sábado, 19 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Morte de líder do Hamas cria chance para cessar-fogo

O Globo

Eliminação do responsável pelas atrocidades do 7 de Outubro abre oportunidade à libertação dos reféns

A morte de Yahya Sinwar, líder do grupo terrorista Hamas responsável pelo planejamento e pela execução das atrocidades do 7 de Outubro, maior matança de judeus desde o Holocausto e maior ataque ao Estado de Israel desde sua fundação, encerra um capítulo do conflito que ele mesmo iniciou. No telefonema em que o presidente americano, Joe Biden, parabenizou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pela eliminação do alvo número um na guerra contra o Hamas, ambos concordaram que ela abriu oportunidade a um acordo que traga a libertação dos reféns e um cessar-fogo.

Sinwar, uma espécie de Osama bin Laden de Gaza, era conhecido pelo fanatismo e pela crueldade. Quando era responsável pelas operações de segurança do Hamas, matou com as próprias mãos mais de dez palestinos que considerava traidores. É inequívoca sua responsabilidade por desencadear o conflito que custou tantas vidas em Gaza. Assim como por ter transformado o enclave num formigueiro de túneis repleto de armas e munições, que deixaram a população palestina sem nenhum refúgio seguro.

Cristovam Buarque - Duplos atrasos

Veja

Os erros: o uso de celulares nas escolas e a ignorância dos avanços

Em educação, o Brasil consegue ser duplamente atrasado: ao discutir tardiamente se o uso de celular deve ser tolerado como meio de comunicação dos alunos durante as aulas; e ao ignorar tardiamente a função dos aparelhos como ferramenta pedagógica. Há tempos já deveríamos ter proibido o uso como divertimento e já era tempo de estarmos incentivando o smartphone para facilitar o aprendizado. O celular em sala de aula tem provocado retrocesso no desempenho dos alunos, mas fechamos os olhos a essa prática; tanto quanto durante a epidemia de covid-19 relevamos o longo período das escolas fechadas; e há décadas fechamos os olhos às perdas decorrentes dos repetidos e longos períodos de greves de professores e demais servidores nas redes públicas de educação.

Oscar Vilhena Vieira - A supremocracia em xeque

Folha de S. Paulo

Abuso da prerrogativa continua sendo responsável por um perigoso processo de erosão da autoridade do STF

Ataques e restrições de poderes de cortes constitucionais e supremas cortes são normalmente um prenúncio de um processo de erosão democrática. Os casos da Venezuela e da Hungria são emblemáticos dessa estratégia empregada por populistas autoritários de alijar os tribunais, para que o caminho de subversão constitucional fique livre e desimpedido. As propostas de subordinação do judiciário apresentadas por López Obrador, no México, e Binyamin Netanyahu, em Israel, antes dos conflitos, vão nesta direção.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, entusiasmada com os resultados das eleições municipais, que consolidaram avanços das forças direita e extrema direita, aprovou uma série de propostas voltadas a constranger os poderes do Supremo Tribunal Federal. Parte dessas propostas, como a que confere ao Congresso Nacional a possibilidade de derrubar decisões do Supremo, ainda que por quórum qualificado, faz parte do repertório dos novos e velhos autoritarismos. Vargas fez a mesma coisa em 1937, além de aposentar compulsoriamente nada menos que cinco ministros. Trata-se, portanto, de uma represália do bolsonarismo para punir um tribunal que colocou limites ao seu ímpeto de golpear a Constituição. Simples, assim.

Hélio Schwartsman - Reforma da esquerda

Folha de S. Paulo

Partidos progressistas vivem momento difícil em vários lugares do mundo, tanto por erros como por acertos

O fraco desempenho do PT e de legendas que lhe são próximas nas eleições municipais está levando muita gente a falar em crise da esquerda e a cobrar desse campo político uma espécie de reforma ou atualização de agenda.

Reluto um pouco em extrair uma mensagem inequívoca de um amontoado de pleitos locais que são, em sua maioria, decididos mais por questões de zeladoria do que de posicionamento ideológico. Mas, se olharmos para uma série histórica mais ampla de eleições e para o que está acontecendo em outros países, acho que dá para falar que a esquerda vive um momento complicado.

Adriana Fernandes - Há empresários que pagam só 4% de imposto sobre os lucros

Folha de S. Paulo

Entenda o que a Receita descobriu que faz empresas pagarem alíquota efetiva muito menor

Estudos recentes da Receita Federal mostram que o nível efetivo de tributação do lucro ao nível das empresas é significativamente menor do que aquele que costumamos avaliar quando olhamos apenas para a alíquota do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Em tese, o lucro deveria ser tributado em 45% nos bancos e 34% nas empresas não financeiras, mas a realidade concreta mostra que essa carga tributária não se aplica à grande maioria dos negócios no Brasil.

