sexta-feira, 4 de junho de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Energia cívica e política positiva

O papo hoje é curto, mas tenta não perder a fineza e a afinidade com um esforço de reflexão. Parte do panelaço de quarta-feira passada, quando o protesto se fez sem abrir nossa guarda sanitária ao vírus. Foi expressão artesanal da atitude inconformada do país com o drama que lhe vem sendo imposto. A fala de um país pode ser mensurada quando, na urna eletrônica – símbolo mor da nossa moderna institucionalidade democrática, que traduz, para o cidadão comum, a letra da Constituição   - o eleitor usa seus dedos indevassáveis como mensageiros do cérebro e do coração. Mas em momentos como o de um panelaço como aquele, a fala do país pode ser sentida como linguagem comum, mesmo por quem, como disse Gil, não sabe que também quer o que o ruído exige. Exceto os fanáticos da desarmonia (que vivem num outro país espiritual, que invadiu e tenta ocupar o nosso), não há quem não simpatize com a ideia de mandar os malditos embora.

Sigo agora pela sombria quinta-feira, dia seguinte ao panelaço, na qual o mesmo país travou contato com mais um capítulo do infortúnio corrente.  Ficou sabendo que o comando do Exército deixou de lado sua rotina institucional mais característica - a de cumprir regulamentos - ao lidar de modo leniente com uma infração gravíssima de um general de divisão que – depois de ter executado, por meses, a mando de um capitão subversivo, o serviço abjeto de desarmar o país contra um inimigo externo devastador - prestou-se ao papel de cabo eleitoral explícito desse mesmo chefe, auferindo novo emprego.

A informação é clara e não nos é dado ignorá-la. Panelaços são básicos, mas não geram mudanças por si. É preciso que as instituições escutem e revoguem o universo paralelo em que o presidente da República se instala para fazer provocações a granel em suas lives, cavalgadas e outras exposições afrontosas à dor cotidiana dos brasileiros e esparsos pronunciamentos hipócritas, fantasiado e customizado como presidente “normal”.  Além do panelaço cívico, o próprio olho cego do exterminador, vagando tenso à procura da próxima vítima nas entrelinhas do teleprompter, revela o universo patológico da demagogia fascista em que ele, seus áulicos, escribas, comunicadores e militantes operam o script do golpismo.

Ricardo Noblat - Desta vez, a bomba estourou no colo de um general

- Blog do Noblat / Metrópoles

Atentado aos valores mais cultuados pelo Exército tem um culpado: o próprio comandante da Arma, o general Paulo Sérgio Noronha

Era quinta-feira, 30 de abril de 1981, quando por volta das 21h30 a redação da Veja, em São Paulo, onde eu trabalhava como editor-assistente de política, foi sacudida pela notícia de que uma ou mais bombas haviam estourado no Riocentro, no Rio, onde um show de música celebrava a chegada do 1º de Maio, Dia do Trabalho.

Quinta e sexta-feira eram dias geralmente nervosos de fechamento da revista que começava a ser impressa na madrugada do sábado para começar a ser distribuída depois do meio-dia. Dali a mais uma hora, já se sabia que duas pessoas saíram feridas, e antes da meia noite, que eram militares, passageiros de um carro.

Uma das bombas estourou na miniestação elétrica que fornecia energia ao local. A outra, no colo do sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário que morreu na hora. Ao seu lado, no lugar reservado ao motorista, estava o capitão do Exército Wilson Dias Machado, removido para um hospital gravemente ferido.

Fora um atentado terrorista, mais um cometido por militares naquele ano, que seria atribuído pelo Exército a organizações de esquerda que lutavam com armas nas mãos contra a ditadura militar de 64. Dias Machado sobreviveu e hoje mora em Brasília. Nem ele e nem ninguém jamais foi punido pelo que aconteceu.

Atentou-se, ontem, contra os valores mais cultuados pelo Exército – a disciplina, a hierarquia, seus códigos internos, e desta vez a bomba estourou no colo de um general, Paulo Sérgio Noronha, Comandante da Arma, que se negou a punir outro general, Eduardo Pazuello, cupincha do presidente Jair Bolsonaro.

Bruno Boghossian - Tropa política autorizada

- Folha de S. Paulo

Sem punição a Pazuello, militares deixam de ser instituição de Estado para servir ao presidente

O Exército não disfarça mais a decisão de servir aos propósitos políticos de Jair Bolsonaro. Com a decisão do comandante Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira de engavetar um processo contra o general Eduardo Pazuello, sem punição, os militares reconhecem que deixaram de ser uma instituição de Estado para trabalhar a favor do presidente.

Pazuello violou uma regra básica da caserna ao participar de um ato político com Bolsonaro, há dois domingos. A infração foi tão óbvia que a falta de uma advertência ou mesmo de uma repreensão verbal pública carrega um recado evidente. Na prática, a absolvição do general autoriza os quartéis a agirem politicamente em defesa do presidente.

Bolsonaro e Pazuello fizeram uma dobradinha para afirmar que o general não violou a regra que proíbe a participação de militares de ativa em eventos político-partidários, uma vez que o presidente não é filiado a nenhum partido.

A desfaçatez mostra que Bolsonaro está convencido de que tem um Exército submisso a suas vontades. Ao aceitar a desculpa esfarrapada, Paulo Sérgio talvez quisesse evitar uma crise com o presidente, mas mostrou que ele tem razão.

FHC diz que CPI pode parecer 'show' mas modera o poder dos governantes

- Mônica Bergamo / Folha de S. Paulo

Ex-presidente participou de live com advogados Dora Cavalcanti e Augusto de Arruda Botelho

ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que, apesar de não gostar de CPIs, acredita que elas muitas vezes funcionam como um contrapeso para moderar o poder dos governantes. “Pode parecer que é só o show, contém partes de show, mas além disso é um instrumento de defesa da sociedade. O governo não pode dormir porque a CPI acorda, sacode, né?”, disse ele em uma live do Liberdade 65, dos advogados Dora Cavalcanti, pré-candidata à presidência da OAB-SP, e Augusto de Arruda Botelho.

