segunda-feira, 21 de junho de 2021

Alberto Aggio* - Uma eleição plebiscitária

Blog Horizontes democráticos

O tema eleitoral tomou conta da conjuntura política nacional. O retorno de Lula ao centro da cena colocou, pela primeira vez, uma contraposição à permanente intenção de Bolsonaro em referenciar essa questão exclusivamente a ele, coisa que fez desde o início do mandato. Depois disso foi inevitável que os outros atores se movessem. Como isso não vai parar é preciso dar um sentido positivo ao movimento.

Outros elementos que informavam a conjuntura ganharam outro peso. O tema do impeachment reduziu seu potencial em função da ocupação bolsonarista do centro de decisão das pautas da Câmara dos Deputados. Esse se constituiu no ponto nevrálgico da “guerra de posições” conduzida por Bolsonaro. Afirmar que o impeachment é a luta pelo impeachment reduziu-se a um fato agitativo, que mobiliza, mas dificilmente se tornará real. Por outro lado, a vigência da CPI da Covid, passou a representar um oásis na dinâmica parlamentar, uma vez que se tornou o único espaço no qual se exercita verdadeiramente a prática republicana que os brasileiros esperam de seus representantes. Ela contradita a lógica regressiva que predomina na Câmara dos Deputados, sob o comando de Arthur Lira, mantendo a imagem negativa do Parlamento na opinião pública.

Dominado pelo tema eleitoral e marcado por delimitações de campos quase imutáveis, com Bolsonaro e Lula definindo a polarização primária da conjuntura e o centro político ainda buscando sua própria definição – não apenas de nome para suas candidaturas, diga-se –, caímos, sem remissão, no terreno da “pequena política”. Nela, como nos mostra Gramsci, as disputas se dão “no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma classe política”.

Entrevista | Eduardo Giannetti: “Temos dois candidatos que dividem o país”

Para Eduardo Giannetti, polarização faz crescer o risco de um bolsonarismo extremado em 2022

Por Célia de Gouvêa Franco / Valor Econômico

SÃO PAULO - Os partidos do campo democrático progressista precisam se organizar para construir uma candidatura competitiva a presidente da República para a campanha do próximo ano ou o Brasil corre o risco de ter que conviver com o bolsonarismo revigorado. A decisão do PSDB e do PT de se aliarem a forças - “sinistras” - enquanto estavam no poder em vez de trabalharem em conjunto em favor de princípios que lhes são comuns, como a defesa da democracia e de políticas de redução da desigualdade e de valorização do meio ambiente e da cultura, já causou estragos, tendo sido fator importante na eleição de Jair Bolsonaro.

As afirmações são de Eduardo Giannetti, economista com doutorado em Cambridge e autor de uma série de livros, o mais recente “O Anel de Giges”. Nesta entrevista, ele traça um cenário perturbador para o país com a possibilidade de polarização na campanha de 2022 entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Giannetti imagina que a maioria dos brasileiros, inclusive ele, rejeita a possibilidade hoje mais provável para o segundo turno - Bolsonaro versus Luiz Inácio Lula da Silva. Ele teme que a polarização entre os dois volte a dividir o país ao meio. “Acho que corremos um risco institucional se esticarmos essa corda até o limite com dois candidatos que despertam sentimentos muito violentos a favor e contra.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o senhor analisa a atual situação do Brasil, especialmente o cenário político?

Eduardo Giannetti: O Brasil está diante de uma encruzilhada em 2022. Olhando em retrospecto a experiência da redemocratização, é possível constatar que houve um caminho bastante coerente de experimentação das forças democráticas que foram gestadas durante o regime militar. Primeiro, tivemos a grande força oposicionista ao regime militar que foi o MDB de Ulysses Guimarães e [José] Sarney; depois o PSDB, liderado pelo Fernando Henrique Cardoso, viabilizado pelo sucesso do Plano Real, e, por fim, a última grande força democrática de oposição ao regime militar, o PT, com a eleição do Lula, que teve sequência com o governo da Dilma [Rousseff]. A única peça que não se encaixa nesse enredo foi o [Fernando] Collor, rapidamente expelido da cena pelo impeachment. É curioso que as grandes forças democráticas surgidas durante o governo militar tiveram sua chance de exercer o poder e mostrar a que vieram. O impeachment da Dilma e a eleição do Bolsonaro demarcam o fim desse ciclo, com a interrupção violenta de um mandato, no caso da Dilma, e a eleição de um “outsider”, Bolsonaro, que mergulhou o país numa aventura muito perigosa. E agora estamos diante de uma encruzilhada porque a eleição do Bolsonaro fratura o Brasil. Acredito que se as forças de oposição do campo democrático progressiva não conseguirem construir uma candidatura real, competitiva, corremos o risco de ter um bolsonarismo revigorado em 2022.

Valor: Como o senhor explica a eleição do Bolsonaro?

Giannetti: É lógico que há um grande número de variáveis que influenciaram a eleição, inclusive fatores aleatórios, como a facada. Mas acredito que um fator que todos nós do campo democrático deveríamos considerar é que o fato de não se ter conseguido trabalhar cooperativamente durante a redemocratização abriu o caminho para a ascensão de um candidato populista de direita radical. Tanto o PSDB como o PT, quando estiveram no poder, preferiram se aliar ao que há de mais sinistro na política do que trabalhar de forma conjunta e cooperativa. O que é muito estranho porque na essência programática - é claro que há muitas divergências entre eles - há forte sobreposição de valores e propostas. Mas acabou prevalecendo um certo sectarismo que impediu as forças democráticas, quando foram situação, de unir forças para avançar num projeto comum de redução da desigualdade, de preservação do meio ambiente, de aperfeiçoamento da democracia.

