domingo, 1 de fevereiro de 2015

João Bosco Rabello - A véspera da crise

- O Estado de S. Paulo

Com o País mergulhado em uma crise política e econômica sem precedentes, em que gestão temerária e corrupção se somam como causas, o Poder Legislativo realiza hoje eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado.

O envolvimento de parcela expressiva do Congresso na rede de corrupção montada na Petrobrás, no entanto, torna mais importante o dia seguinte.

Não obstante, o resultado que será conhecido à noite determinará a maior ou menor estabilidade do governo para enfrentar as dificuldades que tem pela frente, sintetizadas no programa recessivo para a economia, nos efeitos das investigações da Operação Lava Jato, que sangram a mais simbólica empresa nacional, e na disputa autofágica entre PT e PMDB pela supremacia política.

Estão em jogo as presidências da Câmara e do Senado, esta última agora com a candidatura do catarinense Luiz Henrique (PMDB-SC) ameaçando a reeleição de Renan Calheiros (PMDB-AL).

Na Câmara, mesmo nas contas oficiais do Planalto, Cunha tem entre 270 e 280 votos, entre 13 e 23 a mais que os 257 necessários à sua eleição no primeiro turno. Nas contas dele, esse número é de 330.

Ficando-se com a conta do governo, que subtrai ao líder do PMDB, na hipótese pior, 60 votos, tem-se uma ideia da solidez da dianteira do deputado peemedebista sobre seu principal concorrente, Arlindo Chinaglia, do PT paulista. As mesmas contas atribuem ao candidato da oposição, Júlio Delgado (PSB-MG), 70 votos.

A força do governo nessas ocasiões não deve ser subestimada, mas ele entrou tardiamente no processo, levado pela convicção de que Cunha seria atingido por alguma das investigações em curso, o que não ocorreu até aqui.

Agora, o governo só pode prometer, quando Cunha já entregou.

O mais provável, portanto, é a vitória de Eduardo Cunha, cuja antecipação no processo eleitoral foi fundamental para seu favoritismo hoje. Além de ter viabilizado financiamento para uma centena de campanhas nas eleições passadas, ele negocia habilmente cargos estratégicos na Mesa e nas comissões, entre outras vantagens.

Ao PSDB, por exemplo foi oferecida a Primeira Vice-Presidência, o que tenta, pelo menos, nove de seus 54 deputados, na conta do presidente paulista do PSDB, Duarte Nogueira, que assegura 45 votos para o socialista Júlio Delgado (MG).

Se ficar desse tamanho, a oposição pode levar o governo ao segundo turno.

Ferreira Gullar - Papo furado

• Se a consagração erudita é dada pela crítica literária, a consagração popular vem da Academia Brasileira de Letras

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Vou dizer aqui uma coisa que você talvez não acredite: nunca pensei em me tornar conhecido, muito menos famoso.

É verdade que sempre fui atrevido, pensando por minha conta e risco. Quando ainda adolescente, afirmei, certa vez, na presença de um padre, que não acreditava em Deus e passei a enumerar argumentos, o padre, escandalizado, afastou-se exclamando: "Ih, filósofo, filósofo!".

É claro que quem defende ideias polêmicas termina chamando atenção para si, mas não era esse o meu propósito: só queria afirmar meu ponto de vista, o que, aliás, faço até hoje.

O leitor, porém, poderia alegar, contra minha suposta modéstia: não queria ser conhecido, mas seu primeiro emprego foi o de locutor de rádio... É verdade, mas não o busquei, fui levado por um amigo que trabalhava na Rádio Timbira do Maranhão. Fiz o teste, fui aceito e, modestamente, adotei um pseudônimo: Afonso Henrique.

Aliás, o que mais tive na vida foram pseudônimos, em parte para fugir da polícia, é verdade. Nada mais coerente, uma vez que, se não desejava ser conhecido, muito menos queria que o fosse pelos agentes do DOI-Codi.

Estou certo de que, à mente do leitor, ocorrerá uma indagação inevitável: se eu não sonhava em ser famoso, por que me tornei poeta?

Sei que você não vai acreditar, mas a verdade é que jamais havia pensado em me tornar poeta, nem mesmo sabia que isso me tornaria conhecido. Veja bem, eu tinha 13 anos, nascido na família do quitandeiro Newton Ferreira, com dez irmãos e numa casa onde não havia livros; só havia exemplares da revista "Detective", leitura predileta de meu pai, enquanto eu e meus irmãos líamos histórias em quadrinhos. Talvez por isso, quando, pela primeira vez, li um poema, levei um susto.

Um susto bom, tão bom que tive vontade de escrever coisas bonitas como aquelas. Era uma ideia de jerico, sem muito propósito, já que, na minha infundada opinião, todos os poetas já haviam morrido (Camões, Bocage, Gonçalves Dias, Castro Alves) e, ainda assim, decidi entregar-me àquela atividade de defuntos.

A maior prova de que não queria ser conhecido foi trocar meu nome verdadeiro por um pseudônimo. Por isso mesmo, até hoje, quando alguém me pergunta se sou eu o poeta Ferreira Gullar, respondo: "Às vezes". Sim, porque, às vezes, sou José de Ribamar Ferreira; aliás, na maioria das vezes.

Mas o famoso não é ele, é o outro, o Gullar. E veja você, embora o subversivo fosse o Gullar e não o Ribamar, no final das contas, para minha surpresa, era este e não o outro que a polícia da ditadura buscava.

Só soube disso, mais tarde, aliás, tarde demais, depois que retornara do exílio, dado como absolvido pelo STM (Superior Tribunal Militar).

Ao receber o documento do STM informando-me da absolvição, não era o Gullar nem o José de Ribamar Ferreira que tinham sido processados e julgados, mas outro Ribamar, também maranhense, de quem nunca ouvira falar.

Soube depois que ele aderira à luta armada, na certeza de que, juntamente com Marighella e mais meia dúzia de revolucionários, ia derrotar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, além de todas as polícias militares do país. Eu, o Ribamar, filho de dona Zizi e do Newton Ferreira, era menos insensato.

A verdade, porém, é que, querendo ou não, me tornei conhecido e, mais ainda, agora, ao ser eleito para a ABL (Academia Brasileira de Letras).

Mal sabia eu o que estava perdendo, negando-me a candidatura à ABL. Nunca fui tão cumprimentado e saudado nas ruas do bairro quanto agora. Descobri, assim, que, se a consagração erudita é dada pela crítica literária, a consagração popular é dada pela ABL.

Agora sou saudado pelo vendedor de picolé, pelo barraqueiro da feira, pela moça do caixa do supermercado. Não há um dia em que saia de casa, para ir à farmácia ou à banca de jornais, que não seja cumprimentado por numerosos e simpáticos desconhecidos.

Não resta dúvida de que boa parte dessa popularidade se dá graças à televisão. Ainda assim, como explicar que um mendigo, imundo e seminu, murmure ao me ver passar: "Poeta Gullar, imortal!".

No fundo, todos repetem aquela mesma frase do cara, também bêbado, que, anos atrás, quando me viu atravessando a rua, gritou: "Ferreira Gullar, famoso e eu não sei quem é!". Nem eu, tampouco.

***
Para Susana de Moraes, meu adeus carinhoso.

Miriam Leitão - Mês quente

- O Globo

Um mês para ser esquecido, este janeiro. Um calor do Sahel esquentou nossas cabeças. Chegaram muitas contas de erros e omissões dos governantes. A água está acabando e faltou luz. A chuva não veio reduzir as aflições. A Petrobras afunda de forma dolorosa num mar de sal, e o Governo Federal anunciou déficits sequenciais. Foi uma avalanche de más notícias. Bem vindo fevereiro.

Uma das notícias que agitou a última semana de janeiro foi a do balanço da Petrobras, que nos informou que 31 ativos da empresa estão com um valor R$ 88,6 bilhões acima do preço justo. E isso é apenas uma parte da verdade que ainda está sendo prospectada na empresa, principalmente nas decisões da diretoria de Abastecimento. Ela abastecia mais do que os nossos tanques, como se sabe hoje.

Esse demonstrativo derrubou as ações e deixou tanto o governo quanto o mercado mal humorados. O governo porque não queria que aparecesse o número que foi divulgado, apesar da sua notória relevância. O mercado porque quer saber exatamente quanto será abatido do valor dos ativos.

Mas, olhando bem, o balanço trouxe boas notícias: várias maluquices serão encerradas. O Brasil vai parar de perder com obras que não faziam sentido e que foram decididas por razões políticas e não econômicas:

— As refinarias de Premium I e Premium II seriam duas potenciais Abreu e Lima — disse-me uma pessoa que participou da decisão de que as obras no Maranhão e no Ceará fossem encerradas, apesar de já se ter gasto nelas R$ 2,7 bilhões.