POEIRA 

“É positivo. Às vezes há exagero, precisa entender, mas não tem problema. É melhor ter exagero do que não ter CPI”, completou. Ele também comentou que ficou particularmente impressionado com o depoimento da infectologista Luana Araújo à CPI da Covid, na quarta (2).

Hélio Schwartsman - E ele nem sequer enrubesceu...

- Folha de S. Paulo

Faz sentido que Bolsonaro, em cadeia de rádio e TV, não tenha corado enquanto falava

Em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou sentir profundamente cada uma das mortes por Covid-19 e deu a entender que sempre foi um entusiasta da vacinação. Não vou aqui desfilar as inúmeras declarações presidenciais que provam o contrário. O pessoal da CPI já faz isso quase diariamente.

Não me surpreende que Bolsonaro falte com a verdade. O que me intriga é que o faça sem corar. O rubor é, nas palavras de Charles Darwin, “a mais peculiar e a mais humana das expressões”, à qual dedicou um capítulo inteiro em seu “A Expressão das Emoções no Homem e em Animais”.

E o rubor é de fato algo muito estranho. Como mostra Ray Crozier, ele parece estar associado a emoções autoconscientes como vergonha, culpa e constrangimento. Em geral, dá as caras em situações sociais, quando o indivíduo imagina como aparece para os outros. Em termos fisiológicos, o enrubescimento é involuntário e difícil de falsificar, o que lhe dá especial valor como mecanismo de promoção da sociabilidade.

Ruy Castro - A patafísica para fins genocidas

- Folha de S. Paulo

Bem-vindos os visitantes da Copa América aos nossos estádios, ruas e, espero que não, UTIs

A Conmebol, dona do futebol na América do Sul, deve saber o que faz ao trazer a Copa América para o Brasil. Seus dirigentes leem jornais e não ignoram que somos o único país do mundo a combater a Covid 19 de forma patafísica.

A patafísica, para quem nunca ouviu falar, é uma escola filosófica entre a física e a metafísica. Ou acima ou abaixo delas, dependendo de seu estudioso estar ou não plantando bananeira. Sua lógica é a do absurdo, sua língua oficial é o nonsense e ela se diz a ciência das soluções imaginárias. Foi fundada pelo francês Alfred Jarry (1873-1907) e, por intuição, muitos já a adotaram para explicar (ou desexplicar) a vida: o tcheco Kafka, o americano Groucho Marx, o romeno Ionesco. Mas o primeiro a usá-la para fins genocidas é o brasileiro Jair Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo - Exército e ‘verdade padrão Riocentro'

- Folha de S. Paulo

Maus militares já mancharam a honra das Forças em outras circunstâncias

Numa nota vergonhosa, pusilânime, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o comandante da Força, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, “analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente” por Eduardo Pazuello “acerca da participação em evento realizado na cidade no Rio de Janeiro no dia 23 de maio de 2021”. É incentivo à baderna.

E qual foi mesmo a desculpa de Pazuello para subir no palanque de Jair Bolsonaro? Segundo ele, não se tratava de um evento político-partidário porque o presidente ainda não está filiado a nenhum partido. Maus militares já mancharam a honra de suas respectivas Forças em muitas outras circunstâncias. Ocorre-me uma, em particular, em que nada sobrou além de desmoralização.

Na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro, uma bomba explodiu, por acidente, no Puma GT em que estavam o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado. O primeiro morreu. O segundo se feriu gravemente. Outra bomba explodiu na miniestação elétrica que fornecia energia ao local. O SNI culpou organizações de esquerda —as mesmas que, ora vejam!, promoviam no local um show de resistência em homenagem ao 1º de maio.

O inquérito policial-militar não chegou a lugar nenhum. Reaberto o caso em 1999, o Superior Tribunal Militar chegou à conclusão estupefaciente, no ano seguinte, de que o atentado terrorista praticado pelos dois militares, em associação com outros, estava coberto pela Lei da Anistia. E tudo foi arquivado. Não há espaço para entrar em minudências. Os argumentos eram tão sólidos como os de Pazuello.

Por que apelo a um caso extremo? Porque, mais uma vez, o Partido Militar é sócio do poder. Parcerias sempre carregam tensões. O capitão reformado que, na ativa, chegou a imaginar ataques terroristas a instalações militares em razão de insatisfação salarial, já demitiu nove generais da reserva —em alguns casos, tentando lhes impor a desonra.

José de Souza Martins* – Enfim, a ruptura

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

As manifestações antibolsonaristas do sábado foram o primeiro e eloquente grito que retira do governo a discutível e na prática desmentida legitimidade

A pandemia agravou - e muito - as insuficiências do novo poder decorrente, na prática, dos resultados anômalos das eleições de 2018. O sistema conceitual dos novos governantes era simples expressão do senso comum pobre de setores da classe média. Classe eleitoralmente aumentada com os resultados inevitáveis da política social petista e sua retórica socialmente ufanista. Mais fantasia do que realidade.

Drenado pelo deslocamento da lealdade de classe dessa classe média sem consistência, o PT criou o vazio político que acabaria preenchido por representantes da mediocridade residual da ditadura militar. Motivados pela aspiração de poder e riqueza, mas frustrada e, por isso, ressentida, pelos logros insuficientes das reduzidas oportunidades de ascensão social da era petista.

A classe média emergente, que nutriu, em algum momento, simpatia pelo PT, não era necessariamente petista. Apenas inflava as opções eleitorais por Lula e por candidatos petistas. Mas, à medida que o partido foi perdendo fôlego, ela foi se bandeando para outras formas de radicalismo e de intolerância.

