sexta-feira, 22 de novembro de 2019

José de Souza Martins* – O menino e seu cavalo

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Neoliberalismo do Chile tem grande apelo entre seres totalitários

Milton Friedman, da Universidade de Chicago, mentor dos “Chicago boys”, que disseminam o neoliberalismo econômico nos países precários como o nosso, disse que uma economia livre só tem sentido em sociedades democráticas e livres. No entanto, esse neoliberalismo tem grande apelo entre os seres totalitários que transformam as reformas econômicas neoliberais em verdadeiros golpes de Estado de governantes ocultos que governam sem mandato, os técnicos que implementam as medidas que as efetivam.

No mais das vezes, com elas, revogam conquistas sociais preconizadas pelos próprios empresários, induzidos pelas inquietações e demandas dos trabalhadores, como técnicas políticas de racionalização das relações de trabalho e de incremento da produtividade do trabalho através da paz social.

O Chile é apresentado, na propaganda enganosa do neoliberalismo, como país em que as duras medidas que o caracterizam acabam resultando em crescimento econômico e modernização em benefício de todos. O protesto das ruas diz que não. É verdade que o Chile das grandes dificuldades econômicas de 1973 sofreu um crescimento econômico extraordinário de lá para cá, mas às custas de consequências sociais excludentes.

Economistas, e não só eles, têm dificuldade para lidar com a dimensão histórica do tempo, com as temporalidades sociais. O economismo de gente que pensa como os “Chicago boys”, como se vê no dia a dia, é o da economia de longo prazo pensada e reduzida a providências e consequências de prazo curto.

César Felício - Da correção para a mudança de rumo

- Valor Econômico

Combate à corrupção perde fôlego no Brasil

Em seu livro de memórias, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot relata uma conversa que manteve no Departamento de Estado dos Estados Unidos, em julho de 2017. “O senhor tem ideia da extensão do trabalho de vocês no Brasil? “, perguntou um funcionário americano. “Vocês viraram modelo de combate à corrupção, e isso terá efeitos duradouros no continente, porque todos os países vão querer replicar esse modelo a partir de agora. Todos estão de olho no trabalho de vocês”.

A previsão de Washington deu mais ou menos certo. A Lava-Jato brasileira influenciou os países vizinhos, mas de forma irregular. Foi disruptiva no Peru, bem menos efetiva na Argentina e na Colômbia e virtualmente nula no México.

É nítido para qualquer um que queira ver que houve uma mudança de clima no Brasil em relação ao combate à corrupção este ano. O declínio coincide, ainda que não se deva a essa razão, com a ascensão ao Ministério da Justiça de Sergio Moro e tem nas limitações criadas ao trabalho do Coaf e da Receita Federal, tema do julgamento que transcorre no Supremo Tribunal Federal, um de seus eixos principais.

Também contribuíram para a mudança de clima certos aspectos da Lei de Abuso de Autoridade recentemente aprovada pelo Congresso, os tropeços do pacote anticrime de Moro na Câmara, as substituições pouco explicadas em postos chave da Polícia Federal e a constatação de que os responsáveis pela mais ambiciosa investigação contra a corrupção no mundo cometeram excessos.

Claudia Safatle - Ajuste prescinde da reforma administrativa

- Valor Econômico

Não será problema grave deixar para o início do ano que vem o envio da PEC que mexe com carreira do funcionalismo

O ajuste fiscal de curto prazo prescinde da reforma administrativa, necessária para dar um novo e mais eficaz formato à política de RH do setor público e para melhorar o péssimo desempenho do Estado como prestador de serviços aos cidadãos. É a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que vai conter o crescimento quase autônomo das despesas de pessoal, a segunda mais pesada para os cofres públicos depois da Previdência Social.

A reforma administrativa é importante para estabelecer novas condições de contratação de servidores, sobretudo para o momento em que for permitida a renovação dos quadros do funcionalismo, dada a concentração de um grande volume de aposentadorias nos próximos anos.

A PEC Emergencial é que traz o instrumental para dar um freio de arrumação nas contas públicas, que já estão no quadro de deterioração necessário para o acionamento dos “gatilhos” nela previstos. No exercício de 2020, assim como em 2019, a União está desenquadrada da “regra de ouro”, que proíbe o aumento do endividamento para pagar despesas correntes.

A insuficiência da “regra de ouro” para 2020 é de R$ 367,031 bilhões - montante de despesas da proposta orçamentária do próximo ano que dependem de emissão de títulos pelo Tesouro. Para este ano, o Congresso aprovou lei que permite a União aumentar a dívida em até R$ 248,9 bilhões para cobrir despesas previstas na lei orçamentária.

Maria Cristina Fernandes – A premonição de Freyre e a paisagem bolsonarista

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Biblioteca do Exército reedita conferência,de 70 anos atrás, em que Gilberto Freyre alerta contra os riscos de se terceirizar todas as soluções da República às Forças Armadas

“Por que o Exército, que é forte e tem armas, não acaba com as favelas, expulsando, do alto dos morros, as multidões que hoje vivem, nos barracos, vida de bichos imundos? Por que o Exército, que tem tanks e metralhadoras, não acaba com o Comunismo? Por que o Exército não acaba com o jogo de “pif-paf ”? Por que o Exército não resolve o problema da falta de carne? Ou o da falta de leite? Ou o da exploração do peixe e dos legumes? Ou o dos muitos suicídios? Ou o dos muitos assassinatos? Ou o do tráfego do Rio de Janeiro?”.

Quando proferiu, em 1948, a conferência “Nação e Exército”, a convite da Escola de Estado-Maior do Exército, Gilberto Freyre não tinha como imaginar que sua provocação um dia se tornaria realidade. Quando deu início às tratativas para a reedição da conferência, publicada como livro em 1949, o general Richard Nunes, então diretor da escola, não tinha como imaginar que deixaria aquele cargo para assumir a Secretaria de Segurança do Rio e realizar a profecia anunciada por Freyre como caricatura do que aconteceria se o país não parasse de terceirizar para o Exército a solução de todos os males.

Entre a decisão de reeditar o livro e seu lançamento, em setembro passado, pela editora Biblioteca do Exército, o vaticínio de Freyre se incorporou num capitão do Exército que, eleito presidente, levou para o primeiro escalão de seu governo um número maior de generais do que quaisquer dos governos militares. A saída de um a um do ministério não tem privado Jair Bolsonaro de fazer remissão às Forças Armadas como recurso de um governo desaparelhado para enfrentar desde as queimadas na Amazônia até o risco de contágio do continente sublevado.