Para entender esse intrincado emaranhado tributário, é preciso lembrar que as empresas se submetem a três distintos regimes: lucro real, lucro presumido e Simples.

As empresas submetidas ao regime de lucro real deveriam pagar imposto, como o nome diz, sobre o seu real lucro, mas a legislação confere uma série de benefícios fiscais e possibilidades de deduções e compensações que, na prática, fazem a base de cálculo ficar bem abaixo do verdadeiro lucro.

Dora Kramer - Haddad sua a camisa

Folha de S. Paulo

Ministro da Fazenda tem a árdua tarefa de convencer Lula de que a roda é redonda

Não bastasse o enorme esforço que o ministro da Fazenda terá de fazer no Congresso para mexer no vespeiro das isenções, benefícios, vinculações, supersalários e outros gastos, antes disso Fernando Haddad tem a árdua tarefa de convencer o presidente Luiz Inácio da Silva de que a roda é redonda.

Em outras palavras: a missão de mostrar que a contenção nas despesas, além de inadiável para a saúde da economia, é fator relevante —senão decisivo— para quem pretende se reeleger ou eleger o (a) sucessor (a).

Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foram às redes, aos jornais, às rádios e as televisões nesta semana e disseram quase isso quando expuseram com todos os efes e erres o esgotamento das medidas de arrecadação, pentes-finos e revisões no Orçamento.

Demétrio Magnoli - Minorias mal comportadas

Folha de S. Paulo

Obsessão identitária vai destruindo extensas bases sociais do Partido Democrata

"Eles varrem os restos da mesa como se fossemos um cão treinado e dizem ‘isto é para você’. E aplaudimos como focas amestradas." Assim, referindo-se ao Partido Democrata, LaPage Drake, um negro do Texas de 63 anos, justificou sua intenção de voto. O eleitor faz parte dos 20% de homens negros que, segundo uma pesquisa recente, preferem Trump a Kamala Harris. No total, 15% do eleitorado negro americano pende para o candidato republicano, o que pode decidir a contenda.

A larga vantagem histórica dos democratas entre hispânicos e negros experimenta gradual erosão. Entre hispânicos, reduziu-se de 73% em 2012 a 63% nesta pesquisa. A queda acentuou-se no intervalo 2016-2020. Os negros seguem, com atraso, a mesma tendência. Há 12 anos, cerca de 90% deles sufragaram Obama; hoje, apenas 78% declaram voto em Harris. A queda acentuou-se nos últimos quatro anos.

É um fenômeno aparentemente paradoxal pois, enquanto o Partido Democrata torna-se cada vez mais identitário, as duas minorias clássicas da política identitária afastam-se dos democratas. Pesquisas qualitativas esclarecem o mistério: os hispânicos e negros "dissidentes" explicam sua intenção de voto da mesma forma que os brancos da baixa classe média. Dizem-se frustrados com a economia, isto é, com as perdas de renda derivadas do surto inflacionário recente.

Carlos Alberto Sardenberg - Do mercado ao senhor presidente

O Globo

‘Achamos, senhor presidente, que não será possível equilibrar as contas com o aumento da receita que seu governo tem aplicado’

Eis o recado que o mercado tem enviado a Lula em encontros formais (como a reunião do presidente com os principais banqueiros), conversas informais com ministros, sobretudo com Fernando Haddad, e nos documentos preparados pelos departamentos econômicos das instituições financeiras. Com a devida licença, lá vai:

“Senhor presidente, nós também não estamos gostando dos elevadíssimos juros do momento. Entre outras coisas, porque muitos de nossos investidores caíram no vermelho. Carregam papéis com juros de 10%, que pareciam muito bons quando adquiridos, mas agora estão no negativo porque os novos títulos do governo pagam 13% e pouco.

Pablo Ortellado - O que pode na universidade?

O Globo

Apresentação de historiadora e cantora de saia levantada e com palavrões na UFMA gera controvérsia

Na última quinta-feira, 17, uma performance numa mesa-redonda sobre gênero e sexualidade na Universidade Federal do Maranhão gerou grande controvérsia. Durante sua participação, a historiadora e cantora Tertuliana Lustosa subiu na mesa e, enquanto rebolava, com a saia levantada, apresentou um funk cujos versos diziam:

— Vou te ensinar gostoso dando aula na sua pica. Aqui não tem nota, nem recuperação. Não tem sofrimento, se aprende com tesão, de quatro e cu, cu, cu.