Além disso, a ascensão social dos setores médios é também alteração de sua consciência social. A referência de classe do seu senso comum se desloca para os valores e concepções das categorias sociais extremistas na valorização do modo de vida a que aspiram. Estamos vendo isso aqui.

No PT e em seus grupos de apoio, especialmente na igreja, a opção preferencial pelos pobres não levou em conta que os pobres não consideram a pobreza uma virtude e, sim, um castigo injusto. Essa premissa teológica não tem condições antropológicas de se transformar numa práxis de superação de contradições e injustiças decorrentes, que revolucione e transforme a sociedade em nome do bem comum.

A práxis tem seus momentos, da descoberta científica e interpretativa de suas condições e possibilidades à complicada tarefa de traduzi-la em prática social transformadora.

Maria Cristina Fernandes - O Brasil na vanguarda mundial do atraso

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Manifestações políticas de extrema direita de militares da reserva nos Estados Unidos e na França tiram Bolsonaro do isolamento imposto pelo negacionismo da pandemia, sem precedente no mundo

Um marciano que descesse à Terra entre 21 de abril e 10 de maio chegaria à conclusão de que o Brasil nada mais é do que a vanguarda mundial do atraso. Nesse espaço de tempo, dois berços da democracia mundial, a França e os Estados Unidos, assistiram a demonstrações de engajamento político de militares da reserva e uns poucos da ativa.

Primeiro veio a carta assinada por 1.200 oficiais reformados, entre os quais 24 generais, com a adesão, anônima, de duas dezenas de militares da ativa das Forças Armadas francesas. Eles escolheram o aniversário de 60 anos da tentativa de golpe contra a independência da Argélia no governo do general Charles De Gaulle.

No texto, os oficiais dizem que foram o antirracismo, o indigenismo e as políticas de descolonização que semearam o ódio no país. Citam, para isso, a decapitação de um professor, no ano passado, por um aluno que não gostara de uma caricatura de Maomé mostrada na sala de aula de uma escola da região metropolitana de Paris. A carta aberta define o islamismo como um “dogma” contrário à Constituição nacional e ainda diz que a tolerância religiosa levará a França à guerra civil.

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas francesas, o general François Lecointre, instou os signatários da ativa a passar para a reserva. Já a líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, saudou a carta e pediu o apoio dos signatários para sua candidatura à Presidência em 2022. Entre aqueles identificados na publicação do artigo pela revista “Valeurs Actuelles” (valores atuais, em francês), há oficiais reformados e saudosistas do império colonial francês. Um verdadeiro exército de Brancaleone.

Pipocaram pesquisas mostrando apoio a uma intervenção militar por até metade dos franceses, mas as sondagens acabaram desacreditadas por terem sido feitas poucos dias depois de dois eventos que comoveram o país: uma manifestação de rua pelo julgamento do assassino de uma judia ortodoxa, internado numa instituição de doentes mentais, e uma condenação, branda na visão dos manifestantes, de uma gangue que ateou fogo em um carro de polícia.

Cristian Klein - Quem disse que o Brasil viraria uma Venezuela?

- Valor Econômico

Mais fácil uma via autoritária do que uma terceira via

O brasileiro que busca saídas à polarização entre Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido) está desnorteado. O voto nulo ou em branco hoje seria o campeão de preferência para a parcela “nem-nem” do eleitorado. Há quem se entusiasme com o primeiro candidato - ou arremedo dele - que vier pela frente. A turma do MBL leva a sério lançar um comediante à Presidência num momento em que o país vive uma tragédia e chora com os quase 500 mil mortos pela pandemia, depois da escolha de 2018.

Com o avanço bem-sucedido de Bolsonaro em cooptar os militares para seu projeto de poder, como ficou mais evidente ontem, é mais provável, contudo, o Brasil deparar-se com uma via autoritária do que encontrar a sonhada terceira via. A oposição está dividida e desavisada.

Bastou o Novo dizer que seu ex-presidente e fundador da sigla aceitou concorrer ao Planalto, nesta semana, para se criar uma expectativa entre os setores liberais, talvez o segmento mais órfão de alternativa. O nome de Amoêdo começou a circular naquela conversação social típica e mais afeita à época de campanha.

Não que faltem - ou tenha faltado - opções. O próprio empresário foi uma delas na disputa de 2018, quando, no entanto, o surto bolsonarista prevaleceu. Para 2022, a maioria do eleitorado, ao que parece, não está muito disposta a novas experiências. Não é que se careça de uma terceira via. Há várias sugeridas, apresentadas e articuladas, como num sistema de falsas prévias.

Muito tempo antes do ano eleitoral, os pretendentes desfilam seus atributos e ficam na vitrine como modelos à espera de compradores. Mas permanecem ali, mesmo quando as perspectivas não são animadoras. Num sistema bipartidário, como o norte-americano, a maioria já teria desistido diante da escassez de apoio. De certo modo, é o que vai acontecendo.

‘É hora de reagir, antes que seja tarde’, diz Jungmann sobre Exército não punir Pazuello

Para ex-ministro da Defesa, decisão do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira desonra os últimos comandantes das Forças Armadas

Felipe Frazão / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann afirmou nesta quinta-feira, 3, que o Exército capitulou diante da pressão do presidente Jair Bolsonaro ao não punir um ato de indisciplina do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, general da ativa.

Para Jungmann, a decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, desonra os últimos comandantes das Forças Armadas e o ex-ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Em atitude inédita, Bolsonaro demitiu em março os comandantes das três forças e o então ministro da Defesa, em uma troca atribuída a cobranças por apoio ao governo – ofensiva a que a antiga cúpula militar teria resistido.