O que ele quis dizer é que elas poderiam virar fábricas de aditivos e sobrepreços como foi a refinaria de Pernambuco. A imprensa especializada, os analistas de mercado, os especialistas em petróleo cansaram de dizer, durante anos, que os empreendimentos não faziam sentido econômico e que a interferência do Planalto na gestão da empresa era prejudicial. Uma das razões é simples: a atividade de produção de petróleo é mais lucrativa do que a de refino. Basta olhar as margens de lucro de cada etapa produtiva. Portanto, fazer quatro refinarias ao mesmo tempo era uma aventura arriscada. 

Depois, quando começaram os aditivos temeu-se pelo pior. O final da história superou os cenários pessimistas.

A dívida bruta do Tesouro subiu 6,6 pontos do PIB em apenas um ano. Houve déficit primário pela primeira vez em 18 anos. Só esses dois dados divulgados em janeiro confirmam todos os alertas feitos pelos especialistas em contas públicas de que o governo estava gastando além das suas possibilidades, como se não houvesse amanhã.

Foram ofendidos e atacados pelos avatares governamentais todos os que alertaram para a crise de energia. Estamos caminhando para o desconhecido exatamente porque no ano passado deveriam ter sido tomadas medidas de redução de consumo que poupasse água nos reservatórios e reduzisse o passivo que seria transferido para a conta do consumidores.

Neste janeiro da nossa desesperança, os reservatórios das hidrelétricas caíram 2,5 pontos percentuais em apenas 16 dias. Está em 16,82%. O ministro alertou que 10% é o limite tolerável. E janeiro é a temporada em que os reservatórios sobem, porque é o mais molhado dos meses nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. A água nas hidrelétricas não se eleva, mas crescem os cálculos sobre a conta de luz em 2015.

O erro não é monopólio de um governo ou de um partido. São Paulo deu uma lição do risco de se ignorar os apelos dos fatos. A maior cidade da América do Sul está diante de um perigo enorme de colapso do abastecimento de água. São Paulo agora é que fala de fazer um plano de contingência. Esse é o tipo de plano que se faz antes da crise, para evitá-la. O Rio vai pelo mesmo caminho. Ele será São Paulo amanhã, mas as autoridades têm a mesma atitude: avisam que, se não chover, tomarão providências.

A eloquência dos números não é suficiente para demover governantes da sua atitude defensiva e discurso publicitário. Para a presidente Dilma, basta transformar seu ministério num pelotão da batalha da comunicação que tudo estará resolvido. Nos estados, os governadores pedem por chuvas ou vão a Brasília. Janeiro foi o mês em que recebemos as contas dos erros passados e os sinais dos riscos do futuro imediato.

Vinicius Torres Freire - Nojo grande, política pequena

• Ignora-se ainda o tamanho da crise e da revolta, mas sabe-se que faltam alternativas políticas

- Folha de S. Paulo

Ainda não é possível estimar o nível e as consequências da desmoralização de PT e PSDB, se por mais não fosse porque seus governos principais começam a se esboroar apenas agora. Ou melhor, seus escombros apenas começam a cair na cabeça da pessoa comum das ruas.

Apesar da desordem que a falta d'água e luz pode causar, a catástrofe é incerta. Mesmo racionamentos duros podem causar raiva cotidiana difusa, mas não explosiva. Parte de seus efeitos talvez apareça de modo indireto, como economia ainda mais lerda, em vez de colapso generalizado e agudo.

No apagão de 2001, não houve breu. A crise se traduziu em perdas de pontos do PIB (quatro ou cinco, em dois anos), desgraça que, porém, não afeta todos e quaisquer de modo concreto, cotidiano e revoltante.

Pelo menos ainda não há colapso socioeconômico, apesar da administração econômica ruinosa dos últimos quatro anos. Ao contrário. Os colchões sociais criados nos anos petistas existem como nunca antes neste país. O desemprego aumentará em 2015, mas a taxa ainda estaria entre as quatro mais baixas em vinte anos ou mais.

Nos fatos nus, não há crise aí, por mais que o relativo conforto no mundo do trabalho derive de gastos e políticas que se esgotaram, estouraram as contas públicas e produziram um equilíbrio ruim. Isto é, o crescimento do número de trabalhadores tem sido pequeno, nulo nas metrópoles, e se dá cada vez mais por ocupações de baixa produtividade e salários.

Programas bancados por meio de dívida pública contribuíram para manter baixo o desemprego. Por exemplo, subsídios para empresas (juro quase zero) e gastos tributários ("desonerações"). Aumento rápido de gastos sociais e salários, em especial do mínimo (tais aumentos permitiram que um mais integrantes das famílias se retirassem do mercado de trabalho). Aumento do crédito via bancos públicos. Protecionismo.

A injeção de doses extras desses anabolizantes causaria danos colaterais críticos e imediatos. Até Dilma Rousseff percebeu.

A renda das famílias cresceu mesmo em 2014 mais que a economia. Mas o ritmo das melhorias tende a zero desde o ano passado. Virá a segunda fase da recessão, com o "ajuste". O Petrolão nem estourou de vez.

Os estelionatos dos governos federal e paulista, além da corrupção ciclópica, causam escárnio, cinismo ou nojo deprimido entre elites diversas, petistas, tucanas, neutras ou indiferentes a partidos. Mas nada sabemos como o grosso do povo ou os centros nervosos e neuróticos do país (como São Paulo) vão reagir à primeira crise socioeconômica duradoura dos anos petistas, de resto simultânea a um pico alto de desfaçatez dos governantes e à degradação íntima da vida cotidiana.

De resto, apesar dos colchões sociais, as expectativas de melhorias foram infladas neste século, por melhoras reais e promessas exageradas e ignorantes.

Nem sabemos o que fazer da provável revolta, maior ou menor. Não temos Syriza, Podemos ou mesmo neofascistas, alternativas europeias que brotaram de uma crise que ainda não vivemos. Afora PT e PSDB, em putrefação, há PMDBs e nenhum movimento social ou político grande ou em formação para captar e dar forma à onda de indignações.

Amir Khair - A borda da cachoeira

- O Estado de S. Paulo

O mercado financeiro saudou a nova equipe econômica e pôs nela a expectativa de mudanças no sentido da recuperação dos fundamentos macroeconômicos degradados nos últimos anos. A premissa que está sendo adotada pela nova equipe é que, melhorando o resultado fiscal, crescem as expectativas dos empresários e, com elas, há novo ânimo para retomar investimentos, eleito como novo carro-chefe do crescimento econômico.

Mas será que essa inflexão na política econômica, com alguma contenção de despesas e elevação de vários tributos, é a resposta para a saída da crise? Não creio. Vamos aos fatos.

A nova equipe repete o mesmo erro de só estabelecer meta e foco no resultado primário para obter o equilíbrio fiscal, deixando de lado a principal despesa do setor público, que são os juros que vão ultrapassando o nível de 6% do PIB devido à alta Selic.

Caso essa equipe consiga cumprir as metas fiscais que definiu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ao final de 2017, após três anos de "ajuste" fiscal, a relação entre dívida bruta e PIB, principal termômetro fiscal, seria de 62,5%, que é superior (???) à que vigorou em outubro do ano que findou, de 62,0%.

Há, no entanto, sérias dificuldades para a obtenção desse frustrante resultado. Entre elas, seu limitado impacto, pois apenas 36% da despesa pública não financeira (que exclui juros) é de competência da União. Os restantes 64% são da alçada dos Estados e municípios, que foram beneficiados pelo Senado ao autorizar o refinanciamento de suas dívidas com a União em autêntica orgia fiscal, ferindo o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe terminantemente o refinanciamento a qualquer título.

Além da autorização concedida para mais endividamento dessas unidades federadas, é sabido que elas sempre procuram gastar o máximo para obtenção de dividendos políticos, e a falta de transparência fiscal é o biombo que as esconde do acesso dos meios de comunicação, que ficam restritos às despesas do governo federal, ou seja, aos 36%.

Ocorre que o orçamento federal contém verdadeiro cipoal legislativo, que engessa sua execução, restando cerca de 10% dele, em geral de investimentos, para serem alcançados na gestão. Tudo somado, a contenção de despesas não deve ultrapassar 0,5% do PIB, ficando a maior parte do "ajuste" na dependência de aumento de tributos.

Há que considerar, como preveem as diversas análises, que o crescimento econômico seja pífio novamente neste ano e no próximo, e as medidas tomadas de contenção de despesas e de elevação de tributos impõem freio à atividade econômica, repercutindo na diminuição da arrecadação de todo o setor público, como ocorrido em 2003, 2009 e 2014. Assim, corre-se o risco de reduzir o impacto das medidas tomadas, devido à frustração na arrecadação.

Chega a ser kafkiano que, à semelhança da nova equipe, a maioria das análises fiscais olha só para o resultado primário, "esquecendo" dos juros, principal causador dos déficits crônicos do setor público.