A apresentação de Lustosa, chamada “Educando com o cu”, defende uma abordagem educacional que valoriza o corpo e o prazer como instrumentos pedagógicos. O vídeo da performance viralizou rapidamente nas mídias sociais, gerando indignação. Afinal, a universidade pública pode abrigar ou apoiar esse tipo de manifestação?

Paulo Sternick – Aviso de incêndio

O Globo

Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global

O filósofo Heidegger vasculhou a obra de Freud e não encontrou nenhuma explicação dele na escolha da palavra “análise” para nomear seu trabalho. Então descobriu que o poeta Homero, que viveu na Grécia Antiga, foi quem primeiro usou o termo no segundo livro da Odisseia, para descrever o que Penélope fazia todas as noites: ela desmontava o tecido que fizera durante o dia. Em grego, “análise” significa desfazer uma trama, soltar, libertar alguém da prisão e até desmontar os pedaços de uma construção.

A etimologia do termo “análise” é formidável para ilustrar aquilo a que se destina, tanto nos labirintos do sintoma do indivíduo quanto nos da cultura: revelar e desfazer a trama inconsciente ou irrefreável que os causa. Não é difícil imaginar sujeitos que não conseguem se livrar de atitudes, vícios e repetições que, não obstante, os prejudicam. Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global, com a deterioração climática e seus efeitos — como os incêndios pelo mundo.

Eduardo Affonso - A impossível simetria

O Globo

Conflito poderia ser relativamente simétrico se fosse entre dois Estados, não entre um Estado e o terror

A reação de Israel ao brutal ataque terrorista sofrido há um ano tem sido desproporcional. Ou, para usar palavra da moda, assimétrica.

Sim, tem. Talvez nos duelos do Velho Oeste ou nas românticas disputas com floretes em desagravo à honra a simetria fosse mais respeitada. Vencia o mais rápido no gatilho, o de técnica mais apurada ou de melhor pontaria — mas as armas eram similares, e as mesmas regras se aplicavam a ambos os contendores.

Para que a reação fosse simétrica e proporcional, Israel deveria ter invadido Gaza, na surdina, com cerca de 3 mil fanáticos armados, portando câmeras para registrar (e depois compartilhar festivamente, na internet) a barbárie. Ter metralhado centenas de jovens que encontrassem numa celebração (matando exatos 405, nem um a menos). Ir de casa em casa, chacinando, com meticulosa crueldade, famílias inteiras — sem poupar mulheres, idosos, bebês, animais domésticos. A meta seria não mais que 1.200 seres humanos exterminados pelo crime de ser palestinos.

Bolívar Lamounier - Duas notícias que se neutralizam

O Estado de S. Paulo

A política municipal transformou-se num bico de pena de um quadro federal lastimável. A maioria dos agentes políticos são néscios de dar dó

A boa notícia é que a eleição municipal assumiu uma tendência centrista, desfazendo a radicalização que ameaçava o País desde 1926; a ruim, é que esse resultado se deveu principalmente ao fato de a maioria dos eleitores terem se desinteressado pela política num grau nunca visto pelo menos desde o fim da 2.ª Guerra Mundial.

Fosse facultativo o nosso sistema de votação, dificilmente o comparecimento às urnas atingiria 40%. Que motivos podemos aventar para essa abrupta queda? Afirmo sem temor de errar que o principal motivo foi a qualidade mediana dos candidatos. Para chegar a essa conclusão, não precisamos evocar o pitoresco episódio do recurso a peças de mobiliário para aquecer o debate. Basta-nos observar que, no Brasil, a teratológica centralização do poder sempre reduziu a política municipal a um quase nada. Os candidatos, sim, têm muito apreço por ela, pois sabem que é um bom negócio plenamente compatível com um quase total ócio.

Carlos Andreazza – Confia

O Estado de S. Paulo

A blitz de Fernando Haddad está na pista. De Haddad e Simone Tebet. Blitz de propaganda. O pacote relevante de cortes de gastos vem aí – prometeram. Coisa de volume entre R$ 30 bilhões e 50 bilhões – plantou-se. Não será mais um pente-fino – informam. Uma só das ações pode chegar a R$ 20 bilhões. Uau!

Os ministros reagem à desconfiança. A reforma do Imposto de Renda – a isenção a quem ganha até R$ 5 mil – estava à frente. Vinha ainda em 2024. Para sacrifício de receita da ordem de mais de R$ 40 bilhões por ano. Sem anúncio crível de compensação para o rombo. O mar, que já não era bom, crispou-se.