 

“A capitulação de hoje não honra os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e do ex-ministro da Defesa, que não se dobraram ao presidente e caíram por respeito à Constituição e à democracia, com quem as Forças Aramadas permanecem”, disse Jungmann, último ministro civil a chefiar a Defesa, ainda no governo Michel Temer. “Mas é hora de reagir e de unidade. Antes que seja tarde.”

Em comunicado oficial, o Exército informou nesta quinta-feira que o comandante acolheu as alegações de Pazuello e entendeu que ele não cometeu transgressão disciplinar ao subir em carro de som e discursar a militantes bolsonaristas, ao lado do presidente no Rio, em 23 de maio. Pazuello alegou, com respaldo de Bolsonaro, que a manifestação não teve viés político-partidário. O comandante arquivou o caso, embora a maior parte do generalato verde-oliva tenha sugerido que Pazuello fosse punido para preservar a disciplina, ao menos com uma advertência.

Mais tarde, o ex-ministro disse considerar o arquivamento do processo disciplinar "inaceitável" e afirmou que a conclusão do caso "favorece a anarquia nos quartéis". Jungmann acusou Bolsonaro de se associar à quebra da disciplina e da hierarquia, por levar Pazuello para um palanque político. 

"A decisão do Comando do Exército contraria a lógica. O ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello transgrediu o que é a regra de uma instituição de Estado, participando de ato político induzido pelo comandante-em-chefe, o presidente da República, que nesse ato se associou à quebra da disciplina e da hierarquia", afirmou Jungmann, em entrevista à GloboNews.

Para o ex-ministro, o Exército pode ter sido forçado a tomar essa decisão para evitar uma "crise maior": a substituição em dois meses do novo comandante do Exército, caso Bolsonaro desautorizasse o comandante Paulo Sérgio. Jungamann cobrou que o Congresso regulamente a forma de participação de militares da ativa em cargos de confiança em governos e que convoque o comandante para cobrar explicações sobre a apuração disciplinar de Pazuello.

Generais da ativa consultados pela reportagem afirmaram que o Alto Comando tem ciência de que a decisão não foi bem recebida e que gerou desgaste à instituição e desconforto a eles mesmos. Ponderaram, no entanto, que qualquer decisão geraria problemas e que uma eventual a punição a Pazuello representaria por tabela uma reprimenda ao presidente, por causa da presença de Bolsonaro no mesmo palanque.

Vera Rosa - Braga Netto vira o ‘novo Pazuello’

- O Estado de S. Paulo

Para ministros do Supremo Tribunal Federal, o general Braga Netto, como Eduardo Pazuello, articula fazendo tudo que Jair Bolsonaro quer.

Apolitização dos quartéis, misturada à campanha presidencial antecipada, serviu para acender o sinal amarelo no Supremo Tribunal Federal (STF). A preocupação ganhou novos contornos com a absolvição do general Eduardo Pazuello pelo comando do Exército, agravada pela falta de interlocução com o ministro da Defesa, Braga Netto. Na avaliação de magistrados, Braga Netto virou “um novo Pazuello” e já demonstrou ter assumido perfil político para fazer tudo o que o presidente Jair Bolsonaro quer. Custe o que custar.

Com expressivas manifestações de rua contra Bolsonaro, juízes temem novo ataque às instituições, desta vez por parte dos fardados, com ameaças de insubordinação de soldados, cabos e sargentos do Exército. Em conversas reservadas, ministros do Supremo observam que a violência e o abuso praticados por policiais militares, como se viu nos últimos dias em Pernambuco, Goiás e no interior de São Paulo, também parecem fazer parte de um perigoso movimento da militância armada, em defesa da reeleição de Bolsonaro.

É exatamente aí que os caminhos de Braga Netto e Pazuello se cruzam. Bolsonaro pressionou o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para não punir o ex-ministro da Saúde, que no último dia 23 participou de um ato político, no Rio, apesar de ser general da ativa. Incentivado pelo presidente, que quer vê-lo candidato a governador ou até mesmo a deputado federal, em 2022, Pazuello discursou animadamente em cima de um palanque de trio elétrico.

Braga Netto nada falou sobre a transgressão disciplinar, hoje arquivada, ao contrário do vice Hamilton Mourão, que chegou a defender uma repreensão a Pazuello. À frente da operação apelidada ironicamente por aliados do Palácio do Planalto como “Fica na sua, meu Exército”, Bolsonaro ainda nomeou o ex-ministro da Saúde, nesta semana, para a chefia da Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência. Foi um prêmio dado a Pazuello, que blindou o presidente no primeiro depoimento à CPI da Covid e agora será blindado pelo governo. O recado de Bolsonaro para o Exército foi um só: “Quem manda sou eu”.

Marcelo Godoy - Bolsonaro impõe sua vontade ao Comando, e crise se agrava

- O Estado de S. Paulo

Presidente está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar; da última vez que o fez, há 30 anos, acabou defenestrado

Acomodar foi a solução encontrada pelos generais palacianos para acabar com a crise, ainda mais depois que Jair Bolsonaro deixou claro que não permitiria a punição do general e amigo, Eduardo Pazuello. Nomeou-se o transgressor para a Secretaria de Assuntos Estratégicos a fim de que tudo se resolvesse. Tiraram o problema do quartel e o devolveram para o lugar de onde nunca devia ter saído: o Planalto. Essa é a lógica que se esconde por trás da lacônica nota do Comando do Exército, como se ela encerrasse o caso criado pela presença do general da ativa no palanque do presidente.

A solução imposta ao Exército pretendia retirar o bode de uma sala e colocá-lo em outra. O Alto Comando do Exército (ACE) não desejava mais a companhia de Pazuello. Ele não tinha mais condição de comandar. E Bolsonaro avisava que não o queria punido. Parte do ACE defendia a punição. O presidente ameaçava. Destituíra Edson Leal Pujol do comando da Força. E podia fazer de novo: manda quem pode, obedece quem tem juízo. 