Quando Freyre fez a conferência, o Exército havia sido protagonista do fim tanto da monarquia quanto da República Velha. O sociólogo teve uma relação tensa com o governo Getúlio Vargas. Chegou a ser preso depois de bater de frente com o interventor do Estado Novo em Pernambuco, Agamenon Magalhães. Depois virou um interlocutor de Getúlio e de suas intervenções no patrocínio de manifestações culturais, das festas da padroeira às ligas das escolas de samba. O sociólogo pernambucano apoiou o golpe de 1964, mas, nos derradeiros anos da ditadura, tornou-se um crítico do regime.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro já mira a reeleição

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A criação do Aliança pelo Brasil sinaliza uma reorganização do quadro partidário, ainda que num primeiro momento à custa de mais fragmentação, pois nasce de um racha no PSL”

O presidente Jair Bolsonaro já tem um partido para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, cujas principais bandeiras são a livre iniciativa, a posse de armas, o combate ao comunismo e ao globalismo e a defesa da família e da infância, segundo o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga, principal estrategista da criação da legenda. Na presidência de sua comissão provisória, Bolsonaro conta com o apoio dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos para cumprir as exigências da legislação eleitoral, entre as quais a coleta do mínimo de 491.967 assinaturas, em nove unidades da Federação, até março, para poder participar das eleições municipais.

Entretanto, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não autorizar a coleta de assinaturas eletrônicas, ou seja, pela internet, Bolsonaro não pretende participar das eleições municipais do próximo ano.Trocando em miúdos, Bolsonaro lançou um partido com objetivo de com ele disputar a reeleição à Presidência. Essa é a missão principal do Aliança pelo Brasil, que busca unificar a extrema direita brasileira, tendo como núcleo central os parlamentares das bancadas evangélica, ruralista e da bala. Há um ideário político por trás dessa definição, sem dúvida, mas também há um cálculo eleitoral estratégico: com o governo federal nas mãos e um partido que represente os setores mais conservadores da sociedade, Bolsonaro acredita que estará no segundo turno das eleições, na pior das hipóteses.

Dora Kramer - Huck na cabeça

- Revista Veja

O centro já se move nos preparativos da alternativa aos extremos em 2022

Aquele espaço eleitoral localizado entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva por onde transitam políticos identificados com correntes do centro à direita civilizada já conta com um plano de ocupação e o nome de um favorito para representá-lo. É Luciano Huck. Ele concorre na preferência com o governador João Doria, mas no momento está em alta no certame dos aprontos preliminares às eleições de 2022.

O processo corre (mais ou menos) em segredo de política, a fim de não queimar etapas nem atrair atritos desnecessários, mas o objetivo está definido: afastar o PT da jogada e conquistar o lugar de antagonista de Bolsonaro, na canoa de quem a maioria desse pessoal embarcou por conveniência em 2018 e de quem se distancia desde o início do governo tido como “tosco” e, por isso mesmo, fator que facilita a aglutinação do centro.

Em público, os artífices da construção daquilo que já esteve em moda chamar de terceira via dizem que é cedo para falar em nomes e assumir candidaturas. Em privado, no entanto, atuam com afinco e o fazem com base em um cenário com os prováveis concorrentes: Bolsonaro, Fernando Haddad ou quem Lula escolher, João Amoêdo, Luciano Huck, João Doria e Ciro Gomes. Rodrigo Maia só entra na lista como possibilidade para vice.

Murillo de Aragão - Os bons frutos da polarização

- Revista Veja

O melhor dos mundos: reformas com democracia

Muitos no Brasil de hoje se preocupam, corretamente, com as narrativas belicosas e a polarização ideológica. Devem também se preocupar com os ataques à imprensa e o tom raivoso que predomina nas redes sociais. São tempos exacerbados que, sem dúvida, merecem a atenção de todos. Mas o Brasil não é só polarização. E, diferentemente do que se viu em outras épocas, o extremismo que se instalou aqui com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, veio acompanhado de um virtuoso ciclo de reformas e de modernização, iniciado no governo de Michel Temer (MDB) e com o apoio decisivo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

De forma inusitada, as eleições de 2018 trouxeram as reformas estruturais para o centro das discussões. Os principais candidatos presidenciais, em especial Jair Bolsonaro, abordaram temas que antes soavam impopulares e seriam vetados nas campanhas, como a reforma da Previdência, a diminuição do Estado e a redução da burocracia. Houve uma mudança de mentalidade no mundo político.

Ricardo Noblat - Em cena, o Partido do Três Oitão

- Blog do Noblat | Veja

Enfim, a nossa jabuticaba

O nome oficial é Aliança pelo Brasil. Mas pode chamá-lo de Partido da Família Bolsonaro. Ou Partido do Três Oitão. Na hora de votar, se preferir, crave 38. “Acho que é um bom número, né?” – perguntou o presidente Jair Bolsonaro no ato de lançamento da nova legenda. E justificou: “Mais fácil de gravar”.

De fato, mais fácil. E coerente com o programa do partido que fala no “direito inalienável dos brasileiros de possuir e portar armas de fogo”. O programa chama aborto de “assassinato de criança”. E condena o “ativismo judiciário – bandidos que estejam no poder munidos de armas ou de canetas”.

Nada a ver com caneta azul, azul caneta com a qual Bolsonaro assina seus despachos. Ontem mesmo, ele assinou mais um que, se aprovado pelo Congresso, facilitará a vida de militares e policiais destacados para restabelecer a ordem pública. Estarão liberados para “atirar na cabecinha” de bandidos.

Se o nome Partido do Três Oitão inspira medo em almas sensíveis, o outro é mais acolhedor e faz sentido. O presidente do Partido da Família Bolsonaro será Jair, o pai. O vice, Flávio, seu primogênito. A Comissão provisória será formada por dois assessores de Bolsonaro, um de Eduardo e dois advogados da família.

Reinaldo Azevedo - Mas cadê esse tal centro?

- Folha de S. Paulo

Quem quer se tornar liderança política tem de se apresentar para o debate

Estamos vivendo um Pirandello ao contrário no Brasil. O autor italiano criou “Seis Personagens à Procura de um Autor”. Nunca vi a encenação da peça. O texto é uma delícia. Por aqui, temos “Seis Autores à Procura de uma Personagem”. O texto é uma porcaria. Faço a inversão exata para apelar a alguma graça. Na verdade, não são seis, mas uns seiscentos...

Ando fugindo de textos que tratam da necessidade de um “centro”. Virou conversa de quem busca o selo de qualidade de analista neutro, que rejeita os extremos: “Nem Bolsonaro nem Lula”. Como nem um nem outro tiranizam meu pensamento por intermédio do amor ou do ódio, não são medidas da minha neutralidade. Essa busca virou uma espécie de angústia. Não misturo política com sentimentos...

Andam à espera do Godot centrista. Que as personagens que postulam esse lugar se apresentem para o debate público. Com quem eu falo? Quem se apresenta como esse tertius com aspirações superiores, distante do mundo real onde pulsam bolsonaristas e lulistas? Quero me apresentar ao líder.