Marcus Pestana - Realidade e percepção sobre a economia brasileira

A situação da economia determina a qualidade de vida da população, o ânimo dos investidores, os humores políticos e o grau de esperança no futuro. Na análise dos fatos não bastam os dados frios e objetivos, mas também a percepção e as expectativas que geram. Tão ou mais importante que a foto do momento é o filme que esboça tendências e rumos.

O Brasil é um país emergente, que não superou a armadilha da renda média, razoavelmente industrializado, detentor de um agronegócio competitivo e pujante, possuidor de um setor de serviços sofisticado, excessivamente fechado para o mundo globalizado, portador de desigualdades sociais inaceitáveis, em busca de recuperar o fio da meada do crescimento sustentado, com políticas monetária e cambial bem resolvidas, juros altíssimos, investimentos muito aquém do necessário e um enorme desafio fiscal.

Reserva moral: Enrico Berlinguer

Angela Giuffrida /CartaCapital

Uma cinebiografia e duas exposições aguçam a nostalgia e a admiração por Enrico Berlinguer

Enrico Berlinguer foi um gigante da esquerda italiana nas décadas de 1970 e 1980, quando chegou perto de levar o Partido Comunista ao governo por meio de um “compromisso histórico” com os democrata-cristãos e na defesa do “eurocomunismo”, uma versão liberal e anti-stalinista do marxismo que varreu brevemente o continente. Sua morte há 40 anos e o colapso dos partidos comunistas europeus no fim da década de 1980 eclipsaram, porém, o seu legado. Desde então, a Itália cruzou o espectro político e em 2022 elegeu Giorgia Meloni, da extrema-direita, como primeira-ministra.

Agora, Berlinguer retomou a popularidade, inclusive entre figuras de direita, pois um filme sobre sua vida abre o festival de cinema de Roma, antes do lançamento internacional. Berlinguer – La Grande Ambizione levará os espectadores por meio dos eventos históricos que marcaram sua carreira, desde desafiar o dogma da Guerra Fria e escapar por pouco de um atentado contra sua vida na Bulgária, até levar o Partido Comunista Italiano à beira do poder na década de 1970 e manter-se firme contra o terrorismo político que ferveu no país naquele período.

Poesia | Liberdade, de Bocage

 

Música | Casuarina e Zeca Pagodinho - Velhos Tempos

 

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Intervenção no setor elétrico é oportunismo

O Globo

Governo Lula aproveita apagão em São Paulo para tentar exercer controle político sobre a Aneel

Não passa de oportunismo a tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva de usar o grave episódio do apagão em São Paulo para interferir na estrutura regulatória do setor elétrico. Desde o temporal da semana passada, que deixou mais de 3,1 milhões de paulistas sem luz, o ministro de Minas e EnergiaAlexandre Silveira, aumentou o tom das críticas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), expondo a insatisfação do governo petista com o modelo de concessionárias privadas, que pressupõe agências reguladoras fortes e independentes. Depois do apagão, o governo chegou ao cúmulo de abrir na Controladoria-Geral da União (CGU) uma investigação preliminar para apurar irregularidades que atribui a diretores da Aneel com base em denúncias de Silveira — tarefa que nem cabe à CGU.

Em qualquer setor, a independência das agências reguladoras é fundamental para evitar intervenção política no mercado, garantir estabilidade jurídica, respeito aos contratos e a devida maturação dos investimentos. Tal independência pressupõe diretorias formadas por técnicos e profissionais experientes do mercado, com mandatos fixos e não coincidentes com o calendário eleitoral. Exatamente o contrário do que defendem Lula e Silveira.

Fernando Abrucio - Fora da frente ampla não há solução

Valor Econômico

Se não for possível criar uma ampla coalizão de diferentes em torno de pontos prioritários, alicerçada por uma aliança eleitoral e governativa, o Brasil poderá andar muito lento nos próximos anos

A pergunta da vez é quem foram os vencedores das eleições municipais. Alguns procuram respondê-la dizendo quem foram os partidos vitoriosos e os grandes perdedores. Outros trilharam esse caminho buscando os efeitos de 2024 sobre 2026, especialmente sobre o próximo Congresso Nacional e a disputa presidencial. Todo esse debate tem relevância, mas o processo eleitoral atual trouxe uma lição mais profunda: a forma de sair da polarização paralisante e construir uma nova forma de fazer política passa necessariamente pela construção estrutural de coalizões com identidade de frente ampla.