Vera Magalhães - Bolsonaro é um agente do caos

- O Globo

"Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem vigente e, então, tudo se torna um caos. Eu sou um agente do caos. Ah, e sabe a chave pro caos? O medo."

O discurso, conhecido, é proferido pelo Coringa, o vilão do Batman. Mas poderia ser de Jair Bolsonaro, circunstancialmente presidente do Brasil.

As circunstâncias que o levaram ao Planalto, aliás, já são fruto do caos. Numa situação de normalidade institucional, alguém cuja única obra em vida foi apostar na ofensa e no esculacho a pessoas e corporações jamais poderia ter sido eleito presidente.

Uma vez aboletado no poder, não era de esperar que um agente do caos virasse um promotor da ordem. Quis o destino que essa figura histórica estivesse no comando do país na pandemia de covid-19.

O resultado do investimento no caos está aí. Para ficar só em dois fatos recentes: está na capitulação do Exército Brasileiro ao Coringa que expurgou décadas atrás. E está na capa da revista britânica “The Economist”, que mostra um Cristo Redentor sem oxigênio, retrato acabado da nossa tragédia.

Parecia esculhambação demais até para os padrões bolsonarescos imaginar que Eduardo Pazuello escaparia do episódio em que se postou ao lado de Bolsonaro num caminhão de som sem ao menos uma advertência. Pois aconteceu: Bolsonaro colocou o Alto Comando do Exército na situação de submissão completa a sua explícita pressão, para que o caso claro de indisciplina fosse arquivado.

O precedente, mais um, é de gravidade extrema. Uma vez infiltradas pelos caprichos do capitão reformado do Exército em 1988, depois de um rumoroso processo por indisciplina, que papel desempenharão as Forças Armadas nas eleições de 2022?

Bernardo Mello Franco - O Exército de joelhos

- O Globo

Jair Bolsonaro seduziu as Forças Armadas com três moedas: prestígio, poder e dinheiro. Em troca, exigiu uma só: a submissão completa ao seu projeto político.

O capitão subiu a rampa com sete ministros militares. O loteamento se espalhou pelos escalões inferiores da máquina pública. Mais de seis mil fardados se penduraram em cargos civis.

Quem não ganhou emprego embolsou vantagens no contracheque. Os integrantes das Forças foram poupados da reforma da Previdência. Além de manter privilégios, arrancaram novos penduricalhos.

No mês passado, uma canetada autorizou militares da reserva a furar o teto constitucional. Alguns generais passarão a receber supersalários acima dos R$ 60 mil por mês.

O presidente nunca escondeu a regra do jogo: para manter as benesses, é preciso se curvar a ele e a seus filhos. No início do governo, o general Santos Cruz tentou contrariar interesses do vereador Carlos Bolsonaro. Puxou a fila dos demitidos antes de completar seis meses no cargo.

Outros oficiais toparam se humilhar para continuar no poder. Foi o caso do general Luiz Eduardo Ramos, chamado de “Maria Fofoca” e “Banana de Pijama” por um colega de gabinete. Ele engoliu os desaforos e foi promovido a chefe da Casa Civil.

Merval Pereira - Medo de assombração

- O Globo

Ao pedir que o ministro da Defesa Fernando Azevedo Silva se demitisse, o presidente Bolsonaro se queixou de que não tinha respaldo político por parte de seus ministros militares. Ouviu dele que sua saída não representaria uma mudança de atitude dos militares, que não  poderiam se vincular a um projeto político. Ledo engano.

Quarta-feira, por volta das 10 da manhã, o presidente Bolsonaro saiu do Planalto e foi, fora da agenda, ao Ministério da Defesa. O general Braga Neto o esperava na porta principal. Subiram. A conversa durou cerca meia hora.  Bolsonaro saiu pela garagem, no sub solo, e voltou pelos fundos ao Palácio. Estava dado o recado ao Alto Comando do Exército, reunido naquele mesmo dia para avaliar a crise gerada pela presença de um General de divisão da ativa, ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em um palanque político ao lado do presidente.

A decisão de ontem do Comandante do Exército, General Paulo Sérgio Nogueira tem uma motivação puramente política, sem se importar com um dos pilares das forças militares, que é serem instituições de Estado, e não de um governo.

Míriam Leitão - Exército se submete ao bolsonarismo e dá passo para a anarquia

- O Globo

A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello é um daqueles momentos históricos em que uma instituição comete erro que traz consequências graves. Para as Forças Armadas a submissão à hierarquia, aos seus códigos e estatutos é a espinha dorsal da instituição. Se um general pode desrespeitar as normas disciplinares, o capitão também pode e, no fim, o soldado poderá. Abre-se o espaço para que outros sigam esses passos. Esse é o caminho que eles sempre abominaram, o da anarquia militar. O que o Exército fez agora foi dizer que aceita a pressão de Bolsonaro, mesmo que isso signifique desrespeitar suas próprias normas, mesmo que isso aprofunde o perigoso caminho da politização da ForçaA nota diz que acolhe os argumentos apresentados por escrito e oralmente pelo general Pazuello. E o que ele disse foi que aquele não era um ato político, dado que o presidente Bolsonaro não tem partido. Ora, isso não é verdade. Aquela foi uma manifestação política. Desde o desfile de motos pelo Rio, os gritos dos seguidores, até os discursos no palanque. Era um ato de campanha política, mesmo não sendo época oficial de eleições. Pazuello sabe que foi isso que aconteceu naquele domingo. Decidiu fazer o Exército de bobo e o Comando aceitou essa desculpa.

 “O Exército informa que o Comandante do Exército analisou e acolheu argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial general”. Ou seja, concordou com uma explicação totalmente distante da realidade. “Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello”, diz a nota.

