*K. Marx, “Critica da filosofia do direito
de Hegel – Introdução (1843)”, p. 151. Boitempo Editorial, São Paulo, 2005.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Opinião do dia - K. Marx*: poder das ideias
Marcus André Melo: Eleição e moderação
Folha de S. Paulo
Se os candidatos alterassem radicalmente
seus programas, o voto não seria afetado
Muitos esperavam que a disputa eleitoral
produzisse um deslocamento centrípeto por parte dos dois principais contendores
do pleito. Assim, Lula e Bolsonaro tenderiam à moderação e abandonariam os
pontos mais radicais de suas agendas. Isto pode ser observado no passado, mas
não no presente. Os candidatos têm falado para seus públicos internos.
A escolha de Alckmin para vice parece exceção; mas na realidade representa um
seguro político —um compromisso crível— para cenário de eventual crise
institucional, não concessão programática. A aproximação com o centrão é
estratégia de sobrevivência política, não abandono de questões controversas da
agenda pública.
O modelo analítico que informa a conjetura de convergência é
clássico: a preferência do eleitor mediano baterá as demais, em escolhas
binárias, o que criaria incentivos centrípetos para as candidaturas.
Celso Rocha de Barros: A fome do ‘Bolsocaro’
Folha de S. Paulo
Tragédia da fome bolsonarista é uma
tragédia feminina
Na semana passada, foi publicado um estudo
da Fundação Getúlio Vargas sobre
insegurança alimentar no final de 2021 ao redor do mundo.
A porcentagem de brasileiros que relatou
não ter tido dinheiro para alimentar a si mesmo ou a seus familiares em algum
momento dos últimos 12 meses subiu
de 30% para 36%.
Pela primeira vez desde que a pesquisa é
feita, o percentual brasileiro é maior do que a média mundial (35%).
Como se pode imaginar, o problema foi muito pior entre os brasileiros mais pobres. Em 2021, 75% dos cidadãos que compõem os 20% mais pobres da população brasileira ficaram sem dinheiro para comer ou para alimentar suas famílias em algum momento. Três quartos.
Carlos Pereira: Roteiro do golpe está pronto; e agora?
O Estado de S. Paulo.
Erros do passado e experiências de outros países capacitam instituições contra iliberalismos
Seis meses antes do golpe ocorrido no Chile
em 11/09/1973, apenas 27% dos chilenos acreditavam que o golpe aconteceria
(Navia e Osório 2017). Por outro lado, de acordo com o Datafolha (15/09/2021),
mais da metade dos brasileiros (51%) creem que Bolsonaro pode tentar um golpe,
especialmente em caso de derrota nas eleições de 2022.
Há quem acredite, inclusive, que o roteiro
do golpe contra a democracia brasileira já estaria traçado.
O primeiro passo seria incutir desconfiança
sobre a lisura do processo eleitoral por meio de questionamentos sobre a
segurança das urnas eletrônicas, comprometendo a sua confiabilidade perante os
eleitores ao afirmar que “a urna não é inviolável, é penetrável, sim”.
Argumento central desse roteiro é a crítica a uma hipotética “sala secreta ou escura” que contabilizaria os votos chegados ao TSE, o que afetaria a transparência do processo de apuração. Também contribuiria nessa trama o confronto direto com ministros do STF, como a recente alegação de abuso de autoridade do ministro Alexandre de Moraes por sua condução no inquérito das fake news.
Entrevista | José Aníbal: ‘Tebet é qualificada, mas PSDB precisa ter candidato’
Membro histórico do partido evita se contrapor a declarações de endosso ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Por Gustavo Schmitt / O Globo
Integrante da ala “histórica” do PSDB,
partido ao qual se filiou há mais de 30 anos, o ex-senador José Aníbal defende
que a sigla retome o debate sobre a candidatura própria — e lista no horizonte
os nomes do ex-governador Eduardo Leite e do senador Tasso Jereissati. Ele, no
entanto, reconhece a tendência interna de apoio à senadora Simone Tebet
(MDB-MS) e evita se contrapor a declarações de endosso ao ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), como já fez o ex-ministro Aloysio Nunes: “Não tenho
restrições a essas manifestações”.
A saída do ex-governador João
Doria da disputa presidencial após vencer as prévias macula a imagem do PSDB?
Lamentamos muito, porque fizemos um
movimento inovador na política brasileira com as prévias. Infelizmente, o Doria
ganhou, mas não levou. Ele não levou o partido a ampliar o seu espaço em meio à
polarização. Não foi possível, mesmo com os méritos que ele (Doria) teve ao
viabilizar a Coronavac.
O PSDB gastou R$ 12 milhões
com as prévias. Os advogados de Doria afirmaram que isso poderia levar à
rejeição das contas do PSDB pelo TSE...
Ele usou todos os argumento (para ser
candidato). Mas, se estiver tudo de acordo com o permitido pela lei, não tem
preocupação.