Neste ano, com taxa de juros média maior que em 2014, incidindo sobre uma dívida mais elevada pode causar uma despesa com juros próxima de 7% do PIB e, com resultado primário de 1,2% do PIB, que é a meta traçada pela nova equipe, o déficit fiscal seria de 6% do PIB (!), ou seja, mais endividamento e mais despesas com juros, em verdadeiro ciclo vicioso.

A armadilha da questão fiscal reside no fato de, enquanto os ministérios da Fazenda e do Planejamento procuram atingir o resultado primário de 1,2% do PIB, o Banco Central (BC), ao praticar uma Selic elevada com a justificativa de controlar a inflação, ocasiona despesa com juros em nível seis (!) vezes maior que o resultado primário.

Só nos últimos três meses o BC elevou 1,25 ponto porcentual na Selic, causando uma despesa adicional com juros de R$ 25 bilhões ao ano, ou seja, anulou bom pedaço do "ajuste" fiscal.

A política fiscal no País, independentemente de quem esteja no poder, se assemelha a um barco com duas pessoas em que uma rema contra a correnteza com pouco vigor (pequeno resultado primário) e a outra rema na direção oposta com muito vigor (alta despesa com juros). O resultado é o barco descendo (déficit fiscal) sem parar na corredeira cada vez mais intensa rumo à queda na cachoeira.

Caso não mude imediatamente essa política suicida de manter a Selic fora do padrão internacional, que é o da inflação no país: a) os déficits fiscais só tendem a se agravar, com elevação contínua da relação dívida/PIB; b) o custo de carregamento das reservas internacionais, pela diferença de 10 pontos entre a Selic e os juros dos títulos do Tesouro americano, alcança US$ 37 bilhões, ou, R$ 100 bilhões (!) por ano; c) é mantido o câmbio valorizado, prejudicando/inviabilizando a competição com o produto importado e muito menos no mercado externo, e gera rombo crescente nas contas externas.

Outra falha lamentável dessa política de "ajuste" fiscal é quanto ao crescimento econômico. As medidas tomadas vão agravar mais ainda a estagnação de 2014, repercutindo no desemprego e elevação da tensão social.

A Selic elevada só combate 20% da inflação, pois 80% do peso do IPCA vem de alimentos (25%), serviços (35%) e preços monitorados (20%), que variam independente da Selic. O consolo, se é que existe, é que a Selic já foi bem maior: FHC (21,51%), Lula (14,86%) e Dilma (2011/2014) 9,91%.

O que impede de eliminar essa distorção econômica é o argumento falacioso de que a Selic só pode cair se a inflação atingir o centro da meta de 4,5% e, isso dificilmente irá ocorrer se: a) não houver clima favorável para permitir boa produção de alimentos in natura (o que não ocorreu nos últimos quatro anos), pois a inflação de alimentos foi em média de 9,0% anual; b) a oferta de serviços não alcançar sua procura, causando nos últimos quatro anos inflação média de serviços de 8,5% ao ano e; c) os preços monitorados, fortemente contidos nos últimos anos, e agora sendo majorados fortemente, não evoluírem próximos ao nível médio da inflação.

Uma coisa é conseguir controlar as despesas primárias (despesas exceto juros), o que é pressuposto da boa política econômica e deve ser sempre perseguido, pois a fonte dos recursos provém da população. A outra é deixar de lado, como se não existisse, a elevada despesa com juros, em atitude semelhante à do avestruz que esconde a cabeça no buraco diante da ameaça.

Ao não priorizar o combate à gastança com juros, o governo conduz o País para a borda da cachoeira: déficits fiscais crescentes, contas externas caminhando para déficits acima de US$ 100 bilhões (!) e estagnação econômica. Vale conferir.

Elio Gaspari - O paraíso da energia, segundo a doutora

• Dilma vive no mundo real mas alimenta outro, fantás-tico, no qual seus adversários são inimigos do povo

- O Globo

Há dois anos a doutora Dilma apareceu em rede nacional de televisão anunciando que o Brasil entrara no paraíso do energia elétrica. Ela disse coisas assim:

"A partir de agora a conta de luz das famílias vai ficar mais barata. É a primeira vez que isso ocorre no Brasil."

"Isso significa que o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento, de qualquer tipo de estrangulamento, no curto, no médio ou no longo prazo."

"Estamos vendo como erraram os que diziam meses atrás que não iriamos conseguir baixar os juros e nem o custo da energia. Tentavam amedrontar nosso povo."

Passados dois anos os juros estão onde estão, as tarifas de energia vão subir e o "risco do racionamento" está aí.

Com má vontade pode-se ver no pronunciamento da doutora uma sucessão de lorotas. Com um pouco de boa vontade vê-se outra coisa, diferente e, sob certos aspectos, até pior: a fé numa realidade virtual. Ela queria baixar as tarifas e acreditava no que dizia, mas acreditava demais. Bastava que tivesse evitado os superlativos, tais como "tem e terá energia mais que suficiente", "sem nenhum risco (...) no médio ou no longo prazo".

A doutora governa com três realidades. Na da racionalidade sabe perfeitamente que não se deve dizer o que disse. Na da autoglorificação, cria um mundo virtual. No campo da militância política, manipula a fantasia compondo um conflito no qual apresenta-se como uma princesa combatendo as forças das trevas que querem "amedrontar nosso povo". Isso não é debate político, mas videogame.

É do embaixador Marcos Azambuja a explicação de que os diplomatas produzem blá-blá-blás, mas não os consomem. Até que ponto a doutora acredita nos seus blá-blá-blás, não se pode saber, mas sua fé na fantasia é mais complexa que a pura enganação. É também um estado da mente. Todo governante acredita demais no que diz, mas a água ferve quando diz algo em que não pode acreditar. Por exemplo: não haverá problemas com a energia "no curto, no médio ou no longo prazo".

O marqueteiro João Santana, cujas impressões digitais estão na fala do paraíso energético, pode acreditar que Elvis Presley está vivo, mas a doutora não podia acreditar no que disse. No seu depoimento ao livro do repórter Luiz Maklouf Carvalho ("João Santana - Um marqueteiro no poder"), ele diz que tem "uma relação misteriosa e cotidiana" com o físico italiano Ettore Majorana. O baiano Santana tem um pé na ciência política, outro no mundo mágico e vive bem nos dois. Sua fascinação pelo caso de Majorana mostra como se pode ser feliz acompanhando ora a razão, ora a fantasia.

O mistério do sumiço de Ettore Majorana
Na sua fala a doutora Dilma anunciou como política pública uma realidade fantasiada. Com o caso de Majorana pode-se manipular fantasias e, para quem está atrás de uma obsessão, é um prato cheio. Trata-se de um mistério sem fim, mas é apenas um brinquedo pessoal. Majorana era um físico italiano, da turma de Enrico Fermi, prêmio Nobel de 1938 e chefe da equipe que em 1942 libertou a energia do urânio. Daí até a explosão da bomba atômica sobre Hiroshima passaram-se três anos.

Majorana tinha 31 anos, e Fermi colocava-o na categoria dos gênios como Isaac Newton e Galileu. Ainda criança, extraía raízes cúbicas de cabeça. Misantropo e depressivo, sumiu em março de 1938. Estava na Sicília e tomaria uma barca para Nápoles. Sumiu. Passaram-se 77 anos, e o enigma persiste. Ele teria antevisto a bomba atômica, talvez até achado que detinha seu segredo e matou-se. Ou saiu do mundo recolhendo-se a um mosteiro. Um padre viu um sujeito parecido com ele pedindo abrigo. Teria fugido para a União Soviética, pois anos depois outro físico da equipe de Fermi sumiu e apareceu em Moscou. Duas pessoas juram que viram Majorana depois do seu desaparecimento. Na mão do escritor Leonardo Sciascia, isso valeu um grande livro. Há poucos mistérios melhores e o lance do cientista que vê a bomba e some é de grande beleza.

Dois fatos simplificam a história. Quando ia de Nápoles para a Sicília, Majorana mandou uma carta de despedida a um colega dizendo que tomara uma decisão "inevitável" e que desapareceria. Noutra carta, aos pais, pediu que não usassem luto por mais de três dias. No dia seguinte escreveu um telegrama ao professor pedindo que desconsiderasse o assunto e, numa nova carta, contou-lhe que "o mar me rejeitou". Comprou passagem para a barca de volta a Nápoles e sumiu. Seu corpo nunca foi achado.

De todas as hipóteses, a mais plausível é, de longe, que Majorana queria matar-se na viagem de ida, desistiu, e matou-se na da volta.

Falta explicar por que estava com todo o dinheiro que tinha no banco e por que viajou com o passaporte. Com a fantasia, ganha-se um grande enigma para exercitar a imaginação. A "relação misteriosa e cotidiana" de João Santana (ou de qualquer outro curioso) com Majorana é alimentada por intrigantes conjecturas que não fazem mal a ninguém.