O presidente Bolsonaro quando foi militar, mais de três décadas atrás, feriu as regras disciplinares, foi preso e processado pela Justiça Militar. Ele saiu do Exército exatamente por indisciplina. Foi um “mau soldado”, como definiu o ex-presidente Ernesto Geisel. Hoje ele é comandante em chefe das Forças Armadas, por ser o presidente, mas isso não significa que as Forças devam aceitar que ele imponha essa mesma visão de indisciplina às tropas.

O episódio Pazuello é uma linha divisória que o Exército não deveria cruzar. Para Bolsonaro é uma vitória. Ele quer que as instituições o sigam e que abram mão da autonomia. Bolsonaro quer acabar com a diferença entre Estado e governo, e transformar a força terrestre no que ele define como “o meu Exército”. Ao ceder à pressão, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira mostra por que foi escolhido para o lugar do general Edson Pujol. Ele aceita a pressão do Planalto.

Lauro Jardim - Vitória de Bolsonaro e da indisciplina

- O Globo

A decisão do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, de não punir Eduardo Pazuello por sua participação em uma manifestação política, contrariando o que diz de modo inequívoco o regulamento disciplinar da força, é uma vitória não só de Jair Bolsonaro — mas da indisciplina no Exército.

Significa que o Alto Comando não teve autoridade para cumprir um regulamento pelo qual deveria zelar. Não teve coragem de enfrentar um Bolsonaro que dia a dia mostra querer fazer da instituição o "seu" Exército. 

Na semana passada, Bolsonaro disse de forma acintosa em sua live semanal que o ato em que Pazuello subiu num palanque não fora político. Foi afrontoso ao Exército e à sociedade. É uma afirmação que não se sustenta. E é contraditória com o que ele próprio afirmou naquela transmissão sobre o evento: "Foi um movimento pela liberdade, pela democracia, e apoio ao presidente". 

Na terça-feira, Bolsonaro botou Pazuello para despachar dentro do Planalto, num cargo de assessoria. E fez questão de nomeá-lo enquanto o comandante do Exército decidia sobre a punição do ex-ministro da Saúde. O recado estava dado por Bolsonaro. 

Desde o ato das motocicletas todos os generais da ativa e da reserva foram unânimes em cravar que Pazuello teria que ser punido. Os adjetivos sobre o que ocorreu variavam de "grave" a "inaceitável".

Malu Gaspar - O capitão dobrou os generais

- O Globo

Se havia alguma dúvida sobre a posição do Exército em relação a Jair Bolsonaro, foi eliminada na tarde desta quinta-feira. Com a decisão de não punir o general Eduardo Pazuello por ter subido ao palanque de um ato de apoio ao presidente, no Rio de Janeiro, o comandante da principal força militar do país demonstra que os generais, afinal, não são capazes de conter o capitão. 

Os regulamentos militares são claríssimos ao proibir a participação de oficiais da ativa em "manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político.” Portanto, ao consignar em nota oficial que "não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello", o comando do Exército passa algumas mensagens à própria tropa e à sociedade brasileira.

Ao Brasil, que não espere do Exército nenhum esforço de proteção à ordem democrática ou ao estado de direito se, do outro lado, forçando os limites, estiver Jair Bolsonaro. Se não foi capaz de contê-lo nem para proteger um pilar básico da força, o respeito a hierarquia e aos códigos militares; se aceitou se humilhar diante do presidente num impasse em que tinha a seu favor uma regra cristalina e inequívoca, não há por que supor que o comandante terá força para fazê-lo quando estiver em jogo alguma questão politicamente difusa, do tipo que se justifica pelas narrativas delirantes de Bolsonaro. 

À tropa, o recado é claro. Cabos, soldados, majores, tenentes, coronéis, estão todos liberados para fazer reivindicações salariais, contestar as regras do comando ou mandar às favas o regulamento disciplinar do Exército. A partir de agora é lícito pensar que, se Pazuello pode, eles também podem. As pilhas de processos disciplinares que se acumulam nas mesas dos comandantes podem ser arquivadas ou jogadas no lixo, porque a partir de agora existe uma nova regra: quem tem costas quentes pode promover a anarquia, que está tudo bem. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O perigoso afastamento da política

O Estado de S. Paulo

Um estudo realizado pelo Ibope e pela Rede Nossa São Paulo mostrou uma situação preocupante para o regime democrático e o exercício da cidadania. Segundo o levantamento, 67% das pessoas entre 16 e 24 anos na cidade de São Paulo não têm nenhuma vontade de participar da vida política do Município. Dois terços de uma parcela especialmente relevante da população – a nova geração, que se aproxima da vida adulta – querem distância da política. Apenas 19% disseram ter alguma vontade de participar da vida política e 15%, muita vontade.

Realizada no mês de janeiro com 800 pessoas na cidade de São Paulo, a pesquisa apresentou aos entrevistados uma série de possibilidades de atuação na vida política, que iam desde o compartilhamento de notícias sobre política na internet e trabalho voluntário até a participação em atos de rua e atuação em conselhos municipais. Quase a metade (42%) respondeu que não pratica nenhuma das ações listadas.

Segundo o público pesquisado, a forma mais frequente de fazer política é a assinatura de abaixo-assinados (22%), seguida do compartilhamento de notícias em redes sociais e em aplicativos de mensagens (18%) e atuação no movimento estudantil (15%).

O quadro é especialmente grave tendo em vista que as pessoas reconhecem a importância da participação política, mas mesmo assim não veem sentido nessa atuação. “Sei que é importante acompanhar, mas não me vejo refletida na política”, disse Giovanna Paulo, de 20 anos, que trabalha numa fábrica de automóveis.

