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A eleição não está decidida
O Estado de S. Paulo
Centro democrático tem espaço para crescer, pois são muitos os brasileiros que não só rejeitam o populismo que atrasa o País, como anseiam por ideias racionais para o futuro
Faltando longos cinco meses até a eleição,
o atestado de fracasso do governo de Jair Bolsonaro (PL) é o dado mais concreto
que pode ser extraído da última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 26
passado. A análise dos recortes socioeconômicos da pesquisa evidencia o alto
preço que Bolsonaro, muito provavelmente, pagará por ter decidido ser o líder
de um grupo de apoiadores, não o presidente da República.
Cada vez mais brasileiros parecem estar
fartos das tentativas do presidente de convencê-los de que os maiores problemas
do Brasil são o “ativismo” de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, a
“insegurança” das urnas eletrônicas ou, vá saber, as maquinações internacionais
para espoliar o País. Os que sofrem as consequências dos problemas reais que
Bolsonaro negligencia há quase quatro anos – quando não lhes dá causa – parecem
não cair nessas esparrelas.
Entre os beneficiários do programa Auxílio
Brasil, 59% declararam voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
enquanto apenas 20% disseram que pretendem votar em Bolsonaro. Entre os
desempregados, a situação não é menos desfavorável ao incumbente: 57% pretendem
votar em Lula, ante 16% que tencionam votar em Bolsonaro.
O presidente perde para Lula por margens
superiores a 20 pontos porcentuais em todos os recortes da pesquisa, exceto
entre os brasileiros que têm renda superior a dez salários mínimos (42% a 31%)
e entre empresários (42% a 31%). Rejeitado por 54% dos eleitores, Bolsonaro
terá enorme dificuldade para convencer o País de que merece permanecer no cargo
por mais quatro anos.
O fracasso de Bolsonaro, no entanto, não autoriza concluir que a eleição já estaria decidida em favor de seu principal adversário no momento. Segundo o Datafolha, Lula conta com 48% das intenções de voto no primeiro turno, ante 27% dos que pretendem votar em Bolsonaro. Sem dúvida alguma, é um resultado muito confortável para o petista, que, com esses números, venceria a disputa no primeiro turno se a eleição fosse hoje. Só há um problema: a eleição não é hoje.
Seguramente, há muitos eleitores que
declaram voto em Lula porque repudiam os modos de Bolsonaro e sua maneira de conduzir
o País. Hoje, o petista é o único pré-candidato que mostra força eleitoral para
evitar o desastre da reeleição do incumbente, o que para alguns analistas reduz
as chances de uma alternativa eleitoral ao petista e a Bolsonaro. Mas a
campanha eleitoral ainda não começou, ao menos não oficialmente, e toda
campanha costuma ser cheia de surpresas e reviravoltas.
A ruína dessa chamada “terceira via”,
aliás, já foi decretada um sem-número de vezes nos últimos meses, e, no
entanto, como diria Mark Twain, parece que a notícia sobre a morte dessa
alternativa eleitoral talvez seja um tanto exagerada.
Não se sabe ainda se a “cara” do centro
democrático será, por exemplo, a da senadora Simone Tebet (MDB), nome que
ganhou destaque nos últimos dias. Neste momento, contudo, o mais importante é
constatar que forças relevantes da sociedade mantêm as esperanças de encontrar
um candidato capaz de “unir o País”, como diz o texto do manifesto de um
extenso grupo de empresários e economistas de alto nível em apoio a Simone
Tebet. Ou seja, o exato oposto da beligerância rancorosa de Lula e da
truculência reacionária de Bolsonaro.
O Brasil, portanto, ainda não está
condenado a ter de escolher entre Lula e Bolsonaro, como ambos querem fazer
crer. São muitos os brasileiros que querem olhar para a frente, que aspiram ao
futuro, que anseiam por uma liderança que lhes inspire a esperança de tempos
melhores.