No caso do paraíso energético a doutora cometeu a imprudência de achar que sua conjectura era uma verdade. Na Argentina garante-se que Majorana morreu em Buenos Aires.

Erro
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual dos campos africanos que a Petrobras vendeu metade de sua participação em 2013 saía 60% do petróleo que importa e 25% do que refina. Os erros eram dois: as duas percentagens referiam-se à situação de 2013, quando deu-se a venda, e não à de hoje. A percentagem do refino (25%) relacionava-se com a processamento de petróleo importado, e não com o total do refino da Petrobras, que é muito maior.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e alistou-se para a batalha da comunicação da doutora Dilma. Ouvindo seu discurso de terça-feira convenceu-se de que vai tudo bem com o governo, menos o teleprompter que a ajuda a ler discursos. Eremildo encanta-se com o estilo da doutora. Na noite de sua reeleição ela foi a primeira candidata vitoriosa que se impacientou com os aplausos da plateia.

Lula e Dilma
Mesmo pessoas que não acreditam na possibilidade de um rompimento entre Lula e a doutora Dilma estão tensas com o tamanho da amargura que se instalou entre os dois. Estão tensas, mas continuam achando que ambos sabem que não existem sem o outro.

O povo sabe
O Planalto e alguns governadores estão perplexos diante de um cenário no qual terão que fazer racionamentos. Um diz uma coisa, outro diz outra e frequentemente alguém está querendo empulhar a patuleia. Trata-se de um problema inexistente. Nos últimos 50 anos os brasileiros já tiveram seis moedas, falta d'água em diversas cidades, apagão no tucanato. Aguentaram firme. A crise de hoje incomoda sobretudo porque os governos mentem.

Fernando Gabeira - Deus das chuvas e dos apagões

• Doze pessoas foram atingidas por balas perdidas em dez dias e duas crianças morreram: a bala perdida é indefensável

- O Globo / Segundo Caderno

Nos últimos dias, Deus entrou na minha vida algumas vezes. A primeira foi quando o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse que nossa situação hídrica dependia de Deus. E Deus é brasileiro. Na segunda foi ouvindo uma conferência do psicanalista Joel Birman. Ele falava precisamente do eclipse de Deus no mundo moderno: fomos lançados à nossa própria sorte, tendo que definir os caminhos sem lei divina que nos oriente. Citou até Dostoievski: se Deus não existe, tudo é permitido.

Birman nos conta que vivemos uma angústia básica uma vez que nosso sistema defensivo é incapaz de prever todas as variáveis que nos ameaçam. Logo, um certo nível de paranoia é normal e comum a todos os habitantes do mundo moderno.

Para quem vive no Rio, como eu, bota paranoia nisso. Quer dizer, o nível normal de paranoia é, naturalmente, um pouco acima da média. Doze pessoas foram atingidas por balas perdidas em dez dias. Duas crianças morreram. A bala perdida é indefensável. Aliás, não gosto do adjetivo perdida. É uma bala que encontrou um alvo errado. É uma vida perdida, e quando ouço em casa os tiroteios no morro, não penso nelas, nas balas perdidas, mas nas vidas que podem encontrar pelo trágico caminho que suas trajetórias descrevem.

No caso da água e energia, vivemos também na incerteza: elas vão acabar, teremos racionamento, apagão? No momento em que escrevo quem apagou para nós foi Dilma. Ainda não deu as caras para dizer qual o estado de nossos reservatórios e usinas, que projeto tem para o duro período que se abre.

Uma terceira dose de paranoia vem da crise econômica. Há uma revoada de passaralhos, chegando como aves de arribação. Vejo empregos se derretendo aqui e ali e uma crescente preocupação com a perda do trabalho. É necessário colocar Deus entre parênteses para enfrentar o imenso desafio que temos pela frente, com nossa capacidade de avaliar e escolher.

Às vezes olho a crise de água que se abate sobre 45 milhões de brasileiros como um pesadelo. Sentia-me assim lendo sobre a Guerra das Malvinas, aquela gente fazendo guerra num mar escuro e revolto. Gostaria de acordar e constatar que aquilo só existe na minha imaginação. Muita gente na rua pensa que o governo não tem culpa nesse processo. Que era impossível fazer novos reservatórios; como realizar isso num período de chuvas?

Os rios brasileiros e o próprio mar são um saco de pancadas. Muitos estão em decadência, alguns agonizam. Chegamos a construir instrumentos para atenuar a devastação: comitês de bacia e cobrança pelo uso da água, reinvestindo quase 100% dos recursos na própria conservação do rio.

Existe um edifício legal, mas quase desabitado. Perdemos muita água no processo de distribuição. Jamais nos aventuramos, talvez por questões culturais, a reaproveitar o esgoto, transformá-lo em água pura. Fizemos uma série de audiências sobre a dessalinização, mostrando as diversas técnicas que existem e poderiam ser disseminadas pelo litoral brasileiro.

Nada disso foi usado adequadamente para conter a crise. Além do mais, ela chegou mais cedo do que minhas previsões pessimistas. Ao percorrer o rio Piracicaba, disse num documentário que grande parte dos especialistas considerava que a água teria no século XXI todo o potencial de conflitos que o petróleo trouxe ao século passado. Ironicamente, parto agora para Apodi, onde andei trabalhando sobre a morte dos jumentos no Nordeste. A pequena cidade do Rio Grande do Norte é rica em água, encontrada facilmente no subsolo. Depois de quatro anos de seca, nunca faltou água na cidade que exporta, para dez outras, em carros-pipas, e como água mineral vende para outros estados do Nordeste.

Num momento como este, Apodi não sonha com petrodólares, mas aquadólares. No meio do caminho, faço minhas contas. Uma simples garrafa de água mineral custa R$ 4 reais no aeroporto. Em alguns lugares do interior ainda a compro por R$ 2. Pelos meus cálculos, portanto, mesmo o mais barato litro de água mineral custa mais caro que o de petróleo.

É inevitável que a economia se ocupe da água como recurso decisivo. Na Califórnia, inúmeros mecanismos financeiros cuidam de lembrar ao consumidor de como se comportar num universo de escassez de água. Israel não só conseguiu sobreviver na escassez como fez dela uma riqueza, através da exportação de tecnologia.

No romance de Amós Oz “Judas”, o personagem principal é um jovem marxista romântico que usa aqueles casacos de inverno com uma cordinha e botões de madeira. A namorada o deixou por um engenheiro hídrico. O livro se limita a registrar apenas que a mulher trocou o herói por um engenheiro hídrico. Mas deve ser uma profissão de prestígio no país.

Até o momento, no Brasil, contamos apenas com Deus, que ainda pode terceirizar a responsabilidade para São Pedro. No sertão bravo, um personagem de Guimarães Rosa diz: “Deus, mesmo, se vier, que venha armado”. No Sudeste brasileiro, Deus, mesmo, se vier, que venha com uma garrafinha de água mineral.

Claudionor Germano e Coro - Frevos (Capiba)

Paulo Mendes Campos - Os domingos

Todas as funções da alma estão perfeitas neste domingo.
O tempo inunda a sala, os quadros, a fruteira.
Não há um crédito desmedido de esperança
Nem a verdade dos supremos desconsolos –
Simplesmente a tarde transparente,
Os vidros fáceis das horas preguiçosas,
Adolescência das cores, preciosas andorinhas.

Na tarde – lembro – uma árvore parada,
A alma caminhava para os montes,
Onde o verde das distâncias invencidas
Inventava o mistério de morrer pela beleza.
Domingo – lembro – era o instante das pausas,
O pouso dos tristes, o porto do insofrido.
Na tarde, uma valsa; na ponte, um trem de carga;
No mar, a desilusão dos que longe se buscaram;
No declive da encosta, onde a vista não vai,
Os laranjais de infindáveis doçuras geométricas;
Na alma, os azuis dos que se afastam,
O cristal intocado, a rosa que destoa.
Dos meus domingos sempre fiz um claustro.
As pétalas caíam no dorso das campinas,
A noite aclarava os sofrimentos,
As crianças nasciam, os mortos se esqueciam dos mortos,
Os ásperos se calavam, os suicidas se matavam.
Eu, prisioneiro, lia poemas nos parques,
Procurando palavras que espelhassem os domingos.
E uma esperança que não tenho.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Opinião do dia – Roberto Freire

‘Brasil, pátria educadora’, o novo slogan criado pelo marqueteiro oficial do lulopetismo para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, é mais uma peça de ficção que tenta esconder a incompetência de um governo marcado por estelionatos eleitorais em série. Enquanto a máquina de propaganda do PT vende à sociedade a ideia de que Dilma priorizará a educação como “nunca antes neste país”, os fatos da vida real, sem qualquer maquiagem ou pirotecnia, insistem em desmentir mais uma falácia do Palácio do Planalto.
---------------------
Roberto Freire, deputado federal e presidente nacional do PPS. Em artigo de jornal, 30 de janeiro de 2015

Petrobrás desaba na Bolsa após agência rebaixar nota

• Ação ON recuou 5,08%, para o menor valor desde 26 de agosto de 2004, enquanto a PN caiu 6,15%, a R$ 8,18, na mínima desde 16 de maio de 2005

Fabrício de Castro - O Estado de S. Paulo

O rebaixamento do rating da Petrobrás pela Moody's, durante a madrugada, atingiu em cheio os papéis da estatal, que despencaram desde o início da sessão. Essa notícia somou-se aos dados ruins das contas públicas e aos receios com um possível racionamento de energia e água para completar o cenário de baixa para a Bovespa.