Não é, portanto, apenas uma carência de informação. Pode-se dizer que há uma resistência consciente a participar da vida política, por entender que essa atuação seria inútil ou mesmo contraproducente. É a desilusão motivando um desejo de distância da política.

Outro ponto que desperta especial preocupação refere-se ao voto. Questionados se a proximidade das eleições levava a um maior interesse pela política, 43% discordaram totalmente dessa afirmação.

Ou seja, mesmo nesse momento único da democracia, em que o cidadão tem nas mãos o poder de direcionar os rumos da cidade, do Estado e do País, boa parte da juventude sente-se desinteressada da política. É um grave sintoma do desapreço pelo voto. Para parte da população, nem na hora de escolher seus representantes a política adquire algum interesse.

Poesia | Ascenso Ferreira - Sertão

 

Música | Gilberto Gil - Respeita Januário, Xote das meninas, Eu só quero um xodó - Fé na Festa

 

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Merval Pereira - Algo no ar

- O Globo

 “Há algo no ar além dos aviões de carreira”

(Barão de Itararé)

No dia 2 de julho de 2012, dois caças supersônicos Mirage F-2000 da Força Aérea Brasileira sobrevoaram a Praça dos Três Poderes tão baixo que estilhaçaram todos os vidros do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). O fato se repetiria, não em forma de acidente, caso o desejo do presidente Bolsonaro se realizasse.

Irritado com uma decisão do Supremo, o presidente revelou a pessoas próximas que gostaria de dar um susto nos ministros, fazendo com que os novos caças Gripen dessem um voo rasante sobre o prédio. O mais próximo disso aconteceu no dia 21 de outubro do ano passado, quando os novos F-39E Gripen foram apresentados em voo sobre a Esplanada dos Ministérios, sendo ouvidos na sala em que o hoje ministro do STF Nunes Marques estava sendo sabatinado pelo Senado.

O desejo do presidente não foi atendido, em mais um episódio do que está sendo conhecido nos meios militares como bullying de Bolsonaro, que quer impor suas vontades às Forças Armadas. Os generais do Alto-Comando do Exército, reunidos ontem para debater a situação da indisciplina do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, decidiram não anunciar a decisão no momento.

Aproveitarão o feriado para amadurecer a tendência de puni-lo, em clima de indignação com a atitude do presidente de proteger seu ex-ministro da Saúde, em claro confronto com a instituição a que pertence. Embora o vice-presidente Hamilton Mourão tenha falado que a nomeação de Pazuello como assessor diretamente ligado ao presidente na secretaria de Assuntos Estratégicos não interferirá na sua punição, que ele defende, ela é um recado do presidente ao Exército.

Evidente que um general da ativa investigado por indisciplina não poderia ser nomeado para nenhum cargo, muito menos um diretamente ligado ao presidente da República, a menos que ele queira protegê-lo e impor sua condição de comandante em chefe das Forças Armadas para pressionar o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira.

Bolsonaro não tem limites e não respeita nada nem ninguém. Ou você o aceita como é, ou será confrontado sempre, não apenas o STF, o Congresso, mas até as instituições militares a que ele é ligado, sempre marcado por indisciplina e insubordinações. A visão dele da Presidência da República é totalitária, acha que pode mandar em todo mundo. Caso Pazuello não seja punido, podem começar a surgir manifestações em escalões inferiores das Forças Armadas, que sempre foram proibidas.

Míriam Leitão - Fatos que mudam o cenário político

- O Globo

Numa pequena amostra da intensidade do tempo presente, em apenas duas semanas um general da ativa foi para um ato político e ficou na estranha situação de ser premiado pelo presidente e ameaçado de punição pelo Exército. Uma grande manifestação contra o governo ocupou as ruas de mais de 200 cidades. O PIB surpreendeu os economistas, o dólar caiu e uma crise hídrica surgiu como uma nova sombra sobre o país. A CPI avançou, mostrando que a mentira é usada como método pelo governo. O ministro do Meio Ambiente e o então presidente do Ibama foram alvos de uma operação que investiga a exportação ilegal de madeira.

A lista poderia crescer, porque os acontecimentos não deram trégua. Nas duas semanas em que fiquei longe deste espaço houve fatos que mudaram o cenário político. O mais importante deles foi a manifestação que tomou as ruas do país no sábado, 29. Quem saiu para protestar contra o governo Bolsonaro teve que vencer o conflito interno entre suas convicções sobre as medidas de proteção e a necessária reação a um presidente que tem provocado mortes pelas suas decisões. Bolsonaro, no domingo anterior, havia feito um desfile de moto, com seus apoiadores, pelas ruas do Rio, exibicionista e intimidatório, à moda Benito Mussolini. Era como se fosse o único capaz de mobilizar. O convincente ato 29M deixou marcado que a força contrária existe e é significativa.

O presidente Bolsonaro tem feito atos de campanha eleitoral, fora de hora, usando recursos públicos em seus deslocamentos e segurança. Leva ministros, como levou o ministro da Defesa a Manaus. O mais ostensivo ocorreu no Rio e instalou no palanque o general Eduardo Pazuello, um oficial da ativa. Pazuello mentiu na CPI, Pazuello mentiu para o Exército. É óbvio que aquele ato no qual ele discursou era político e, portanto, proibido pelo estatuto das Forças Armadas. Bolsonaro fez de propósito. Ele está minando as instituições ou querendo mostrar que as controla. Depois de trocar todos os comandantes das Forças, ele dá um xeque-mate no novo comando ao instalar Pazuello no próprio Palácio. Aliás, um general da ativa vai ficar sob a chefia de um almirante da ativa, Flávio Rocha, da Secretaria de Assuntos Estratégicos. As Forças Armadas precisam escolher de que lado estão. A ambiguidade não é mais tolerável.

Malu Gaspar - Vem aí o Bolsa Reeleição?