O grupo de Doria disse que
houve “golpe”. O senhor concorda?
Nem ele (Doria) acreditava mais nisso quando decidiu abrir mão da candidatura. Ele observou que havia dificuldade, especialmente dos candidatos aos governos estaduais e deputados, de estarem associados à candidatura presidencial dele. Doria conseguiu ter uma rejeição alta e uma intenção de votos muito baixa. É muito difícil resolver essa equação.
Mathias Alencastro*: A ameaça populista
Folha de S. Paulo
Diante da vitória iminente da esquerda,
direita se rebela e troca moderado por populista
A história da última semana da eleição
colombiana soa como a repetição de um enredo cada vez mais comum nas
democracias liberais. Diante
da vitória iminente da esquerda, liderada pelo moderado Gustavo
Petro, a direita se rebela e troca um opositor moderado por um populista.
Quem desempenha esse papel é o
oligarca-bufão Rodolfo
Hernández. Ele ultrapassou Federico "Fico" Gutiérrez, o jovem
liberal apoiado por todos os partidos da direita tradicional, e chegou
ao segundo turno contra Petro com uma campanha relâmpago que retoma a
receita original dos populistas: demagogia anticorrupção, anticomunismo
enfurecido e uso exclusivo das redes sociais.
A passagem para a segunda volta eleva a
tensão das presidenciais. Todos os candidatos circulam pelo país acompanhados
de escoltas militares, e ameaças
de assassinatos são denunciadas cotidianamente.
Petro sabe que toda a tensão gira em torno da sua candidatura. Sua biografia reflete o longo caminho da Colômbia em direção à paz. O ex-membro da guerrilha M-19 teve uma passagem bem-sucedida pela política institucional, servindo como senador e prefeito, antes de construir a primeira plataforma de partidos progressistas com condições de vencer as presidenciais.
Ana Cristina Rosa: Até quando vamos aturar a barbárie?
Folha de S. Paulo
Mais de 79% dos mortos pela polícia no
Brasil são negros
Até quando vamos aturar a
violação de direitos humanos e seguir convivendo com a barbárie
institucionalizada no país? Mais de 79% dos mortos pela polícia no Brasil são
negros. Um caso mais estarrecedor que o outro.
Condolências e promessas de investigação são gestos de civilidade importantes e
necessários, mas absolutamente insuficientes diante da realidade macabra. É
hora de agir em prol de resultados que coloquem algum freio nessa sanha pelo
extermínio da população negra.
O assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial branco nos EUA, causou comoção global. Passados dois anos, culpados foram punidos e uma reforma da polícia federal foi anunciada pelo presidente americano. "A mensagem das ruas foi clara: basta!", disse Joe Biden.
Lygia Maria: Polícia etimológica
Folha de S. Paulo
Obsessão por palavras está criando uma
sociedade paranoica
"Praga". Esse é o termo que a
pesquisadora Camille Paglia usa para se referir ao politicamente correto. A
busca constante por preconceitos nos mais ínfimos detalhes do cotidiano,
segundo ela, se assemelha a um transtorno mental, uma alucinação coletiva. O que
aconteceu no programa "Em Pauta", do canal Globo News, é prova disso.
Uma jornalista foi repreendida porque falou a palavra "denegrir".
Segundo o apresentador que passou o pito, "não se usa mais essa
palavra". Pelo visto, há por aí uma polícia etimológica. Fato é que a
jornalista pediu perdão e, provavelmente, nenhum outro jornalista da emissora
se atreverá a cometer tal pecado novamente. Se a moda pega, capaz de a censura
atingir outros veículos —o que faz com que esse problema não seja algo banal.
Ruy Castro: Lá vamos nós de novo
Folha de S. Paulo
Uma exposição em Nova York tem barquinhos
com dinheiro brasileiro
Se você já se perguntou onde foi parar todo
o dinheiro velho que trocou pelo novo nas antigas mudanças de moeda no Brasil,
sabe que boa parte dele foi incinerada pelos governos de então. Mas outra parte
sobreviveu e circula hoje como ectoplasma pelos sites de leilões e compras,
disputado por colecionadores de velharias exóticas —e poucas velharias são mais
exóticas do que dinheiro brasileiro. De anos em anos, devorado
pela inflação, cortavam-se três zeros do seu valor e pespegavam-lhe um novo
nome, o que obrigava à destruição de bilhões de cédulas e sua substituição por
outras tantas.
Daí, de 1942 para cá, tivemos as notas de cruzeiro, cruzeiro novo, mais uma vez
cruzeiro, cruzado, cruzado novo, novamente cruzeiro, cruzeiro real e, por fim,
o real. As cédulas novas mal chegavam a ficar velhas e nojentas, porque a
inflação fazia com que fossem logo renomeadas e trocadas. Em 1993, a inflação
no Brasil foi de, pode crer, 2.708,55%.
Fernando Gabeira: A violência como linguagem
O Globo
O mês de maio é muito bonito no Rio.