Entrevista | Tasso: Candidato de centro não precisa ser do PSDB

Para senador tucano, aliança de partidos em 2022 para enfrentar polarização é uma ‘possibilidade concreta’

Eduardo Laguna e Ernani Fagundes / O Estado de S. Paulo

Apontado como um dos “presidenciáveis” do PSDB para a eleição de 2022, o senador Tasso Jereissati (CE) disse neste domingo, 21, ver como uma “possibilidade concreta” a formação de uma aliança de forças políticas de centro para fazer frente à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para Tasso, o candidato que represente este campo não necessariamente tem de ser do PSDB. “Não precisa ser do nosso partido”, disse o parlamentar, referindo-se ao nome que lideraria a coalizão. 

Ao participar de videoconferência do grupo Parlatório S.A., o senador cearense disse que a viabilidade de uma candidatura alternativa, a chamada terceira via, na corrida ao Palácio do Planalto do ano que vem, vai depender da pressão popular. “Se houver pressão da opinião publica, a possibilidade se torna mais concreta ainda”, afirmou o tucano. 

Tasso é um dos quatro nomes cogitados para ser o candidato presidencial do PSDB em 2022. Além do senador, concorrem ao posto os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. As prévias do partido estão marcadas para novembro. 

Questionado sobre a atuação do PSDB na corrida presidencial, Tasso defendeu a unidade da legenda e respondeu que as prévias tucanas também fazem parte da estratégia eleitoral para 2022. “Uma característica positiva que o PSDB tem é de ser um partido democrático, e, encontramos uma solução democrática. As prévias também são uma estratégia eleitoral”, disse. “Veja o caso dos Estados Unidos, onde há prévias. (...) Se você entrar do zero para alçar voo depois é muito difícil. Essa é uma das estratégias, e, depois da prévia, todo mundo vai entrar em campo para jogar junto”, afirmou o senador tucano. 

Entrevista | Jairo Nicolau: ‘Brasil tenta aprovar ‘pior sistema eleitoral do mundo’

Para cientista político, trocar eleições proporcionais por ‘distritão' não fortalece partidos, não aumenta legitimidade nem torna eleições mais baratas: ‘só beneficia os políticos que o defendem’

Adriana Ferraz / O Estado de S. Paulo

Desde 1998, quando participou pela primeira vez de uma comissão criada pela Câmara dos Deputados para debater reforma política, o pesquisador Jairo Nicolau se vê diante da proposta de o Brasil trocar seu atual sistema eleitoral, que hoje funciona de forma proporcional, pelo chamado distritão. “Mas é inacreditável que o Brasil, numa hora dessas, com tantos desafios, esteja tentando aprovar o pior sistema eleitoral do mundo”, disse, em entrevista ao Estadão

Para Nicolau, fora a simplicidade do modelo (no distritão são eleitos os deputados mais votados por Estado, descartando-se os votos na legenda), não há qualquer virtude na troca. “Não fortalece partidos, não aumenta a legitimidade eleitoral, não torna as eleições mais baratas. Só beneficia os políticos que o defendem.” 

Ele avalia ainda que temas como sistema eleitoral, voto facultativo e candidatura avulsa – todos atualmente em debate – deveriam ser tratados por uma Assembleia Constituinte e com participação popular, o que não é o caso das discussões de agora na Câmara. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O Brasil precisa de uma nova reforma político-eleitoral?

Todo país pode discutir suas instituições, seu pacto social. O Chile está passando por isso, é natural. Mas não pode ser feito dessa forma, com deputados que não são especialistas no tema, sem audiências públicas e com essa agenda. Os temas tratados são dignos de uma Constituinte. E olha que as Constituintes de 1946 e 1988 não mexeram em nada disso, mantiveram a representação proporcional, a desigualdade da representação dos Estados na Câmara, o voto obrigatório. São escolhas que têm a ver com a nossa cara como democracia, como República.

O distritão também voltou a ser cogitado. Qual sua opinião?

É o tipo de solução para um problema que ninguém apresentou. Preferência por sistema eleitoral não é como preferência por um tipo de filme. Eu gosto de western, outros gostam de filme romântico. Não é assim que funciona. Vamos agora entrar no sistema de comédia pastelão? A gente tem uma escolha institucional que pode não estar funcionando, mas, dentro do cardápio de sistemas eleitorais testados no mundo, esse ou aquele são soluções para resolver tal problema. E o distritão resolve qual problema?

Fernando Gabeira - Saudades do Brasil

O Globo

"Oi zum zum zum zum zum zum zum, tá faltando um." Quando leio sobre o encontro do G7, sobretudo sobre a agenda, lembro-me dessa antiga canção. O Brasil está à deriva nas relações internacionais, mas teria muito a contribuir neste momento da história da humanidade.

Bolsonaro jamais seria convidado para um encontro desse tipo, pois, em qualquer parte do mundo, atrairia grandes manifestações de protesto.

Um dos pontos da agenda foi a crise ambiental. O Brasil teria muito a dizer sobre isso, embora as decisões tenham se concentrado na produção carvoeira, que está com os dias contados.

O Brasil teria muito a falar sobre a importância do comércio de carbono, uma vez que suas florestas mantêm toneladas de CO2 sepultadas sob as árvores. Estamos tanto à deriva que nem nos damos conta disso. Nem sequer nos damos conta de que a crise hídrica que se aproxima, com reflexos no consumo de energia, resulta parcialmente das queimadas e do desmatamento na Amazônia.