Este jornal está ao lado dos milhões de
brasileiros que gostariam de ver uma candidatura capaz de livrar o País do
populismo que nos condena ao atraso, que resgate a confiança dos cidadãos entre
si e nas instituições republicanas, que apresente um plano de governo para
reduzir nossa brutal desigualdade social, que trace caminhos para a retomada do
crescimento econômico e que promova boas políticas públicas nas áreas de saúde,
educação e meio ambiente. E que, enfim, não trate a política como um jogo de
soma zero.
Ideias para o sistema de Justiça
O Estado de S. Paulo
Propostas contidas em estudo divulgado pelo Instituto Millenium miram as tão criticadas sobrecarga e lentidão do Poder Judiciário
Duas críticas sempre presentes em
avaliações sobre o sistema de Justiça brasileiro são a sobrecarga do Poder
Judiciário e a consequente lentidão no julgamento dos processos sob sua
responsabilidade. Desde a instalação do CNJ em 2005, passando pela edição de um
novo Código de Processo Civil (CPC) em 2015, foram muitas as iniciativas legais
voltadas a remediar esses e outros obstáculos à distribuição de justiça no
País.
Para atualizar e contribuir com o debate
sobre a reforma da Justiça brasileira, o Instituto Millenium divulgou estudo,
de autoria do professor Luciano Timm, apontando ineficiências do nosso sistema
de justiça e propondo alternativas para superá-las.
Primeiro, no que se refere ao peso
orçamentário do Poder Judiciário, o estudo mostra que os gastos com esse Poder
superam os gastos com saneamento básico e com transferências da União para
educação básica a outros entes federativos. Ainda assim, o acesso da população
à justiça enfrenta grandes obstáculos. O estudo revela que, na cidade de São
Paulo, a maior parte dos que litigam no Juizado Especial Cível (JEC) tem
endereço em áreas ricas, enquanto as regiões periféricas sofrem um blackout jurisdicional. O
ingresso no JEC é gratuito, mas são as pessoas ricas que mais o acionam. Moral
da história: os mais pobres acabam pagando pelo acesso à justiça dos mais ricos
(o funcionamento da Justiça é subsidiado por toda a sociedade).
Dentre as propostas para aprimorar a oferta
da prestação judicial contidas no estudo está a uniformização, harmonização e
maior estabilidade das decisões judiciais. A atual falta de previsibilidade
decisória, diz o estudo, aumenta o número de processos, dificulta o número de
acordos e encarece o custo de justiça. Com base em dados empíricos, aponta-se
que a existência de diferentes decisões sobre um mesmo tema estimula
comportamentos oportunistas das partes, que, sem conseguirem antever
razoavelmente o desfecho de suas demandas, dificilmente fazem acordo e/ou
deixam de recorrer.
Uma ação para diminuir essa litigiosidade,
que drena recursos e sobrecarrega os magistrados, foi a previsão no CPC de
precedentes judiciais de observância obrigatória em todas as instâncias do
Judiciário. Ocorre que, na prática, os órgãos judicantes, inclusive o STF, nem
sempre se conformam a tais (ou aos seus próprios) precedentes. Sumo paradoxo.
No que se refere às propostas para
aprimorar a demanda pela prestação judicial, está o aperfeiçoamento dos
parâmetros para concessão do benefício da justiça gratuita. Tema politicamente
sensível por envolver o acesso à Justiça, a manutenção do benefício é defendida
no estudo. Por outro lado, afirma-se que os critérios definidores dos
respectivos beneficiários seriam equivocados, pois pautados “no sentimento dos
magistrados” e não em dados estatísticos.
Conforme o estudo, a Justiça gratuita é
vista como uma forma de não pagar pela utilização do Judiciário e, assim, acaba
incentivando a propositura de ações pouco adequadas, que sobrecarregam o
sistema de Justiça. Além disso, como visto acima no exemplo do JEC, a
jurisdição gratuita é prestada a muitos que poderiam pagar por ela. A falta de
critérios objetivos para a concessão do benefício no novo CPC explicita a
dificuldade de um acordo legislativo sobre esse tema.
