O Globo
O Brasil atingiu as 500 mil mortes pelo
coronavírus. A pandemia devastou o país com a cumplicidade de Jair Bolsonaro. O
presidente sabotou as medidas de distanciamento, boicotou a compra de vacinas e
segue em cruzada contra o uso de máscaras.
A CPI da Covid já reuniu provas de que a
irresponsabilidade foi calculada. O capitão apostou na estratégia da “imunidade
de rebanho”. Atuou para acelerar a disseminação da doença, como se isso fosse
abreviar o baque na economia e facilitar sua reeleição.
Indiferente à tragédia, ele torra dinheiro
público para fazer campanha antecipada. Na sexta, transformou uma visita ao
Pará em comício, com transmissão ao vivo na TV estatal.
O presidente tem razões para confiar na
impunidade. As instituições se acoelharam diante de suas afrontas. A Câmara já
recebeu mais de uma centena de pedidos de impeachment, mas nenhum chegou a sair
da gaveta.
“No momento, parece muito provável que
Bolsonaro dispute o segundo turno em 2022, e nada provável que ele seja
defenestrado do Planalto por seus crimes de responsabilidade”, resume o
professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP.
No epílogo de “Como remover um presidente” (Zahar, 378 págs.), ele discute por que o capitão não enfrenta o mesmo processo que derrubou Fernando Collor e Dilma Rosuseff.
Não é por falta de base jurídica. O autor
compara a contagem dos crimes de Bolsonaro a um bingo: “a cada tantos dias,
pode-se marcar um novo crime na cartela da Lei do Impeachment”. Antes da
pandemia, ele já atentava contra o decoro do cargo e a autonomia dos outros
Poderes.
Os constantes ataques ao Supremo fazem
parte de uma tática de intimidação. “Não são arroubos de temperamento, mas uso
estratégico do poder presidencial para atentar contra o Judiciário”, escreve o
professor.
“Até aqui, os presidentes preocupavam-se ao
menos em dissimular a intenção de agredir a Constituição. Ele, ao contrário,
comete crimes de responsabilidade em série, abertamente e de modo ostensivo”,
sustenta. “Cada comportamento ultrajante e indecente tira o foco da infração
anterior. Ele e seus apoiadores são mestres na arte de usar o crime de hoje
como diversionismo para o delito de ontem”.
O professor da USP contesta a tese de que o
Congresso não pune Bolsonaro por falta de pressão popular. Ele lembra que
Rodrigo Maia segurou dezenas de denúncias em 2020. “É pedir demais que
multidões desafiem um vírus perigoso e tomem as ruas para exigir um impeachment
que a própria autoridade competente passou o ano jurando que não tiraria da
gaveta”, afirma.
Apesar dos riscos, as ruas voltaram a
encher ontem em todo o país. Mas agora o impeachment enfrenta outras barreiras.
A Câmara está nas mãos de Arthur Lira, que tem recebido milhões de incentivos
para blindar o presidente. E a oposição acredita ter mais chances se ele
estiver no páreo em 2022.
Pode ser um erro fatal, avisa o autor de
“Como Remover um Presidente”. “O plano de vencer Bolsonaro nas urnas subestima
a quantidade de incentivos e possibilidades que ele tem de jogar sujo no
pleito”, adverte Mafei. É o que sugerem os ataques ao voto eletrônico e aos
ministros do TSE.
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