Desfruto as manhãs e, no restante do dia, mergulho nos livros. Ensaios,
romances, biografias, tudo que consigo ler antes que o cansaço me derrube.
Coincidência ou não, apesar da beleza dos
dias de maio, preparava um texto sobre violência, das chacinas às agressões
verbais de nossos tempos.
É mais fácil explicar por que o velho
Santiago do livro de Ernest Hemingway pesca um imenso peixe e o perde no
caminho da praia do que entender as razões do jovem Salvador Ramos, que
matou 19 crianças e duas professoras em Uvalde, no Texas.
Também é muito difícil entender por que uma
operação de inteligência resulta na morte de 23 pessoas, na Vila Cruzeiro, no
Rio.
Será que estamos falando da mesma palavra
quando dizemos inteligência?
No fundo, é possível dizer que políticas
públicas estão por trás dessas mortes: a que coloca nas mãos do jovem Salvador
dois fuzis; ou a que antevê no fuzilamento em grande escala um trunfo
eleitoral.
O que estava preparando para explicar não trata diretamente de massacres, mas sim das condições que tornaram nossas vidas tão expostas à violência.
Demétrio Magnoli: Ucrânia, encruzilhada da Europa
O Globo
‘Seria
uma falência moral, que a História condenaria.’ O ministro do Exterior
ucraniano, Dmytro Kuleba, referia-se à hipótese de rejeição da candidatura de
seu país ao ingresso na União Europeia (UE). Seus alvos implícitos eram o
presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz,
núcleos da resistência à pretensão da Ucrânia. Kuleba tem razão — e interpreta
melhor a história da UE que os governantes das duas nações líderes do projeto
europeu.
Segundo Macron, “todos nós sabemos que o
processo de adesão da Ucrânia exigiria vários anos, provavelmente várias
décadas”. Scholz seguiu a mesma linha ao declarar que a Ucrânia não pode se
beneficiar de “um atalho”. Os argumentos franceses e alemães embutem uma visão
econômico-burocrática sobre a integração europeia.
Scholz apontou a “injustiça” de acelerar o
ingresso ucraniano à frente das candidaturas de seis países balcânicos. Para
Macron, o “atalho” ucraniano implicaria “reduzir os padrões de acesso” e
“repensar a unidade da Europa”.
— Podemos abrir procedimento de acesso para
um país em guerra? — indagou o francês, oferecendo sua resposta:
— Acho que não.
Dessa posição, improvisou a proposta de criar uma “Comunidade Política Europeia”, algo como um pátio de espera destinado a candidato como a própria Ucrânia, os países dos Bálcãs ocidentais, a Moldávia e a Geórgia.
Bruno Carazza*: Bolhas de desconfiança de lulistas e bolsonaristas
Valor Econômico
Datafolha indica elevação de risco de
questionamento do resultado das urnas
O resultado da última pesquisa Datafolha
agitou a política brasileira. Apontando uma vitória de Lula já no primeiro
turno, com 54% dos votos válidos, ela enfureceu os apoiadores de Jair
Bolsonaro, que passaram a desacreditar o instituto e acusá-lo de manipulação
dos dados, que seriam incompatíveis com o “DataRua” das aparições públicas do
presidente.
Não é a primeira vez que isso ocorre, e há
poucas semanas as críticas tiveram outro alvo e origem oposta. Publicado em 13
de abril, levantamento do PoderData mostrou a diferença de Lula sobre Bolsonaro
caindo para apenas cinco pontos percentuais, o que gerou uma avalanche de
acusações vindas da esquerda sobre a lisura da pesquisa e supostos interesses
escusos nos números indicados.
Vivemos um tempo em que a credibilidade das pesquisas está abalada, e isso se deve a uma série de fatores. Para começar, a ausência de um censo demográfico desde 2010 prejudica o planejamento da amostragem. Diferentes metodologias e tecnologias de coleta também produzem resultados muitas vezes divergentes, deixando muitas dúvidas no ar.
Sergio Lamucci: Contratando problemas fiscais para o futuro
Valor Econômico
Aumentar gastos e reduzir impostos com base
em melhora temporária de indicadores fiscais é perigoso para as contas públicas
O governo e o Congresso passaram a tomar
uma série de medidas com potencial de fragilizar as contas públicas, num
cenário marcado pela melhora dos indicadores fiscais de curto prazo e pela
disposição do presidente Jair Bolsonaro de tentar reverter a qualquer custo a
sua baixa popularidade, causada pela inflação acima de dois dígitos e pelo
desemprego elevado. O exemplo da vez é a aprovação pela Câmara dos Deputados,
na semana passada, de um teto para as alíquotas do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre energia elétrica, combustíveis, gás
natural, comunicações e transporte urbano.