Os papéis da Petrobrás estiveram entre os destaques de queda. Tudo porque a Moody's rebaixou o rating da Petrobrás para BAA3, mantendo a perspectiva sob revisão para futura nova baixa. Isso fez os papéis da Petrobrás caírem pela terceira sessão consecutiva. A ação ON recuou 5,08%, a R$ 8,04, no menor valor desde 26 de agosto de 2004. Já o PN caiu 6,15%, a R$ 8,18, na mínima desde 16 de maio de 2005. Na semana, o tombo foi de 15,55% na ON e de 18,20% na PN, praticamente a queda acumulada em janeiro, de 16,16% e 18,36%, respectivamente.

Como resultado, a Bovespa cedeu 1,79%, aos 46.907,68 pontos. Este é o menor nível desde 19 de março do ano passado. Na mínima, a Bolsa brasileira marcou 46.484 pontos (-2,68%) e, na máxima, 47.759 pontos (-0,01%). O Ibovespa terminou o primeiro mês de 2015 com perda de 6,20%. Em dezembro, já havia recuado 8,52%.

Além das notícias ruins para a Petrobrás, o Banco Central informou que o setor público consolidado (Governo Central, Estados, municípios e estatais - com exceção de Petrobrás e Eletrobrás) apresentou déficit primário de R$ 12,894 bilhões em dezembro. Foi o pior resultado para o mês desde 2001, quando teve início a série histórica do BC. Em 2014, o déficit público primário foi de 0,63% do PIB.

Com tantos dados negativos, os investidores não encontraram muitos motivos para comprar ações na Bovespa. Ainda mais porque a possibilidade de racionamento de energia e água em várias partes do País segue no radar. Na tarde de hoje, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, afirmou que o órgão não tem muito mais margem de manobra para garantir o abastecimento de energia em caso de escassez de chuvas. "É um desafio mesmo, porque não tem margem. Só uma medida ou outra. O grande vilão agora é a chuva", afirmou.

Já o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, descartou o risco de apagão nos próximos três meses e disse que o governo prepara um programa de eficiência energética a ser lançado nesse prazo.
Neste cenário, os papéis do setor de energia despencaram: Copel PNB (-5,45%), Cemig PN (-3,87%), Cesp PN (-3,84%), CPFL ON (-4,54%), Eletropaulo PN (-7,67%), Eletrobrás ON (-2,66%), Eletrobrás PNB (-4,66%) e Energias do Brasil (-2,15%). No setor de saneamento, Sabesp ON (-1,41%) e Copasa ON (-0,76%).

Endividamento e balanço pesam na decisão de corte

• Empresa divulgou resultado do 3º tri sem apontar perdas com corrupção

• Sem o selo de bom pagador, companhia pode ter dificuldade de financiamento e perder investidores

Pedro Soares – Folha de S. Paulo

RIO - A Petrobras sofreu um novo revés, ao ter suas notas de crédito rebaixadas pela agência de classificação de risco Moody's, após deixar de assumir perdas com corrupção em seu balanço.

A estatal está a um passo de perder o grau de investimento, o que, segundo a Moody's, pode acontecer já em fevereiro --uma "ameaça" rara nos comunicados das agências de avaliação de risco.

As incertezas sobre as contas da empresa e seu endividamento pesaram na decisão.

Com o corte da Moody's, a nota da Petrobras está no último degrau de empresa "segura" para investir antes de passar para uma avaliação de risco especulativo.

Ao justificar sua decisão, a agência mencionou a investigações sobre corrupção na estatal e possíveis impactos do atraso da divulgação do balanço auditado na saúde financeira da companhia.

"Atrasos na publicação de resultados financeiros trazem o risco de que os credores tomem ações que possam, eventualmente, levar ao aceleramento dos resgates [de títulos que não venceram ainda]", diz a Moody's.

Se não apresentar seu balanço auditado até maio, credores podem solicitar o pagamento antecipado de dívidas de uma só vez, o que estrangularia ainda mais o já apertado caixa da estatal.

A Moody's afirma que a falha em apresentar "claros progressos na produção de balanços financeiros" normais pode levar a um novo rebaixamento da nota da Petrobras nos próximos 30 dias. Ou seja, ela perderia o grau de investimento.

Essa chancela confere à empresa um custo menor em suas captações de recursos e um leque mais amplo de investidores para seus papéis.

Grandes fundos de pensão estrangeiros, como os norte-americanos, só podem comprar títulos de dívidas de empresas com grau de investimento. Apesar das críticas na época da crise global, o aval das agências de classificação risco ainda é fundamental para o investimento.

Na quarta-feira, a Petrobras divulgou, com mais de dois meses de atraso, seu balanço do terceiro trimestre de 2014, porém sem ainda o aval de auditoria independente.

Os dados, porém, diferentemente do que era esperado pelo mercado, não mostraram as perdas da estatal com a corrupção investigada pela Operação Lava Jato, da PF.

Segundo a estatal, cálculo indicava a necessidade de fazer ajuste para baixo de R$ 88,6 bilhões no valor dos ativos, mas que não era possível definir quanto da cifra era corrupção e quanto eram fatores como falhas em projetos.

O cálculo, feito por consultorias independentes, deixou a presidente Dilma enfurecida, segundo assessores. O Planalto preferia que o número não fosse divulgado e classificou de "amadora" a estimativa, por colocar na mesma cesta ativos bons com outros contaminados por corrupção.

Piora do quadro
Em 23 de dezembro, a Moody's já havia colocado a nota de crédito da estatal em revisão para possível corte.

Karina Freitas, analista da corretora Concórdia, diz que "o quadro se deteriorou ainda mais" com a a redução da nota. "A agência citou entre os fatores para possíveis novos cortes a própria alteração na nota soberana [do país], até então um piso para estatais."

Outro foco de preocupação, segundo a analista, é a piora dos índices de endividamento da companhia.

Para Standard & Poor's e Fitch, a Petrobras mantém o selo de "bom pagador".

Contas do país têm rombo de R$ 32,5 bilhões

• Foi o primeiro resultado negativo desde que o Banco Central começou a registrar os dados, em 2002

Gabriela Valente – O Globo

BRASÍLIA - O Brasil teve um rombo de R$ 32,5 bilhões nas contas públicas em 2014. Esse foi a primeira vez que o setor público (União, estados, municípios e estatais) registrou um déficit primário desde que o Banco Central começou a registrar os dados em 2001. Isso significa que o país gastou esse montante a mais do que o valor arrecadado em tributos pelo Estado. Isso representa 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país em um ano).

Apesar de ser um ano eleitoral — com vários impedimentos para despesas públicos — 2014 foi um ano atípico. Dos 12 meses, em sete o governo gastou muito mais dinheiro do que arrecadou. Não foi diferente em dezembro. No mês passado, o rombo veio inclusive maior que o projetado pelos economistas mais pessimistas do mercado financeiro: R$ 12,9 bilhões, o pior desde 2008.

No ano passado, todas as esferas de governo ficaram no vermelho. A União fechou o ano com um déficit de R$ 20,5 bilhões. Os governos regionais com um rombo de R$ 7,8 bilhões. E as estatais com uma fatura em aberto de R$ 4,3 bilhões.

Com essa gastança governamental, faltou dinheiro para pagar juros da dívida. O Brasil tinha uma conta de R$ 311,4 bilhões de encargos para arcar em 2014. Sem poupança nenhuma para diminuir essa dívida, a conta não fechou. Ao contrário, como os impostos não foram suficientes nem para as despesas do ano, os gastos a mais viraram dívida.

Isso aumentou o chamado déficit nominal do país que chegou a R$ 343,9 bilhões, ou seja, 6,7% do PIB: o maior da história.

Contribuiu para isso a política do Banco Central de intervir no mercado financeiro para evitar uma estilingada do dólar. Com os leilões diários no mercado futuro, o BC gastou R$ 17,3 bilhões, já descontados todos os ganhos. Esse montante aumentou a conta de juros a ser paga pelo país no ano passado.

Mesmo com um déficit nominal recorde, o Banco Central aposta que o Brasil não perderá o grau de investimento:

— Não levamos em consideração esse cenário — rebateu o chefe-adjunto do departamento econômico do BC, Fernando Rocha.