Num país multipartidário, com grande diversidade de identidades políticas territoriais e com forte peso do horário eleitoral de TV e rádio, a política pragmática incentiva a construção de coalizões eleitorais tão amplas quanto possível no plano da eleição para o Executivo. Essa é uma lei geral óbvia do sistema político brasileiro. Porém, o crescimento de uma polarização mais estanque, desde 2018, tem dificultado uma política baseada em alianças nas quais a multiplicidade de posições não seja engolida por uma única lente ideológica.

Em outras palavras, o bolsonarismo e, em menor medida, o lulismo, mesmo com todo o apelo que fez por uma frente de defesa da democracia em 2022, têm sido mais sectários e hegemonistas do que polos organizadores de posições diferentes em prol da produção de um projeto comum de país. Sem dúvida alguma, esse fenômeno é mais forte no lado bolsonarista, como mostram os diversos exemplos da eleição municipal nos quais Bolsonaro sabotou ou denunciou aliados de hoje e do passado, porque não seguiam a cartilha purista de seu radicalismo.

José de Souza Martins - Metamorfoses da esquerda e da direita

Valor Econômico

As eleições revelaram a vitalidade de um difuso e arraigado direitismo brasileiro com cara de centro e mesmo de extremo centro

Os resultados das eleições municipais de 2024 não indicam propriamente vitória nem da direita nem da esquerda. Na perspectiva do longo prazo cumprido desde o fim da ditadura militar, foi uma derrota da democracia.

Há algumas derrotas notórias e significativas, como a do PSDB, derrotado por si mesmo, pela ação e pela mentalidade de figuras distantes do ideário e da experiência do partido. No elenco das competências que lhe restam, há talentos que podem promover-lhe o renascimento, descartadas as figuras de infiltrados cujo perfil é outro, agora como adversário da direita destrutiva.

O declínio do PT, vencido em seus próprios redutos históricos, como na cidade de São Paulo, na zona leste, por um forasteiro de extrema direita. E no ABC Paulista, onde em apenas dois dos sete municípios resta-lhe aguardar o segundo turno para recuperar alguma presença no que vem deixando de ser a região industrial.

Andrea Jubé - A lição do eleitor recalcitrante para o PT

Valor Econômico

Salvo uma reviravolta, somente a arca de Noé impediria a derrota do PT em São Paulo e Porto Alegre

Gênesis, 6, versículo 17: “Eis que vou trazer águas sobre a terra, o Dilúvio, para destruir debaixo do céu toda criatura que tem fôlego de vida”, anunciou Deus a Noé, em uma das passagens mais trágicas do Antigo Testamento.

É exagero comparar o desastre ao dilúvio bíblico, mas a cheia do Guaíba que deixou Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e cidades da região metropolitana submersas, gerou cenas de filmes de terror: moradores e animais domésticos refugiados nos telhados, esperando socorro por dias a fio. De fato, foi uma catástrofe sem precedentes: superou as inundações de 1941, quando o nível das águas chegou a 4,76 metros. Desta vez, ultrapassou os 5 metros.

Vera Magalhães - De Haddad a Boulos, voto lulista mudou

O Globo

O que mais explica a dificuldade de Lula transferir votos é fato de a direita brasileira, que praticamente não existia, ter saído do armário

Doze anos separam a atual eleição municipal daquela de 2012, quando, dois anos depois de eleger Dilma Rousseff para lhe suceder na Presidência, Lula conseguiu repetir o feito com Fernando Haddad. Ambos eram estreantes em eleições e tinham perfil “técnico”, ocupando pastas centrais em seu governo.

— Quando lancei a Dilma, disseram que estava lançando um poste. Eu digo que, de poste em poste, vamos iluminar o Brasil inteiro — jactou-se o então ex-presidente em comício do candidato petista à Prefeitura de Fortaleza, Elmano de Freitas, que acabou derrotado.

A política brasileira passou por muitas e rápidas transformações de uma década a outra. A que mais explica a dificuldade de Lula, de volta à Presidência, de repetir o programa luz para todos eleitoral é o fato de a direita brasileira, que praticamente não existia, ter saído do armário e não ter voltado para ele nem depois do 8 de Janeiro. Diante dessa realidade, parece ter faltado a Lula e aos estrategistas das campanhas dos candidatos apoiados por ele um mergulho mais profundo na cabeça desse eleitor.

Bernardo Mello Franco – A escolha de Ciro

O Globo

Ciro Gomes não voltou a Paris, mas Paris vive em Ciro Gomes. Em 2018, o ex-ministro zarpou para a capital francesa no segundo turno da eleição presidencial. Escolheu assistir de longe à vitória de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad. Seis anos depois, o pedetista repete a dose sem sair do país. Desta vez, resolveu se omitir na disputa pela Prefeitura de Fortaleza.