Ao mesmo tempo em que pode reduzir um pouco a inflação num ano em que os índices de preços ao consumidor rodam na casa de 12% em 12 meses, a iniciativa deve provocar uma perda bilionária de receitas, que pode chegar a R$ 83,5 bilhões, nas contas do Comsefaz, o comitê que reúne os secretários estaduais da Fazenda. Além disso, a medida deverá ser judicializada, caso o Senado a aprove sem modificações importantes. Na esfera federal, há uma série de iniciativas para reduzir impostos e elevar alguns gastos. No curto prazo, elas não causam problemas para as contas públicas porque há fatores circunstanciais que tornaram mais benigna a situação fiscal. Não se trata, porém, de uma melhora estrutural.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
Gargalo econômico
Folha de São Paulo
Percepção de piora da situação pessoal
tende a elevar má vontade com Bolsonaro
Entre os muitos fatores que contribuem para
o mau desempenho de Jair Bolsonaro (PL) na mais recente pesquisa Datafolha, a
situação da economia tem lugar de destaque.
Dois de cada três brasileiros aptos a votar
consideram que o quadro econômico piorou nos últimos meses, mesmo resultado da
pesquisa anterior, em março. Entretanto a parcela dos que consideram que sua
situação pessoal teve deterioração subiu de 46%
no levantamento de março para 52% agora.
Dado o quadro de inflação e desemprego
elevados, sem grande perspectiva de melhora rápida, é ainda mais danoso para o
presidente que 77% dos brasileiros declarem que a economia vai ter muita
influência (53%) ou alguma influência (24%) em sua decisão de voto.
Embora 7 de cada 10 eleitores digam que não pretendem mais alterar seu voto se a economia piorar, a possibilidade de mudança é quase 10 pontos percentuais maior entre os eleitores de Bolsonaro (32%) do que entre os do petista Luiz Inácio Lula da Silva (23%).
domingo, 29 de maio de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto*: Os institutos de pesquisa e o jogo das preferências
As duas boas notícias foram suficientes
para que um clima de vitória antecipada tomasse conta, pelo menos daquelas
franjas da campanha de Lula que se percebe nas redes sociais, nos humores da
militância em geral e até mesmo em declarações e postagens dos seus quadros
políticos mais afoitos. O próprio candidato - no pleno e atento exercício do
seu ofício de injetar otimismo para elevar ainda mais o moral da tropa – não
escondeu o bom humor, dizendo que Bolsonaro não dormiu após a divulgação.
A recepção à citada pesquisa assume ares de uma onda reforçadora do argumento em favor de um “voto útil” à esquerda, que consume a eleição no primeiro turno, não só para assegurar a vitória de Lula, como para ajudar a desativar manobras e atos golpistas de Bolsonaro que intentem inibir, constranger e/ou desacreditar as eleições. Manobras e atos que, com razão, se supõe mais difíceis de terem êxito no primeiro turno, dada a grande quantidade de candidatos aos diversos cargos eletivos em disputa nos pleitos simultâneos, todos eles, a princípio, interessados diretos no respeito ao resultado das urnas. Penso que essa onda tem tido o poder de influenciar de modo importante as dimensões subjetivas do noticiário da imprensa e até o colunismo especializado, seja de jornalistas ou de estudiosos da área, a ponto de outros aspectos serem ofuscados pela virtual ordem de grandeza do movimento mencionado.
Luiz Carlos Azedo: De quando as ofensas levam à ruína política
Correio Braziliense
Em desvantagem nas pesquisas,
declarações de Bolsonaro reforçam as suspeitas de que prepara um golpe de
estado para se manter no poder, caso perca as eleições. É um momento perigoso
No embalo das pesquisas e dando sequência à
coluna de sexta-feira (Quando a fortuna governa a política, e a virtude, não),
voltamos ao clássico dos clássicos da política, O Príncipe, de Nicolau
Maquiavel, para falar do governo Bolsonaro e das próximas eleições. O astuto
florentino foi associado ao vale tudo na política por uma frase que lhe é
atribuída, mas que nunca dissera: “Os fins justificam os meios”. Essa
interpretação errônea (ou de má-fé) é fruto do seu realismo, ao desvincular o
Estado do Direito Divino.
É lugar comum o conselho atribuído a Maquiavel de que o mal deve ser feito de uma só vez. “Por isso, é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios. Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em seus súditos, pois que estes nele também não podem ter confiança diante das novas e contínuas injúrias”.
Eliane Cantanhêde: Bolsonaro e pesquisas na berlinda
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro parou de crescer, com rejeição alta, confiança baixa e pouca margem para reagir
O ex-presidente Lula já previa o resultado
muito favorável a ele na pesquisa Datafolha, mas o presidente Jair Bolsonaro
não tinha ideia das más notícias que estavam a caminho. Lula tem chance de
vencer no primeiro turno e Bolsonaro, que parou de crescer, empacou com
rejeição alta, nível de confiança baixo e pouca margem para reagir.