Ele lembra que o Brasil deve cumprir a meta de economia para pagar juros da dívida neste ano de 1,2% do PIB. Isso deve fazer com que o déficit nominal caia para 4,5% do PIB neste ano. Mesmo com o aperto fiscal, a previsão é que haverá aumento da dívida líquida neste ano. A aposta é que a relação entre o endividamento e o PIB — o principal indicador da saúde das contas públicas — fique em 38,2% do PIB.

Em 2014, sem conseguir poupar nenhum centavo para pagar juros, a dívida aumentou pela primeira vez - em termos anuais - desde 2009. Subiu de 33,6% do PIB, em 2013, para 36,7% do PIB.

— Essa tendência de elevação da dívida deve continuar ao longo de 2015 — avisou Rocha.

Cálculo do tesouro mostrou saldo negativo
O resultado consolidado é divulgado um dia após o Tesouro Nacional informar que o governo central — que reúne Tesouro, Previdência e Banco Central — registrou déficit primário de R$ 17,2 bilhões, o primeiro saldo negativo de toda a série história, iniciada em 1997. O número foi influenciado pelo desequilíbrio entre despesas e receita: em 2014, os gastos do governo aumentaram 12,8%, enquanto os ganhos cresceram só 3,6%.

Desde dezembro, a nova equipe econômica já anunciou uma série de medidas para reforçar as contas do governo. A primeira delas foi a restrição ao acesso a alguns benefícios de trabalhadores, como o seguro-desemprego. A estimativa é que as novas regras resultem em uma economia de R$ 18 bilhões só neste ano. O governo, no entanto, já indicou que pode ceder a pressões de centrais sindicais, que são contra as restrições.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou na semana passada uma série de aumentos em impostos, que devem melhorar a arrecadação — que encolheu no ano passado — em cerca de R$ 20 bilhões neste ano. O pacote inclui a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), tributo que incide sobre os combustíveis.

No ano passado, o governo — ao perceber que não conseguiria cumprir a meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) —, o governo conseguiu aprovar a alteração da legislação no Congresso que, na prática, permitiu que a meta não fosse cumprida. A estratégia foi permitir o abatimento do total das despesas do Programa de Aceleração do Crescimento, o que poderia chegar a R$ 140 bilhões. Dessa forma, mesmo com resultado negativo, o governo cumpre a legislação e entrega um superávit primário de R$ 49,1 bilhões.

E o lulopetismo desestabilizou a Petrobras – Editorial / O Globo

• A maior crise na história da empresa é causada por um partido de esquerda e não pelos “neoliberais” tucanos, nem os ‘entreguistas’ de todos os matizes

Num enredo de realismo fantástico aplicado à política, o lulopetismo, corrente hegemônica do PT, partido de esquerda, é que se tornou o maior algoz da Petrobras, nas seis décadas de história da estatal, ícone da própria esquerda. Não foram o “neoliberalismo” da social-democracia tucana nem os “entreguistas” de todos os matizes o carrasco da companhia, como petistas sempre denunciaram. Bastaram 12 anos de administração comandada pelo PT para a maior empresa brasileira, situada também com destaque em rankings internacionais, chegar ao ponto de não ter acesso ao mercado global de crédito, devido ao alto risco que representa.

A maior crise da história da Petrobras tem começo, meio e ainda não se sabe o fim. É certo que ela será uma empresa menor, depois da baixa patrimonial que terá de fazer para refletir os efeitos dramáticos produzidos em seus ativos pelo lulopetismo: desde a rapina patrocinada por esquemas político-partidários — do PT, PP, PMDB, por enquanto — a decisões de investimento voluntaristas, sem cuidados técnicos, e também inspiradas por preferências políticas e ideológicas.

No mais recente fiasco da diretoria e Conselho de Administração — a divulgação do balancete do terceiro trimestre do ano passado sem auditoria e registro contábil da roubalheira do petrolão —, foi revelado que, da análise de 31 ativos da companhia, resultou a estimativa de que eles estariam superavaliados em astronômicos R$ 88,6 bilhões.

Não apenas pelos desvios do petrolão, mas por mau planejamento e mudanças de parâmeros como dólar e preço do petróleo. Sobre a corrupção em si, o Ministério Público do Paraná informa que a Operação Lava-Jato, a que está desbaratando a quadrilha da estatal, permitiu a denúncia contra responsáveis por desvios de R$ 2,1 bilhões, dos quais R$ 450 milhões foram recuperados e R$ 200 milhões, bloqueados na forma de bens de réus. Para comparar: no mensalão foram R$ 140 milhões.

O começo da hecatombe foi a entrega da estatal ao lulopetismo sindical, de que José Sérgio Gabrielli é símbolo. Ex-presidente da estatal, ele foi denunciado devido a evidências de superfaturamento em obras do centro de pesquisa da estatal.

Diretores passaram a ser apadrinhados por políticos/partidos, e assim abriram-se as portas do inferno. O próprio Lula fez uso político da estatal, ao impor a construção de refinarias inviáveis no Maranhão e no Ceará, para contentar os Sarney e os Gomes (Cid e Ciro). Elas acabam de sair dos planos da estatal, mas, só em projetos, desperdiçaram R$ 2,7 bilhões. A Abreu e Lima, por sua vez, um ícone do superfaturamento, surgiu de conversas entre Lula e o caudilho Hugo Chávez — sem que a Venezuela investisse na refinaria.

Na quinta, a agência Moddy’s rebaixou todas as notas de risco da estatal, colocando-a no limiar da perda do “grau de investimento”. Abaixo desse nível, os títulos da empresa entram na faixa do “junk”, “lixo”. Com méritos.

A batalha da comunicação – Editorial / O Estado de S. Paulo

"Vamos falar mais" foi o que pediu a presidente Dilma Rousseff aos ministros do seu governo, durante reunião na Granja do Torto. O pedido, vindo de alguém que até aquela ocasião parecia ter entrado o ano à sombra - diante do desastre administrativo que foi seu primeiro governo e dos cabeludos escândalos a que o País vem assistindo, a presidente mantinha-se muda -, surpreendeu o distinto público da reunião.

No entanto, tendo em vista o longo tempo que Dilma dedicou ao tema - apelidando-o de "batalha da comunicação" -, a determinação para que os ministros falem mais define a sua visão sobre o que é governar um país.

O Brasil tem graves problemas, a começar pelos de infraestrutura precária e do sistema educacional deficiente, que demandam a atenção integral da alta administração do País. Mas, ao focalizar como o grande tema do início do seu segundo mandato a "batalha da comunicação", a presidente mostra que, para ela, governar é envolver-se em picuinhas. Já não se trataria de administrar bem os recursos públicos, prover serviços públicos adequados, corrigir o que está indo mal. O que lhe parece importar é construir uma imagem favorável perante a opinião pública.

As verdadeiras batalhas de um governo não são as batalhas psicológicas ou de comunicação. Governar bem é promover o bem comum - melhorar as políticas públicas, tornar mais eficiente a atuação do Estado, criar um ambiente propício ao investimento e ao trabalho, fechar as torneiras da corrupção. É para isso que um povo elege o seu governante.

O discurso a respeito da batalha da comunicação revela também a insegurança de Dilma, pois quatro anos de governo não foram suficientes para dar consistência a uma personagem criada artificialmente na campanha de 2010. A presidente parece ainda ter a insegurança da debutante, que anseia continuamente olhar-se no espelho e saber o que dela pensam os outros. Ora, o que dela se pensa reflete exatamente o que ela faz ou deixa de fazer.

E o saldo de sua administração é, para se dizer o mínimo, desastroso. Terá, portanto, de corrigir rumos, mudar atitudes, esquecer preconceitos e lançar-se ao trabalho árduo, seguindo diretrizes racionais, que não sejam produtos de uma vontade que se esboroa no choque com a realidade.

A distância entre governar para valer e governar para aparecer é abissal. Essa diferença pode ser facilmente comprovada ao comparar o que cada tipo de governo entrega à população. No governo encarado como uma boa administração da coisa pública, a população recebe políticas públicas adequadas, que se traduzem em desenvolvimento social e econômico. No governo reduzido a uma batalha da comunicação, a população recebe, se tiver sorte, um bom programa de TV.

Governar um país não é promover uma contínua campanha eleitoral, na qual a cada dia se grava um programa de rádio e de TV. A população espera muito mais dos seus governantes. A população não quer explicações e mais explicações, como a presidente Dilma ordena a seus ministros que façam. A população está farta de explicações - ela quer fatos.
Caso sintomático é o modo como o Palácio do Planalto vem tratando as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobrás, empreiteiras e partidos políticos. Até o momento, o governo apenas deu explicações - e formulou promessas. Mas o País ainda está à espera de providências efetivas na esfera administrativa. Como afirmou o Ministério Público Federal, ao requerer a prisão preventiva de Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás, ainda "não há indicativos" de que o esquema de corrupção na estatal tenha sido estancado.