Se depender do primeiro tópico da agenda, Bolsonaro seria justamente vaiado, e o Brasil perdeu seu discurso, não consegue nem estabelecer mais conexões entre os elos de sua crise ambiental.

Marcus André Melo - Marginais no poder?

Folha de S. Paulo

Como atores nas franjas do sistema tornam-se protagonistas em democracias

Como partidos (movimentos) nas franjas do sistema político tornam-se atores centrais? Na atual onda populista, a tendência é acompanhada de um processo de destruição criadora pela qual agremiações longevas são eclipsadas pelos novos entrantes. Veja, entre outros, a Front National (agora RN) e o virtual desaparecimento do PS francês; os Verdes e o declínio do SPD alemão; ou o M5S ou Lega na Itália, após o colapso de seu sistema partidário.

Esses partidos comportam-se inicialmente como startups monotemáticas focando as migrações, União Europeia, e meio ambiente que são ortogonais à dimensão redistributiva que vertebra o sistema político durante décadas, ancorada em questões como distribuição de renda e emprego. Na Europa, foram criados 110 partidos deste tipo entre 1960 e 2010, e muitos surgiram depois. Em 18 países, 25% deles ultrapassaram o limiar de 5% do eleitorado.

Eles tornam-se competitivos porque introduzem novas dimensões da competição política em conjunturas críticas após choques, como mostram De Vries e Holbot; os partidos dominantes reagem aos novos temas absorvendo-os ou rechaçando-os. Muitos falham. Os principais perdedores têm sido os partidos socialistas e social-democratas. O choque da dupla crise econômica e migratória a partir de 2010 foi o divisor de águas.

Celso Rocha de Barros - Por que Bolsonaro deixou morrer 500 mil?

Folha de S. Paulo

Hoje em dia parece claro que, além de um crime, foi um erro

Como previsto pelos especialistas, chegamos no meio milhão de brasileiros mortos por Covid-19 antes do fim do primeiro semestre. Só agora começamos a calcular quantos, dentre eles, foram mortos diretamente, documentadamente, pelas decisões de Jair Bolsonaro.

As revelações da CPI sobre os contratos de compra de vacinas, quando inseridas em modelos epidemiológicos construídos com o que já sabemos sobre a relação entre vacinação e mortandade, colocava 90 mil mortes nas costas de Bolsonaro com os números até o final de maio. Isso foi antes de sabermos que ele se recusou a comprar 43 milhões de doses do consórcio Covax Facility. Com as novas informações e os mortos de junho, mal dá para ver a marca de cem mil no retrovisor.

Desde fevereiro, quando, segundo estimativas do jornal O Estado de S. Paulo, já teria sido possível vacinar todos os idosos brasileiros se a oferta do Butantã em 2020 tivesse sido aceita por Bolsonaro, o número de brasileiros mortos dobrou.

Por que Bolsonaro fez isso? Hoje em dia parece claro que, além de um crime, foi um erro. Se Bolsonaro perder a eleição de 2022, terá sido pelas centenas de milhares, talvez pelo milhão de mortes que causou entre 2020 e 2021.

Denis Lerrer Rosenfield* - O espaço de centro

O Estado de S. Paulo

O País corre o risco de entrar em combates fratricidas, a violência tomando conta da cena

O Brasil está saciado, para não dizer farto, das polarizações da vida política nos governos Lula, Dilma e Bolsonaro, com distintas versões do “nós contra eles”, de esquerda e de extrema direita, dominando a cena do País. Seja de uma cor ideológica, seja de outra, os brasileiros foram atirados uns contra outros, como se não houvesse unidade nacional ou valores coletivos, morais e religiosos que pudessem ser compartilhados por todos.

Eram as hordas do MST infernizando o campo, o MTST fazendo o mesmo nas cidades, com o beneplácito e apoio dos governos Lula e Dilma; hoje são as hordas digitais e de motocicleta das milícias bolsonaristas, ostensivamente sustentadas pelo atual presidente. A continuar nesse ritmo, o País corre o risco de entrar em combates fratricidas, com a violência tomando conta do cenário. A violência verbal e os discursos demagógicos acarretam consequências práticas.

Mais vale parar a corrida contra o abismo, antes de nele cairmos. No entanto, para os atuais contendores, Bolsonaro e Lula, mais vale que o cenário permaneça como está, até com maiores tensão e acirramento. Quanto mais um vociferar contra o outro, tanto maior será o benefício de ambos. A retroalimentação é o ar que eles respiram. Não há nenhuma intenção deles em criar um ambiente de apaziguamento e entendimento. O bem da Nação passa ao largo de suas estratégias. Bem coletivo, bem-estar social de todos? Ora bolas, quem se preocupa com isso?!

Há um desânimo crescente na sociedade e, ao mesmo tempo, uma esperança de mudança. Desânimo porque a polarização só produz novos conflitos, numa multiplicação infinita que leva à conservação do status quo e, enquanto barganha, ao fortalecimento dos interesses corporativos e estamentais. Os mais desfavorecidos pioram sua condição, enquanto os privilegiados, os que gozam de “direitos adquiridos”, usufruem parcela cada vez maior do bolo coletivo. Uns comem mais, outros comem menos. Uns têm melhor atendimento de saúde, outros morrem pelo vírus que grassa no País, alguns mesmo sufocados ou em corredores de hospitais. Uns têm melhor educação, graças aos meios tecnológicos, outros nem educação têm, pela falta desses meios.