Anuncio que sou uma pessoa boa e sensata, a exemplo de outras que olham para o céu em busca de discos voadores da conciliação. Mas estou preso à Terra. A propósito: qual foi o extremismo vocalizado por Lula até agora? Discordei de quase tudo do que consegui entender de seu discurso sobre economia. Mas é fala de um extremista? Ora...

Bruno Boghossian - Partido de Bolsonaro revela desprezo por evolução e diversidade

- Folha de S. Paulo

Parece apropriado que sigla tenha voltado cinco séculos para formular bandeiras

Parece apropriado que o novo partido de Jair Bolsonaro tenha retrocedido cinco séculos para formular suas bandeiras. O programa da Aliança pelo Brasil faz uma distorção grosseira dos valores conservadores para revelar seu desprezo pela evolução, pela diversidade e pelas transformações da sociedade.

O panfleto ultraconservador lido no lançamento da sigla, nesta quinta (21), não apresentou um projeto para o Brasil real. Sua visão sobre políticas públicas ficou reduzida a quatro pilares genéricos: respeito a Deus, resgate de tradições culturais, proteção da vida e defesa da ordem.

Os autores do texto viajaram a 1500 para anunciar que o partido seguirá os “valores fundantes do Evangelho”. Motivos: o primeiro ato oficial celebrado no Brasil foi uma missa e o primeiro nome atribuído ao território foi Terra de Santa Cruz (na verdade, foi Ilha de Vera Cruz).

Hélio Schwartsman - Bolsonaro, a verdade e a cultura

- Folha de S. Paulo

Pelo desmatamento ter dimensão cultural, o presidente comete desatino ao não agir contra ele

O presidente Jair Bolsonaro tem uma relação complicada com a verdade, especialmente com as verdades que não estejam de acordo com seus caprichos ideológicos. Posto isso, os otimistas podem regozijar-se com o fato de que, desta vez, ele não contestou as medições oficiais do Inpe que revelaram um aumento de 29,5% no desmatamento na Amazônia.

É um avanço notável, se considerarmos que, em julho, quando o instituto soltou os primeiros dados que apontavam para a tendência de alta, Bolsonaro não só disse que os números eram incorretos como também afirmou que o então diretor da instituição, o engenheiro Ricardo Galvão, estava “a serviço de alguma ONG” e mandou demiti-lo.

Eros Roberto Grau* - O STF, a prisão e a Constituição

- O Estado de S.Paulo

Só nova Constituinte poderá impor a prisão após condenação em segunda instância

Podemos falar e escrever como juízes, advogados ou cidadãos. Agora, escrevo como a relembrar voto que proferi como relator do Habeas Corpus 84.078-7, em 2009, quando eu era membro daquele tribunal lá de Brasília, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao me referir aos juízes, desembargadores e ministros dos nossos tribunais seguidamente me repito, lembrando um texto de Sartre a propósito da conduta do garçom que executa uma série de gestos solícitos para atender o cliente. Os garçons cumprem seu papel no café ou restaurante onde trabalham sendo gentis até mesmo com clientes que detestem.

Assim é o juiz. Cumpre o papel que a Constituição lhe atribui. Não é perpetuamente juiz. Mas enquanto juiz deve representar o papel de magistrado, nos termos da Constituição e da legalidade. Não o que é (e pensa) ao cumprir outros papéis, quais os de artesão ou jardineiro, por exemplo. Poderão então prevalecer os seus valores. Enquanto juízes, contudo, hão de se submeter à Constituição e às leis.

O que me traz a escrever este texto é o recente julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) n.ºs 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal recuperando e reafirmando o quanto decidiu em 2009, no julgamento do Habeas Corpus 84.078-7.

Outro é o meu sentimento como cidadão, distinto do que dispõe a Constituição, que estabelece, no seu artigo 5.º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E o inciso LXI desse mesmo artigo 5.º, por outro lado, aplica-se não ao cumprimento de pena, mas à prisão preventiva “em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

Eliane Cantanhêde - Nova sigla, velhas ideias

- O Estado de S.Paulo

E a direita moderna, liberal na economia e também no social, na cultura e nos costumes?

Após 20 anos de ditadura militar, a balança se inverteu e o preconceito contra os militares passou a andar lado a lado com uma onda de esquerda e centro-esquerda. Falar em direita? Vade retro! Partidos conservadores mais aguerridos se diziam “liberais”, até de “centro-esquerda”, mesmo depois que as Forças Armadas passaram ao 1.º lugar de aprovação nas pesquisas.

O único político que tentou criar um partido nitidamente de direita foi Luís Eduardo Magalhães, grande promessa política que morreu aos 43 anos, em 1998. Sem ele, até PP, PTB e PL se apresentam como de “centro”. E viraram “Centrão”. Logo, a criação da Aliança pelo Brasil é um movimento importante e um teste sobre o tamanho e a identidade, ou alma, da direita brasileira, hoje mobilizada em torno de um “mito”, Jair Bolsonaro, e de uma novidade, o bolsonarismo. Seus nove partidos anteriores, como o PSL pelo qual se elegeu há um ano, foram apenas utilitários.

A grande pergunta, porém, é que direita é essa? Aquela direita de Luís Eduardo? Ou uma nova direita de cultos? A resposta pode definir uma linha clara entre os que apoiam o governo Bolsonaro por pragmatismo ou falta de opção e aqueles que realmente comungam as ideias, muitas delas beirando o absurdo, da nova onda de poder.

Celso Ming - Sinais de melhora. Mas é cedo para comemorar

- O Estado de S.Paulo

Depois de longa temporada de baixo-astral, espraia-se pelo País a sensação de que a economia está em recuperação, um tanto lenta, mas, digamos, consistente.

Há boas indicações que justificam esse estado de espírito. Um dos medidores da pulsação, o Monitor do PIB, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, mostrou que, até setembro, o ritmo dos negócios em 12 meses aumentou 0,9%, graças ao “bom desempenho na agropecuária, indústria (exceto transformação) e serviços (exceto transportes e intermediação financeira)”.

O consumo das famílias avançou 1,9% no terceiro trimestre em comparação com o terceiro trimestre de 2018. As projeções do mercado, medidas pela Pesquisa Focus, do Banco Central, indicam avanço da renda de 0,92% em 2019. Há uma apreciável melhora no crédito, cujo estoque na rede bancária cresceu 5,8% em 12 meses (dados de setembro). Até mesmo os caminhoneiros, há alguns meses tão insatisfeitos com o comportamento de sua renda, mostram confiança com o aumento da procura por transporte de carga, meses antes do início das safras de grãos.