A maior cidade do Nordeste é palco de uma eleição com contornos nacionais. Enfrentam-se o bolsonarista André Fernandes, do PL, e o lulista Evandro Leitão, do PT. O candidato de Ciro era o atual prefeito, José Sarto, do PDT. Num ano que favoreceu quem buscava a reeleição, ele amargou o terceiro lugar, com apenas 11% dos votos.

Depois da derrota, Sarto anunciou que não apoiará ninguém no segundo turno. Apesar da neutralidade do prefeito, o cirismo subiu no palanque do bolsonarismo. Dos oito vereadores eleitos pelo PDT, seis declararam voto em Fernandes. O ex-prefeito Roberto Cláudio fez o mesmo, para desgosto de antigos companheiros.

Flávia Oliveira - Crise superlativa na saúde

O Globo

As investigações têm de sair da superfície, ir muito fundo

O Rio de Janeiro vive uma crise superlativa na saúde. Nem a epidemia de furtos de telefone celular (24.341 até agosto), que dominou a corrida municipal, nem a multiplicação de ônibus sequestrados para barricadas (136 em 12 meses) em territórios dominados pelo crime organizado têm o condão de disfarçá-la. O estado governado por Cláudio Castro (PL), reeleito em primeiro turno há dois anos, produziu inédita mácula numa política pública tão importante quanto reconhecida. Nunca antes na história do Sistema Nacional de Transplantes pacientes tinham recebido órgãos infectados por HIV. O desmazelo do PCS Lab Saleme — ora alvo de investigação tanto pela Polícia Civil quanto pela Polícia Federal — com o protocolo de admissão de doadores impôs a seis transplantados uma vulnerabilidade adicional inadmissível.

Bruno Boghossian - Apagão produz abalo leve demais na reta final

Folha de S. Paulo

Eleitor recém-convertido pelo prefeito hesita, mas movimento não se traduz em ganho para candidato do PSOL

A crise provocada pelo longo apagão em São Paulo produziu um abalo que parece leve demais para mudar o jogo a dez dias do segundo turno. Uma fatia de eleitores recém-convertidos passou a exibir sinais de hesitação em relação a Ricardo Nunes, mas ainda manteve distância da campanha de Guilherme Boulos.

Os novos números do Datafolha indicam que a queda de Nunes se deu num eleitorado que flerta com um voto por exclusão. O prefeito caiu cinco pontos (83% para 78%) entre os paulistanos que rejeitam Boulos e sete pontos (84% para 77%) entre aqueles que votaram em Pablo Marçal.

Hélio Schwartsman - Ver para crer

Folha de S. Paulo

Há razões para ceticismo em relação à aprovação de um pacote de corte de gastos que dê sustentabilidade ao arcabouço fiscal

Sou a pessoa menos religiosa (e "espiritual") que conheço, mas tenho um santo favorito. É são Tomé. Gosto dele porque personifica o saudável ceticismo, que, antes de acreditar, cobra razões objetivas para sustentar a crença.

Dizem que a equipe econômica prepara um pacote de cortes de gastos com o objetivo de dar sustentabilidade permanente ao arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad. É ver para crer.

Apresentar um conjunto de medidas que satisfaça às exigências aritméticas impostas pelo nó fiscal brasileiro já é difícil, mas essa é a parte fácil do problema. As dificuldades vêm em camadas. Um pacote que pare em pé precisará ainda passar incólume por Lula, pelo Congresso e pelo Judiciário.

Vinicius Torres Freire - Notícias ruins para Lula pensar

Folha de S. Paulo

Sucessos variados das direitas, aqui e lá fora, deveriam causar chacoalhada nas esquerdas

São Paulo ficou um final de semana largada às moscas depois do temporal da sexta-feira passada (11). Ricardo Nunes (MDB), de histórico tão apagado quanto os faróis da cidade, perdeu uns pontos, diz o Datafolha. Mas ainda bate Guilherme Boulos (PSOL e apoiado pelo PT) por 61% a 39%, se a conta é feita por votos válidos. "Farol" é semáforo, em paulistês.

Alguns petistas fazem troça de Boulos e das alianças do partido. Mas, no primeiro turno, Boulos teve mais do que o triplo dos votos do candidato do PT a prefeito em 2020, que conseguiu apenas 8,7% e chegou em sexto lugar, atrás até do defenestrado Mamãe Falei. Diante desses e de outros resultados ruins, conviria que PT e esquerda deixassem de picuinhas.