A visão de Dilma sobre o que é governar - o governo como uma guerra psicológica, e não como um serviço à sociedade - é uma vez mais a triste confirmação de que o lulopetismo só se preocupa com a própria manutenção no poder. Deu as costas para a população. Deu as costas para aquilo de que o País precisa. Deu as costas para as suas responsabilidades constitucionais. E agora doutrina os novos ministros para que façam o mesmo.

O país no vermelho

• Nunca antes na história tanto dinheiro púbico foi jogado no lixo, cidadãos e contribuintes foram tratados com tanto descaso e os governantes agiram com tamanha desfaçatez

Num dia, é a cifra astronômica do custo da corrupção, da roubalheira e da ineficiência na Petrobras. No outro, a fatura da gastança e do descontrole fiscal patrocinados pela presidente Dilma Rousseff. A cada nova fornada, a contabilidade dos anos de governo do PT vai revelando que o partido dos mensaleiros e do petrolão pôs o Brasil no vermelho.

Nunca antes na história tanto dinheiro público foi jogado na lata de lixo, o cidadão foi tratado com tanto descaso e os governantes agiram com tamanha desfaçatez. O fiasco da vez é o resultado fiscal do governo central - que será completado hoje com a divulgação dos números do setor público consolidado, que incluem estados e municípios.

Todos irão se lembrar de Dilma na campanha reiterando que o país tinha desempenho fiscal "inquestionável, inquestionável" e que o superávit do ano seria cumprido. Também vão se recordar de Aloizio Mercadante - que continua mandando no Planalto - dizendo, em novembro, que era "exemplar" o trato que o governo petista dava às contas públicas.

Fechado o ano, o governo teve rombo de R$ 17,2 bilhões, o primeiro desde 1997. O buraco apareceu porque as despesas foram turbinadas no ano da eleição, com alta de 12,8%, enquanto as receitas cresceram menos que a inflação (3,6%). É aritmética básica: assim conta nenhuma fecha.

O retrato do descalabro fiscal do primeiro mandato de Dilma é horroroso. A dívida pública bruta cresceu de 53% do PIB para 63% do PIB. Os gastos totais atingiram R$ 1,013 trilhão no ano passado, com alta de 45% sobre 2010. Só em 2014, as despesas aumentaram R$ 117 bilhões, resume o Valor Econômico. Onde está indo parar toda esta dinheirama?

O mais alarmante é que a presidente da República assumiu num discurso lido, ou seja, de maneira premeditada, que a gastança foi feita de caso pensado. “Nós reduzimos nosso resultado primário para combater os efeitos adversos desses choques sobre nossa economia e proteger nossa população”, tentou justificar Dilma na reunião ministerial de terça-feira. Lorota: na verdade, o meu, o seu, o nosso dinheiro foi torrado para reeleger a presidente.

Até a eleição, Dilma e gente do PT juravam que o governo teria saldo fiscal de R$ 81 bilhões. Passada a votação, a máscara começou a cair, a meta foi reduzida até chegar à espúria mudança na LDO que transformou a irresponsabilidade fiscal em boa ventura, permitindo que déficit fosse computado como superávit. Não tinha como dar certo.

Os resultados fiscais conhecidos agora indicam que as promessas de austeridade do novo governo são ainda menos críveis, ou pelo menos muito mais difíceis de serem alcançadas. O buraco é maior que o previsto e o esforço para reverter o rombo terá que ser ainda mais drástico, atingindo bem mais que os R$ 66 bilhões anunciados até agora. E o pior é que nem com os dividendos da Petrobras esta gente poderá contar...

Janot dá parecer favorável à prisão de Renato Duque

• Procurador-Geral da República vê chances de ex-diretor da estatal fugir do País

Fausto Macedo, Mateus Coutinho e Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer favorável à prisão preventiva do ex-diretor de Serviços e Engenharia da Petrobrás Renato de Souza Duque, ao analisar o mérito de habeas corpus ajuizado por ele no Supremo Tribunal Federal.

Duque foi preso em novembro de 2014 por determinação da 13.ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, a pedido do Ministério Público Federal no Paraná e solto depois por decisão do ministro do Supremo Teori Zavascki.

A Procuradoria e a Polícia Federal atribuem a Duque envolvimento direto com esquema de corrupção e propinas que se instalou na Petrobrás. Ele chegou ao cargo indicado pelo PT.

A força-tarefa do Ministério Público Federal avalia que já dispõe de elementos suficientes para afirmar que a Diretoria de Serviços da Petrobrás, na gestão de Renato Duque, captou cerca de R$ 650 milhões em propinas sobre contratos fechados de 2004 a 2012 com as seis empreiteiras que teriam integrado cartel para assumir negócios bilionários na estatal.

Pedro Barusco, que foi gerente executivo e braço direito de Duque, fez delação premiada e abriu mão de US$ 100 milhões. Os procuradores federais que investigam o caso vão denunciar Duque por corrupção.

Janot vê motivos para a prisão do ex-diretor da Petrobrás, e considera insuficientes medidas substitutivas, como proibição de deixar o País e obrigação de entregar o passaporte.

No parecer, o procurador-geral argumenta que Duque “possui inúmeras possibilidades, notadamente financeiras a partir de dezenas de milhões de reais angariados por práticas criminosas, de se evadir por inúmeros meios e sem mínimo controle seguro, especialmente se consideradas as continentais e incontroladas fronteiras brasileiras”.

Para Janot, “não se trata de imaginar situações abstratas, imaginárias, mas de considerar que, em situações similares, muitos réus e investigados e em condições não tanto privilegiadas quanto o paciente (Duque)já se evadiram do País”.

Quando decretou a prisão preventiva de Duque, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, destacou existência de “prova suficiente de materialidade e autoria (dos delitos)”. Moro assinalou que as delações premiadas do ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef são convergentes no sentido de apontar o nome de Duque como participante do esquema de distribuição de propinas na Petrobrás.

Fortuna. Na ocasião, o juiz advertiu que “corre-se o risco de o investigado tornar-se foragido e ainda fruir de fortuna criminosa, retirada dos cofres públicos e mantida no exterior, fora do alcance das autoridades públicas.” A prisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No recurso ao Supremo, o ministro Teori Zavascki deferiu parcialmente a liminar no habeas corpus para revogar a prisão preventiva, substituindo-a por proibição de deixar o País, de mudar de endereço sem autorização, obrigação de entregar o passaporte e de comparecer a todos os atos do processo.

No parecer, Janot refuta taxativamente uma tese reiterada pelos defensores dos empreiteiros presos pela Lava Jato que pretendem tirar as investigações das mãos de Moro sob alegação de que ele é incompetente para conduzir o caso. “O que importa para fins de determinação da competência é a conexão entre os fatos-objeto de apuração, dentre os quais estão seguramente os praticados por Renato Duque”, anotou o procurador. “Há, indiscutivelmente, um elo inquebrantável entre os fatos originários da investigação e aqueles que dizem respeito ao ora paciente (Duque). / Colaboraram Talita Fernandes e Beatriz Bulla

PT e PSDB enfrentam resistências das bancadas nas eleições do Congresso

Erich Decat, Isadora Peron, Fábio Brandt - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA As cúpulas de PT e PSDB enfrentam resistências em suas bancadas no Congresso quanto à orientação para as eleições das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Essas divergências, em especial a dos deputados tucanos, são tidas como decisivas para as votações de amanhã.
A sinalização de parte dos tucanos em abandonar a candidatura ao comando da Câmara de Júlio Delgado (PSB-MG) levou o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), a entrar em campo para tentar diminuir a debandada de correligionários.

Ontem, no encontro da bancada em Brasília, Aécio foi enfático na defesa do candidato do PSB. O gesto demonstra gratidão ao apoio da legenda no segundo turno da disputa presidencial.

Até a reunião de ontem, setores do PSDB, em especial o de São Paulo, sinalizavam o desejo de apoiar a candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a fim de negociar cargos como a vice-presidência e o comando das principais comissões, todos considerados estratégicos. O peemedebista conta com esses votos para tentar vencer a eleição em turno único.

"Isso não é o mais relevante. Não acho que é mais importante para o PSDB ter um espaço na Mesa, mas sim manter a coerência política", afirmou Aécio. "A pressão individual realizada por Eduardo Cunha diminui com a fala do Aécio", disse o deputado Carlos Sampaio (SP), futuro líder da bancada tucana.

Apesar disso, dificilmente os 54 deputados do PSDB - terceira maior bancada da Casa - votarão unidos em Delgado. "Acredito que se recuperou substancialmente os votos, mas nunca se terá todos eles", avaliou o deputado Bruno Araújo (PE), vice-presidente do partido.

Proximidade. A mobilização do PSDB em apoio a Delgado também indica o interesse dos tucanos em manter o PSB mais próximo da oposição do que de um eventual retorno à base do governo Dilma Rousseff. O partido rompeu com o PT em setembro de 2013, para lançar o então governador de Pernambuco e presidente da sigla, Eduardo Campos, candidato ao Planalto. Após a reeleição de Dilma, parte do PSB tenta retomar a aliança com o governo petista.