Lula já esperava bons dados porque Marcos
Coimbra, do Vox Populi, tinha feito um cruzamento das diferentes pesquisas, com
tendência favorável ao petista na intenção de voto geral e em praticamente
todos os recortes: regional, gênero, rejeição… Bolsonaro, que insiste em pregar
para convertidos, foi pego de surpresa. Os petistas ocuparam a internet nas 24
horas seguintes e os bolsonaristas, sempre ativos e agressivos, se recolheram.
Não tinham o que dizer.
No cruzamento do Vox Populi, o petista só perdia em três pequenos Estados no Norte, mais Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal. E veio o Datafolha: em 2018, Bolsonaro ganhou do PT em todas as regiões, menos no Nordeste, e agora está perdendo em todas, exceto o CentroOeste, onde tem uma vantagem de apenas dois pontos.
Bruno Boghossian: Mapa da migração eleitoral
Folha de S. Paulo
Números do Datafolha apontam possíveis
eleitores dispostos a trocar de candidato
O movimento acelerado de eleitores em
direção a Lula e Jair Bolsonaro redesenhou um dos mapas desta fase inicial da
campanha. A
consolidação precoce de apoiadores fiéis e o crescimento registrado
pelo petista na última pesquisa do Datafolha indicam que a corrida presidencial
pode se dar num terreno com rotas limitadas de migração.
Mesmo antes do início oficial da disputa, a
quantidade de indecisos é uma das menores das últimas décadas, e os eleitores
demonstram uma lealdade considerável aos principais nomes da disputa. Embora um
contingente razoável de pessoas esteja disposto a trocar de candidato, ainda
não há sinais de que essas mudanças possam transformar o jogo.
Sete de cada dez eleitores dizem estar totalmente decididos a votar em seus candidatos a presidente –um patamar de convicção alto a esta altura da campanha. Isso significa, por outro lado, que 30% ainda pensam em mudar de campo.
Janio de Freitas: As pesquisas dizem e não dizem
Folha de S. Paulo
Tapeação de Bolsonaro dá sinais de
esgotamento com estresse de truques e farsas
Natureza do presidente só pode acirrar sua
desinteligência golpista com avanço de Lula como na pesquisa Datafolha
O impacto sísmico do recente
Datafolha eleitoral deveu-se, além dos números em si, à contradição
neles implícita com quase todas as outras pesquisas das últimas semanas.
A simplicidade aparente das divergências
percentuais aumenta, porém, os problemas para o eleitorado orientar-se, para
a contenção do golpismo e ainda para o acompanhamento, pela Justiça
Eleitoral, dos procedimentos de pesquisa.
Os
56% do eleitorado conscientes da ação antidemocrática de Bolsonaro são
um alento.
Em proporção aos respectivos totais, esse
segmento é muito maior do que a parcela dos que se contrapõem de fato, no alto
dos Três Poderes, ao golpismo projetado pela Presidência da República sobre o
país e, em especial, sobre as Forças Armadas.
O caminho legal afunila-se para a recandidatura de Bolsonaro. Suas possibilidades de uso eleitoral das verbas e concessões são imensas, mas levariam a efeitos econômicos e políticos condenatórios do candidato.
Vinicius Torres Freire: A ira dos pobres contra Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Segundo turno depende de Ciro, Simone e de
remendo na imagem desumana do presidente
A pesquisa
Datafolha reforçou a ideia de que a estratégia das candidaturas nas
próximas semanas será dominada pela possibilidade de fim precoce da eleição
para presidente.
Assim, o destino de Ciro Gomes
(PDT) e mesmo o de Simone Tebet
(MDB) têm relevância. Para haver segundo turno, Lula da Silva (PT) teria
de perder quatro pontos, isso se outras candidaturas não caírem pelo caminho.
Considerando a margem de erro no limite, teria de perder dois pontos.
É uma disputa "na margem", de parcela menor de votos, pelas bordas, talvez bordas de sangue. Isto é, mais violência de Jair Bolsonaro. Mas a baixaria desumana pode piorar sua imagem entre pobres e mulheres, indicam pesquisas qualitativas.
Míriam Leitão: A economia e Bolsonaro
O Globo
A crise na economia é parte importante do
quadro refletido nas pesquisas eleitorais. A inflação está alta, corroendo a
renda. Isso afeta dramaticamente os pobres e espalha desconforto na classe
média. Nos próximos dias, o presidente Jair Bolsonaro terá um número para
comemorar, o do PIB do primeiro trimestre, que pode ter alta de1,5% sobre o
período anterior. Isso é bom, mas é um olhar pelo espelho retrovisor que não
traz alívio neste momento. O governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira,
executam um golpe econômico através de medidas para reduzir rapidamente a
inflação de maneira artificial. A grande pergunta é: isso terá efeito
eleitoral? Pode, sim, diminuir o índice em até dois pontos percentuais, mas a
carestia continuará.