O agronegócio é o setor produtivo mais dinâmico. Deve entregar aumento de cerca de 1,8% nas safras de grãos, como atestam os últimos levantamentos da Conab. E, apesar do fiasco dos dois últimos leilões de áreas do pré-sal, o setor do petróleo aponta para forte aumento da produção em 2020, dos atuais 2,9 milhões de barris diários para alguma coisa em torno dos 3,7 milhões.

Elena Landau* - Chama o Chacrinha

- O Estado de S.Paulo

Para ganhar apoio da sociedade, importância de PECs deve ficar bem clara

O governo enviou, recentemente, três propostas de emendas constitucionais visando reorganizar as finanças públicas e recuperar os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foram sendo abandonados pelo caminho com aval dos Tribunais de Contas dos Estados, e mesmo do STF.

As emendas são bastante complexas, mas mesmo que apresentadas em separado, elas estão conectadas. A lógica do processo não é de fácil entendimento, ficando circunscrita aos especialistas em contas públicas. Para ganhar apoio da sociedade, é fundamental que fique clara a importância de cada uma das medidas propostas, como se articulam, qual o objetivo final e por que o saldo das mudanças é positivo, ainda que imponha perdas para alguns grupos. Foi assim que a reforma da Previdência conseguiu ser aprovada este ano, após dois anos de debates, campanhas de esclarecimento e negociação política.

Complementando essas três PECs, o governo anunciou outra para a simplificação tributária, que deve ocorrer em etapas, ao longo de 2020. A prometida reforma administrativa subiu no telhado, deve ser desidratada, mas não foi ainda abandonada. Tudo isso aprovado, no conjunto, começa a dar um novo desenho ao Estado brasileiro. Mas refundar o Estado ainda vai exigir muitas outras medidas e mais radicais, lembrando que a privatização continua muito tímida. Que o governo não pare por aqui.

Merval Pereira - Pilatos no Credo

- O Globo

Fica evidente que já há uma maioria de votos a favor da atuação sem peias dos órgãos de fiscalização financeira como a UIF e a Receita Federal

O sujeito nada oculto do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Flávio Bolsonaro, tornou-se ontem o centro dos debates, tudo de maneira indireta, como necessariamente seria desde o início.

Pelo que se deduz da posição dos ministros, seja nos votos já proferidos, seja pelos comentários feitos durante a sessão, o antigo Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vai ter permissão para usar os dados recebidos dos bancos da maneira como vem fazendo, de acordo com as normas internacionais.

Isso quer dizer que o processo contra o filho de Bolsonaro, suspenso desde julho por uma liminar do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, poderá ter prosseguimento, assim como os demais que estão paralisados desde a primeira decisão. O próprio Toffoli votou ontem por permitir essa atuação da UIF, quando havia dado a liminar a pedido da defesa de Flávio devido à ação do antigo Coaf. O julgamento foi suspenso diante da contestação de três ministros sobre a inclusão da hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF) no processo, já que originalmente a disputa era entre um casal dono de um posto de gasolina que reclamava do compartilhamento de dados da Receita Federal.

Flávia Oliveira - Materializou-se o partido da Bala

- O Globo

No país em que a morte está se tornando partido político por iniciativa do presidente da República, ficar vivo é ato revolucionário. Desde o início de 2019, são evidentes os sinais de que o Brasil caminha para o Estado de extermínio e impunidade. No Legislativo, tramita o pacote anticrime do ministro Sergio Moro, que pretende instituir redução de pena ou absolvição para homicídios cometidos por agentes da lei sob argumento de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Chamam de excludente de ilicitude, eufemismo para licença para matar. É mecanismo que, aplicado no Rio de Janeiro às margens da legislação pelo governador Wilson Witzel, deu em 1.402 mortes decorrentes de intervenção policial de janeiro a setembro, salto de 18,6% sobre um ano antes. Em 2018, o Anuário Brasileiro da Segurança Pública contabilizou 6.220 homicídios cometidos por policiais no país, 17 por dia.

Jair Bolsonaro já assinou decretos flexibilizando apos sede armas de fogo e prometeu indulto a policiais “presos injustamente”, seja lá o que isso signifique. Ontem, enviou ao Congresso Nacional projeto de lei para isentar de punições militares das Forças Armadas, policiais federais e integrantes das forças de segurança participantes de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prerrogativa exclusiva da Presidência. A proposta foi anunciada durante o lançamento da Aliança pelo Brasil, partido ao qual pretende se filiar. Por encomenda do deputado estadual Delegado Péricles (PSL-SP), informou o portal UOL, o artista Rodrigo Camacho produziu com quatro mil cartuchos de munição .40, .50, 762 e 556 a marca da legenda.

Bernardo Mello Franco - A bancada do racismo

- O Globo

Os deputados têm em quem se espelhar. Em sete mandatos na Câmara, Bolsonaro sempre pregou o ódio e a intolerância sem sofrer qualquer punição

A imunidade parlamentar existe para garantir o direito à crítica e à liberdade de expressão. Não deve ser usada para proteger políticos que incitam o ódio e cometem crime de racismo.

Na véspera do Dia da Consciência Negra, dois deputados do PSL fizeram declarações explicitamente discriminatórias. A dupla destilou preconceito a pretexto de explicar por que 75,4% dos mortos em intervenções policiais são negros.

A primeira ofensa partiu do deputado Coronel Tadeu, que arrancou e pisoteou uma charge sobre a violência policial. Não foi um ato impulsivo. O parlamentar levou um assessor para filmar a performance e divulgá-la nas redes sociais.

Míriam Leitão - O risco ambiental da falta de resposta

- O Globo

Governadores querem um plano imediato do governo federal de combate ao desmatamento, mas só ouviram propostas vazias do ministro Salles

O Brasil já começou a perder o próximo ano ambiental. De agosto a outubro o desmatamento cresceu 100% em relação ao mesmo período anterior, e esses dados entram no período 2020. As ideias que o ministro Ricardo Salles apresentou não são apenas vagas, são perigosas. Quando ele diz que quer regularização fundiária, está se referindo a um projeto do governo que exige apenas a autodeclaração do ocupante para a emissão do documento de propriedade. Isso, claro, é o caminho para legalizar a grilagem.

Os empresários do agronegócio estão preocupados, com razão. As ameaças aos nossos produtos, por razões ambientais, estão se tornando concretas. Nova York apresentou uma resolução determinando que empresas e órgãos instalados na cidade não comprem de empresas que desmatem a Amazônia e não invistam em empresas agrícolas que se beneficiem do desmatamento. Alguns senadores americanos, entre eles quatro pré-candidatos, escreveram uma carta para grandes grupos e instituições financeiras para que usem sua influência para deter o desmatamento da Amazônia. Uma dessas cartas foi para empresas de bebidas, alimentos e bens de consumo. “Por favor, falem alto e deixem claro que a proteção da Amazônia é essencial para que a sua companhia faça negócios na região”, diz o texto. Algumas dessas empresas destinatárias estão aqui, como a Cargill, Loreal, Nestlé.