"A política requer coerência. Não é hora de fracionar as oposições", defendeu o futuro líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB). Nesta Casa, os tucanos tendem a marchar unidos com Luiz Henrique (PMDB-SC). Ele vai enfrentar o atual presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), o preferido de 15 dos 19 senadores do partido, em votação realizada ontem.

Renan tem aval do governo e espera ser apoiado pelos senadores petistas. Estes, no entanto, reuniram-se ontem antes de ser confirmada a candidatura do atual presidente e não chegaram a uma definição. Por isso, a bancada volta a se reunir hoje. Alguns parlamentares, como Jorge Viana (AC), manifestaram simpatia pela candidatura de Luiz Henrique, mas a maioria dos 13 senadores tende a ficar com Renan.

Nem na Câmara há certeza de que todos os 70 deputados eleitos pelo PT votem no correligionário Arlindo Chinaglia (SP), apoiado pelo governo. Para alguns parlamentares, sua vitória enfraqueceria ainda mais a corrente majoritária do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB), que perdeu espaço para grupos minoritários na divisão de poder do governo Dilma.

Governo em campanha aberta

• Planalto mergulha nas eleições no congresso, preocupado com risco de enfrentar presidentes hostis

Fernanda Krakovics, Cristiane Jungblut, Isabel Braga e Chico de Gois – O Globo

BRASÍLIA - Temendo se tornar refém nos próximos dois anos de um Congresso hostil, o governo Dilma Rousseff abandonou o discurso protocolar de independência entre os Poderes e está em campanha aberta para eleger Arlindo Chinaglia (PT-SP) na Câmara e Renan Calheiros (PMDB-AL) no Senado. O Palácio do Planalto tentou reverter defecções na base aliada a favor tanto da candidatura do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem chances reais de se eleger presidente da Câmara amanhã, como da chapa do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que é patrocinada pela oposição. Apesar de Renan, atual presidente do Senado, continuar favorito na disputa, governistas consideram competitiva a candidatura do catarinense, especialmente pelo fato de a votação ser secreta.

O esforço do governo na Câmara não está ainda surtindo todo o efeito desejado. O PRB, por exemplo, ratificou ontem o apoio à candidatura de Cunha, apesar dos apelos do ministro do Esporte, George Hilton (PRB-MG). Além de argumentos políticos, deputados da base afirmam que ministros estariam prometendo cargos e recursos do Orçamento, o que eles negam. No Senado, o PDT, apesar de comandar o Ministério do Trabalho, anunciou formalmente o apoio a Luiz Henrique. Por trás do esforço para garantir aliados na presidência das Casas, está o temor de que a CPI da Petrobras seja reaberta.

Pivô do fim da CPMF
No caso da Câmara, Cunha é fonte de dor de cabeça para o Palácio do Planalto desde o governo Lula, quando foi pivô da derrubada da CPMF, o chamado imposto do cheque. Agora o peemedebista está capitalizando o sentimento de insatisfação da base aliada com o governo Dilma e com o PT. Deputados de partidos como PMDB, PP, PR, PRB e PTB se sentem sub-representados no Executivo e cobram cargos, liberação de recursos do Orçamento e mais diálogo.

Já no Senado, o Palácio do Planalto argumenta com dissidentes da base que sempre pôde contar com Renan em momentos de crise e na defesa de interesses do governo. Da ala independente do PMDB e apoiado pela oposição, Luiz Henrique afirma que não ficaria contra o governo se for eleito, mas o governo não confia.

- O apoio do Renan custa caro, mas ele mata no peito. O Luiz Henrique não vai fazer isso - disse um senador do PT afinado com o Planalto.

Há senadores do próprio PT dispostos a votar em Luiz Henrique. A bancada do partido se reuniu ontem e não conseguiu fechar posição. A bancada do partido deve anunciar, na tarde de hoje, apoio a Renan, mas pelo menos quatro dos 13 senadores do PT devem votar em Luiz Henrique. Os ministros Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Ricardo Berzoini (Comunicações), e o próprio ex-presidente Lula, tentam enquadrar senadores petistas.

Na reunião de ontem, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) foi o mais enfático, de acordo com participantes da reunião, na defesa do catarinense:

- Tem que mudar, não dá mais para ficar refém do PMDB - teria dito Pinheiro.

Mais comedido, o senador Jorge Viana (PT-AC) também defendeu o catarinense.

- Eu trabalhei com o Luiz Henrique no Código Florestal. Ele é uma pessoa séria, confiável - teria afirmado Viana.

Nos últimos dias, Renan ligou para o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), para cobrar apoio. O ministro também foi procurado por Luiz Henrique para dizer que não seria um candidato de oposição. Aos dois, Aloizio Mercadante teria dito que defende o apoio à posição da bancada do PMDB, no caso, à candidatura de Renan.

O ministro Ricardo Berzoini, por sua vez, tem feito dupla jornada, acumulando funções de sua pasta, Comunicações, com a busca de apoio de deputados a Arlindo Chinaglia. Ele afirma que está agindo como "militante político", e não como ministro.

- Não estou pedindo votos a Chinaglia porque ele seria alinhado ao governo, mas porque acho que ele é o melhor quadro - disse Berzoini.

Traições nos partidos devem definir disputa na Câmara

• Com voto secreto, acertos feitos pelas cúpulas das legendas estão sob ameaça

• São esperadas infidelidades contra Cunha e Chinaglia até dentro de suas siglas, o PT e o PMDB

Márcio Falcão, Ranier Bragon, Catia Seabra – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A dois dias da eleição para a presidência da Câmara, partidos intensificaram nesta sexta-feira (30) acordos com as três principais campanhas, de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Júlio Delgado (PSB-MG), mas os acertos estão sob ameaça de não serem cumpridos pelos deputados.

Mesmo com a pressão das direções partidárias, há promessas de traições nas bancadas do PSDB, PT, PMDB, PTB, PSD, PDT, PRB, PSB e PV, pelo menos.

A votação deste domingo (1º) é secreta, o que dá mais liberdade aos parlamentares, e irá definir quem comandará a Câmara em 2015 e 2016.

Cunha é apontado como favorito, mas apesar de ser de uma legenda governista, enfrenta resistência do Planalto, que não o considera confiável e, por isso, trabalha para eleger Chinaglia.

A contabilidade oficial de apoio partidário mostra cerca de 180 votos para Cunha, 150 para Chinaglia e 100 para Delgado. Mas o voto secreto torna esses números pouco confiáveis.

Considerado "azarão", Júlio Delgado iria formalizar nesta sexta seu bloco de apoio, mas foi forçado a adiar o ato porque ainda faltava o aval de quatro deputados do PPS.

Delgado, no entanto, conseguiu evitar o esvaziamento de sua candidatura, assegurando o apoio formal do PSDB, o maior partido de oposição no Congresso.

O presidente dos tucanos, senador Aécio Neves (MG), impediu uma debandada formal da legenda para a campanha de Cunha. Aécio pressionou os deputados a permanecer com Delgado porque teme que o PSB, que rompeu em 2013 aliança histórica com o PT, voltasse a se aliar com o governo.

De volta à cena política de visual repaginado, exibindo uma barba, Aécio negou traições tucanas. Mas aliados apontam que uma boa parte da bancada votará em Cunha. Dos 54 parlamentares, 37 teriam demonstrado disposição para voto no peemedebista. Júlio também deve perder votos no PSB e no PV.

Contra Cunha, são esperadas infidelidades no próprio PMDB, além do PRB e PTB, que contam com ministérios. Com 21 deputados, o PRB fechou aliança com Cunha antes de conquistar o Ministério do Esporte. O ministro Armando Monteiro (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), do PTB, apoia Chinaglia.

Pressionado pelo governo, o PP pode confirmar neste sábado alinhamento ao PMDB. O anúncio tem sido adiado para evitar mais pressões do governo, que tem sinalizado oferta de cargos à legenda.

Rejeitando o título de candidato do Planalto, Chinaglia ganhou o apoio do PDT. No PSD, a bancada do Rio disse que foi liberada pelo ministro Gilberto Kassab (Cidades), um sinal para o PMDB.

O petista deve trazer o PR para seu bloco parlamentar, mas quase metade dos deputados deve optar pelo PMDB no voto secreto. A campanha do petista também já mapeou traições no próprio PT.

Dos 69 deputados, são esperados sete votos nos adversários de Chinaglia. A bancada petista divulgou nota negando com "veemência" a insinuação de que haverá traições ao petista.

"O Partido dos Trabalhadores construiu a unidade em torno da candidatura do deputado Arlindo Chinaglia e votará de forma unificada (...) Ademais, a capacidade e a seriedade de Chinaglia são reconhecidas por todos os seus pares", diz o texto.