Outra proposta para aprimorar a demanda
pela prestação judicial é a criação de incentivos para a realização de mais
acordos. Soluções acordadas, que abreviem o processo judicial, tendem a ser
mais baratas e eficientes.
As propostas acima, contidas no estudo
divulgado pelo Instituto Millenium, miram justamente as tão criticadas
sobrecarga e lentidão do Judiciário. Tanto a estabilidade e a uniformização de
suas decisões quanto a calibração do benefício da justiça gratuita e o
incentivo à realização de acordos contribuiriam para reduzir o número de
processos (desnecessários) e/ou abreviar sua solução. Entretanto, para que tais
metas se concretizem, devemos contar com o espírito público dos legisladores e
o respeito pela lei dos operadores do direito.
É preciso festejar a Fapesp
O Estado de S. Paulo
Nestes tempos irracionais, a agência de fomento à pesquisa, que faz 60 anos, é ainda mais relevante
Não há como falar em desenvolvimento sem
ciência, tecnologia e inovação. A transformação digital, os avanços da
medicina, a produção agropecuária e as novas fontes de energia são alguns dos
muitos exemplos na longa lista de áreas que se beneficiam diretamente do
trabalho de cientistas e pesquisadores.
Fazer ciência, porém, requer investimento,
gente qualificada e muito esforço. Definitivamente não é algo que se alcance da
noite para o dia nem que floresça na base do improviso. Por isso mesmo,
continuidade é palavra-chave, ao passo que cortes de financiamento ou
interrupções, de qualquer natureza, costumam representar um entrave ao êxito de
projetos científicos e tecnológicos.
Em São Paulo, a aposta em inovação,
tecnologia e ciência deu origem a um bem-sucedido arranjo que já viabilizou o
trabalho de centenas de milhares de pesquisadores, resultando em ganhos para
toda a sociedade. Com padrão de qualidade internacional, a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) acaba de completar 60 anos. E anunciou
mais investimentos em diversas áreas.
A contribuição da Fapesp tem sido
grandiosa, assim como seus números: atualmente são cerca de 20 mil projetos
apoiados por ano. Em 60 anos, foram concedidas 180 mil bolsas, além de 130 mil
auxílios à pesquisa (fomento a projetos específicos sob responsabilidade de um
pesquisador). O investimento total supera R$ 50 bilhões e deu origem, entre
outros resultados, a 1.580 pedidos de patentes no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (Inpi).
Logo no início da pandemia de covid-19, a
Fapesp contribuiu para o sequenciamento genético do novo coronavírus,
destinando recursos para mais de 100 projetos de pesquisa, o que incluiu a
realização de testes clínicos de vacinas e o desenvolvimento de testes rápidos
da doença, bem como de ventiladores pulmonares de custo mais baixo. Em outras
frentes, sua atuação já beneficiou a produção de cítricos e de etanol, além de
milhares de projetos de sustentabilidade na Amazônia.
A lista de realizações da Fapesp, por
óbvio, não cabe no espaço deste texto. Faz-se necessário, porém, destacar um
dos segredos de seu sucesso: o modelo de financiamento que lhe garante 1% da
arrecadação tributária do Estado. A regra, fonte indispensável de estabilidade,
consta na Constituição de São Paulo.
A Fapesp foi criada por lei em 1960, mas só começou a funcionar após decreto de 23 de maio de 1962, no governo de Carvalho Pinto (1959-1963). Daí a comemoração dos seus 60 anos agora. Em vídeo exibido em recente solenidade de comemoração, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso resumiu a trajetória da agência: “A Fapesp cumpriu o seu papel”, disse ele, que participou da empreitada na década de 1960. Com autonomia de gestão, transparência e rigor na aplicação dos recursos, a Fapesp tem contribuído para alavancar o desenvolvimento científico brasileiro, algo especialmente relevante nestes tempos em que a irracionalidade desafia a ciência e o bom senso.