O Datafolha trouxe um quadro extremamente negativo para Bolsonaro, abrindo a possibilidade de a eleição se decidir no primeiro turno em favor do ex-presidente Lula da Silva. Nos números detalhados da pesquisa, tudo é desfavorável a Bolsonaro. Lula está disparado em vários segmentos da população, inclusive entre beneficiários do Auxílio Brasil. A medida populista e enganadora de trocar o nome do Bolsa Família, piorando muito a estrutura do programa de assistência aos mais pobres, não está funcionando. Bolsonaro e Lula estão tecnicamente empatados (39% x 36%) entre evangélicos. O uso abusivo do nome de Deus tem sido em vão.
Merval Pereira: A favor da ciência
O Globo
A posse do neurocirurgião Paulo Niemeyer
Filho na Academia Brasileira de Letras, “um médico que trabalha pela vida” em
sua própria definição, transformou-se em defesa calorosa da ciência, e numa
tomada de posição institucional “a favor das pesquisas científicas, das vacinas
e das artes”. A posse de Niemeyer deu sequência a uma tradição da ABL, que já
teve em seus quadros nomes como Miguel Couto, Carlos Chagas Filho e Ivo
Pitangui, entre outros.
A academia sempre se posicionou em defesa de valores civilizatórios, ressaltou
Paulo Niemeyer, lembrando que, no inicio do século XX, o grande sanitarista
Oswaldo Cruz comandou, no Rio de Janeiro, a campanha contra a peste, a febre
amarela e o sarampo, e teve que enfrentar uma reação popular que ficou
conhecida como a Revolta da Vacina.
“O movimento foi tão politizado como o de agora, e quase resultou na queda do
governo do presidente Rodrigues Alves. A razão estava com Oswaldo Cruz, que se
imortalizou duplamente: pela vitória sanitária, eliminando o flagelo que corroía
a nação, e também pelo reconhecimento desta Academia, que o elegeu para a
cadeira de número 5. Oswaldo Cruz foi dos maiores heróis brasileiros”.
Bernardo Mello Franco: Nise e Genivaldo
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro vetou a
inscrição de Nise da Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Alegou
que a homenagem, aprovada pelo Congresso, seria contrária ao interesse público.
A psiquiatra dedicou a vida a humanizar o
tratamento de pacientes com transtornos mentais. Formada em 1926, rebelou-se
contra os métodos agressivos da época, como o choque elétrico, a lobotomia e o
enclausuramento.
No Centro Psiquiátrico Pedro II, que seria
rebatizado com seu nome, Nise revolucionou as técnicas de terapia ocupacional.
Os pacientes foram estimulados a trocar a vassoura pelo pincel. Em vez de
passarem o dia varrendo o pátio, exercitavam a imaginação em ateliês de
pintura.
A experiência resultou na criação do Museu
de Imagens do Inconsciente. As obras de arte produzidas no Engenho de Dentro
rodaram o mundo e foram estudadas por Carl Gustav Jung, fundador da psicologia
analítica.
A vida de Nise inspirou filmes, livros e teses acadêmicas. Ela morreu em 1999, consagrada como referência da luta antimanicomial. Vinte e três anos depois, sua memória é aviltada por um presidente que despreza a ciência e exalta a tortura.
Dorrit Harazim: Sufocados estamos
O Globo
Maya Angelou sabia das coisas. Sabia o que
fazer com a própria vida — tanto que morreu oito anos atrás como a mais
celebrada poeta e escritora negra dos Estados Unidos. “Eu sei por que o pássaro
canta na gaiola” e “A vida não me assusta” são apenas alguns de mais de 30 títulos
que compõem sua obra. Ainda no início de 2022, Angelou se tornou a primeira
mulher negra cuja efígie é estampada numa moeda americana (o popular quarter de 25 centavos de
dólar). Recebeu essa última honraria não só pelo que escreveu, mas pela
tenacidade com que escolheu combater a discriminação racial ao longo de sua
vida cívica. Criança, conhecera na carne o elenco de medos e misérias
decorrentes do racismo. Jovem e adulta, lutou lado a lado de Malcolm X, o líder
ativista assassinado em 1965, marchou de braço cerrado com Martin Luther King e
seguiu marchando junto aos que lhe sucederam. Madura, concluiu:
— Aprendi que as pessoas esquecem o que você disse, esquecem o que você fez, mas jamais haverão de esquecer o que você as fez sentir.