Crescimento só acelera com redução da desigualdade, diz Arminio Fraga

O ex-presidente do BC defende que a redução da desigualdade é essencial para destravar a economia

Por Hugo Passarelli | Valor Econômico

SÃO PAULO - Não há conflito entre crescimento econômico, distribuição de renda e proteção social, afirmou nesta quinta-feira o economista e ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Ele defende que a redução da desigualdade é essencial para destravar a economia e que, para viabilizar essas iniciativas, seria preciso encontrar espaço fiscal por meio da reforma do Estado brasileiro e de ajustes adicionais na Previdência Social, necessários mesmo após as mudanças sancionadas na semana passada.

“Discordo radicalmente de uma linha mais antiga, que é fazer o bolo crescer para depois distribuir. O bolo não vai crescer, a situação do país é precária e altamente instável. Essas coisas [redução da desigualdade] têm de acontecer em paralelo com outras mudanças”, disse Arminio, durante debate na FEA/USP.

Utilizando dados conhecidos que demonstram o tamanho dos gastos da União e do abismo social do país, como o índice de Gini, Arminio defende que é preciso eliminar distorções do orçamento público para investir mais em educação e saúde.

“A desigualdade segue alta, o Estado não age adequadamente no investimento em pessoas e infraestrutura. Além disso, o Estado brasileiro é relativamente grande e pouco produtivo”, afirma.

“Precisamos gastar mais e melhor no social, mesmo que o retorno seja lento, conforme mostram alguns pesquisadores”, disse.

Essa agenda, ele defende, passa pela continuidade da diminuição dos subsídios do BNDES, aumento da concorrência interna e externa e a revisão das desonerações e da carga tributária. “Há muito espaço para eliminar aberrações tributárias”, sustentou, elencando exemplos como as empresas e trabalhadores enquadrados em regimes especiais como o Simples e MEI, bem como as deduções de Imposto de Renda dos gastos com educação e saúde.

Para equilibrar essa balança, o ex-presidente do BC também lembra que seria desejável tributar dividendos, hoje isentos de imposto, bem como aumentar a cobrança sobre heranças e doações, cujas alíquotas são bem menores do que em outros países.

O que a mídia pensa – Editoriais

Bad News – Editorial | Folha de S. Paulo

Proposta do TSE para combater notícia fraudulenta nas campanhas desperta dúvidas

Tem razão o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em se preocupar com o impacto que informações falsas poderão ter nas eleições municipais do próximo ano, mas a ideia de que o problema vá ser resolvido por meio de resoluções emanadas pela corte é não apenas duvidosa como potencialmente perigosa.

Fake news, ou notícias fraudulentas, constituem uma praga que assola processos eleitorais no mundo inteiro. Embora a propagação de inverdades não represente novidade, dado que a humanidade convive com boatos e rumores desde sempre, o advento da internet com suas redes sociais deu à prática alcance e velocidade inauditos.

Ela não tem o dom de alterar as preferências ideológicas, mas costuma estimular a militância e oferecer oportunidades de racionalização para eleitores em dúvida.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Brinde no banquete das musas

Poesia, marulho e náusea,
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida

Deixaste-nos mais famintos,
poesia, comida estranha,
se nenhum pão te equivale:
a mosca deglute a aranha.

Poesia sobre os princípios
e os vagos dons do universo:
em teu regaço incestuoso,
o belo câncer do verso.

Poesia, sobre o telúrio,
reintegra a essência do poeta,
e o que é perdido se salva...
Poesia, morte secreta.

Música | Moacyr Luz - Atravessado

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Opinião do dia - Paulo Fábio Dantas Neto*

Além de formar a frente democrática, um desafio à política positiva é ser eficaz na conjuntura. Seus praticantes não podem ser uma zaga que olha para a bola, com foco eleitoral em 2022, sem marcar o atacante demolidor. Ataques do capitão convertem consensos civis em dissensos selvagens, rebaixando crenças democráticas, mesmo se ficam na ameaça. Por isso dão razões para processos de denúncia formal e pedidos de impeachment.

O realismo político descarta essa via legal preventiva, ainda mais com Lula solto. O script racional da sua política atual é negar tudo o que está no governo, mas complementa o script de um governo que nega a complexidade legal e social do País. O quadro é favorável a essa mútua negatividade bipolar. A campanha de 2022 já começou e a frente da política positiva não se construirá em ritmo de valsa. Tocando dobrado, terá de encarnar numa liderança a ideia de centro político, como em outros tempos encarnou em Tancredo e Ulysses, em FHC e no ex-Lula. Como não existe liderança natural, ela só pode sair de acordo político em torno de quem mais unir os fragmentos que hoje se supõe representarem 40% do eleitorado.

Para desmentir quem chamar essa solução de conluio sem programa, a voz do centro unificado precisará combinar realismo político, convicção democrática, responsabilidade econômica, pluralismo cultural e forte compromisso com reforma social. Para quem achar essa combinação impossível, ou indesejável, é simples: dobrar a aposta e alinhar-se a Lula ou a Bolsonaro.

*Cientista político, é professor da Universidade Federal da Bahia, - ‘Política negativa e política positiva’, O Estado de S. Paulo, 20/11/2019

Merval Pereira – Antes tarde do que nunca

- O Globo

Aras está tendo atuação impecável para quem entrou no cargo sob a suspeita de que seria mais um ‘engavetador-geral’

O voto do ministro Dias Toffoli começou a recolocar nos trilhos o Supremo Tribunal Federal (STF) que preside, dando, quatro meses depois, detalhes cruciais de sua liminar que acabou suspendendo os inquéritos baseados em informes do antigo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira) e da Receita Federal.

Embora tenha surpreendido a todos por ter dado uma reformulada nos termos de sua decisão inicial em linguagem sinuosa, o presidente do Supremo abriu caminho para a retomada do compartilhamento de dados entre os órgãos de fiscalização e os de investigação.

Os esclarecimentos de Toffoli começaram ao dizer que em nenhum momento impediu que os inquéritos prosseguissem, atribuindo a agentes públicos mal intencionados e a órgãos de imprensa usando de terrorismo as informações nesse sentido, segundo ele, erradas.

Bom saber disso, só estranhável que tenha levado tanto tempo para explicar. Se constatou que sua liminar estava sendo usada indevidamente, para atribuir a ele a obstrução das investigações de lavagem de dinheiro e corrupção, deveria o presidente do Supremo ter expedido uma nota oficial alertando para o equívoco, ou convocado uma entrevista coletiva para acabar com o “terrorismo” da imprensa.