Jaime Pinsky* - Lutar pela História

O Estado de S. Paulo

Especialmente agora, quando ‘fake news’ são vomitadas por atacado, de forma organizada

A credibilidade da História faz todos tentarem se apropriar dela. Ouvimos o tempo todo frases como “a História ensina que...”, ou sua variante mais humilde “temos de aprender com a História” e ainda “a História é a mestra da vida”. Mas, na verdade, a maioria das pessoas não quer aprender com a História, mas ensiná-la. Cada um do seu jeito. Alguns ainda se dão antes ao trabalho de estudá-la, outros nem isso. Veja-se o que acontece com as pessoas que usam o passado, real ou imaginado, para tirar e ensinar lições. E os governantes, então... Chamam suas deturpações de versões, ou narrativas, para passar mais confiança. Mas, geralmente, são deturpações mesmo.

Todo mundo sabe que governantes autoritários torturam a História para ver se ela confessa e declara o que eles querem ouvir. Governos antidemocráticos odeiam a verdade. A verdade revela coisas que eles não admitem em público, embora não tenham o menor pudor de praticá-las no dia a dia. Ditadores e candidatos a ditadores têm um esquema sólido para alimentar seus seguidores com mentiras. Atentados contra a cidadania, a ciência, a natureza, a Justiça, a educação são perpetrados a toda hora. Governos autoritários se ocupam em escondê-los e para isso contratam especialistas em marketing. Verbas astronômicas, desviadas da saúde, da educação, da habitação, do bem-estar dos cidadãos, são usadas em propaganda. E veículos sérios da imprensa são punidos com verbas insignificantes, ou nenhuma verba, por sua independência. Afinal, os cofres oficiais estão nas mãos do governo e agradecer ou punir a mídia depende apenas de sua boa vontade.

Bruno Carazza* - Uma guinada de 360 graus

Valor Econômico

A velha política está de volta em Brasília

Nas eleições de 2018, o brasileiro manifestou seu desejo de mudança. Indignado com a combinação de uma severa recessão econômica e uma crise política sem precedentes na história, o eleitor escolheu não apenas um presidente sem tradição na política, como renovou boa parte dos ocupantes das cadeiras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Nas várias pesquisas feitas àquela época, o cidadão que foi às urnas em outubro de 2018 buscava um novo modo de fazer política - e o candidato vencedor soube muito bem captar esse espírito, prometendo romper com as tradições do “toma-lá-dá-cá”, combater a corrupção (não por acaso escolheu como Ministro da Justiça o juiz que conduziu os processos da Operação Lava-Jato) e aplicar um choque liberal na economia.

Passados dois anos e meio da posse de Jair Bolsonaro, podemos dividir seu governo em três momentos distintos.

Alex Ribeiro - O ‘trade’ do alívio nas contas públicas

Valor Econômico

Mercado deve ter novo encontro com o risco fiscal na eleição

O mercado financeiro está vivendo de ondas que empurram os preços de ativos para cima. É o “trade” da reflação americana, o “trade” da vacinação e o “trade” do alívio fiscal. Quanto tempo esse último vai durar?

A visão mais pessimista é que dure até agosto, quando o governo deve enviar o Orçamento de 2022 para o Congresso. Num ano de eleições, as pressões por gastos serão naturalmente maiores. Já há notícias, por exemplo, de que o presidente Bolsonaro pretende conceder reajuste salarial para o funcionalismo e turbinar o Bolsa Família.

Uma visão um pouco menos pessimista é que, apesar de alguns solavancos na discussão do Orçamento, o clima só vá mesmo azedar durante as eleições presidenciais. A polarização entre Bolsonaro e Lula, e a possibilidade de uma eventual vitória do candidato petista, poderia trazer de volta o receio do populismo fiscal e o risco de dominância fiscal.

Christopher Garman, do Eurasia Group, divulgou uma carta aos clientes na sexta-feira com um cenário mais otimista. Apesar de idas e vindas, dos vários momentos de tensão, no fim as instituições brasileiras - Congresso, especialistas, órgãos de controle, imprensa - estão funcionando bem para conter o descarrilhamento fiscal. “Se Lula for eleito, sua administração não se provará tão fiscalmente irresponsável como os especialistas provavelmente temem, e os riscos de uma virada populista de Bolsonaro também podem estar sendo superestimados.”

Washington Olivetto - O que a CPI da Covid revelou

O Globo

A CPI da Covid é um Big Brother da política, que mistura nomes ilustres com nomes desconhecidos, produzindo desconhecidos ilustres.

Nesse programa da TV Senado, amplamente divulgado pela mídia e comentado nas redes sociais, a grande estrela é o relator Renan Calheiros (MDB-AL), que se comporta com a experiência de quem está no Senado há mais de 26 anos, já foi quatro vezes o presidente da Casa e é pai do governador de Alagoas.

Mas o presidente da comissão de inquérito, Omar Aziz (PSD-AM), e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também não são nada bobos: um já foi governador do Amazonas, e o outro é o senador mais votado da história do Amapá.

Renan, Omar e Randolfe protagonizam seus papéis individuais nesse reality show, mas, quando juntos, se transformam numa espécie de Tiago Leifert, coordenando a participação dos brothers, que, de brothers, não têm nada.

Miguel de Almeida - Sem Marx e sem Jesus

O Globo

Uma pena que o Bozo não pratique o debate de ideias e esteja afastado (desde os tempos de cabo) dos livros. Assim, não imagino o que pensaria da constatação do filósofo francês Luc Ferry, ministro da Educação no governo de Jacques Chirac: acabaram as paixões, e lá se foi o tempo de dar a vida pela política, religião ou qualquer outra criação humana.