Cristovam Buarque*: Escola para Todos
Blog do Noblat / Metrópoles
Não se debate como erradicar o
analfabetismo que atinge 12 milhões de adultos ou como melhorar a qualidade das
escolas
Nos últimos dias os educadores têm debatido quatro propostas: a) dispensar alunos de frequentarem escola para estudarem em casa, b) cobrar mensalidade dos estudantes das universidades federais porque eles são filhos de ricos, c) militarizar escolas para recuperar a disciplina e d) estender por 50 anos a adoção de cotas para ingresso no ensino superior. Estes debates dizem respeito a como evitar retrocessos para aqueles que já estão na escola, não se debate como erradicar o analfabetismo que atinge 12 milhões de adultos; nem qual estratégia para que a educação brasileira esteja entre as melhores do mundo e ricos e pobres, brancos e negros tenham acesso à escola com a mesma máxima qualidade; nem debatemos como recuperar a paz dentro das escolas, sem necessidade de militares; nem o que fazer para que os pais percebam as vantagens de seus filhos estudarem em escolas, aprendendo com outras crianças e com o mundo externo à família. O debate tem sido para evitar retrocessos, não para fazer avanços na combalida e desigual educação brasileira: de um lado, reacionários-conservadores que desejam impor retrocesso; de outro, progressistas-conservadores que não lutam por avanços: implantar um Sistema Único Público Nacional que ofereça educação com qualidade a máxima qualidade para todas nossas crianças.
Cacá Diegues: De volta ao futuro
O Globo
O Brasil ainda pode contribuir para o
progresso da Humanidade. Pode ser uma ilusão, mas prefiro achar que sim
Como fazer um filme, uma peça de teatro ou
ficção literária precisa de algum dinheiro, quando a cultura é perseguida e não
pode se expressar livre e independentemente, o que melhor revela o que está se
passando é a canção popular. Ao longo dos anos, em diferentes casos e países, é
ela que tem nos contado o que acontece de verdade.
A ditadura militar no Brasil começava a perder seu poder quando ouvi, no primeiro Rock in Rio, a canção “Pro dia nascer feliz”, uma espécie de fundo musical para a eleição de Tancredo Neves. Algum tempo depois, no derradeiro show de Cazuza, no velho Canecão, a grande novidade pop da música brasileira era o fracasso do Brasil como projeto de nação. Um fiapo de magro, com ênfase e horror, Cazuza inventava gestos agressivos ao cantar o país propondo, até com certa indecência, o que era preciso fazer com ele e seus mitos. No século XX, a música popular nunca faltou ao encontro do país em seus momentos mais significativos.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
A eleição não está decidida
O Estado de S. Paulo
Centro democrático tem espaço para crescer, pois são muitos os brasileiros que não só rejeitam o populismo que atrasa o País, como anseiam por ideias racionais para o futuro
Faltando longos cinco meses até a eleição,
o atestado de fracasso do governo de Jair Bolsonaro (PL) é o dado mais concreto
que pode ser extraído da última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 26
passado. A análise dos recortes socioeconômicos da pesquisa evidencia o alto
preço que Bolsonaro, muito provavelmente, pagará por ter decidido ser o líder
de um grupo de apoiadores, não o presidente da República.
Cada vez mais brasileiros parecem estar
fartos das tentativas do presidente de convencê-los de que os maiores problemas
do Brasil são o “ativismo” de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, a
“insegurança” das urnas eletrônicas ou, vá saber, as maquinações internacionais
para espoliar o País. Os que sofrem as consequências dos problemas reais que
Bolsonaro negligencia há quase quatro anos – quando não lhes dá causa – parecem
não cair nessas esparrelas.
Entre os beneficiários do programa Auxílio
Brasil, 59% declararam voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
enquanto apenas 20% disseram que pretendem votar em Bolsonaro. Entre os
desempregados, a situação não é menos desfavorável ao incumbente: 57% pretendem
votar em Lula, ante 16% que tencionam votar em Bolsonaro.
O presidente perde para Lula por margens
superiores a 20 pontos porcentuais em todos os recortes da pesquisa, exceto
entre os brasileiros que têm renda superior a dez salários mínimos (42% a 31%)
e entre empresários (42% a 31%). Rejeitado por 54% dos eleitores, Bolsonaro
terá enorme dificuldade para convencer o País de que merece permanecer no cargo
por mais quatro anos.
O fracasso de Bolsonaro, no entanto, não autoriza concluir que a eleição já estaria decidida em favor de seu principal adversário no momento. Segundo o Datafolha, Lula conta com 48% das intenções de voto no primeiro turno, ante 27% dos que pretendem votar em Bolsonaro. Sem dúvida alguma, é um resultado muito confortável para o petista, que, com esses números, venceria a disputa no primeiro turno se a eleição fosse hoje. Só há um problema: a eleição não é hoje.
Poesia | William Shakespeare: Soneto 66
Tradução de Augusto de Campos
Cansado de tudo isso eu clamo pela morte,
Vendo aos pobres faltar a moradia e o pão
E ao ricos amorais caber a boa sorte,
A fé servir aos maus em pífia exploração,
E a mais pura honradez de todo desprezada
A hombridade estuprada e morta pelo vício,
E a perfeição em mau feitio desnaturada,
A força convertida em monstruoso artifício,
E a arte calada com brutal autoridade,
O parvo a comandar o honesto e o diligente,
A verdade curial tida por falsidade
E o cativo servindo ao Capitão demente:
De tão cansado era melhor querer meu fim
Se a morte não roubasse o meu amor de mim.
sábado, 28 de maio de 2022
Marco Aurélio Nogueira*: Tragédia e limites do iliberalismo
O Estado de S. Paulo
Cidadãos que valorizam a democracia
precisam não só combater as estripulias autoritárias dos iliberais, mas atuar
para defender o sistema democrático.