Bernardo Mello Franco - Um ministro contra a República

- O Globo

O ministro Abraham Weintraub é um fanfarrão em tempo integral. Não descansa nem nos feriados. No 15 de Novembro, ele resolveu praguejar contra a República

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, é um fanfarrão em tempo integral. Não dá trégua nem nos feriados. Na semana passada, ele tirou o 15 de Novembro para praguejar contra a República. “O que diabos estamos comemorando hoje? Há 130 anos foi cometida uma infâmia”, escreveu, nas redes sociais.

Uma seguidora respondeu que, em caso de volta da monarquia, o ministro seria nomeado bobo da corte. Ele se destemperou e reagiu como um menino enfezado: “Eu prefiro cuidar dos estábulos. Ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”.

Falta de decoro à parte, a fala de Weintraub mostrou que a monarquia está em alta no bolsonarismo. As bandeiras do Império reapareceram nas manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Eram empunhadas por grupos pequenos, que depois se incorporaram à campanha pelo atual presidente.

Guga Chacra - Bolsonaro se espelha em Orbán

- O Globo

O desafio será fazer em poucos anos o que o partido húngaro levou décadas para conseguir

Uma das maiores diferenças entre Jair Bolsonaro e líderes nacionalistas da direita internacional está na sua incapacidade de, ao menos até agora, ter conseguido construir um partido poderoso ou liderar uma agremiação pré-existente com força política para governar o Brasil. O presidente sequer integra uma sigla e apenas ambiciona lançar a Aliança pelo Brasil.

Basta observar lideranças populistas ao redor do planeta para ver o contraste. O húngaro Viktor Orbán, que talvez seja o mais bem-sucedido de todos, comanda o Fidesz. Este partido de direita conservadora nacionalista, que significa Aliança Cívica da Hungria, serve de exemplo para Bolsonaro com a sua ainda inexistente Aliança pelo Brasil. A diferença é que esta agremiação húngara surgiu como liberal nos anos 1980 para se opor ao regime comunista. Demorou anos para ser construída. Orbán assumiu o comando no final da década seguinte e foi um premier relativamente moderado até 2002, quando voltou para a oposição.

Ao longo dos oito anos seguintes, Orbán se tornou um vanguardista ao dar uma guinada nacionalista de direita, abdicando do liberalismo. Retornou ao poder com o Fidesz em 2010 e implementou o que ele próprio chama de democracia “iliberal”, com uma agenda ultraconservadora, contra o liberalismo — com o sentido americano de “progressista” da palavra. Virou símbolo do “antiglobalismo”, ou soberanismo. Das 199 cadeiras da Assembleia Nacional em Budapeste, o partido tem 117. Junto com um parceiro menor, a coalizão alcança 133 assentos, ou cerca de dois terços do total. Algo incomparável a Bolsonaro no Brasil.

Míriam Leitão - O esforço de fato e a promessa irreal

- O Globo

Na área fiscal, há boas notícias. Governo evitou relaxar a meta de déficit primário e terá o melhor resultado em cinco anos nas contas públicas

O melhor resultado primário em cinco anos é para se comemorar. E há mais notícia boa: o BNDES vai pagar R$ 40 bilhões da dívida que tem junto ao governo e isso será usado para abater dívida pública. “Será 0,4% do PIB de redução de dívida”, diz um integrante da equipe econômica. O resultado, contudo, mostra também alguns dos defeitos da maneira do Brasil de gastar.

Não apenas do governo federal. Imagine, por exemplo, o Funpen, um fundo de segurança pública que dá dinheiro a fundo perdido aos estados que queiram construir presídios. Todo ano sobra dinheiro, e o Brasil tem presídios dantescos.

Os governadores não querem construir, mesmo de graça, porque isso elevará os gastos correntes dos anos e décadas seguintes na manutenção do presídio.

Há dinheiro que não é usado porque o serviço não aconteceu por falha de gestão ou é investimento que o governante não quis executar. O descontingenciamento no fim do ano acaba na verdade virando corte porque o que não foi feito não tem mais tempo hábil.

Luiz Carlos Azedo - Que partido é esse?

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O xis da questão do novo partido que será criado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro é o seu ideário programático, ou seja, seu real compromisso com a ordem democrática”

Com 30 deputados, liderados por Eduardo Bolsonaro (SP), e um senador, Flávio Bolsonaro (RJ), o presidente Jair Bolsonaro deve fundar hoje, em convenção nacional, a Aliança pelo Brasil, seu novo partido, consolidando o rompimento com o PSL, de Luciano Bivar (PE). A criação da nova legenda está na contramão da legislação partidária vigente, que força a redução do número de partidos, por meio da cláusula de barreira, e do fim das coligações nas eleições proporcionais. O desafio da criação do novo partido não é a arregimentar quase 500 mil filiados em todo país, mas a transferência dos parlamentares do PSL para a nova legenda, anunciada ontem pelo líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO), sem perda de mandato, e também a obtenção de recursos do fundo partidário.

Bolsonaro não terá dificuldade para estruturar o partido nos estados e municípios, porque conta com apoio de grupos organizados nas redes sociais com grande poder de mobilização: evangélicos, caminhoneiros, garimpeiros, milicianos, agentes de segurança, militares reformados, etc. Tem a seu favor uma base eleitoral ainda muito robusta, apesar da relativa perda de popularidade, por causa do natural desgaste nos primeiros 10 meses de governo. Ou seja, conta com militantes e lastro eleitoral para viabilizar seu projeto. Ideologicamente, o perfil do partido também está resolvido: será uma organização política de direita, com viés reacionário, que mistura religião com política, ideias conservadoras e nacionalistas, de combate aberto à esquerda e aos movimentos identitários.

Sem dúvida, trata-se de uma nova direita. A narrativa política do novo partido, porém, lembra a radicalização política que antecedeu a II Guerra Mundial aqui no Brasil. Naquela época, na Europa, a carnificina havida na I Guerra Mundial (1914-1918) e a Grande Depressão de 1929 serviram de caldo de cultura para o surgimento de partidos de massas de direita, principalmente o fascista, na Itália, e o nazista, na Alemanha, que se opuseram aos social-democratas, socialistas e comunistas. No Brasil, essa polarização foi representada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), encabeçada pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, e pela Ação Integralista Brasileira (AIB), de Plínio Salgado. Essa radicalização resultou na chamada Intentona Comunista, de 1935, após a dissolução da ANL por Getúlio Vargas, e no Levante Integralista de 1938, após a instauração do Estado Novo, contra o qual os integralistas se insurgiram, atacando o Palácio Guanabara, por causa da dissolução da AIB. Em ambos os casos, houve mortos, feridos e milhares de ativistas presos.