Confusão para nada
Folha de S. Paulo
Golpismo, para desviar atenção ou disfarçar
incompetência, não está funcionando
A agitação golpista promovida pelo
presidente da República produz efeito deletério sobre sua imagem pública. Não
foi a primeira vez que o Datafolha detectou coincidência entre um surto de
arruaça, de um lado, e a impopularidade elevada de Jair Bolsonaro (PL), do
outro.
O auge da avaliação ruim ou péssima da
administração federal (53%) foi registrado nas pesquisas de setembro e dezembro
de 2021, posteriores à epifania subversiva do Dia da Independência.
À relativa trégua do mandatário se seguiu um princípio de recuperação —apurado na pesquisa de março, quando a reprovação baixou para 46%—, abortado agora (48%), após nova investida contra as instituições da democracia.
As imprecações obstinadas de Bolsonaro
contra a votação eletrônica mostraram-se igualmente inúteis para desmobilizar a
vasta maioria de brasileiros que afirma confiar nas urnas. Ela caiu
de 82% para 73% de março para cá, basicamente pela dúvida incutida na
própria base bolsonarista, que ainda assim mais confia (58%) que não confia
(40%) no sistema.
Pregar para convertidos em tema de
insubordinação aos cânones democráticos afugenta do apoio ao presidente largos
contingentes do eleitorado nacional. A rejeição maciça a Bolsonaro por seu
turno se reflete em sua larga desvantagem na corrida para a reeleição, o que
torna ainda mais postiças e débeis a gritaria sobre fraudes e as insinuações
sobre viradas de mesa.
É a economia, no fim das contas, que vai
minando a viabilidade da administração Jair Bolsonaro. Se a algazarra golpista
se destina a despistar a atenção do público desse terreno minado para o
situacionismo, também falha no objetivo.
A aceleração inflacionária deflagrada pela
guerra no leste da Europa, novo choque externo a abater-se sobre o Brasil,
escancarou —como havia feito a pandemia de coronavírus— a profunda
incompetência da equipe ministerial e do presidente da República em especial.
Os cabeceios populistas contra a Petrobras
e governadores de estado são sintomas dessa deficiência insanável de capacidade
técnica e política para organizar uma saída crível que mitigue os efeitos da
carestia sobre a metade mais pobre da população, justamente a que rejeita
Bolsonaro em altíssimo grau.
Mas para isso seria necessário um
presidente capaz e que trabalhasse de sol a sol —este não desperdiça
oportunidade de passear de motocicleta e gozar folgas douradas no litoral à
custa do contribuinte.
O golpismo e a agitação fácil também tecem
uma manta conveniente para quem não se estabelece pelos próprios méritos. O que
as pesquisas de opinião estão mostrando objetivamente é que nada disso
funciona. É confusão para nada.
Explosão solar
Folha de S. Paulo
Uso da energia fotovoltaica cresce no mundo
e no Brasil, que não faz má figura
Gráficos de expansão da energia de fonte
fotovoltaica avançam no mundo e no Brasil em números hiperbólicos como os de
erupções na superfície do Sol. A capacidade instalada nos painéis solares do
planeta alcançou 1 terawatt (TW, ou 1 trilhão de watts) no mês passado.
A marca tem significado histórico ao pôr a
eletricidade solar em segundo lugar no rol das energias renováveis, como
noticiou o jornal Valor Econômico. Fica atrás só de hidrelétricas, de acordo
com o relatório "Panorama do Mercado Global para Energia Solar 2022-2026".
Fontes alternativas de eletricidade têm
papel crucial na descarbonização da economia mundial. Elas permitem abrir mão
da energia de combustíveis fósseis —carvão, petróleo e gás natural— que agravam
o efeito estufa, impelem a crise climática e ainda dominam o cenário
energético, com mais de 60% da capacidade instalada.
O crescimento fotovoltaico tem sido
vertiginoso entre as renováveis. A capacidade global dobrou em três anos após
2018. A organização SolarPower Europe, autora do documento, prediz que a força
dos painéis mais que duplicará em 2025, atingindo 2,3 TW.