Por que motivo você daria sua vida? Ou melhor: existe algo que vale sua vida?

Outro filósofo, o romano Lúcio Sêneca, alertava contra as emoções desmedidas. Em sua visão, os exageros dos sentimentos obnubilam a existência. Pregava algo como o esquecimento das paixões.

Sêneca, tutor de Nero, foi depois condenado à morte por seu ex-pupilo, o imperador paranoico, espécie de Bozo da Antiguidade. Diante da demora do efeito do veneno, rasgou as próprias veias. Matou-se não por paixão, mas por ética.

Por que ideia alguém hoje tiraria a própria vida? Para a defesa da pátria?

As indolentes motociatas bozofrênicas emolduram a ausência da paixão política. Em São Paulo, onde até almoço de batizado tem fila, apenas 6 mil e tantos motoqueiros compareceram à convocação. É um nada. Para não pagar pedágio, motoqueiro de final de semana topa até lavar a cabeça. Impressionava, sim, o número de policiais colocados na segurança dos tiozinhos da motocicleta: cerca de 1.500. Algo como um guarda para cada quatro bozominions.

Irapuã Santana - A cor do cárcere

O Globo

Na semana passada, participei de uma audiência pública no STF, presidida pelo eminente ministro Gilmar Mendes, para discutir o sistema prisional brasileiro. Minha missão — em nome da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes — era expor o recorte racial que precisa existir nesse debate.

Por ser um caso de grande relevância para o país, refletido na mais alta Corte nacional, confesso que fiquei bastante nervoso, mas enfrentei as dificuldades e fiz minha apresentação abordando todos os pontos que desejava: (i) a foto atual das penitenciárias; (ii) um histórico do aprisionamento da população negra no Brasil; (iii) o impacto do coronavírus sobre os negros; e, por fim, (iv) a desumanização nas cadeias por causa do racismo.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, a população carcerária pátria é predominantemente negra, contando 64% do total, havendo também uma curva crescente no que diz respeito ao aprisionamento dessa parcela da sociedade. Enquanto o encarceramento de pessoas brancas caiu 19% nos últimos 15 anos, o número de negros presos subiu 14%. E, ao contrário do que possa parecer e do senso comum, os estudos sobre o tema mostram que brancos cometem mais crimes do que negros, mas tendem a ter um julgamento tão mais brando quanto mais clara for a cor da pele.

Mirtes Cordeiro* - Trabalho infantil é crime

Falei & Disse

As atividades mais comuns são o trabalho doméstico, a agricultura, a construção civil, os lixões, as feiras, a prostituição e o tráfico de drogas.

Trabalho Infantil é crime contra a infância e a adolescência.

O Brasil tem uma longa história de trabalho infantil e uma grande dificuldade de entender que trabalho infantil não se confunde com aprendizagem.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015, mostram que cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes entre 05 e 17 anos trabalham no País. Em 2019, o Brasil tinha 38,3 milhões de pessoas com idade entre 05 e 17 anos, das quais 1,8 milhão   em situação de trabalho infantil. Houve redução de 16,8% no contingente de crianças e adolescentes em trabalho infantil frente a 2016, quando havia 2,1 milhões de crianças nessa situação. Proporcionalmente, o Brasil tinha 5,3% de suas crianças e adolescentes em trabalho infantil em 2016, percentual que caiu para 4,6% em 2019. (Agencia Brasil)

Entre os que trabalham, 21,3% têm entre 05 a 13 anos de idade.

As atividades mais comuns são o trabalho doméstico, a agricultura, a construção civil, os lixões, as feiras, a prostituição e o tráfico de drogas. Permanece viva parte da nossa cultura que não compreende que criança é um ser humano em condições especiais de desenvolvimento, devendo receber da família e da sociedade a proteção necessária através das políticas públicas.

O trabalho infantil acontece quando as famílias são pobres, têm muitos filhos, geralmente sem acesso à escola, porque a mão de obra da criança é mais barata que a do adulto e quando não acontece a fiscalização dos poderes públicos.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

A classe média não é culpada

O Estado de S. Paulo

Incapaz de promover crescimento seguro, geração de empregos e bom uso do dinheiro público, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta associar o drama dos mais pobres ao desperdício de comida pela classe média. “Precisamos dar incentivos para que o que é jogado fora possa ser endereçado aos mais necessitados”, disse o ministro num evento da Associação Brasileira de Supermercados. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, presente na ocasião, poderia ter informado seu companheiro de governo sobre a produção e a disponibilidade de alimentos no Brasil, mas preferiu acompanhá-lo em seus comentários sobre a perda de alimentos e a necessidade de rever prazos de validade.

Há desperdícios, de fato, mas só por imensa ignorância ou escandalosa má-fé se pode lançar sobre a classe média a responsabilidade pela fome. Até 2014 a desnutrição era um problema limitado a uma parcela muito pequena da população. As condições pioraram a partir da recessão de 2015-2016, mas a fome só chegou a proporções desastrosas durante o desgoverno do presidente Jair Bolsonaro. Não se passa fome por escassez de comida, mas por falta de dinheiro para comprá-la.

Antes de falar sobre os hábitos da classe média, o ministro da Economia deveria dar atenção ao mercado de trabalho, com 14,8 milhões de desempregados no primeiro trimestre e mais de 30 milhões de subutilizados – contingente formado pelos desocupados, desalentados e outros milhões de trabalhadores potenciais. O quadro seria pior se milhões de indivíduos, em vez de tentar uma precária sobrevivência trabalhando por conta própria, continuassem buscando uma vaga.