- O Globo

Não é preciso ser íntimo de Jair Bolsonaro para saber que ele só pensa na reeleição. “Você passou 30 anos votando em que tipo de gente? Quem não tá contente comigo tem Lula em 2022”, respondeu irritado, outro dia, a uma apoiadora que perguntou por que ele deixava “o povo sofrer”. Dias antes, já havia declarado: “O bandido foi posto em liberdade, foi tornado elegível, no meu entender, para ser presidente. Na fraude. Ele só ganha na fraude no ano que vem”.

O presidente gosta de dizer que não se importa com pesquisas nem entende de economia. Mas compreende muito bem onde o calo aperta, na hora do voto. Já disputou nove eleições e ganhou todas. E percebeu que, se quiser sair vencedor das urnas em 2022, precisará colocar a mão no bolso, ou melhor, no cofre.

Os resultados da última pesquisa Datafolha, que detectou vantagem de Lula contra Bolsonaro — num eventual segundo turno, o petista teria 41% dos votos e o presidente, 23% —, trouxeram dados enfáticos. Se a eleição fosse hoje, Lula teria 56% dos votos no Nordeste, 51% dos eleitores com ensino fundamental e 47% dos que têm renda familiar de até dois salários mínimos.

Estamos falando de um universo de 50 milhões de brasileiros, gente que sofreu seriamente o impacto da pandemia e foi socorrida pelo auxílio emergencial, que, pela regra atual, deverá pagar a última parcela em agosto. Apesar dos dados animadores de crescimento do PIB, o desemprego ainda é de 14,7% e atinge 14,8 milhões de pessoas. Outros 6 milhões são desalentados, que perderam os empregos, mas ainda nem sequer começaram a procurar nova ocupação.

Cora Rónai - A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia

- O Globo

Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de curiosos. Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com ela. Sua função seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões

Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com a cloroquina. A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia. Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de curiosos que constituíram o gabinete de crise do Idiota Supremo, mas, a rigor, não é a principal culpada pelo rumo sinistro que a pandemia tomou entre nós.

A CPI não foi instituída para determinar se a cloroquina funciona ou não funciona contra a Covid. Isso já foi estabelecido e, a essa altura, deveria ser página virada. A função da CPI seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões do governo. A obsessão dos senadores pela cloroquina a transformou, porém, em palanque para pessoas que disfarçam o charlatanismo por trás de diplomas de medicina.

Não é à toa que que o mundo bolsonaro comemora os depoimentos de Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi como grandes vitórias.

É inacreditável que, em pleno ano de 2021, uma reles fórmula científica se transforme em símbolo ideológico. Nós rimos dos nossos antepassados que acreditavam no benefício das sangrias e tomavam ópio para a tosse, mas como sociedade evoluímos muito pouco de lá para cá.

Escrevi que a cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo não porque o gasto de dinheiro público para a sua fabricação às toneladas seja irrelevante, ou porque não seja inadmissível ver o chefe da nação insistindo em fazer propaganda de remédio ineficaz, ou ainda porque a ideia de um “tratamento precoce” não possa levar a população a uma atitude displicente; mas porque a lista de ações e de omissões do presidente e de seus ministros é maior e mais grave, e é nela que a CPI deveria se concentrar.

William Waack - A insubordinação de Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Ao incentivar a anarquia no Exército, arrisca a própria autoridade

Durou quase meio século a trajetória do Exército entre eliminar a ameaça de anarquia dentro da instituição e o retorno à ameaça de anarquia. Nos dois episódios – quando a anarquia foi abortada e quando ela foi incentivada – a figura central foi o presidente da República.

No primeiro episódio o mandatário era o general Ernesto Geisel – alguém que, de fato, sabia o que era a natureza do poder. Destituiu sumariamente em 1977 seu ministro do Exército por entender que aquele oficial participava de um movimento de insubordinação, que arrasava qualquer princípio de autoridade, começando pela do presidente.

No segundo episódio o mandatário é o ex-capitão Jair Bolsonaro – alguém que, de fato, nunca soube o que é poder. Incentivou a insubordinação de um general, atacando um pilar fundamental de qualquer Exército, sem entender que está colocando em jogo a própria autoridade. Aliás, exercida de forma incoerente, contraproducente e que está diminuindo depressa.

Eugênio Bucci* - O dilema está nas ruas (e nos jornais)

- O Estado de S. Paulo

A oposição ao governo é plural, integrada por pessoas e correntes múltiplas

Em editorial publicado anteontem, o Estado deixou patente a avaliação positiva que faz das passeatas contra o presidente da República, que tomaram as ruas de diversas cidades no sábado passado. O texto começa por afirmar que “foram muito significativas as manifestações”. Na avaliação deste diário, “a realização, em si mesma, do protesto” repõe o equilíbrio de forças: “O embate entre o bolsonarismo e o antibolsonarismo, que antes estava restrito ao universo das redes sociais, a partir de agora poderá ser travado ao ar livre, com ou sem vírus.”. O argumento prossegue atestando que, “para muita gente, o risco da continuidade do governo de Bolsonaro é maior do que o perigo representado pelo coronavírus, razão pela qual valeria a pena arriscar-se em manifestações de rua se isso causar problemas para o presidente”.

O editorial nos chega em boa hora, quando ainda pairam dúvidas sobre a posição das principais redações do País sobre as manifestações. Há quem tente rotulá-las como um movimento de esquerda. Outros resmungam que tudo não passa de uma grita radical, extremista, em defesa de corruptos. O Estado discorda dessas visões redutoras: “Seria um erro entender que o antibolsonarismo seja uma exclusividade da esquerda. (...) É lícito supor que, se não fossem as reticências sanitárias motivadas pela pandemia, muito mais cidadãos, de diversos credos políticos, poderiam se animar a participar de manifestações contra o presidente”.