No ano passado a base geradora solar
agregou 168 GW às redes. Mais do que a metade de todas as renováveis juntas
(302 GW) e 70 GW acima da fonte eólica.
A China desponta há vários anos como campeã
solar. Exibe a maior capacidade instalada (306 GW, quase um terço do observado
no planeta), o maior volume adicionado em 2021 (54,9 GW) e a maior taxa de
crescimento anual (14%).
O Brasil tem 15,3 GW instalados, mais que
uma Itaipu (14 GW), e não faz má figura. Ocupava a 13ª posição global em 2021 e
dominava na América Latina, com 43% da potência instalada na região, à frente
do segundo colocado, o México (21%).
Mais de um terço (5,7 GW) foi adicionado
pelo país no ano passado, indicativo de acentuada aceleração. Ganhos de escala
fizeram da energia fotovoltaica a eletricidade mais barata por aqui, com preços
recuando de US$ 100 por MW/hora em 2013 para US$ 30/MWh em 2021, segundo a
Absolar, que representa 700 empresas nacionais.
O salto na demanda das instalações tem
muito a ver com o novo marco regulatório de 2021, que prevê passar a cobrar
mais à frente encargos sobre a energia assim gerada para remunerar
distribuidores de eletricidade e custear a manutenção do sistema. No momento,
aproveita-se a isenção.
Massacres nos EUA servem de alerta para
Brasil
O Globo
Poucos dias depois do massacre em que um
supremacista branco matou dez pessoas e feriu outras três na cidade de Buffalo,
estado de Nova York, os americanos se viram diante de outra tragédia. O jovem
Salvador Ramos, de 18 anos, entrou numa escola da pequena cidade de Uvalde, no
Texas, armado de revólver e fuzil. Matou 19 crianças e dois adultos antes de ser abatido pela polícia. O
presidente Joe Biden, emocionado, prometeu dar um “basta!” na facilidade com
que os 330 milhões de americanos compraram 400 milhões de armas, mais de uma
por habitante.
A compreensível irritação do presidente dos
Estados Unidos, porém, não deverá passar disso. O direito ao porte de armas,
garantido pela Segunda Emenda à Constituição, está consolidado na sociedade
americana e é explorado em todas as eleições pelo poderoso lobby armamentista
da Associação Nacional do Rifle (NRA).
A tragédia americana serve de alerta para o Brasil. Os Estados Unidos são um modelo para o presidente Jair Bolsonaro, que já tomou diversas medidas para facilitar o acesso dos brasileiros a armas e munições. Um país como o Brasil, com 2,7% da população mundial, já é responsável por 13% dos homicídios no planeta. Para reduzir a violência, o certo, como demonstram dezenas de estudos acadêmicos, seria fazer o inverso: desarmar a população.
Nem bem assumira, no dia 15 de janeiro de
2019, Bolsonaro já baixou um decreto armamentista, dizendo que atendia ao
pedido do povo, expresso no referendo de 2005 sobre o Estatuto do Desarmamento
(64% foram contrários à proibição do comércio de armas). Congresso e Justiça
reagiram. Bolsonaro revogou o decreto, editou três outros e prometeu enviar um
Projeto de Lei ao Congresso. Hoje ele tramita entre Senado e Câmara, repleto de
emendas. Enquanto isso, o presidente adotou atalhos para ampliar o acesso às
armas, favorecendo o grupo conhecido pela sigla CAC (Colecionador, Atirador Esportivo
e Caçador).
Enquanto o Supremo ainda não julgou a
constitucionalidade de seus decretos, as licenças para aquisição de armas
aumentaram 325% nos últimos três anos. O número de CACs chegou a 1,8 milhão. Já
existe no mercado da burocracia o “despachante bélico”, com site na internet
pronto para ajudar o cidadão. O resultado é previsível: armas legais, furtadas
ou roubadas em assaltos, se tornaram uma fonte de abastecimento da
criminalidade.