Ricardo Noblat - Quando o porteiro mentiu?

- Blog do Noblat | Veja 

História mal contada
As polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro estão empenhadas em descobrir quando foi que mentiu o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde têm casas Jair Bolsonaro (duas) e Ronni Lessa, o miliciano acusado da morte da vereadora Marielle Franco.

O porteiro mentiu no dia 7 de outubro último, e dois dias depois, quando disse e repetiu à Polícia Civil que em 14 de março de 2018 “seu Jair” autorizara a entrada no condomínio de Élcio Queiroz, também acusado da morte de Marielle?

Ou o porteiro mentiu anteontem à Polícia Federal ao negar que “seu Jair” tenha autorizado a entrada? À Polícia Federal, ele disse que em 14 de março de 2018 anotara errado o número da casa para onde Queiroz pretendia ir. Não foi a casa 58, mas a 66.

Na 58 morava Bolsonaro, ainda deputado federal. Na 66, Lessa. Queiroz chegou ao condomínio no final da tarde daquele dia. Saiu dali com Lessa. Horas mais tarde, Marielle foi executada a tiros no centro do Rio. Morreu também seu motorista, Anderson.

Por que o porteiro teria mentido nos dois depoimentos de outubro à Polícia Civil? Segundo ele contou à Federal, porque não quis admitir que errara ao registrar no livro da portaria do condomínio que o destino de Queiroz era a casa 58, e não a 66.

Que dizer: à Polícia Civil, mesmo sabendo que “seu Jair” já não era um mero deputado, mas o presidente da República, o porteiro, ao invés de confessar um erro de anotação, preferiu inventar a história de que “seu Jair” liberou a entrada de Queiroz.

Ora, ora, ora. Faz sentido? Em tempo: no dia da morte de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília. Carlos Bolsonaro, que mora na outra casa do pai, estava no Rio, mas não em casa na hora em que Queiroz pediu licença para entrar no condomínio. É o que ele diz.

Segue o baile.

Maria Cristina Fernandes - Instinto de sobrevivência

- Valor Econômico

Suscitado pelos instintos mais primitivos, o extremismo bolsonarista só poderá ser moderado pela chance de sobrevivência na política

Em agosto, depois das críticas do ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, aos dados preliminares de que as queimadas na Amazônia haviam aumentado, o presidente da República demitiu o cientista, culpou organizações não- governamentais pelo fogo na mata e acusou governadores de conivência com o incêndio das florestas.

Três meses depois, Jair Bolsonaro, ao ser questionado pelos dados do mesmo Inpe que indicam desmatamento apontou o dedo para a gestão da ex-ministra Marina Silva no Meio Ambiente, quando se registrou um dado um terço superior ao desmatamento atual, disse que se trata de uma questão “cultural” e sugeriu que identificação da titularidade das propriedades nas florestas facilitará a responsabilização de seus autores. Ainda não está claro como, além de beneficiar grileiros, a medida pode vir a proteger o meio ambiente, mas o gesto traz menos danos à imagem do Brasil no exterior do que a demissão do presidente do Inpe.

O dinheiro e a política baixaram a bola e o tom do discurso e da ação governamental. Não é um Bolsonaro paz e amor que parece estar em curso, mas uma segmentação do seu comportamento para plateias e fins específicos e uma calibragem maquiada das políticas de governo - e não apenas ambientais - guiada pelo instinto de sobrevivência.

Ribamar Oliveira - Receita atípica bate recorde neste ano

- Valor Econômico

Os leilões de petróleo salvaram o governo mais uma vez

A União vai registrar, neste ano, um novo recorde. A receita atípica ou não recorrente (aquela que não se repete nos anos seguintes) será a maior da história e ficará próxima de R$ 100 bilhões. A arrecadação obtida com os leilões de petróleo, principalmente, salvou o governo mais uma vez, compensando com sobras a queda da receita com tributos em relação ao que estava previsto no Orçamento.

Mesmo com toda a arrecadação extra, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) deverá fechar um ano com déficit primário pouco abaixo de R$ 80 bilhões, de acordo com previsão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso corresponde a mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o que é um “buraco” considerável, mostrando que um superávit primário, mesmo que pequeno, ainda está longe de ser obtido.

A receita atípica recorde ajudou o governo não só a melhorar o resultado primário deste ano, como também permitiu descontingenciamento das dotações orçamentárias, que estava sufocando os ministérios. Neste ano, o corte de verbas foi provocado pela frustração das receitas tributárias, e não pelo teto de gastos. Assim, as receitas não recorrentes ajudaram o governo a sair do aperto.

Pedro Cavalcanti Ferreira/ Renato Fragelli Cardoso* -Tributar mais para distribuir?

- Valor Econômico

Além da má distribuição de renda quando tributa, o Estado não prioriza os pobres ao gastar os recursos arrecadados

Neste momento em que a má distribuição de renda no mundo e no Brasil tem suscitado propostas agressivas de elevação de impostos, é preciso uma discussão objetiva sobre o tema da desigualdade.

O primeiro passo é compreender o inevitável conflito entre prosperidade e equidade. Para se gerar prosperidade, entendida como uma abundante produção física, é preciso eficiência na atividade produtiva. Esta resulta dos incentivos econômicos proporcionados pela economia de mercado. Neste regime econômico, entretanto, os cidadãos mais aptos, tudo mais constante, levam vantagem, de modo que a prosperidade traz consigo a desigualdade. Decorre desse conflito estrutural que, para se conciliar prosperidade com equidade, é preciso sacrificar parcialmente cada um dos dois objetivos, no intuito de se assegurar um pouco de ambos.

Cabe ao Estado tributar os cidadãos que mais se beneficiam da economia de mercado, transferindo os recursos para os menos capacitados ou para aqueles que por algum motivo externo - como choques negativos, falta de oportunidade, obstáculos institucionais, etc. - ficaram para trás. A tributação, por reduzir incentivos ao trabalho e ao empreendedorismo, reduz a prosperidade, mas é o preço a pagar para se diminuir a desigualdade.

Maria Hermínia Tavares* - Os chilenos se falam

- Folha de S. Paulo

Lá, como em outras partes, a radicalização serve à direita

É impossível —e, portanto, inútil— querer decifrar os motivos que continuam levando milhões de chilenos às ruas há quatro semanas. Como sempre, quando uma gigantesca massa humana se põe em movimento, nestes dias no Chile e em Hong Kong, ou em 2013 no Brasil, as razões são certamente múltiplas. E o melhor —e o muito pouco— que se pode dizer é que na sua origem pulsa um sentimento muito forte de injustiça. Tampouco conhecemos o ponto de ebulição que transforma um mal-estar difuso em protesto social multitudinário.