Poesia | Joaquim Cardozo - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

Música | Só Elas - TV Globo Nordeste - Especial de Forró - São João 2021

 

domingo, 20 de junho de 2021

Luiz Sérgio Henriques* - América Latina, revolução e democracia

O Estado de S. Paulo

A dialética democrática desconhece a dominação bruta de um grupo sobre os demais

O Brasil dos nossos dias não é propriamente o ponto de observação mais adequado para avaliar processos políticos latino-americanos, tão surpreendentes e imprevisíveis quanto os que nós mesmos temos experimentado na carne. O redemoinho nos é comum e arrasta todos, fazendo, em geral, os raciocínios ficarem turvados pelas paixões da hora.

No País oficial as avaliações obedecem a um automatismo indigente. Diante do protagonismo de qualquer setor da esquerda latino-americana, em si tão diversa e fragmentada, as vozes dos nossos governantes se limitam a lamentar a “perda” de tal ou qual nação vizinha para a causa das “liberdades”, como se os antolhos da guerra fria devessem nos envesgar indefinidamente. Sintomáticos o uso e o abuso da palavra “comunismo”, como se se tratasse de escolher “modos de produção” a cada rodada eleitoral, e não, mais singela e concretamente, barrar os nacionalismos autoritários de vertentes às vezes opostas que nos ameaçam.

Os representantes do País não oficial nem sempre estão atentos ao que se passa fora das nossas fronteiras, ainda que os eventos pipoquem ao redor. Proverbiais, a respeito de temas externos, o silêncio e a desatenção de forças moderadas ou de centro, pouco afeitas a tratar do “nexo nacional-internacional” como questão de primeira ordem. Partidos desse campo não costumam ter “política externa” e, uma vez no governo, em regra são pouco inovadores.

Celso Lafer* - FHC aos 90

O Estado de S. Paulo

Sua preocupação hoje é com a onda regressiva que põe em questão a vigência da democracia

Fernando Henrique Cardoso chega aos bem temperados (como o cravo de Bach) 90 anos na plenitude das qualidades que dele fizeram, ao mesmo tempo, um intelectual de envergadura e um grande homem público. Essas vertentes se entrelaçam criativamente. Combinam, numa dialética de mútua implicação e complementaridade, a “paixão por entender, a chama que move os intelectuais”, e a “compulsão por fazer, o ethos da política”.

Essas suas palavras nas recém-publicadas Memórias esclarecem a perspectiva organizadora da sua densa caminhada. Esta levou um intelectual de grande talento, que obteve com sua obra e seu magistério reconhecida presença no mundo universitário do País e do exterior, a projetar-se com influência no espaço público e depois converter-se em ator político de primeira plana.

O sentido de direção da sua compulsão para fazer muito deve à sua paixão intelectual por entender. Nas suas obras, pesquisas e contínuas leituras empenhou-se “em desenvolver uma ação intelectual voltada para entender e mudar o Brasil”. Raciocinou movido pela curiosidade do sociólogo, interessado no que vem vindo e está em andamento.

Essa forma mentis originária se ampliou com sua experiência de intelectual no exterior. No Chile, deu-se conta da relevância da América Latina. Na França e nos Estados Unidos, ampliou sua capacidade de orientar-se no mundo.

Merval Pereira - O recado dos mortos

O Globo

Quantos milhares de mortos mais teremos que enterrar antes que nos convençamos de que um governo que, por incúria ou projeto, deixou morrer mais de 500 mil pessoas, não pode continuar tendo o comando do país em meio a essa verdadeira guerra que estamos perdendo por falta de comando? Em pouco mais de um ano, o Brasil perdeu para a COVID-19 o equivalente ao número de vidas que perde para violência a cada dez anos, um dos nossos maiores problemas sociais.

Somos também o segundo país, atrás só do Peru, com maior número de mortes por milhão entre os com população acima de dez milhões de habitantes, o que tira da classificação distorções por questão de escala. Mas corremos o risco de passar o número de mortos dos Estados Unidos, que tem uma população maior.

Um gráfico com base nos dados do Our World in Data mostra que a vacinação começou em 15 de dezembro de 2020 em países como Israel, Canadá, Rússia e China. O Brasil só começou a vacinar quando Estados Unidos e China já tinham vacinado cerca de 30 milhões de doses cada um, Reino Unido já alcançava 10 milhões  e Israel e Índia chegavam a cerca de 5 milhões de doses.

Míriam Leitão - A nossa dor além da conta

O Globo

Meio milhão de mortos. É o que temos registrado. Um número imenso, inconcebível, mas que era previsível diante dos erros do governo. Caminhamos para a morte, dolorosamente, sem saber quem entre nós será atingido na próxima semana, no próximo dia, na próxima hora. Nós, os sobreviventes, carregamos dores e sequelas de uma impiedosa mortandade. Sim, Bolsonaro é culpado, e essa não é uma frase política, é a simples constatação diante de abundantes fatos produzidos diariamente por ele mesmo, o mais irresponsável dos governantes que o Brasil já teve. Na última quinta-feira, na live em que mente sistematicamente, Bolsonaro disse que quem pegou o vírus está mais imunizado do que quem tomou a vacina. Essa é mais uma mentira mortal. As mentiras do presidente matam.