Bandidos compram armas e munições usando
licenças de CACs, que dão autorização para comprar até 60 artefatos. Em janeiro
foi preso no Rio um CAC conhecido como “Bala 40”, que guardava um arsenal numa
casa de classe média no Grajaú: 26 fuzis AR-25 e 556, três carabinas, 21
pistolas, dois revólveres, uma espingarda calibre 12, um rifle, um mosquetão,
além de caixas de munição para fuzis, um patrimônio bélico avaliado em R$ 1,8
milhão. Todas as armas foram compradas legalmente para ser entregues a uma das
principais facções criminosas do Rio.
Na antológica reunião ministerial de 22 de
abril de 2020, Bolsonaro bradou que “povo armado jamais será escravizado”. Pode
haver várias interpretações da frase. Mas não há dúvida, como demonstram as
sucessivas tragédias americanas, de que facilitar o acesso às armas é um
equívoco — que precisa ser barrado pelas demais instituições da República.
Governo precisa se preparar logo para
enfrentar varíola dos macacos
O Globo
O descuido com a prevenção é uma doença
crônica no Brasil. Apesar de não haver nenhum caso de varíola dos macacos
registrado no país e de a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) admitir
que não há motivo para pânico com o aumento dos surtos fora das regiões
endêmicas da África, o Ministério da Saúde deveria fazer o óbvio: se preparar.
Como demonstrou a pandemia da Covid-19, os vírus não respeitam fronteiras e,
com a alta mobilidade das populações no mundo globalizado, o contágio costuma
ser só questão de tempo.
Desde o início de maio, mais de 250 casos
(confirmados ou suspeitos) dessa doença, que em geral provoca infecções leves,
foram registrados em quase 20 países fora da África, entre eles Estados Unidos,
Reino Unido, Austrália, Israel e vários da Europa. A situação tem surpreendido
os cientistas, pois antes ela raramente era detectada longe das regiões
endêmicas. Segundo a OMS, apesar de incomum, esse avanço pode ser contido. É
bom augúrio depois do turbilhão de más notícias do novo coronavírus. Mas é
preciso agir.
É verdade que o Ministério da Saúde criou
uma “sala de situação” para monitorar a varíola dos macacos. O objetivo, diz o
governo, é elaborar um plano de ação para rastreamento de casos e definição de
diagnósticos. Na sexta, tornou a notificação obrigatória. O Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovações instituiu câmara técnica de pesquisa. Mas o
país não precisa de blá-blá-blá, e sim de ações concretas para preveni-la.
Nisso, ainda estamos mal.
Enquanto outros países correm para proteger
seus cidadãos, o Ministério da Saúde encarna o papel em que se sente mais
confortável: espectador. Como mostrou reportagem do GLOBO, vários governos já
oferecem vacinas aos grupos mais vulneráveis, como profissionais de saúde
(segundo a OMS, as vacinas usadas contra a varíola humana, único vírus
erradicado com sucesso na História, são eficazes também no atual surto). Outros
compram imunizantes enquanto há estoques disponíveis. No Brasil, não há doses
armazenadas nem produção em curso. Medicamentos para tratar a doença também não
estão disponíveis no SUS — não têm sequer aval da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Na pandemia do novo coronavírus, ficou
evidente o custo da omissão e desse otimismo irresponsável. A Secretaria
Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 foi criada um ano depois das
primeiras mortes. A negligência na compra das vacinas foi exposta pela CPI da
Covid. O governo desprezou ofertas de laboratórios idôneos e priorizou
negociações nebulosas com aventureiros. O resultado da inépcia e da leniência é
conhecido: quando o número de mortes batia recordes, não havia doses para
vacinar os brasileiros.
Ainda que a varíola dos macacos não seja
uma preocupação mundial em termos de saúde pública, o governo tem obrigação de
se preparar. Isso inclui testes para diagnóstico, vacinas, medicamentos e
estratégias de vigilância sanitária. Seria pedir demais que o Ministério da
Saúde aprendesse com os próprios erros?
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