Eliane Cantanhêde – Ajoelhou, tem de rezar

O Estado de S. Paulo

Nas capitais e com evangélicos e banqueiros, Lula entra nas campanhas de 2024 e 2026

O presidente Lula fez dois movimentos importantes nesta semana, além de entrar na campanha do segundo turno. Na terça, sancionou o projeto criando o Dia da Música Gospel, com direito a reunião no Planalto, foto e cantoria com evangélicos. Na quarta, se reuniu por uma hora e meia com representantes dos quatro maiores bancos privados brasileiros, com pauta em aberto e foco no equilíbrio fiscal, ou melhor, no corte de gastos.

Se há algum ponto em comum entre evangélicos e o setor financeiro é a resistência ao PT, à esquerda e, por extensão, ao próprio Lula. Logo, há um esforço de Lula para vencer essas resistências, construir pontes e, no caso dos evangélicos, abrir dissidência, deixando uma pergunta no ar: quando será a rodada de conversas com o agronegócio, outro setor nada, nada, amigável?

Paulo Sotero - Não há exagero em dizer que Trump ensandeceu

O Estado de S. Paulo

Harris, uma líder renovadora, cada vez mais perto do poder. Uma vez eleita e empossada, terá amplo capital de conhecimentos e talentos à disposição para conduzir os EUA a bom porto

A perspectiva de perder a disputa pela Casa Branca no próximo 5 de novembro para uma mulher descendente de imigrantes bem-sucedidos – uma cientista indiana e um economista jamaicano – é mais do que a arrogância doentia do ex-presidente Donald Trump consegue processar.

Faltando menos de três semanas para a votação, a vicepresidente Kamala Harris aparecia à frente de Trump por pequenas margens na maioria das pesquisas nos cinco ou seis Estados que devem decidir a eleição.

Se Harris vencer na Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, onde está na dianteira, ficará difícil para Trump suplantála na soma dos 270 votos do colégio eleitoral presidencial que decide a eleição.

Por essa razão, Trump preparou caminhos para garantirlhe a vitória, mesmo que por fraude, como tentou em 2020 para negar a eleição ao presidente Joe Biden, que o derrotou por margens confortáveis na contagem dos sufrágios populares e dos votos do colégio eleitoral presidencial, herança do passado preservada porque dá mais peso aos votos dos Estados menores em população.

Luiz Carlos Azedo - Morte do líder do Hamas pode acabar com a guerra

Correio Braziliense

É difícil avaliar a situação política em Gaza. O Hamas não está em condições de fazer um acordo de paz; por tudo o que aconteceu, terá que se render ou lutar até a morte

O líder do Hamas Yahya Sinwar foi morto por acaso em Gaza, por tropas de Israel em treinamento, mas nenhum refém foi resgatado na operação. Sinwar assumiu a liderança do Hamas após o assassinato do líder político do grupo, Ismail Haniyeh, por um míssil israelense, em Teerã, em 31 de julho. Considerado o seu principal chefe militar, o líder palestino morto fora escolhido devido à sua grande popularidade em Gaza e pelo controle militar do grupo.

Morreu isolado militarmente. Na quarta-feira, uma unidade das Forças de Defesa de Israel estava em patrulha durante treinamento no sul de Gaza, quando os soldados israelenses se depararam com um pequeno grupo de combatentes. Os soldados não estavam na área para uma operação de assassinato, nem tinham informações prévias de que Sinwar estava no local. Atacaram o grupo e três militantes palestinos foram mortos.

Poesia | Canção do dia de sempre, de Mário Quintana

 

Música | Jair Oliveira e Luciana Mello cantam: Esperanças Perdidas

 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Endurecer pena de crimes ambientais é necessário

O Globo

Congresso manifestará independência se aprovar projeto do governo. Mas isso não bastará para deter queimadas

Depois da onda de incêndios florestais por quase todo o Brasil neste ano, o governo faz bem em tentar endurecer a punição para os crimes ambientais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso um projeto que aumenta a pena máxima para quem atear fogo em florestas de quatro para seis anos e prevê que os condenados comecem a cumpri-la em regime fechado. A proposta deverá ter tramitação rápida por ser incorporada a um projeto do senador Davi Alcolumbre (União-AP), já aprovado no Senado e em discussão na Câmara, sob relatoria do deputado Patrus Ananias (PT-MG).