Não foi Bolsonaro que inventou a pandemia, mas é ele que tem se esforçado diariamente pela disseminação do vírus. Bolsonaro pôs todos os seus mesquinhos interesses à frente da vida. Sabotou os esforços dos que tentam proteger os brasileiros, atacou governadores, alimentou a cizânia, espalhou mentiras, estimulou aglomerações, ignorou fornecedores de vacinas, exibiu desprezo pelos que sofrem e correu atrás de tudo o que não funciona, da cloroquina ao spray nasal.

Bernardo Mello Franco - Crime sem castigo: Bolsonaro e os 500 mil mortos

O Globo

O Brasil atingiu as 500 mil mortes pelo coronavírus. A pandemia devastou o país com a cumplicidade de Jair Bolsonaro. O presidente sabotou as medidas de distanciamento, boicotou a compra de vacinas e segue em cruzada contra o uso de máscaras.

A CPI da Covid já reuniu provas de que a irresponsabilidade foi calculada. O capitão apostou na estratégia da “imunidade de rebanho”. Atuou para acelerar a disseminação da doença, como se isso fosse abreviar o baque na economia e facilitar sua reeleição.

Indiferente à tragédia, ele torra dinheiro público para fazer campanha antecipada. Na sexta, transformou uma visita ao Pará em comício, com transmissão ao vivo na TV estatal.

O presidente tem razões para confiar na impunidade. As instituições se acoelharam diante de suas afrontas. A Câmara já recebeu mais de uma centena de pedidos de impeachment, mas nenhum chegou a sair da gaveta.

“No momento, parece muito provável que Bolsonaro dispute o segundo turno em 2022, e nada provável que ele seja defenestrado do Planalto por seus crimes de responsabilidade”, resume o professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP.

No epílogo de “Como remover um presidente” (Zahar, 378 págs.), ele discute por que o capitão não enfrenta o mesmo processo que derrubou Fernando Collor e Dilma Rosuseff.

Dorrit Harazim - ‘Isto tem que acabar’

O Globo

Lee Bollinger é o mais longevo presidente da centenária Universidade Columbia, em Nova York, fundada muito antes de os Estados Unidos terem um 4 de Julho para comemorar a Independência. Ocupante do cargo há duas décadas, Bollinger, que não é de falar abobrinha, define assim a função da instituição: “Uma universidade não consegue sobreviver numa sociedade que não leva a sério os elementos básicos da vida cívica — o respeito à verdade, o respeito à razão como meio de busca da verdade e o compromisso com o princípio fundamental da igualdade humana”. Se substituirmos “universidade” por “país” ou “imprensa independente”, a frase também vale.

Steve Bannon, o trevoso conselheiro do ex-presidente Donald Trump e inspiração para a extrema-direita mundial, baseou sua estratégia na identificação do inimigo a bater — não a oposição democrata, que Bannon desdenhava e considerava peso leve. “A verdadeira oposição é a mídia. E a melhor forma de lidar com ela é inundá-la de merda”, sustentava o guru, em citação tirada do livro “Hoax” (embuste), do jornalista Brian Stelter.

Nos Estados Unidos de Trump, a tática deu certo até a 25ª hora de seus quatro anos na Casa Branca. Cada nova afirmação deliberadamente falsa do presidente obrigava a mídia a correr atrás, apontar a desinformação, retificá-la às pressas, fazer do jornalismo um cansativo exercício de fact-checking que, por sua vez, adquiria vida própria, também manipulável. Fatos e decência se tornaram divisores ideológicos, partidários, destruíram ou deixaram destruir a confiança nas Cortes e na ciência, nas eleições e nas instituições. Até hoje, passados sete meses desde o pleito de 2020, 75% dos eleitores republicanos acreditam na versão trumpista de fraude eleitoral.

Elio Gaspari - Em busca da civilização perdida

O Globo / Folha de S. Paulo

Se não bastasse a pandemia, vive-se a ameaça de uma crise no fornecimento de energia

Se não bastasse a pandemia, vive-se a ameaça de uma crise no fornecimento de energia. E se isso fosse pouco, o projeto de privatização da Eletrobras foi minado pelos jabutis que os maganos enfiaram na legislação.

Tamanha confusão produzida por uma base política voraz e pela falta de rumo do governo poderá ser melhor entendida por quem se dispuser a atravessar as 368 páginas de “Curto-circuito: Quando o Brasil quase ficou às escuras”, dos jornalistas Roberto Rockmann e Lucio Mattos.

Eles contam duas histórias. O tema central é o “apagão” de 2001, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso enfrentou a falta de água nos reservatórios. O pano de fundo é a mistura de interesses, inépcias e empulhações que provocaram a crise e desembocaram na girafa em que se transformou o sonho tucano de privatização das estatais elétricas.

Prometiam um modelo no qual a geração seria privatizada, haveria disputa pelo fornecimento e as pessoas poderiam escolher de quem comprariam energia. Não aconteceu nem uma coisa nem outra, as tarifas subiram e a crise hídrica voltou.

Luiz Carlos Azedo - Poderes da radicalização

Correio Braziliense / Estado de Minas

O poder não existe apenas no Estado e na figura de Bolsonaro. Também está disseminado na sociedade, por meio de um “micropoder” que se irradia, inclusive na família

A polarização política em curso no país, protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se deslocou do terreno das instituições políticas para a sociedade, antes mesmo de se iniciar o processo eleitoral propriamente dito, quando isso seria mais natural. É uma questão que merece atenção redobrada, porque diz respeito à convivência entre as pessoas, às vezes, em seu próprio ambiente familiar, o que gera um clima de intolerância e ódio muito perigoso na vida social.