De uns anos para cá, o “iliberalismo” tem
ocupado um lugar de destaque nas explicações do mundo em que vivemos.
Boa parte dessa atenção decorre da
multiplicação de governos que giram em torno de autocratas populistas – mais
violentos e autoritários ou menos –, que menosprezam regras, hábitos e
procedimentos dos sistemas democráticos. São governantes que chegaram ao poder
valendo-se das instituições democráticas (eleições, liberdade de expressão e
associação, separação dos poderes) e que governam minando aquilo de que se
beneficiaram. Organizam sistemas antidemocráticos paralelos a partir dos quais
atacam os sistemas instituídos, abalam o que está estabelecido, reprimem
adversários e mobilizam seguidores, sempre que possível fanatizando-os.
Tais governos governam muito pouco, ou até mesmo não governam, deixando as coisas do Estado em modo inercial. O objetivo é converter o governo numa instância de mando e poder pessoal. Atos de governo não seguem planos técnicos e são quase sempre apresentados como derivados da generosidade e da largueza de visão do chefe, cuja vontade – em muitos casos marcada pela impulsividade e pelo improviso – é tratada como se contivesse um mapa seguro para a “verdade”. A sustentação é obtida por métodos conhecidos: negociações espúrias, produção incessante de desinformação, criação de inimigos imaginários (o comunismo, o globalismo, o marxismo cultural), manipulação das redes sociais, fomento aos discursos de ódio e intimidação, ameaças. Fatos, dados e evidências são ignorados ou mencionados com sinal invertido. A intenção é turvar a compreensão da realidade, gerar medo e confusão.
Pablo Ortellado: Militares querem bolsonarismo até 2035
O Globo
Três institutos com forte presença militar
lançaram na última semana o documento “Projeto de nação, o Brasil em 2035”, um
plano de militares alinhados ao governo Bolsonaro para governar o Brasil por
mais três mandatos presidenciais. O projeto foi coordenado pelo general Rocha
Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais, e contou com a revisão do
general Mendes Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
no governo FH, do general Santa Rosa, ex-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
de Jair Bolsonaro, do embaixador aposentado Marcos Henrique Camillo Cortes e do
professor Timothy Mulholland, ex-reitor da UnB. A cerimônia de lançamento
oficial contou ainda com a presença do vice-presidente, o general Hamilton
Mourão.
O projeto é uma espécie de plano de ação para os próximos mandatos presidenciais —esperando um governo Bolsonaro 2, seguido de outros dois de um sucessor, como fez Lula. O documento é um vislumbre da visão de mundo dos militares bolsonaristas.
Carlos Alberto Sardenberg: Caindo no ridículo
O Globo
Inflação alta é culpa do governo. Vale aqui
e no mundo todo. Mesmo quando preços sobem independentemente da ação (ou
inação) do governo, a culpa continua sendo dele. Alguns governantes reclamam.
Tentam justificar: a gasolina subiu por causa da Rússia; trigo em alta, também
consequência da guerra. A resposta da população ao governante seria mais ou
menos assim: E daí? Vire-se.
Nesta semana, foi anunciado um reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais, afetando o orçamento de 8 milhões de pessoas. Na planilha, o reajuste até faz sentido. O valor da mensalidade havia caído mais de 8% em 2021, de modo que, considerando os dois anos, o último reajuste fica em torno de 3%, abaixo da inflação. Além disso, a inflação médica continua acelerada e acima da média dos demais preços. Ok, mas o segurado receberá o boleto com alta de 15,5% em relação ao mês anterior — isso em cima de altas fortes dos combustíveis e dos alimentos, para ficar em itens essenciais. E o governo não vai fazer nada?
Eduardo Affonso: Brasil é a capital das falácias para enganar os trouxas
O Globo
Diz-se que saudade é a palavra mais bonita da língua
portuguesa. Minha preferida, pela sonoridade e pela serventia, é falácia.
Luis Fernando Verissimo também se encantou
por ela, imaginando-a como “um animal multiforme que nunca está onde parece
estar”. Num texto clássico do autor, um criador de falácias chora ao vê-las em
quantidade:
— Se elas parecem estar no meu campo, é
porque estão em outro lugar.
Esse outro lugar é o Brasil. Aqui, falácias
abarrotam redes sociais, entrevistas, análises, debates. Uma amostra:
— É um crime contra a criança ensinar em
casa (homeschooling).
Mas matar a criança dentro do útero é bacana (Fernando Ulrich, economista).
Dois espantalhos: ensino doméstico não é crime; não se tem notícia de quem ache bacana matar criança, dentro ou fora do útero. E as afirmações não têm nenhuma relação entre si.