,4 bilhões. Quem não tem o plano de saúde que permite o rebate, dispõe do malfalado SUS. Desde 2009 ele perdeu 43 mil leitos de internação, equivalentes a 12,7% da rede.

Pastore exemplificou a selvageria que se está estabelecendo no mercado de trabalho com uma cena hospitalar: “No novo mundo do trabalho, você tem três enfermeiras num mesmo hospital. Uma é fixa, outra é terceirizada e a outra, freelancer. Fazem a mesma coisa, mas têm remuneração e benefícios diferentes. Isso é um escândalo para o direito do trabalho convencional.”

Míriam Leitão || O panorama visto do mercado

- O Globo

Risco externo e dificuldades internas entram na conta do mercado e visão para o PIB está mais negativa do que no início deste ano

A análise que os economistas de bancos fazem hoje é muito menos positiva do que faziam no início do ano. Antes, as perspectivas eram de retomada, de aprovação de reformas e de recuperação via ajuste fiscal. Um exemplo desse novo tom ocorreu na entrevista de ontem do departamento de pesquisa econômica do Itaú Unibanco. O economista-chefe, Mário Mesquita, não vê dados consistentes de recuperação acurto prazo, prevê a desaceleração da economia global, não tem no cenário a aprovação da reforma tributária e teme os reflexos da política ambiental do governo.

Pelas contas do banco, não haverá recessão técnica, porque o número do segundo trimestre será positivo em 0,5%. Recessão é quando há dois trimestres seguidos de queda.

Houve queda no primeiro. Alguém pode considerar esse número de 0,5% até alto porque os dados setoriais foram todos negativos no trimestre. Eles explicam que a produção industrial foi puxada par abaixo pela indústria extrativa mineral, como reflexo ainda da tragédia de Brumadinho. Mas a indústria de transformação e os serviços vão levar o número do trimestre a um dado positivo.

Há outros bancos e consultorias com projeções mais baixas para o segundo trimestre. O índice do IBGE sai dia 29. De todo modo, no terceiro trimestre, há novo risco de um número negativo. Se isso acontecer, serão dois trimestres, não consecutivos, de encolhimento no ano.

— A economia brasileira continua girando na casa de 1% anualizado. Mesmo que suba 0,5% no segundo trimestre, virá logo em seguida um PIB fraco no terceiro trimestre. Há uma volatilidade grande da recuperação, ela não é firme.