Tradicionalmente, toda ou qualquer análise política parte da ideia de que o seu locus privilegiado é o Estado, onde se exerce o poder. Manter ou conquistar o poder é a chave para a polarização política. Numa democracia representativa, entre uma eleição e outra, essa disputa ocorre no âmbito da relação entre os partidos e as instituições; entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; na relação entre os entes federados – governadores e prefeitos; e no âmbito do Congresso Nacional: Câmara e Senado. Ocorre que uma polarização protagonizada por uma força extremista antissistêmica instalada no Poder, como é caso do governo Bolsonaro, de características bonapartistas, obviamente, rompe o equilíbrio da disputa nesses terrenos e atrai a sociedade para uma polarização
antecipada, na qual se confrontam forças a favor e contra a ordem democrática vigente.

Ricardo Noblat - Carlos Bolsonaro dá o tom da reação da direita à voz das ruas

Blog do Noblat / Metrópoles

Piedade pelos mortos da Covid-19 ficou de fora das mensagens do Zero Dois e do ministro das Comunicações do governo do seu pai

Pouco importava se as manifestações de rua contra o governo federal fossem grandes ou pequenas, pois elas seriam tratadas da mesma forma pelos devotos do presidente Jair Bolsonaro. Em um mês, foram duas, a segunda bem maior do que a primeira.

O tom da reação da direita à voz das ruas foi dado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o Zero Dois, responsável pela comunicação do pai nas redes sociais. E ele escreveu que tudo não passou de mais um ato da esquerda a serviço de Lula.

As manifestações pediram três coisas: mais vacinas, reajuste no valor do auxílio emergencial pago aos brasileiros mais pobres, e o impeachment de Bolsonaro. Elas ocorreram no dia em que o número de mortos pela Covid bateu a triste marca de 500 mil.

George Gurgel de Oliveira* - A reunião do G7, a pandemia e o imperativo da sustentabilidade

Estamos vivendo uma situação mundial de crises econômicas, sociais e ambientais, a exemplo da crise climática, do aumento da fome, do desemprego e da falta de vacinas para as populações e países pobres do planeta, inclusive no Brasil, entre outras tragédias já no segundo ano de pandemia.

A pandemia colocou em evidência a insustentabilidade econômica, social e ambiental da sociedade contemporânea, herdeira da revolução industrial e urbana do século XVIII, aos olhos de hoje insustentável.

A partir dos anos 60, do século XX, coloca-se como nunca o imperativo de defesa e ampliação da democracia como caminho de novas relações políticas, econômicas e sociais em defesa da vida e da preservação do meio ambiente. A possibilidade desta construção alternativa ao capitalismo e a própria experiência do socialismo real, valorizando a democracia, continua nos desafiando neste século XXI, em plena pandemia, desnudando as fragilidades dos nossos sistemas político, econômico e social no Brasil e no mundo.

O confinamento social está nos proporcionando uma necessária reflexão individual e coletiva da sociedade brasileira e de toda a humanidade. Sob qual perspectiva nos colocamos durante a pandemia e a pós-pandemia? O que temos a dizer como sociedade brasileira e mundial?

Neste contexto é que devemos avaliar a recente reunião dos países mais desenvolvidos, o chamado Grupo do 7 (G7), no último 11, na Inglaterra, e os impactos das deliberações e declarações do G7 antes, durante e depois da reunião e os seus desdobramentos no cenário político e econômico mundial.

O Grupo dos Sete (G7) é o grupo dos países mais industrializados do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Ainda com a representação da União Européia. Foi fundado em 1975 e faz reuniões anuais para discutir as questões urgentes do cenário internacional. Na agenda da sua última reunião predominaram as questões relacionadas a mudanças climáticas, ameaças à democracia, recuperação da economia mundial e a própria pandemia. Ainda como fato político importante destaque-se a iniciativa dos EUA e da União Européia de um possível realinhamento com a China e a Rússia, apesar de uma posição critica do G7 em relação a estes países.

Vinicius Torres Freire - Lula e os inimigos etéreos de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Reeleição pode ser ameaçada por falta de chuva, juros no EUA e inflação

O maior adversário de Jair Bolsonaro em 2022 é, óbvio, Lula da Silva. Quem ou o quê mais? Difícil imaginar políticos ou movimentos políticos e sociais organizados que ameacem o projeto de autocrata. O que pode dificultar a reeleição são entidades abstratas, nebulosas, voláteis ou, até agora, informes politicamente: mumunhas do PIB, inflação, fome, racionamento, política monetária americana, por exemplo.

A fim de lidar com alguns desses riscos, Bolsonaro se agita para aprontar um pacote de grande, diverso, de demagogias mais ou menos pontuais e assumiu que não faz mais nada a não ser campanha.

Bruno Boghossian - A política dos 500 mil

Folha de S. Paulo

Em vez de apoiar um processo longo de imunização, Bolsonaro incentivou propagação do vírus

Quando o país chegou a 100 mil mortes por Covid-19, Jair Bolsonaro afirmou que o isolamento não funcionava e acusou a imprensa de espalhar pânico. Foi só o começo. Dias depois, ele disse que as pessoas estariam vivas "caso tivessem sido tratadas lá atrás" com cloroquina.

Era agosto de 2020. Autoridades de saúde de todo o mundo já diziam que o medicamento era ineficaz contra a Covid-19. Mesmo assim, o governo mobilizava embaixadas, as Forças Armadas e uma rede de médicos alinhados ao presidente para comprar, fabricar e distribuir o remédio.

Em cinco meses, o Brasil já contava 200 mil mortes. Bolsonaro sobrou a aposta: disse que as vacinas contra a doença não tinham segurança e que metade da população recusaria o imunizante.