O texto em discussão reúne contribuições de outros 42 projetos sobre o tema. A estratégia tem a intenção de acelerar a tramitação e reduzir as resistências (só o União, de Alcolumbre, conta com 59 deputados). É comum que as pautas ambientais empaquem nos labirintos do Congresso por pressão da bancada ruralista (costumam ser mais bem-sucedidas as propostas que flexibilizam a legislação ambiental). Desta vez, os parlamentares — que conviveram de perto com as nuvens de fumaça sobre Brasília — têm uma oportunidade de demonstrar independência dos grupos de interesse.

Maria Hermínia Tavares - Escapará o PT do 'gueto brâmane'?

Folha de S. Paulo

O centro e as direitas sempre predominaram na base do sistema político brasileiro

Mesmo sem os resultados do segundo turno em 52 cidades, entre elas 15 capitais, muito já se discute sobre perdas e ganhos partidários. Poucos, no entanto, discordam de que o PT, até o momento, tem pouco a comemorar, mesmo que seus candidatos em São Paulo e em outras quatro capitais continuem no páreo. Isso, embora o partido de Lula tenha aumentado o número de cidades que governará – de 182 em 2020 para 248 municípios, por enquanto.

Esse ganho, além de modesto, não esconde dois fatos incômodos para a agremiação. O primeiro é que seu desempenho em eleições municipais nunca foi lá aquelas coisas. O centro e as direitas sempre predominaram na base do sistema político brasileiro, tanto nas votações para prefeito e vereadores, como naquelas que definem quem ocupará as cadeiras da Câmara dos Deputados. De resto, a relação entre os resultados das eleições municipais e para o Congresso, bem como o predomínio das forças conservadoras, impõem ofuscantes limites ao que podem fazer governos progressistas. De toda forma, a curva de crescimento petista nos municípios, que chegou ao auge em 2012, sofreu brutal inflexão na rodada seguinte, passados quatro anos.

Bruno Boghossian - O ajuste político do corte de gastos

Folha de S. Paulo

Ala do governo defende deixar de fora itens que possam contaminar pacote levado a Lula e ao Congresso

A equipe econômica começou a estabelecer os limites da proposta de corte de gastos que será apresentada nas próximas semanas. A fase atual é uma espécie de ajuste do ajuste. O objetivo é manter as estimativas de redução de despesas, mas descartar pontos considerados impopulares demais e que poderiam contaminar politicamente o pacote.

Um dos alvos principais da discussão é o tamanho da mudança que deve ser proposta para o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Uma ala do governo envolvida na elaboração das medidas prefere deixar dois pontos fora do plano: o aumento da idade mínima de acesso ao benefício e o fim da correção dos pagamentos pelo salário mínimo.

Vinicius Torres Freire - Lula frita batata quente de Haddad

Folha de S. Paulo

País adia conserto fiscal por outro ano, Congresso se dedica a seus dinheiros

Já vimos o filme. A última reprise havia sido em junho, quando a chapa de Fernando Haddad esquentava; as taxas de juros e de câmbio desandavam, para alturas mais daninhas. Agora, o ministro da Fazenda diz que quente é a batata dos gastos fora de controle, inclusive do controle dele mesmo, por lei. Então, Luiz Inácio Lula da Silva frita a batata do ministro.

Diz-se que o pacote de conserto fiscal vem depois da eleição municipal, novembro, por aí. Perdemos outro ano, envenenando aos poucos a possibilidade de PIB maior no futuro próximo.

O Congresso ora se dedica a decidir quem vai ser seu próximo duque, a ser eleito no início de 2025, e a negociar quais serão os barões das pisadinhas nas comissões. Discute com o Supremo legiferante os direitos de mandar dinheiros, emendas, para feudos eleitorais. A reforma tributária pega poeira no plenário vazio.

Thiago Amparo -Nunes e Enel deixaram São Paulo no escuro

Folha de S. Paulo

Prefeitura e concessionária não têm plano detalhado para a poda de árvores

A cidade de São Paulo não está preparada para eventos climáticos extremos devido à inépcia de seus governantes e da concessionária Enel. Os primeiros pensam que basta vestir colete da Defesa Civil para serem levados a sério; os segundos, que são imunes a consequências jurídicas sobre seus atos e omissões.

Já deveria estar claro a todos que reclamar que a prefeitura e a Enel não têm um plano claro para mitigar e adaptar os efeitos da crise climática não é papo furado de quem ama abraçar árvores. Um plano é o mínimo que se espera de quem governa a maior cidade do país.

Falando em árvore, a Folha noticiou a partir de dados oficiais que a Enel podou apenas 1% do que era previsto para 2024 (deveriam ser podadas 240,4 mil árvores; foram 1.730).