Por isso, vale mais a pena acompanhar a reação do sistema político à força e à cacofonia das ruas —uma reação que diz muito da maneira como governo e oposição jogam o jogo da democracia no Chile.

Enquanto a primeira-dama do país, trocando mensagens com uma amiga, se perguntava se as ruas de Santiago haviam sido tomadas por alienígenas, o presidente Sebastián Piñera, eleito pela direita, ordenou violenta repressão que deixou mais de uma dezena de mortos e muitas centenas de feridos. Um cenário mais do que propício à radicalização e ao confronto entre governo e partidos de oposição, com vistas a ganhos eleitorais futuros.

Fernando Schüler* - O detalhe esquecido da Constituição

- Folha de S. Paulo

Modelo misto de gestão da educação se transformou, numa alquimia bem tropical, em monopólio estatal

Lembrar de duas histórias nos ajuda um pouco a entender o que se passa hoje na educação brasileira. Uma delas nos leva a 1987, nos debates da Constituinte. Um dos temas em jogo era o monopólio ou não do Estado sobre a educação pública.

A questão era se os recursos para a educação deveriam ser usados apenas nas redes estatais de ensino, no modelo tradicional que todos conhecemos, ou se poderiam também ser investidos em escolas não estatais, sem fins lucrativos, a partir de contratos celebrados com estados e municípios.

A posição vencedora foi a segunda. Está lá, no artigo 213 da Constituição. Recursos públicos serão destinados “às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”. Até hoje acho engraçado que muita gente boa desconhece, ou faz de conta que desconhece, esse trechinho da Constituição.

Esta é a primeira história. A segunda nos leva a exatos 20 anos depois, quando foi criado o Fundeb, o principal instrumento de financiamento da educação básica do país. Para resumir a história, a lei, por estas coisas bem brasileiras, decidiu restringir o uso dos recursos apenas para as redes estatais de ensino.

Bruno Boghossian - Após criar distração ambiental, Bolsonaro lava as mãos para desmatamento

- Folha de S. Paulo

Diversionismo parece ser o único método de um presidente que escolhe não agir

O presidente fabricou a própria crise na área ambiental: pôs em dúvida dados oficiais, demitiu o responsável pelo órgão de monitoramento do setor e comprou briga com países que ajudavam o Brasil a conter a derrubada das florestas. Agora, os números mostraram um recorde na devastação da Amazônia. Jair Bolsonaro não está nem aí.

Quando foram divulgadas as estatísticas, no início da semana, o presidente fingiu que não tinha nada a ver com o assunto. "Não pergunte para mim, não", disse, na terça (19).

No dia seguinte, instado mais uma vez a comentar a destruição de uma área equivalente a seis vezes o território da cidade de São Paulo, agiu como se fosse melhor deixar as coisas como estão. "Você não vai acabar com o desmatamento, nem com as queimadas. É cultural", afirmou.

Roberto Dias - #MaisComMenos ou #ComMaisPosts?

- Folha de S. Paulo

Posts vendem ilusão de que o governo atapeta o país a toque de caixa

A Folha mostrou que o investimento federal em rodovias está no menor nível desde 2014, e isso causou especial irritação em Brasília.

O governo valeu-se da hashtag #MaisComMenos para responder. “Dizer que há menos para investir é algo óbvio, herdamos um país quebrado”, afirmou o ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura. “O que não é lógico é associar isso como demérito do governo. Tivemos que fazer muito com pouco.”

Uma ilha de ponderação na Esplanada, o ministro ganhou lugar cativo nas redes presidenciais. Entre seus méritos, está o de ter atraído para as rodovias uma atenção que havia muito não recebiam.

Mas seus posts vendem a ilusão de que o governo atapeta o país a toque de caixa e que o Exército é capaz de resolver problema desse tamanho e urgência —dimensionados pelos 75 mortos no feriado da República, número maior do que no ano passado.

Mariliz Pereira Jorge - Casa da Mãe Joana

- Folha de S. Paulo

O comportamento dos atuais congressistas tem sido deplorável

Fotos de sunga na praia e de cuecas samba-canção motivaram a primeira cassação de um parlamentar, no Brasil. O deputado Edmundo Barreto Pinto (PTB-DF) perdeu o mandato ao ser retratado nesses trajes, no ensaio “Barreto Pinto Sem Máscara”, na revista O Cruzeiro. Isso foi lá em 1949. Eu nem era viva, mas que saudade de um tempo em que quebra de decoro não era apenas levada a sério, mas causada por motivos dessa irrelevância.

O Código de Ética da Câmara, como conhecemos hoje, está em vigor desde 2002. As regras preveem os deveres fundamentais, os atos incompatíveis e os atentatórios ao exercício dos cargos. Basicamente, tem que exercer a função com dignidade, respeitar os coleguinhas, a Constituição, não perturbar a ordem ou infringir as regras de boa conduta, não usar dinheiro público para fins próprios, não tirar proveito do cargo.

Sabemos que nada disso é respeitado por parte deles desde sempre, mas o comportamento dos atuais congressistas tem sido deplorável. Os episódios de racismo desta semana, que envolveram os deputados Coronel Tadeu e Daniel Silveira, do PSL, são só os mais recentes de uma lista de episódios execráveis que deveriam ser severamente punidos.

William Waack - O STF e o senso comum

- O Estado de S.Paulo

Transformado em instância política, o STF enfrenta o descrédito da própria instituição

Dias Toffoli deu prosseguimento ao que o Supremo vem fazendo há anos – tratar de identificar o que é a repercussão política e popular daquilo que decide – quando praticamente instou o Congresso a alterar normas para permitir a execução de sentença condenatória antes do famoso “trânsito em julgado”. É o que o Congresso está fazendo, motivado sobretudo pelo próprio voto de Toffoli, segundo o qual não se trata de alterar (na pretendida modificação do Código Penal) uma cláusula pétrea da Constituição.

A questão jurídica é fascinante pois, como assinalou aqui Ives Gandra Martins na edição desta quarta-feira as duas teses que se opõem na discussão são consistentes. A saber: a) como alguém que, até o trânsito em julgado, é inocente, pode ser levado a cumprir pena? b) tribunais superiores não tratam mais das questões fáticas decididas nas duas instâncias iniciais de um processo, portanto recursos à terceira e quarta instâncias não se destinam mais a provar inocência.

O que está em jogo, no fundo, é uma questão sobretudo política, de central relevância para qualquer sociedade que pretende viver num Estado de direito, pois envolve o trato de princípios fundamentais como o da presunção da inocência. No campo da disputa política a discussão (como tudo que acontece hoje) descambou segundo a caracterização de uns como “fanáticos punitivistas” (os que defendem a execução de pena após a segunda instância) e de outros, seus oponentes, como “garantistas que favorecem corruptos e criminosos”.